Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
18785/12.0T2SNT.L1-4
Relator: FRANCISCA MENDES
Descritores: PROFESSOR
ENSINO PARTICULAR
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/28/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA A DECISÃO
Sumário: 1-O contrato estabelecido entre um estabelecimento privado de ensino e um docente do ensino público, requisitado ao Ministério da Educação para o exercício de funções docentes nesse estabelecimento, consubstancia um contrato de trabalho subordinado, com regime especial quanto à sua celebração, renovação e cessação. Tal contrato tem uma vocação anual.
2- A estipulação de um prazo inicial de 4 anos para a contratação do recorrido contraria as disposições imperativas deste contrato especial, o que fere de nulidade tal cláusula.
(Elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial:Acordam os juízes do Tribunal da Relação de Lisboa:

I- Relatório
AA instaurou a presente acção declarativa, sob a forma comum, contra Associação para o Desenvolvimento da Ilha de S. Jorge pedindo, a título principal, que a Ré seja condenada a pagar ao A. uma indemnização no valor de 35.430,30€ acrescida de juros de mora à taxa legal, desde a citação até efectivo e integral pagamento.
Subsidiariamente, pede que seja declarada a ilicitude do despedimento do A., com as legais consequências, sendo a Ré condenada a pagar ao A. as remunerações que este deixou de auferir desde o despedimento (aplicando o nº 2 do artigo 391º do C.T.) até ao fim do contrato da A. e que ocorreria em 31-12-2013, acrescido de juros de mora à taxa legal e ainda a indemnizar o A. nos termos do artigo 391º do C.T.
O A. alegou em síntese:
- O A. é professor de geografia de nomeação definitiva do agrupamento de escolas de Carcavelos;  
- A ré é proprietária da Escola Profissional da Ilha de S. Jorge;
- O autor ocupou o cargo de director executivo dessa escola profissional;
- Para o efeito, foi requisitado ao Ministério da Educação;
- O autor exercia as suas funções para a ré mediante contrato de trabalho visto que exercia a sua actividade, mediante retribuição, sob a autoridade e direcção da ré;
- Ficou acordado que o autor exerceria as suas funções pelo período de 4 anos, com início em 1.1.2010;
- O autor auferia mensalmente € 3 900;
- A ré comunicou ao autor, por escrito, que as funções do mesmo cessavam a partir de 31.08.2011;
- O autor considera que a ré não podia fazer cessar o contrato, sem qualquer fundamento, antes do termo do mesmo que só ocorreria em 31.12.2013.
Assim, pretende que a ré lhe pague o valor das remunerações acordadas até ao termo do contrato, deduzindo o valor da remuneração que o autor auferiu do Ministério da Educação após a cessação do contrato.
Caso assim não se entenda, considera que foi ilicitamente despedido pelo que, subsidiariamente, pede que tal venha a ser declarado com as legais consequências.
A ré contestou invocando a prescrição dos pedidos formulados a título principal e subsidiário, excepções que foram julgadas improcedentes no despacho saneador.

  A ré alegou ainda que a única entidade patronal do autor é o Ministério da Educação.
O autor, ao ser requisitado, não perdeu a qualidade de funcionário público.
Por manter tal qualidade nunca poderia celebrar qualquer outro acordo que colidisse com o vínculo jurídico que mantinha com o Ministério da Educação, pelo que nunca poderia ter qualquer contrato de trabalho com a ré. Caso contrário, o autor teria, em simultâneo, dois contratos de trabalho a tempo inteiro.
Os quatro anos eram um prazo meramente indicativo do tempo da nomeação e não um prazo imperativo.
A interpretação feita pelo autor de que tal prazo era imperativo esbarra com normas imperativas pois a requisição, por força da lei, tem de ser pedida anualmente e pode ou não ser concedida, sendo ainda de referir que a requisição pode cessar a qualquer momento, por conveniência de serviço ou a requerimento fundamentado do docente.
