Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
4264/15.7T8FNC.L1-6
Relator: ANABELA CALAFATE
Descritores: CONCLUSÃO DA OBRA
ACEITAÇÃO DA OBRA
RECEPÇÃO PROVISÓRIA DA OBRA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/15/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I Dizer que a obra está concluída é uma conclusão a extrair de factos que revelem ter sido integralmente executado o que foi convencionado, sendo certo que só factos devem constar na decisão sobre a matéria de facto.

II Dizer que houve ou não aceitação da obra é matéria de direito.

III Não são nulas as cláusulas do contrato de empreitada em que o dono da obra é um consumidor, nos termos das quais a recepção provisória só teria lugar no caso de se verificar que a execução está conforme o contratado, lavrando-se só então auto de recepção provisória, sem prejuízo do prazo de garantia de 5 anos.

SUMÁRIO: (elaborado pela relatora)

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 6ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.


IRelatório:


S. Lda instaurou acção declarativa contra FS e MM pedindo que sejam condenados a pagar-lhe a quantia de 91.071,11 € acrescida de IVA à taxa legal e de juros de mora sobre aquele capital à taxa legal para juros comerciais contados desde 08/02/2013 até integral pagamento.

Alegou, em síntese:
- no âmbito de contrato de empreitada, construiu para os réus uma moradia que ficou concluída no dia 08/02/2013, data em que os réus a receberam provisoriamente;
- o custo final foi de 397.582,57 €;
- os réus concordaram com o apuramento do custo final;
- do preço total devido falta pagar a quantia de 91.071,18 € acrescida de IVA.
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Os réus contestaram, alegando, em resumo:
- efectivamente, o preço acordado no contrato e alterações foi de 397.582 €;
- mas a autora não concluiu a obra nem os réus a aceitaram, tendo sempre reclamado as evidentes falhas e vícios da construção, razão pela qual foi elaborado auto de recepção provisória;
- a autora não lhes entregou as chaves da moradia;
- nem acertou contas com os réus sobre valores que pagaram e que eram da responsabilidade dela;
- assiste-lhes o direito de recusar o pagamento porque a prestação da autora não está cumprida e porque há contas a acertar.
Concluíram pugnando pela improcedência da acção e para que se declare que a autora se encontra devedora da prestação inerente ao contrato de empreitada.
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A autora respondeu, concluindo pela improcedência da excepção de pagamento do preço e de incumprimento do contrato.
Posteriormente requereu alteração do pedido e da causa de pedir, pedindo que os réus sejam condenados a pagar-lhe a quantia de 133.649,82 € acrescida de IVA no montante de 29.402,96 €, acrescida de juros de mora comerciais vencidos e vincendos.
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Foi admitida a ampliação do pedido e depois da realizada a audiência final foi proferida sentença que condenou os réus a pagarem à autora a quantia de 91.071,18 € acrescida de IVA à taxa legal em vigor à data do pagamento e juros de mora à taxa legal para juros comerciais sobre o capital contados desde 08/02/2013 até integral pagamento.
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Inconformados, apelaram os réus, terminando a alegação com as seguintes conclusões:
I A obra entregue no dia 8 de Fevereiro de 2013, conforme resulta, desde logo, do teor dos relatórios periciais e natureza dos vícios aí relatados.
II A maioria e quantidade dos vícios reportados nos relatórios periciais não são patologias que se verifiquem e evoluam em função do decurso do tempo, constituindo, outrossim, trabalhos por concluir.
III O facto de se assinar um auto sob a epígrafe “auto de recepção provisória” apenas serviu para induzir em erro os Réus e salvaguardar a posição do empreiteiro, que sem concluir a obra utiliza tal expediente para, segundo ele, iniciar o prazo de decurso da garantia da obra.
IV Esse auto de recepção provisória não foi elaborado e assinado na obra, nem foi acompanhado de qualquer auto de vistoria.
V Não foi efectuada qualquer vistoria à obra nem elaborado o competente auto onde se discriminassem as patologias então existentes e se concluísse, ou não, pela confirmação da recepção da obra e assinatura, ou não, auto de recepção provisória.
VI Uma obra acabada “há-de corresponder a uma entrega com a obra terminada, sem qualquer necessidade, previsível, de efectuar qualquer trabalho no âmbito da mesma empreitada”, conforme conceito doutamente preconizado no sumário do douto acórdão de 17-12-2014 proferido no âmbito dos autos de apelação que correram seus termos junto do Venerando Tribunal da Relação de Coimbra sob o n.º 157/12.8TBALD.C1, publicado no portal http://www.dgsi.pt/jtrc.
VII A obra não estava acabada no dia 8 de Fevereiro de 2013.
VIII A Autora durante o decurso da obra, e à medida que instalou as respectivas portas e antes do dia 8 de Fevereiro de 2013, entregou aos Réus uma cópia de cada uma das respectivas chaves, retendo as restantes duas ou quatro cópias de cada chave, mantendo o acesso à obra.
IX No dia 8 de Fevereiro de 2013 ou em qualquer outra data posterior, não foram entregues quaisquer chaves da obra aos Réus.
X A retenção da maioria das cópias das chaves e a manutenção do acesso à obra por parte da autora, igualmente não é compaginável com uma entrega válida desta.
XI No auto de recepção provisória não é referida qualquer entrega de chaves.
XII O Tribunal deveria ter levado à matéria dada como provada, que as chaves não foram entregues e, sempre sem conceder, pelo menos que apenas foi entregue uma cópia de cada porta e as restantes (cópias de cada porta, três ou cinco) foram retidas pela autora.
XIII O contrato em apreço nos presentes autos configura um contrato de empreitada de consumo sujeito ao regime imperativo do Dec. Lei n.º 67/2003 de 8 de Abril.
XIV As partes acordaram submeter igualmente o presente contrato ao regime previsto no Dec. Lei 59/99 de 2 de Março.
XV Nesses termos sem realização de auto de vistoria não poderia ser lavrado auto de recepção provisória.
XVI A aceitação, ao abrigo da cláusula oitava do contrato, da validade do auto de recepção provisória sem estar acompanhado do auto de vistoria, e apenas assinado pelo Réu Marido, fará emergir a nulidade da aludida cláusula, nos termos do n.º 2 do art.º 10.º do Dec. Lei 67/2003 de 8 de Abril.
XVII O Tribunal deveria ter dado como não provado que “a construção da moradia ficou concluída no dia 8 de Fevereiro de 2013, data em que os réus receberam provisoriamente a mesma, conforme resulta de declaração assinada pelos réus cuja cópia se mostra junta a fls. 26.”, desde logo porque não está assinado pela Ré cônjuge mulher.
XVIII O Tribunal deveria ter dado como provado que “autora não concluiu a obra, não a entregando e os réus não a aceitaram, reclamando sempre reparação das evidentes falhas e vícios da construção, razão pela qual foi elaborado um auto de recepção provisória e não definitiva que não foi assinado pela Ré mulher”.
XIX O Tribunal deveria ter dado como provado que “A Autora não entregou as chaves do imóvel aos réus”.
XX Ao decidir como decidiu, em sentido diverso do acima exposto, a sentença recorrida violou o disposto nos art.º s. 5.º n.º 2 al. a), 410.º e 607 n.º 3, 4 e 5 todos do CPC, art.º s. 405.º e 1211.º do Código Civil, n.º 1 do art.º 3.º e n.º 2 do art.º 10.º ambos do Dec. Lei 63/2007.
Termos em que, requerendo-se respeitosamente a V.ª s. Ex.ª s a reapreciação da prova gravada nos termos das disposições conjugadas da al. a) do n.º 7 do art.º 638.º e al. a) do n.º 2 do art.º 640.º, ambos do CPC, deverá julgar-se procedente o presente recurso e, em consequência, alterar-se os factos dados como provados no sentido de dar-se por não provado o facto constante do ponto 2.1.15 dos factos provados nos termos supra expostos e bem assim considerar-se como provados, com as correcções, explicações e aditamentos supra sugeridos, os factos descritos nos pontos 2.2.1 e 2.2.2, dos factos não provados e, nessa conformidade revogar-se a douta sentença sob recurso, o que se requer nos termos das disposições conjugadas dos art.º s. 5.º n.º 2 al. a), 410.º e 607 n.º 3, 4 e 5 todos do CPC, art.º s. 405.º e 1211.º do Código Civil, n.º 1 do art.º 3.º e n.º 2 do art.º 10.º ambos do Dec. Lei 63/2007, absolvendo-se os Réus do pedido declarando-se não cumprido o contrato pela Autora e legítima a recusa de pagamento do remanescente do preço a pagar pela obra.
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A autora contra-alegou, defendendo a confirmação do julgado.
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Colhidos os vistos, cumpre decidir.

