Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
21032/16.1T8LSB-A.L1-1
Relator: ISABEL FONSECA
Descritores: CITAÇÃO EDITAL
DILAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/01/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: Encetada a citação edital – nunca tendo o executado questionado que as circunstâncias o justificavam – constata-se que a publicação do edital surtiu o seu efeito útil, pois que, por essa via, o executado teve conhecimento da pendência do processo executivo instaurado contra si e apresentou-se perante o agente de execução com vista a que lhe fossem fornecidos os elementos pertinentes; a partir do momento em que o executado se apresenta, recebe os respetivos documentos e é citado pessoalmente, é dessa data que o prazo para a defesa se começa a contar, sem qualquer prazo de dilação, que só tinha cabimento no âmbito da citação edital.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes da 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Lisboa.

  
I.–RELATÓRIO:

Em 07-10-2018 B. deduziu os presentes embargos à execução que contra si foi instaurada pelo Banco Santander Totta SA e que corre termos com o nº21032/16.1T8LSB.

Em 30-10-2018 foi proferida a seguinte decisão:
“(…)Os presentes embargos de executado foram instaurados em juízo no dia 07/10/2018.--
O aqui embargante foi citado no dia 20/08/2018, conforme certidão de citação pessoal junta pela Sra Agente de Execução aos autos de execução principais por requerimento de 24/08/2018 (refa 0002048).--
O prazo de que dispunha para deduzir embargos de executado era de 20 (vinte) dias - cfr. artigo 728.°, n.° 1 do Código de Processo Civil, que não tinha no caso qualquer dilação, e que se iniciou no dia 03 de Setembro de 2018 (Segunda-feira), por via da interposição do período das férias judicias (que terminaram a 31/08/2018).--
Em face do exposto, o apontado prazo de vinte dias terminou aos 24 de Setembro de 2018 (Segunda-feira), mostrando-se assim exaurido aquando da apresentação em juízo do articulado de embargos de executado.—
Termos em que face ao exposto, por terem sido deduzidos fora de prazo, indeferem- se liminarmente os embargos deduzidos - artigos 728.°, n.° 1 e 732.°, n.° 1, alínea a), ambos do CPC.--
Custas pelo embargante.
Valor: o da execução.--
Registe e notifique.
Oportunamente, em correição, dando baixa.--

Não se conformando o embargante apelou formulando as seguintes conclusões:
“A)– A irregularidade na citação edital, constituí nulidade processual [art. 188/1 c) do CPC] que gera a nulidade de todo o processado a partir do requerimento executivo [art. 187 do CPC] e é de conhecimento oficioso.
B)– Sendo atendida implicará a anulação do processado incluindo as penhoras prematuras, com exceção do requerimento inicial.
C)–  Uma vez que se trata de nulidade de conhecimento oficioso, havendo nos autos os elementos necessários para se decidir, é poder- dever do juiz conhecer da referida nulidade, tirando daí as legais consequências.
D)– O tribunal a quo deveria pronunciar-se e conhecer da referida falta de citação por consistir numa nulidade que impõe a anulação de todo o processado, e, não o fazendo, deverá ser declarado nulo o despacho de indeferimento liminar de embargos de executado, nos termos da al. d) n.° 1 do art. 615 e n.1 e n.° 2 do art.° 851 do C.P.C.
E)– No entanto, cumpre referir que o Recorrente, só agora teve acesso ao documento de Citação Edital Eletrónica - requerimento com referência eletrónica Portal Citius n.° 378963838.
F)– Certamente que, na possibilidade de junção destes documentos aos presentes autos, antes, ou durante o julgamento em 1ª Instância, assistia-se a uma decisão em sentido inverso, favorável ao Embargante.
G)– No entanto, e nos termos do disposto no art.° 425.°, conjugado com o 651.° do C.P.C, tal junção é ainda possível junto do Tribunal da Relação.
H)– Preceitua o art.° 425.° que “Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento”.
I)– Nestes termos, desde já se requer a junção ao presente recurso, da Citação Edital Eletrónica - requerimento com referência eletrónica Portal Citius n.° 378963838- (doc° 1 que se junta e se dá por reproduzido para os demais efeitos legais).

J)–  Termos em que se requer, ao abrigo dos artigos 640.° e 662.° do CPC, que à decisão da matéria de facto proferida pelo Tribunal a quo sejam aditados os seguintes factos:
I- O aqui embargante foi citado editalmente no dia 17/8/2018, para, querendo, vir aos presentes autos deduzir oposição à penhora, ao abrigo do disposto no artigo 785o CPC. - Conforme edital que se junta e se dá por reproduzido para os demais efeitos legais.
II- O prazo de dispunha para deduzir embargos de executado, iniciou-se no dia 3 de Setembro de 2018 (Segunda-feira), por via da interposição do período de férias judiciais (que terminaram a 31/08/2018) e terminou no dia 20 de Outubro de 2018 — cfr. art.0242 e 728 n.01 do C.P.C.)
III- No dia 7/10/2018 o executado apresentou, atempadamente em juízo, o seu articulado de embargos de executado.