Assim, a ré considera que não existia qualquer contrato de trabalho com o autor. Mas mesmo a entender-se diversamente, tal contrato estaria sujeito ao regime especial imperativo de caducidade anual.
Não houve assim nenhum comportamento ilícito da ré pelo que a mesma não tem de indemnizar o autor.

  Após realização de audiência de discussão e julgamento, o Tribunal a quo  proferiu a seguinte decisão :
«(..), julgo a presente ação procedente e, em consequência, condeno a ré a pagar ao autor a quantia de € 35 430,30 acrescida de juros de mora à taxa anual de 4% contados desde 27.9.2012 e até integral pagamento.
Custas pela ré.»
A R. recorreu desta decisão e por Acórdão de 12.03.2014 deste Tribunal da Relação foi anulada a decisão proferida na 1ª instância quanto à matéria de facto, a fim de ser dada resposta ao art. 33º da petição inicial.
O Tribunal a quo respondeu a este artigo da petição inicial e considerou provados os seguintes factos:
(…)
Com base nestes factos, o Tribunal a quo proferiu a seguinte decisão:
«(..), julgo a presente ação procedente e, em consequência, condeno a ré a pagar ao autor a quantia de € 35 430,30 acrescida de juros de mora à taxa anual de 4% contados desde 27.9.2012 e até integral pagamento.
Custas pela ré.»
A R. recorreu desta sentença e formulou as seguintes conclusões:
(…)
O recorrido contra-alegou e formulou as seguintes conclusões:
(…)
                                                  *
            III- Apreciação
(…)

Vejamos, agora, se foi celebrado pelas partes um contrato de trabalho.
 Quanto a este aspecto, desde já, adiantamos que concordamos com a qualificação do contrato efectuada pelo Tribunal a quo.
Conforme resulta do disposto no art. 11º do CT de 2009, « contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa singular se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade a outra ou outras pessoas, no âmbito de organização e sob a autoridade destas.»
Perante os factos acima indicados 8 a 14, 16 e 19 a relação contratual apresentava as características previstas nas alíneas a), d) e e) do nº1 do art. 12º do CT de 2009 que permitem presumir a existência de um contrato de trabalho.
Mais resultou provado que as referidas funções eram supervisionadas pela Ré com quem o A. reunia periodicamente, para dar conta sobre a atividade da Escola Profissional e para receber diretrizes sobre o modo do seu exercício, o que nos permite concluir pelo enquadramento do ora recorrido na estrutura empresarial da entidade empregadora que determinava o modo como as funções do mesmo eram executadas e pela consequente subordinação jurídica.

Passemos, de seguida, à segunda questão : Apurar as especificidades do referido contrato perante o acto de requisição do recorrido ao Ministério da Educação.
            O Estatuto da Carreira Docente (aprovado pelo Decreto –Lei n.º 139 -A/90, de 28 de Abril )  tem sofrido diversas alterações (Decretos- Leis nºs  105/97, de 29 de Abril, 1/98, de 2 de Janeiro, 35/2003,de 27 de Fevereiro, 121/2005, de 26 de Julho, 229/2005, de 29 de Dezembro, 224/2006, de 13 de Novembro, 15/2007, de 19 de Janeiro, 35/2007, de 15 de Fevereiro, 270/2009, de 30 de Setembro,  75/2010, de 23 de Junho e 41/2012, de 21/02, lei nº 80/2013, de 28 de Novembro, DL 146/2013, de 22 de Outubro e lei 7/2014, de 12 de Fevereiro).
       Porém, no caso em apreço, importa considerar o disposto nos arts. 64º, 67º, 69º e 71º do Estatuto da Carreira Docente ( na redacção dada pelo  DL Decreto-Lei n.º 270/2009 de 30 de Setembro).
            Vejamos o conteúdo dos referidos preceitos legais.
            « Artigo 64.º
            Formas de mobilidade
            1 - São instrumentos de mobilidade dos docentes:
            a) O concurso;
            b) A permuta;
            c) A requisição;
            d) O destacamento;
            e) A comissão de serviço.