II Questões a decidir
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação dos recorrentes sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, pelo que as questões a decidir são estas:
- se deve ser alterada a decisão sobre a matéria de facto
- se a cláusula 8ª do contrato de empreitada é nula porque não podia ser lavrado de recepção provisória da obra sem realização de vistoria
- se assiste aos apelantes o direito de recusar o pagamento do remanescente do preço por não estar cumprido o contrato
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III Fundamentação.

A) Na sentença recorrida vem dado como provado:
1 A autora tem por actividade a construção de edifícios e moradias em regime de empreitada, constituindo o seu objecto o exercício da construção civil.
2 A pedido e no interesse dos réus a autora elaborou um estudo para definição do custo de construção, com fornecimento de materiais, de uma moradia unifamiliar destinada a habitação a construir no prédio urbano, terreno destinado a construção, localizado ao sítio do Lombo de Cima, Faial e propriedade dos réus.
3 Na sequência das negociações ocorridas entre autora e réus foram finalmente estabelecidos os trabalhos; fornecimentos e preço e condições de pagamento da empreitada/fornecimento de materiais, tudo conforme enunciado no contrato de empreitada, de 24.02.2012, conforme cópia junta aos autos a fls. 10 e 11, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
4 De acordo com a cláusula sétima daquele contrato: “o prazo de garantia dos trabalhos efectuados no âmbito da empreitada é de 5 anos”.
5 De acordo com a cláusula nona daquele contrato: “concluídos os trabalhos e verificando-se que a respectiva execução se acha conforme o contratado, haverá lugar a Auto de Recepção Provisória da obra”.
6 De acordo com a cláusula décima do contrato acima referido em 3 “após cinco anos contados da data da recepção provisória dos trabalhos a que se reportam a presente empreitada e verificando-se que a respectiva execução se acha conforme o contratado será elaborado o Auto de Recepção Definitiva dos trabalhos”.
7 Os trabalhos e fornecimentos adjudicados à autora encontram-se identificados, na sua quantidade e custo, na lista de preços unitários anexo e parte integrante do contrato de empreitada e que foi rubricada por ambas as partes contraentes, autora e réus, conforme cópia junta aos autos a fls. 12 a 17, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
8 O preço total dos trabalhos e fornecimentos compreendidos na empreitada foi de 369.000,00 (trezentos e sessenta e nove mil euros) ao qual acresce o IVA calculado à taxa legal e que à data era de 16%.
9 A autora efectuou a construção ao abrigo do Alvará de Construção nº 38/10 de 2010/12/17.
10 A pedido dos réus e por acordo verbal entre as partes, os trabalhos/fornecimentos inicialmente contratados foram alterados, quer por contratação de novos trabalhos/fornecimentos quer pela eliminação de alguns trabalhos/fornecimentos inicialmente previstos.
11 A autora identificou e mediu os trabalhos e fornecimentos efectivamente realizados e determinou o seu custo unitário e o custo final da empreitada e elaborou uma listagem dos mesmos, identificando o seu custo.
12 O custo final dos trabalhos/fornecimentos realizados pela autora foi de 397.582,57€, acrescido do Iva à referida taxa legal, conforme consta da listagem feita pela autora, junta a fls. 19, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
13 Os réus concordaram com o apuramento do custo final da empreitada, conforme acima referido em 12.
14 A autora sempre manteve os réus informados da evolução da construção, transmitindo através de email o ponto de situação da execução da empreitada.
15 A construção da moradia ficou concluída no dia 8 de Fevereiro de 2013, data em que os réus receberam provisoriamente a mesma, conforme resulta de declaração assinada pelos réus cuja cópia se mostra junta a fls. 26, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
16 Do preço total devido pelos réus à autora, acima referido em 12, estes pagaram o montante total de €306.511,39, faltando pagar a título de capital a quantia de 91.071,18€ (noventa e um mil setenta um euros e dezoito cêntimos).
17 Os réus foram interpelados para proceder ao pagamento da quantia em falta, mas até à data não o efectuaram.