K)–  No sentido, do aditamento de novos factos, veja-se, Sousa, Miguel Teixeira de, Estudos sobre o Novo Processo Civil, 2.a edição, Lex, Lisboa, 1997, p. 77; mais recentemente, Pimenta Paulo, Onus de alegação e de impugnação das partes e poderes de cognição do tribunal in II Colóquio de Processo Civil de Santo Tirso, Paulo Pimenta (coord.), Almedina, 2016, p. 93), Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, Data:  01.04.2014, Processo: 140967/12.8YIPRT.L1-1, Relator: João Ramos de Sousa, Disponível em www.dgsi.pt),
L)– O que significa que, ao Recorrente não lhe pode ser assacada quaisquer responsabilidades na apresentação extemporânea dos embargos de executado, que correm por apenso à execução supra referida, os quais foram apresentados de forma tempestiva.

EM CONCLUSÃO
Em conclusão, verifica-se que ao Recorrente não lhe pode ser assacada quaisquer responsabilidades na apresentação extemporânea dos embargos de executado, que correm por apenso à execução supra referida, motivo pelo qual, por não assistir nos termos e fundamentos supra expostos, qualquer razão, ao Tribunal a quo, deverão V. Exas., Venerandos Juízes Desembargadores do Tribunal da Relação de Lisboa, com maior sapiência revogar, in totum, a douta sentença, substituindo-a por uma outra que declare a anulação de todo o processado ulterior ao recebimento do requerimento executivo repondo-se dessa forma a mais elementar Justiça!
Normas Violadas: Artigos 1, artigo 139° n° 5, artigo 187.°, 188.°, n.° 1 alínea c), 615 n.1 alínea d), 851.°, n.° 1 e 2 todos do CPC; Artigos 8.°, 9.°, n.° 2 e 3, 341.°, 342.° todos do Código Civil;
Artigos 13.°, 202.°, n.° 1 e 2 e 205.°, Todos da Constituição da República Portuguesa”.

Não foram apresentadas contra-alegações.

Cumpre apreciar.

II.–FUNDAMENTOS  

1.- Sendo o objeto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pelo embargante/apelante e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras – arts. 635º e 639ºdo CPC, diploma a que aludiremos quando não se fizer menção de origem, – salientando-se, no entanto, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito –  art.º 5º, nº3.
No caso, impõe-se apreciar da tempestividade dos embargos instaurados pelo executado.

2.- Não se discute que a oposição do executado foi apresentada em tribunal em 07-10-2018, como não se discute e podemos assentar, em face dos elementos que o próprio processo evidencia e da posição das partes, que:
– Deu-se início à citação edital do executado, tendo sido afixado à porta da residência conhecida do executado/embargante o edital cuja cópia consta de fls. 16 dos autos, em 17-08-2018, aí se indicando que “uma vez que não foi possível apurar o seu paradeiro leva-se a efeito a presente citação por via edital, através de fixação na última morada conhecida(…) e ainda publicado em anúncio eletrónico que pode ser consultado no sítio de (…).

Tem assim o prazo de vinte dias, acrescidos da dilação de trinta dias, para pagar ou se opor (através de embargos de executado) à execução.(…)

Os duplicados do requerimento executivo e demais documentos estão à sua disposição no escritório do agente de execução e no tribunal”;
– Em 20-08-2018 o executado apresentou-se ao agente de execução, tendo sido citado pessoalmente, o que o agente de execução deu a conhecer nos autos conforme consta de fls. 43 e 44, solicitando “a V. Exª que dê sem efeito a citação edital do executado B, uma vez que este deslocou-se ao escritório da AE no dia 20.08.2018 a fim de receber os documentos dos autos, tendo declarado que voltou de Angola e reside na Rua …, Caparica”.

O apelante peticionou a junção aos autos do aludido documento de fls. 16, indicando tratar-se de documento superveniente, sem qualquer cabimento porquanto tudo se reconduz à tramitação do processo de execução e, mais precisamente, às diligências alusivas à citação da parte, pelo que estamos perante elementos acessíveis aos vários intervenientes processuais e ao tribunal, não se colocando qualquer questão de superveniência de apresentação de meios de prova; esta Relação pode, pois, apreciar tendo em conta tal documento, como aconteceu.

Por outro lado, o pretendido aditamento de factos, para além do que se referiu, não tem fundamento legal: é evidente que as referências que constam da conclusão J), sob os números II e III – “atempadamente” –, mais não traduzem senão conclusões e juízos valorativos que se inserem na análise de fundo, considerando que o que se discute é a (in)tempestividade dos embargos.

No contexto assinalado, tem de afastar-se a pretensão do apelante, sendo correta a análise feita na decisão recorrida.

Assim, o executado deve ter-se por citado, pessoalmente, no dia 20-08-2018, começando, pois, a partir desse momento a correr o prazo (de 20 dias) para a defesa; a invocação de que vale a citação edital e o prazo de dilação referido no edital não tem sentido em face do comportamento do executado, que se apresentou perante a agente de execução, recebendo, pessoalmente, a citação.