2 - Constitui ainda uma forma de mobilidade a transição entre níveis ou ciclos de ensino e entre grupos de recrutamento.
3 - Por iniciativa da Administração, pode ocorrer a transferência do docente para a mesma categoria e em lugar vago do quadro de outro estabelecimento escolar, independentemente de concurso, com fundamento em interesse público decorrente do planeamento e organização da rede escolar, caso em que se aplica, com as devidas adaptações, o regime de transferência por ausência da componente lectiva previsto no Decreto -Lei n.º 20/2006, de 31 de Janeiro.
4- As regras de mobilidade especial aplicáveis aos docentes dos quadros sem componente lectiva atribuída são as definidas em diploma próprio.
            5 - O disposto no presente artigo, com excepção do n.º 3, aplica -se apenas aos docentes com nomeação definitiva em lugar do quadro de agrupamento de escolas, de escola não agrupada ou de zona pedagógica. 
            Artigo 67.º
            Requisição
1 -A requisição de docentes visa assegurar o exercício transitório de funções nos serviços e organismos centrais e regionais do Ministério da Educação, bem como nos órgãos e instituições sob a sua tutela.
            2 - A requisição pode ainda visar:
a) O exercício transitório de tarefas excepcionais em qualquer serviço da administração central, regional ou local;
            b) O exercício de funções docentes em estabelecimentos de ensino superior;
c) O exercício de funções docentes de educação ou de ensino não estatal;
d) O exercício de funções docentes ou técnicas junto de federações desportivas que gozem do estatuto de utilidade pública desportiva;
e) O exercício temporário de funções em empresas dos sectores público, privado ou cooperativo;
            f) O exercício de funções técnicas em comissões e grupos de trabalho;
g) O exercício de funções docentes no ensino e ou divulgação da língua e cultura portuguesas em instituições de ensino superior;
h) O exercício de funções em associações exclusivamente profissionais de pessoal docente.
3- À mobilidade dos docentes entre os quadros da administração central e das administrações regionais autónomas é igualmente aplicável o regime da requisição.
4 - A entidade requisitante deve explicitar no seu pedido a natureza das funções a exercer pelo docente.
            Artigo 69º
            Duração da requisição e do destacamento
1 - Os docentes podem ser requisitados ou destacados por um ano escolar, eventualmente prorrogáveis até ao limite de quatro anos escolares, incluindo o 1.º
2 - O limite previsto no número anterior é de nove anos no caso de funções docentes nas escolas europeias.
3- A requisição ou o destacamento podem ser dados por findos, a qualquer momento, por conveniência de serviço ou a requerimento fundamentado do docente.
4- Findo o prazo previsto nos n.ºs 1 e 2, o docente:
        a) Regressa à escola de origem, não podendo voltar a ser requisitado ou destacado durante o prazo de quatro anos escolares;
          b) É reconvertido ou reclassificado em diferente carreira e categoria, de acordo com as funções que vinha desempenhando, os requisitos habilitacionais detidos, as necessidades dos serviços e o nível remuneratório que detenha, aplicando -se com as devidas adaptações o disposto na lei geral; ou
  c) Requer a passagem à situação de licença sem vencimento de longa duração.
5 - Nas situações da alínea b) do número anterior, o docente é integrado no serviço onde se encontra requisitado ou destacado em lugar vago do respectivo quadro ou mediante a criação de lugar, a extinguir quando vagar.
            6- O docente que regresse ao serviço após ter passado pela situação de licença prevista na alínea c) do n.º 3 fica impedido de ser requisitado ou destacado antes de decorrido um período mínimo de quatro anos escolares após o regresso.
            Artigo 71.º
            Autorização
1 - A autorização de destacamento, requisição, comissão de serviço e transferência de docentes é concedida por despacho do membro do Governo responsável pela área da educação, após parecer do órgão de direcção executiva do estabelecimento de educação ou de ensino a cujo quadro pertencem.