18 Na cozinha e sala do rés-do-chão da moradia construída pela Autora verifica-se que:
a)- O quadro eléctrico encontra-se sem tampa e sem legenda;
b)- O rodapé está incorrectamente colocado notando-se diferença de tonalidades;
c)- Os acabamentos de pintura estão notoriamente efectuados em diferentes texturas;
d)- Falta a colocação de perfil de acabamento na orla entre o peitoril e a janela;
e)- O forno de encastrar não se encontra fixo ao móvel nem devidamente encastrado, não respeitando as condições de segurança;

19 No quarto e sala do Rés-do-chão verifica-se que:
a)- Não se encontram colocadas as calhas de transição do pavimento;
b)- Uma das portas encontram-se deficientemente colocada, não consegue fechar totalmente;

20 Na garagem verifica-se que:
a)- Falta acabamento junto às tomadas e interruptores de electricidade e o revestimento das paredes encontra-se efectuado em diferentes texturas e sujo no compartimento da arrecadação;
b)- Varias fissuras nas paredes;
c)- Caixa sem tampa de protecção junto à estrutura metálica da porta da garagem;
d)- Mecanismo de fecho manual de portão apresenta-se com corrosão;
e)- Falta de limpeza de tintas no portão;
f)- Falta sensores ópticos para fecho automático portão;
g)- Colocação de “remate” c/ aproximadamente 3 cm;
h)- Forras das portas com tonalidades diferentes;
Pavimento de mosaico cerâmico não se encontra alinhado com forra da porta;

21 No primeiro piso verifica-se que:
a)- Falta suporte de lâmpada e lâmpada;
b)- Na churrasqueira as Luminárias só acendem no interruptor de outra divisão;
c)- Na churrasqueira a Infra-estrutura de gás não tem torneira de corte;
d)- Na sala de refeições e cozinha existe um buraco no tecto de pladur com cerca de 3 cm e defeito de pintura junto à coluna de som;
e)- Falta “espelhos” do sistema de som;
f)- Na cozinha o exaustor não se encontra ligado, faltando colocar a chapa de revestimento;
g)- Na cozinha falta lâmpada e respectivo suporte;
h)- Na cozinha a caixa de ITED encontra-se sem legendas;
i)- O quadro de electricidade encontra-se fita-cola colada nos disjuntores, legendas manuscritas mas perceptíveis;
j)- Os armários da cozinha com mau funcionamento por má colocação e afinação faltando a colocação da luminária no topo respectivo. Mau funcionamento do sistema amortecedor nos extractáveis e falta tampas de protecção dos parafusos;
l)- Uma peça interior do frigorífico encontra-se danificada.
m)- Na cozinha a esquina não tem protecção ou perfil de acabamento e está desaprumada;
n)- Na cozinha as paredes têm fissuras;

22 No segundo piso verifica-se que:
a)- A iluminação do corredor encontra-se sem suporte e sem lâmpada;
b)- A casa de banho comum encontra-se sem mástique/silicone e falta a montagem da misturadora da base do duche;
c)- No primeiro quarto verifica-se falhas na pintura da parede;
d)- No segundo quarto verifica-se falhas de pintura;
e)- Na suite a prateleira está desaprumada, o armário com gavetas está desalinhada e faltam diversos acabamentos de pintura, bem como falta suporte de lâmpadas no tecto.
f)- Ainda na suite falta mástique/silicone entre a banheira de hidromassagem e os azulejos e entre o lavatório e azulejos.

23 No exterior verifica-se que:
a)- Nas escadas o passa mãos de granito apresenta tonalidades diferentes;
b)- Falta de limpeza de tintas no rodapé;
c)- Revestimento com texturas diferentes;
d)- Falta de limpeza de tintas no capeamento de granito;
e)-Acabamento no revestimento junto granito com texturas diferentes;
f)- Empolamento de tinta junto ao rodapé;
g)- Dois furos junto à luminária;
h)- As lâmpadas das luminárias da parede não se encontram fixas;
i)- Pedras de granito junto entrada principal, com tonalidades diferentes;
j)- Porta metálica com dobradiças partidas, com início de corrosão e Sistema de abertura de porta exterior não se encontra ligado;
l)- Porta do contador da água porta partida com início de corrosão;
m)- Os parafusos da pérgula estão oxidados.
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B) E vem dado como não provado:
2.2.1- A Autora não concluiu a obra, não a entregando e os réus não a aceitaram, reclamando sempre reparação das evidentes falhas e vícios da construção, razão pela qual foi elaborado um auto de recepção provisória e não definitiva.
2.2.2- A Autora não entregou as chaves do imóvel aos réus.
2.2.3- Devido a erro informático a autora não facturou a quantia de €14.293,25, correspondente a trabalhos efectuados na moradia dos réus, pelo que o valor da empreitada com os trabalhos a mais efectuados ficou no valor de €411.875,82.
2.2.4- Os réus apenas pagaram a quantia total de €278.226,00.
2.2.5- Os réus pagaram a totalidade do valor referido em 12.
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C) Da impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
Discordam os apelantes da decisão da 1ª instância pretendendo que se dê como não provada a matéria do ponto 15, e que se dê como provada a matéria do ponto 2.2.1 e que seja alterado o ponto 2.2.2.
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Ponto 15 «A construção da moradia ficou concluída no dia 8 de Fevereiro de 2013, data em que os réus receberam provisoriamente a mesma, conforme resulta de declaração assinada pelos réus cuja cópia se mostra junta a fls. 26, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido».