A citação edital determinada pela incerteza do lugar em que o citando se encontra é feita mediante afixação de edital, seguida da publicação de anúncio em página informática de acesso público (art. 240º); a citação considera-se feita no dia da publicação do anúncio (art. 242º, nº1) e a partir da data da citação conta-se o prazo da dilação; finda esta, começa a correr o prazo para o oferecimento da defesa (nº2 do art. 242º).

O apelante refere que, deslocando-se ao escritório da agente de execução verificou “com surpresa, que a Sra Agente de Execução impôs como condição de consulta aos autos, uma nova notificação do Executado, desta vez sob a forma de citação pessoal (refa 0002048)”. Acrescenta que “[s]ucede que esta segunda citação, é absolutamente ilegal e nula, uma vez que o Executado já tinha sido citado para os presentes autos através da citação edital de 17.08.2018” e “[p]elo exposto, não pode o ora Executado ser considerado citado para os presentes autos, nos termos constantes da alínea c) do n° 1 do artigo 188° CPC”, não se mostrando “sanada” a nulidade – cfr. fls. 20 e 21..

Afigura-se-nos que não tem razão.

Não há qualquer elemento no processo que permita concluir que o executado foi coagido pelo agente de execução a receber a citação, como nunca o executado deduziu qualquer incidente a esse propósito, nomeadamente no prazo de 10 dias subsequente a esse contacto ou, até, no próprio articulado de embargos.

Saliente-se que, ao contrário do que refere o apelante nas alegações de recurso [ [1] ], na petição de embargos nunca o apelante questionou os termos em que a citação ocorreu ou a regularidade desse ato processual; o embargante suscitou a nulidade do processo executivo invocando que não é do seu punho a assinatura aposta no lugar destinado ao aval (arts. 1º a 6º), que “a livrança que serve de título à execução, encontra-se prescrita” (arts. 7º a 9º) sendo o tribunal “competente para declarar a extinção da execução por prescrição da obrigação cartular, bem como da nulidade da presente execução, por falta de legitimidade do ora exequente Banco Santander Totta SA”(art. 12º); depois, invoca a “falta de título executivo, (arts. 14º a 63º) e defende-se por impugnação conforme arts. 64º a 73º.

Por outro lado, não tinha o tribunal que conhecer “oficiosamente” da nulidade da citação quando inexistem elementos que suportem essa valoração do ato processual em causa.

Em suma, encetada a citação edital – nunca tendo o executado questionado que as circunstâncias o justificavam – constata-se que a publicação do edital surtiu o seu efeito útil, pois que, por essa via, o executado teve conhecimento da pendência do processo executivo instaurado contra si e apresentou-se perante o agente de execução com vista a que lhe fossem fornecidos os elementos pertinentes; a partir do momento em que o executado se apresenta, recebe os respetivos documentos e é citado pessoalmente, é dessa data que o prazo para a defesa se começa a contar, sem qualquer prazo de dilação, que só tinha cabimento no âmbito da citação edital.

Como se sabe, a lei processual civil prevê, em determinadas circunstâncias, a existência de um prazo acrescido – dilação –, em função da distância geográfica entre o local da citação e o tribunal em que corre o processo ou porque o citando não foi pessoalmente contactado: nesses casos, o prazo para a prática do ato começa a contar-se só depois de decorrida a referida dilação. Não é essa a situação que se nos depara, como decorre do exposto, inexistindo fundamento legal para conferir ao executado a pretendida dilação.

Uma última nota para aludir à “reclamação” que o executado apresentou, constante de fls. 14-15; essa reclamação – que o tribunal de primeira instância, ao que resulta do processo, se absteve de apreciar –foi apresentada em 15-11-2018, tendo no entanto o executado, posteriormente, apresentado o respetivo recurso [ [2] ], sendo que a fundamentação vertida na referida reclamação é repetida nas alegações de recurso.
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Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, mantendo a decisão recorrida.
Custas pelo executado/apelante.
Notifique.


Lisboa, 2019-10-01

                                       
(Isabel Fonseca)                                       
(Maria Adelaide Domingos)                                       
(Ana Isabel Pessoa)



[1]Assim:
“Deste modo, na sentença, a Meritíssima Juiz a quo não se pronunciou expressamente sobre a questão da nulidade da citação do R. no processo e consequente nulidade do mesmo, bem como sobre a falta de título executivo, oportunamente alegados pelo Embargante, aqui recorrente, no seu articulado de embargos de executado.
A apreciação de tais exceções deveria ter ocorrido, porque a decisão da mesma contende com a prossecução dos autos, e consequentemente, com o efeito útil da mesma visando qualquer decisão de mérito.
O que significa que, ao Recorrente não lhe pode ser assacada quaisquer responsabilidades na apresentação extemporânea dos embargos de executado, que correm por apenso à execução supra referida”.
[2]O recurso e as respetivas alegações foram apresentadas em prazo (29-11-2018).