2 - A autorização prevista no número anterior deverá referir obrigatoriamente que se encontra assegurada a substituição do docente.
3 - Por despacho do membro do Governo responsável pela área da educação é fixado o período durante o qual podem, em cada ano escolar, ser requeridos o destacamento e a requisição de pessoal docente.
 4 - O destacamento, a requisição, a comissão de serviço e a transferência só produzem efeitos no início de cada ano escolar.
5 - O disposto nos n.ºs 1 a 4 não é aplicável em caso de nomeação para cargo dirigente ao exercício de funções em gabinetes dos membros do Governo, ou a outras fun-
ções na Administração Pública para as quais a lei exija a mesma forma de provimento, situação em que se aplica a legislação própria.»

Dos factos provados resulta que o recorrido desenvolveu a sua actividade laboral no seio da recorrente, mediante requisição ao Ministério da Educação.
No que respeita à caracterização deste contrato, o Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão de 12/10/2011- www.dgsi.pt, entendeu que « o vínculo jurídico estabelecido entre um estabelecimento privado de ensino e um docente do ensino público, requisitado ao Ministério da Educação para o exercício de funções docentes nesse estabelecimento, consubstancia um contrato de trabalho subordinado, com regime especial quanto à sua celebração, renovação e cessação.». 
            Vejamos o teor do referido Acórdão :
            « (…) o contrato de trabalho subordinado celebrado entre as partes reveste características específicas, acordadas pelas partes, dentro dos limites legalmente estabelecidos, quanto à sua forma de celebração, duração e cessação — a manutenção do contrato celebrado estava condicionada, anualmente, ao pedido de requisição a formular pela ré e à autorização a conceder pelo Ministério de Educação sendo que, a falta de qualquer um desses actos impedia a manutenção do vínculo.
            Atente-se, contudo, que efectuada a requisição do autor e autorizada a mesma pelo Ministério da Educação, o contrato desenvolve-se na sua plenitude, nos termos acordados entre as partes, não estando, nesse âmbito, dependente de qualquer outra manifestação de vontade por parte do Ministério da Educação. E tanto assim é que, no descrito circunstancialismo, o autor deixou de prestar as suas funções para o Ministério da Educação e este deixou de sobre ele exercer os correspectivos poderes de direcção e fiscalização e o dever de lhe pagar a retribuição, ficando este vínculo inactivo, suspenso, até ao regresso do autor ao exercício das correspondentes funções no âmbito do Ministério da Educação, quer seja por determinação deste, por vontade do autor ou por não requisição dos serviços do autor por parte da ré.
Assim, o questionado contrato se corresponde, na sua essência, ao contrato de trabalho subordinado, não se reconduz, todavia, e integralmente, ao seu figurino legal, enquanto vínculo por tempo indeterminado, pois, por imperativo legal, tem de ser renovado anualmente, verificadas as condições a ele pressupostas. Por outro lado, também não se reconduz à figura do contrato de trabalho a termo, já que, apesar de ter um prazo inicial de duração, não está sujeito a limite de renovações, podendo manter-se indefinidamente enquanto as partes assim o entenderem e estiverem reunidas as condições exigidas para a sua manutenção — requisição e autorização — não havendo renovações automáticas.
           Tal como salienta a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta, «a vocação natural desse contrato (quanto à sua duração, dada a sua natureza precária por definição) é a de “caducar” no fim de cada ano lectivo, com a “renovação”, de todo o ciclo que permitirá, eventualmente, o reinício de funções do docente no ensino privado, via requisição, se a mesma vier a ser autorizada».