A 1ª instância exarou que fundou a convicção sobre esta factualidade nos depoimentos das testemunhas JB, JD, JFe DA, referindo ainda:
«Cumpre realçar que estas testemunhas estiveram na obra e afirmaram que esta foi concluída e entregue com as chaves, o que também resulta claramente do teor do auto de recepção assinado pelo réu a 08-02-2013 (fls 26), o qual foi por este assinado, reconhecendo que a empreitada se mostrava em condições de ser recebida, após ter realizado vistoria à mesma.

Na verdade, não foi feita prova suficiente de que os réus comunicaram à autora a existência de defeitos e que não aceitavam a obras sem a sua reparação, sendo certo que inexiste qualquer comunicação escrita nesse sentido.

Cumpre referir que também se teve em conta os “emails” juntos a fls. 258v 327, para se concluir que efectivamente a autora foi informando os réus da evolução da construção.».

Entendem os apelantes que, conjugando o depoimento da testemunha JB, o depoimento de parte do réu, os relatórios periciais e a experiência comum a referida declaração não pode comprovar a conclusão da obra e a sua recepção provisória sem quaisquer reservas, além de que nem está assinada pela apelante mulher, até porque as patologias dadas como provadas nos pontos 18, 19, 20, 21, 22 e 23 eram evidentes a «olho nu» em 08/02/2013.

Apreciando.

Dizer que a obra está concluída é uma conclusão a extrair de factos que revelem ter sido integralmente executado o que foi convencionado, sendo certo que só factos devem constar na decisão sobre a matéria de facto (cfr art. 607º nº 3, 4 e 5 do CPC).
Ora, no ponto 9 vem dado como provado que «A autora efectuou a construção ao abrigo do Alvará de Construção nº 38/10 de 2010/12/17».

E no ponto 18 vem também dado como provado que «Na cozinha e sala do rés-do-chão da moradia construída pela Autora verifica-se que: (…)».

Portanto, não há dúvida que está provado - e nisso estão os apelantes de acordo - que a apelada construiu a moradia.

Por outro lado, o designado «Auto de recepção provisório» só está assinado pelo apelante em nome próprio, pelo que não pode manter-se como provado que foi assinado pelos dois réus.

Acresce que não reconhecemos como boa técnica processual a mera remissão para documento.

Assim, procede parcialmente a impugnação, passando o ponto 15 a ter a seguinte redacção:
«O autor FC apôs pelo seu punho a sua assinatura no escrito de fls. 26 com este teor:
Auto de recepção provisório
Empreitada: construção de uma moradia unifamiliar sito ao Lombo de Cima, Faial, Santana
Alvará de licença nº 38/10
Aos 08 de Fevereiro de 2013, compareceram ao Lombo de Cima, Freguesia do Faial, Concelho de Santana, onde se realizaram os trabalhos da empreitada referida em epígrafe em epígrafe o Sr FC, contribuinte nº 1650825, morador à morada supra citada, promotor da empreitada, Eng. JF, representante legal da Sociedade, Construções, Lda, pessoa colectiva nº 511 031 181, com sede à Travessa X, Funchal, adjudicatária da empreitada, a fim de proceder à vistoria e recepção da Empreitada.
Tendo reconhecido que a mesma se encontrava em condições de ser recebida, e para constar se lavrou o presente auto que depois de lido e julgado conforme, vai ser assinado pelo promotor e pelo representante do empreiteiro.».
*

Sobre a matéria dada como não provada na sentença recorrida.
Nos pontos 2.2.1 e 2.2.2 vem dado como não provado, respectivamente:
- «A Autora não concluiu a obra, não a entregando e os réus não a aceitaram, reclamando sempre reparação das evidentes falhas e vícios da construção, razão pela qual foi elaborado um auto de recepção provisória e não definitiva» e
- «A Autora não entregou as chaves do imóvel aos réus.».

Pretendem os apelantes que se dê como provada essa matéria, acrescentando-se ao ponto 2.2.1 «que não foi assinado pela Ré mulher».

Quanto ao ponto 2.2.1, invocam os apelantes os depoimentos das testemunhas JB, JA, e dos depoimentos de parte de IF e do apelante, conjugados com o auto de recepção provisória e relatórios periciais.

Apreciando.

Em coerência com o que dissemos a propósito do ponto 15, também não pode constar na decisão sobre a matéria de facto que a obra não está concluída.

E dizer que houve ou não aceitação da obra é matéria de direito, como decorre do art. 1218º do Código Civil.

Quanto ao demais, não indicam os apelantes os concretos meios probatórios que impunham que se desse como provado que reclamaram falhas e vícios de construção e foi essa a razão da elaboração de um auto de recepção provisória e não definitiva.
Portanto, procede parcialmente a impugnação, passando a constar como não provado no ponto 2.2.1 que: «Os réus reclamaram sempre a reparação das falhas e vícios de construção, razão pela qual foi elaborado um auto de recepção provisória e não definitiva».
Quanto ao ponto 2.2.2 consignou a 1ª instância que as testemunhas JB, JD, JC, JÁ e DA estiveram na obra e afirmaram que foram entregues as chaves.

Por seu lado, os apelantes referem que do depoimento de parte da legal representante da apelada, IFe dos depoimentos das testemunhas JB e JA resulta que apenas têm uma cópia das chaves de algumas portas que lhes foram dadas no decurso da construção e que a apelada reteve as restantes cópias, devendo o tribunal ter levado aos factos provados que a apelada apenas entregou uma cópia de cada chave de cada porta ao apelante, retendo duas ou quatro cópias no escritório.

Apreciando.

No art. 8º da contestação, alegaram os apelantes:
«Efectivamente a Autora não entregou as chaves do imóvel aos Réus (…)».
Mas decorre dos depoimentos invocados e transcritos pelos apelantes que tal afirmação não corresponde à realidade, sendo certo que não alegaram que apenas lhes foi entregue um exemplar das chaves e que a apelada reteve as restantes.
Decorre do art. 573º nº 1 do CPC que toda a defesa deve ser deduzida na contestação e que depois desta só podem ser deduzidas as excepções, incidentes e meios de defesa que sejam supervenientes, ou que a lei expressamente admita passado esse momento, ou de que se deva conhecer oficiosamente.

Por sua vez, o art. 5º do mesmo Código estabelece:
«1. Às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as excepções invocadas.
2. Além dos factos articulados pelas partes, são ainda considerados pelo juiz:
a)- Os factos instrumentais que resultem da instrução da causa;
b)- Os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar;
c)- Os factos notórios e aqueles de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções.
(…)».
Ora, a agora invocada não entrega de alguns exemplares de chaves pela apelada não é um facto essencial nem instrumental para a defesa dos apelantes, pois dele não decorre que fiquem impedidos de habitarem a moradia.
Assim, improcede nesta parte a impugnação.
*

D)O Direito
Na sentença recorrida entendeu-se que entre os apelantes e a apelada foi celebrado um contrato de empreitada tendo por objecto a construção de uma moradia a que se aplica o regime previsto nos art. 1207º e segs do Código Civil, que a apelada executou os trabalhos acordados embora com deficiências que não prejudicam a integral satisfação dos apelantes, que estes aceitaram a obra como estando concluída, não havendo fundamento legal nem contratual para recusa de pagamento do remanescente do preço por não se verificarem os requisitos da excepção do não cumprimento do contrato e atenta a cláusula 9ª do contrato.

Discordam os apelantes, sustentando a aplicação do regime imperativo do DL 67/2003 de 8/4 e da Lei de Defesa do Consumidor, bem como do DL 59/99 de 2/3, dizendo que os art. 217º nº1, 218º e 219º deste último diploma legal continuam em vigor.

Está provado que a moradia se destina a habitação. Não vem expressamente consignado que se destina a habitação dos apelantes. Mas trata-se de uma moradia unifamiliar, resulta dos autos que os apelantes são emigrantes e com morada em Portugal nessa moradia - na petição inicial são identificados como «acidentalmente residentes ao sítio do Lombo de Cima, freguesia do Faial, concelho de Santana, habitualmente residentes em (…) Suíça», além de que na contra-alegação não manifesta a apelada oposição à afirmação «Efectivamente não destinando os Réus a moradia a um uso profissional ou a negócio e ao invés sendo destinada exclusivamente à sua habitação e uso exclusivo por partes destes, estamos perante uma empreitada de consumo à qual deverá ser aplicado o regime imperativo do Dec. Lei nº 67/2003 de 8 de Abril e da Lei da Defesa do Consumidor».

Portanto, estamos perante um contrato de empreitada (cfr. art.
1207º do Código Civil) celebrado em 24/02/2011, ao qual é aplicável o regime jurídico estabelecido no DL 67/2003 de 8 de Abril com as alterações introduzidas pelo DL 84/2008 de 21/5 (cfr art. 1º-A nº 2 e 1º -B al. a)).

Por outro lado, na cláusula 11ª do contrato estipularam as partes: «Aplica-se ao presente Contrato o regime estabelecido no Decreto-Lei 59/99, de 2 de Março, com excepção do seu Título IX (Contencioso) e de todos os demais preceitos de natureza pública que contrariem princípios jurídicos de direito privado».

O DL 59/99 foi expressamente revogado pelo art. 14º do DL 18/2008 de 29/1, mas dispõe o art. 15º deste último que «Todas as remissões para as disposições legais e para os catos legislativos revogados nos termos do artigo anterior consideram-se feitas para as correspondentes disposições do Código dos Contratos Públicos».

Invocando o regime previsto no DL 59/99 e na Lei 67/2003, sustentam os apelantes que sem realização de auto de vistoria não poderia ser lavrado auto de recepção provisória e a aceitação, ao abrigo da cláusula 8ª do contrato, da validade da recepção provisória sem estar acompanhado do auto de vistoria, que está assinado apenas pelo apelante marido, implica a nulidade dessa cláusula nos termos do nº 2 do art. 10º do DL 67/2003.

Vejamos.

A apelante mulher não é outorgante no contrato de empreitada. Portanto, não se impunha a sua intervenção no denominado «Auto de recepção provisório».

Nas cláusulas 7ª, 9ª e 10ª deste contrato - que não contém cláusula 8ª - consta:
«7.1. - O prazo de garantia dos trabalhos efectuados no âmbito da empreitada é de 5 (cinco) anos, contados da data da recepção provisória.» (cláusula sétima);
«8.1. - Concluídos os trabalhos e verificando-se que a respectiva execução se acha conforme o contratado, haverá lugar ao Auto de Recepção Provisória da obra.». (Cláusula 9ª);
«9.1. - Após (cinco) anos contados da data do auto de recepção provisória dos trabalhos a que se reportam a presente empreitada e verificando-se que a respectiva execução se acha conforme o contratado será elaborado o Auto de Recepção Definitiva dos trabalhos.» (cláusula 10ª).