Saliente-se que a natureza precária dos contratos de trabalho ajustados entre estabelecimentos de ensino particular e docentes do ensino secundário que exercem, em acumulação, funções lectivas no sistema de ensino público foi afirmada, em plenário, na Secção Social deste Supremo Tribunal, no Acórdão n.º 8/2009, de 26 de Setembro de 2007, proferido no Processo n.º 1619/06 (Revista), da 4.ª Secção, e publicado no Diário da República, 1.ª série, n.º 95, de 18 de Maio de 2009, em que se procedeu à uniformização de jurisprudência seguinte: « o regime especial de caducidade anual a que estavam sujeitos os contratos de trabalho, em acumulação, entre os docentes do ensino público e os estabelecimentos de ensino particular que decorria dos Decretos-Lei n.os 266/77, de 1 de Julho, 553/80, de 21 de Novembro, e 300/81, de 5 de Novembro, e do Despacho n.º 92/ME/88, do Ministro da Educação, de 17 de Maio de 1988, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 137, de 16 de Junho de 1988, não foi afectado pela entrada em vigor do Estatuto da Carreira dos Educadores de Infância e dos Professores do Ensino Básico e Secundário, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 139-A/90, de 28 de Abril, e da Portaria n.º 652/99, de 14 de Agosto, que o regulamentou» — a conformidade constitucional deste entendimento foi apreciada, e confirmada, pelo Tribunal Constitucional, no Processo n.º 981/2007, Acórdão n.º 155/2009, de 25 de Março de 2009, publicado na parte D do Diário da República, 2.ª Série, n.º 87, de 6 de Maio de 2009.
Ora, as razões para a configuração do apontado regime especial de cessação anual são mais acentuadas nas situações de exercício de funções de docente do sector público requisitado para prestar funções docentes em estabelecimento de ensino não estatal, pois, neste caso, o próprio Estatuto da Carreira dos Educadores de Infância e dos Professores do Ensino Básico e Secundário estabelece um período de tempo para a autorização concedida, a qual pode cessar a todo o tempo (artigo 69.º, n.ºs 1 e 2).
Com efeito, neste caso, o vínculo do docente com o estabelecimento privado de ensino particular não é autónomo em relação àquele que mantém com o sector público, antes é por ele condicionado, porquanto só se forma e perdura dentro das condições legais determinadas para essa concreta forma de mobilidade e enquanto a prossecução do interesse público a tanto não se sobrepuser.
            Tudo para concluir que o vínculo estabelecido entre a ré o autor, docente do ensino público e requisitado ao Ministério da Educação para o exercício de funções docentes na ré, que se trata de um estabelecimento privado de ensino, consubstancia um contrato de trabalho subordinado, com regime especial quanto à sua celebração, renovação e cessação.
             (…) A ré afirma (..) que o contrato subscrito com o autor deve ser entendido como uma mera regulação privada das relações mantidas entre autor e ré, cujo incumprimento não poderá configurar qualquer despedimento, «quando muito pode configurar um direito do A. a uma indemnização pelo incumprimento das cláusulas do acordo efectuado», mais acrescentando que, mesmo que se considere a existência de um contrato de trabalho, «não ocorre, in casu, qualquer necessidade de protecção do “trabalhador” decorrente da perda de retribuição que um “despedimento” pudesse causar», pois «o Autor mantém o seu lugar de origem de professor de ensino público, continuando a receber o seu salário e a prestar a sua actividade de ensino».
(…)
Atenta a especialidade do contrato de trabalho celebrado entre autor e ré, já afirmada supra, traduzida na sua cessação anual (com eventual renovação, também, anual), estando a sua manutenção condicionada ao pedido de requisição a efectuar, anualmente, ao Ministério da Educação e à autorização a conceder por esse organismo, resulta que, faltando qualquer um desses pressupostos, o vínculo jurídico entre autor e ré, por imperativo legal, necessariamente, caducava.
(…) Tudo para concluir que a não formulação da requisição do autor por parte da ré não configura um despedimento daquele, nem sequer ilícito, por não precedido de procedimento disciplinar, porque a extinção do contrato decorreu do regime especial a que estava sujeito no respeitante à sua celebração, renovação e cessação.» ( sublinhado nosso).