O art. 10º do DL 67/2003 prescreve:
«1- Sem prejuízo do regime das cláusulas contratuais gerais, é nulo o acordo ou cláusula contratual pelo qual antes da denúncia da falta de conformidade ao vendedor se excluam ou limitem os direitos do consumidor previstos no presente diploma.
2- É aplicável à nulidade prevista no número anterior o disposto nos nºs 2 e 3 do artigo 16º da Lei nº 24/96, de 31 de Julho.».

O art. 16º da Lei nº 24/96 de 31/7 (Lei de Defesa do Consumidor) estatui:
«1 Sem prejuízo do regime das cláusulas contratuais gerais, qualquer convenção ou disposição contratual que exclua ou restrinja os direitos atribuídos pela presente lei é nula.
2 A nulidade referida no número anterior apenas pode ser invocada pelo consumidor ou seus representantes.
3 O consumidor pode optar pela manutenção do contrato quando algumas das suas cláusulas forem nulas nos termos do nº 1.».
Na contestação não foi invocada nulidade de alguma cláusula do contrato e nem pode ser conhecida oficiosamente, como decorre deste último normativo. Porém a nulidade é invocável a todo o tempo por qualquer interessado (cfr art. 286º do Código Civil).
Apreciemos então se se verifica a agora invocada nulidade.
O regime estabelecido pelo DL 67/2003 é aplicável aos contratos de compra e venda celebrados entre profissionais e consumidores e aos contratos de empreitada ditos de consumo com as necessárias adaptações.

Dispõe-se neste diploma legal:

Art. 2º («Conformidade com o contrato»):
«1 O vendedor tem o dever de entregar ao consumidor bens que sejam conformes com o contrato de compra e venda.
2 Presume-se que os bens de consumo não são conformes com o contrato se se verificar algum dos seguintes factos:
a)- Não serem conformes com a descrição que deles é feita pelo vendedor ou não possuírem as qualidades do bem que o vendedor tenha apresentado ao consumidor como amostra ou modelo;
b)- Não serem adequados ao uso específico para o qual o consumidor os destine e do qual tenha informado o vendedor quando celebrou o contrato e que o mesmo tenha aceitado;
c)- Não serem adequados às utilizações habitualmente dadas aos bens do mesmo tipo;
d)- Não apresentarem as qualidades e o desempenho nos bens do mesmo tipo e que o consumidor pode razoavelmente esperar, atendendo à natureza à natureza do bem e, eventualmente, às declarações públicas sobre as suas características concretas feitas pelo vendedor, pelo produtor ou pelo seu representante, nomeadamente na publicidades ou na publicidade ou na rotulagem;
3 Não se considera existir falta de conformidade, na acepção do presente artigo, se, no momento em que for celebrado o contrato, o consumidor tiver conhecimento dessa falta de conformidade ou não puder razoavelmente ignorá-la ou se esta decorrer dos materiais fornecidos pelo consumidor.
4 A falta de conformidade resultante de má instalação de bem de consumo é equiparada a uma falta de conformidade do bem, quando a instalação fizer parte do contrato de compra e venda e tiver sido efectuada pelo vendedor, ou sob sua responsabilidade, ou quando o produto, que se prevê que seja instalado pelo consumidor, for instalado pelo consumidor e a má instalação se dever a incorrecções existentes nas instruções de montagem.».

Art. 3º («Entrega do bem»)
«1 O vendedor responde perante o consumidor por qualquer falta de conformidade que exista no momento em que o bem lhe é entregue.
2 As faltas de conformidade que se manifestem num prazo de dois ou cinco anos a contar da data da entrega de coisa móvel ou de coisa imóvel, respectivamente, presumem-se existentes já nessa data, salvo quando tal for incompatível com a natureza da coisa ou com as características da falta de conformidade.».

Art. 4º («Direitos do consumidor»)
«1 Em caso de falta de conformidade do bem com o contrato, o consumidor tem direito a que esta seja reposta sem encargos, por meio de reparação ou de substituição, à redução adequada do preço ou à resolução do contrato.
2 Tratando-se de um bem imóvel, a reparação ou a substituição devem ser realizadas dentro de um prazo razoável, tendo em conta a natureza do defeito, e tratando-se de um bem móvel, num prazo máximo de 30 dias, em ambos os casos sem grave inconveniente para o consumidor.
3 A expressão «sem encargos», utilizada no nº 1, reporta-se às despesas necessárias para repor o bem em conformidade com o contrato, incluindo, designadamente, as despesas de transporte, de mão-de-obra e material.
4 Os direitos de resolução do contrato e de redução do preço podem ser exercidos mesmo que a coisa tenha perecido ou se tenha deteriorado por motivo não imputável ao comprador.
5 O consumidor pode exercer qualquer dos direitos referidos nos números anteriores, salvo se tal se manifestar impossível ou constituir abuso de direito, nos termos gerais.
6 Os direitos atribuídos pelo presente artigo transmitem-se a terceiro adquirente do bem.».

Art. 5º («Prazo da garantia»)
«1 O consumidor pode exercer os direitos previstos no artigo anterior quando a falta de conformidade se manifestar dentro de um prazo de dois ou cinco anos a contar da entrega do bem, consoante se trate, respectivamente, de coisa móvel ou imóvel.
(…)
7 O prazo referido no nº 1 suspende-se, a partir da data da denúncia, durante o período em que o consumidor estiver privado do bem.».

Art. A («Prazo para exercício de direitos»)
«1 Os direitos atribuídos ao consumidor nos termos do artigo 4º caducam no termo de qualquer dos prazos referidos no artigo anterior e na ausência de denúncia da desconformidade pelo consumidor, sem prejuízo do disposto nos números seguintes.
2 Para exercer os seus direitos, o consumidor deve denunciar ao vendedor a falta de conformidade num prazo de dois meses, caso se trate de bem móvel, ou de um ano, se se tratar de bem imóvel, a contar da data em que a tenha detectado.
3 Caso o consumidor tenha efectuado a denúncia da desconformidade, tratando-se de bem móvel, os direitos atribuídos ao consumidor nos termos do artigo 4º caducam decorridos dois anos a contar da data da denúncia e, tratando-se de bem imóvel, no prazo de três anos a contar desta mesma data.
(…)».

Artigo 6º («Responsabilidade directa do produtor»)
«1 Sem prejuízo dos direitos que lhe assistem perante o vendedor, o consumidor que tenha adquirido coisa defeituosa pode optar por exigir do produtor a sua reparação ou substituição, salvo se tal se manifestar impossível ou desproporcionado tendo em conta o valor que o bem teria se não existisse falta conformidade, a importância desta e a possibilidade de a solução alternativa ser concretizada sem grave inconveniente para o consumidor.
2 O produtor pode opor-se ao exercício dos direitos pelo consumidor verificando-se qualquer dos seguintes factos (…)».

Também o art. 1208º do Código Civil preceitua:
«O empreiteiro deve executar a obra em conformidade com o que foi convencionado, e sem vícios que excluam ou reduzam o valor dela, ou a sua aptidão para o uso ordinário ou previsto no contrato.».
Quanto à verificação e denúncia dos defeitos, no Código Civil temos a considerar os art. 1218º, 1219º e 1220º, aí estabelecendo:

Art. 1218º («Verificação a obra»)
«1. O dono da obra deve verificar, antes de a aceitar, se ela se encontra nas condições convencionadas e sem vícios.
2. A verificação deve ser feita no prazo usual ou, na falta de uso, dentro do período que se julgue razoável depois de o empreiteiro colocar o dono da obra em condições de a poder fazer.
3. Qualquer das partes tem o direito de exigir que a verificação seja feita, à sua custa, por peritos.
4. Os resultados da verificação devem ser comunicados ao empreiteiro.
5. A falta de verificação ou da comunicação importa a aceitação da obra.».

Art. 1219º («Casos de irresponsabilidade do empreiteiro»)
«1. O empreiteiro não responde pelos defeitos da obra, se o dono a aceitou sem reserva, com conhecimento deles.
2. Presumem-se conhecidos os defeitos aparentes, tenha ou não havido verificação da obra.».

Art. 1220º («Denúncia dos defeitos»)
«1. O dono da obra deve, sob pena de caducidade dos direitos conferidos nos artigos seguintes, denunciar ao empreiteiro os defeitos da obra dentro dos trinta dias seguintes ao seu descobrimento.
2. Equivale à denúncia o reconhecimento, por parte do empreiteiro, da existência do defeito.».

Quanto ao Código dos Contratos Públicos - para o qual temos de considerar feitas as remissões no contrato de empreitada - prevê, nos art. 394º, 395º e 396º:

Art. 394º («Vistoria»)
«1 A receção provisória da obra depende da realização de vistoria, que deve ser efetuada logo que a obra esteja concluída no todo ou em parte, mediante solicitação do empreiteiro ou por iniciativa do dono da obra, tendo em conta o termo final do prazo total ou dos prazos parciais de execução do contrato.
2 A vistoria é feita pelo dono da obra, com a colaboração do empreiteiro, e tem como finalidade, em relação à obra a receber, designadamente:
a)- Verificar se todas as obrigações contratuais e legais do empreiteiro estão cumpridas de forma integral e perfeita;
b)- Atestar a correta execução do plano de prevenção e gestão de resíduos de construção e demolição, nos termos da legislação aplicável.
3 O dono da obra convoca, por escrito, o empreiteiro para a vistoria com a antecedência mínima de cinco dias e, no caso de este não comparecer nem justificar a falta, a vistoria tem lugar com a intervenção e duas testemunhas, que também assinam o respectivo auto.
4 No caso a que se refere o número anterior, o autor é imediatamente notificado ao empreiteiro para os efeitos previstos nos artigos seguintes.
5 Quando a vistoria for solicitada pelo empreiteiro, o dono da obra deve realizá-la no prazo máximo de 30 dias contados da data da receção da referida solicitação, convocando o empreiteiro nos termos do nº 3.
6 O não agendamento ou realização atempada e sem motivo justificado da vistoria por facto imputável ao dono da obra tem os efeitos previstos no direito civil para a mora do credor.
7 No caso previsto no número anterior, a obra considera-se tacitamente recebida se o dono da obra não agendar ou não proceder à vistoria no prazo de 30 dias a contar do termo do prazo previsto no nº 5, sem prejuízo das sanções a que haja lugar, nos termos da legislação aplicável designadamente quando o empreiteiro não executou correctamente o plano de prevenção e gestão de resíduos de construção e demolição.».

Art. 395º («Auto de receção provisória»)
«1 Da vistoria é lavrado auto, assinado pelos intervenientes, que deve declarar se a obra está, no todo ou em parte, em condições de ser recebida.
2 O auto a que se refere o número anterior deve conter informação sobre:
a)- O modo como se encontram cumpridas as obrigações contratuais e legais do empreiteiro, identificando, nomeadamente, os defeitos da obra;
b)- O modo como foi executado o plano de prevenção e gestão de resíduos de construção e demolição, nos termos da legislação aplicável;
c)- Quaisquer condições que o dono da obra julgue necessário impor, nos termos do presente Código ou da lei, bem como o prazo para o seu cumprimento.
3 Sem prejuízo de estipulação contratual que exclua a receção provisória parcial se a obra estiver, no todo ou em parte, em condições de ser recebida, a assinatura do auto de receção nos termos do disposto nos números anteriores autoriza, no todo ou em parte, a abertura da obra ao uso público (…), sem prejuízo das obrigações de garantia que impendem sobre o empreiteiro.
4 Considera-se que a obra não está em condições de ser recebida se o dono da obra não atestar a correta execução do pleno de prevenção e gestão de resíduos (…), devendo tal condição ser declarada no auto de receção provisória.
5 No caso de serem identificados defeitos que impeçam, no todo ou em parte, a receção provisória da mesma, a especificação de tais defeitos no auto nos termos do disposto na alínea a) do nº 2 é acrescida da declaração de não erecção da obra ou de parte da mesma que não estiver em condições de ser recebida e dos respectivos fundamentos.
6 Caso o dono da obra se recusar a assinar o autor, a obra não é recebida no todo ou em parte.
7 A recusa injustificada do dono da obra de assinar o auto de erecção provisória na sequência da vistoria tem os efeitos previstos no direito civil para a mora do credor.
8 Ainda que não tenha sido observado o disposto nos números anteriores, a obra considera-se tacitamente recebida sempre que a mesma seja afeta pelo dono da obra aos fins a que se destina, sem prejuízo da obrigação de garantia regulada n apresente secção (…)».

Art. 396º («Defeitos da obra»)
«1 O auto que declare a não receção da obra, no todo ou em parte, em virtude de defeitos da obra detetados na vistoria é notificado ao empreiteiro, sendo-lhe concedido um prazo razoável para os corrigir.
2 O prazo fixado para a correcção de defeitos da obra que se revele necessária após a realização de vistoria não começa a contar antes do decurso do prazo para reclamação ou reservas pelo empreiteiro (…).
3 Se a correcção dos defeitos ordenada não for executada no prazo fixado, o dono da obra pode optar pela execução dos referidos trabalhos, diretamente ou por intermédio de terceiro (…)
4 Logo que os trabalhos de correcção de defeitos estejam concluídos, há lugar a novo procedimento de receção provisória.».
Da leitura dos normativos transcritos e das cláusulas 7ª, 9ª e 10ª do contrato de empreitada resulta evidente que não limitam o direito de denúncia de defeitos da obra pelo apelante/dono da obra. Na verdade, convencionou-se que a recepção provisória só teria lugar no caso de se verificar que a execução está conforme o contratado, lavrando-se só então auto de recepção provisória, sem prejuízo do prazo de garantia de 5 anos.

Portanto, essas cláusulas não são nulas.

Assim, o apelante podia e devia ter denunciado as patologias a contar da data em que as detectou, como determina o art. 5º A do DL 67/2003, ou seja, na data em que assinou o auto de recepção provisória, pois, como vem alegado neste recurso «Efectivamente as patologias identificadas nas referidas alíneas, não são patologias que se manifestem ao longo do tempo ou como dependência deste e bem assim que passem despercebidas ao homem médio em sede de vistoria, efectivamente se atendermos aos relatórios periciais ordenados pelo tribunal e que fazem folhas 142 a 159 e bem assim às fotografias constantes do relatório pericial junto com a contestação e que faz folhas, verificamos que a obra não estava concluída, efectivamente mostra-se evidente que faltam colocar diversos materiais e equipamentos, até em desrespeito por normas de segurança, em várias divisões da moradia as pinturas apresentam texturas diferentes, falta a colocação de perfiz, juntas, calhas de transição, diversos materiais e acabamentos em tonalidades diferentes entre outros. Todos esses vícios eram existentes em 8 de Fevereiro de 2013 e como se disse, eram “evidentes sendo detectáveis por simples observação a “olho nu”.».

Repare-se que na contestação vem alegado que «(…) os vícios de que padece apesar de serem sempre comunicados à Autora, (…)» e «Por essa razão foi elaborado um auto de recepção provisória e não definitiva», mas de tal não lograram os apelantes fazer prova.

Aliás, é incompreensível que o apelante tenha assinado o «Auto de recepção provisório» apesar de nele constar «(…) tendo reconhecido que a mesma se encontrava em condições de ser recebida», pois vem alegado na contestação que os vícios «foram denunciados durante a própria obra e inclusive no dia da entrega aos Réus do documento junto com a douta PI sob o nº 5», documento este que é o referido auto e não está provado nem sequer alegado na contestação que o apelante marido estava sob coacção física ou moral  ou com incapacidade acidental que o impedisse de entender o sentido da sua declaração (v. art. 255º, 256º e 257º do Código Civil).

Também não têm razão os apelantes ao alegarem que o «Auto de recepção provisória» foi lavrado sem auto de vistoria, pois decorre do contrato que aquele só seria lavrado após verificação que a execução está conforme o contratado e no «Auto de recepção provisória» de fls. 26 consta que «(…) compareceram (…) afim de proceder à vistoria e recepção da Empreitada» e «Tendo reconhecido que a mesma se encontrava em condições de ser recebida, e para constar se lavrou o presente auto (…)». Ou seja, o auto de recepção provisória é também o auto de vistoria. E tal não afronta norma legal pois não resulta dos art. 394º a 396º do Código dos Contratos Públicos que não possam constituir um único documento, antes decorrendo dos nº 1, 2 e 3 do art. 395º que o auto de vistoria pode ser também auto de recepção provisória.

Perante o que se expôs, deveriam ter sido logo denunciados os defeitos da obra na data em que foi efectuada a vistoria e lavrado e assinado esse «Auto de recepção provisório» - 08/02/2013 - ou, pelo menos, no prazo de 1 ano a contar dessa data.

Porém, atenta a factualidade provada, a denúncia dos defeitos apenas está comprovada com a apresentação da contestação em 20/09/2015, não podendo valer esta denúncia pois não está provado nem sequer alegado que são defeitos que se tenham manifestado posteriormente.
Concluindo, a apelação não pode proceder.
*

IVDecisão
Pelo exposto, julga-se improcedente a apelação.
Custas pelos apelantes.



Lisboa, 15 de Fevereiro de 2018



Anabela Calafate
António Manuel Fernandes dos Santos       
Eduardo Petersen Silva