    A situação descrita no referido Acórdão é similar, em parte, ao caso em apreço. É certo que o Estatuto da Carreira Docente sofreu alterações, designadamente no que respeita ao limite de quatro anos estabelecido no art. 69º, nº1 do indicado Estatuto ( na versão aplicável aos presentes ) que estabelece que « os docentes podem ser requisitados ou destacados por um ano escolar, eventualmente prorrogáveis até ao limite de quatro anos escolares, incluindo o 1.º.» Mas continua a ser necessária a requisição anual cuja falta determina a cessação do contrato por imperativo legal.
E conforme refere o Acórdão nº 8/2009 para fixação de jurisprudência ( acima indicado), ao tratar da situação de acumulação e da autorização anual: «(…) a acumulação de funções docentes em apreço continuou a ser, “ex lege”, precária, não livre ou arbitrária, antes dependente de autorização administrativa da entidade competente.E o ciclo temporal natural, essencial, dessa acumulação continuou a ser o ano lectivo.E essa precariedade da situação de acumulação continuou a reflectir-se, lógica, necessária, inevitavelmente, no vínculo laboral que a tenha consagrado, também ele, por lei, natural e essencialmente precário e de ciclo anual, ainda que se verifique a possibilidade prevista no n.º 7 da citada Portaria – a de se manter a validade da autorização concedida enquanto se mantiverem as condições que permitiram a acumulação.»
No caso subjudice o vínculo laboral estabelecido também oferece, por imperativo legal, natureza precária e não ocorre renovação automática ( ao contrário do contrato a termo).
  A questão que se coloca é a seguinte : A recorrente contratou o recorrido pelo período de 4 anos e incorreu em responsabilidade contratual pelos lucros cessantes pela cessação do contrato antes deste prazo?
Na situação descrita no Acórdão do STJ de 12/10/2011 (  acima referido) ocorre responsabilidade contratual decorrente da violação de uma cláusula contratual lícita : o dever de comunicação ao trabalhador, no prazo expressamente acordado, de que não pretendia requisitar os seus serviços.
O contrato em apreço deverá ser analisado em conjunto com o acto que o autorizou, o que significa que, perante a necessidade de requisição anual, não poderia ser estabelecido pelo prazo de duração inicial de 4 anos.
O contrato celebrado entre as partes obedece a regime especial e tem uma vocação anual, mas poder-se-á renovar.
Decorre do disposto no art. 69º, nº3 do Estatuto da Carreira Docente que a requisição pode ser dada por finda, a qualquer momento, por conveniência de serviço ou a requerimento fundamentado do docente.
A recorrente ( embora sob a tutela do Ministério da Educação) constitui uma entidade privada, pelo que as razões de conveniência de serviço ( que não foram invocadas na declaração de cessação de funções acima indicada sob 20 dos factos provados), ditadas por razões de interesse público, deverão ser vistas na perspectiva do Ministério da Educação e não da recorrente.
Não obstante o princípio da liberdade contratual consagrado no art. 405º, nº1 do Código Civil, consideramos, conforme acima referimos, que a estipulação de um prazo inicial de 4 anos para a contratação do recorrido contraria as disposições imperativas deste contrato especial, o que fere de nulidade tal cláusula.
 O acordo celebrado entre as partes não nos permite concluir que tenha sido estipulado o prazo legal de um ano para a sua duração e que a recorrente tenha assumido a obrigação da praticar os actos necessários à renovação do contrato, sendo certo que não foi invocada a conversão do acordo ( matéria que não é do conhecimento oficioso).
Concluímos, assim, que não poderá ser imputada à recorrente a responsabilidade pelas indicadas diferenças salariais.
            Procede, desta forma, o recurso de apelação.         
                                                           *
            IV- Decisão
 Em face do exposto, acorda-se em julgar procedente o presente recurso de apelação e revoga-se a sentença recorrida, absolvendo a recorrente dos pedidos.
            Custas pela recorrido.
            Registe e notifique.                                    
                                                                         Lisboa, 28.01.2015 

Francisca Mendes
Maria Celina de J. de Nóbrega
Alda Martins 
Decisão Texto Integral: