Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
4055/2008-6
Relator: GRANJA DA FONSECA
Descritores: EXECUÇÃO
CONTRATO DE ARRENDAMENTO
RENDA
RESOLUÇÃO DO CONTRATO
COMUNICAÇÃO
TÍTULO EXECUTIVO
INDEFERIMENTO LIMINAR
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/15/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Sumário: 1ª – A execução para entrega de coisa imóvel arrendada pressupõe que a relação de arrendamento já esteja extinta e que o arrendatário não cumpra o dever legal que emerge do facto extintivo, ou seja, o dever de restituir o imóvel ao locador.
2ª – Quando a resolução do contrato se funde em falta de cumprimento, por parte do arrendatário, a mesma tem, em regra, de ser decretada pelo tribunal, sendo, nesse caso, a acção de despejo o meio processual adequado.
3ª – A resolução pelo senhorio, quando fundada em mora superior a três meses no pagamento da renda, opera por comunicação à outra parte, onde fundamentalmente se invoque a obrigação incumprida.
4ª – Tal comunicação tem de ser efectuada mediante notificação avulsa ou mediante contacto pessoal de advogado, de solicitador ou de solicitador de execução, sendo neste caso feita na pessoa do notificando, com entrega de duplicado da comunicação e cópia dos documentos que a acompanhem, devendo o notificando assinar o original.
5ª – Daí que, em caso de resolução por comunicação, podem, apenas, servir de base à execução para entrega de coisa certa (entrega de coisa imóvel arrendada), o contrato de arrendamento, acompanhado do comprovativo da comunicação prevista no n.º 1 do artigo 1084º CC, efectuada nos moldes estabelecidos no n.º 7 do artigo 9º do NRAU.
6ª – Tendo a comunicação sido efectuada através de carta registada com aviso de recepção tal comunicação não goza de eficácia para fazer cessar o contrato por resolução com fundamento na falta de pagamento da renda, não sendo sanável tal falta ainda que o advogado tenha procedido à entrega da cópia da missiva que tinha sido enviada ao arrendatário.
7ª – Tratando-se, como se trata, de título executivo complexo, faltando algum dos elementos não há título, pelo que tal falta conduz necessariamente ao indeferimento liminar do requerimento executivo.
GF
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:
1.
Na execução para entrega de coisa certa, com processo comum, que [A] instaurou contra [S], o Tribunal a quo considerou verificada a insuficiência do título apresentado e, em consequência, indeferiu liminarmente o requerimento executivo.

Inconformada, recorreu a exequente, formulando as seguintes conclusões:
1ª – A sentença recorrida não fez boa aplicação do direito competente que imporia decisão diferente.
2ª – A alínea c) do n.º 1 do artigo 15º da Lei 6/2006, de 27 de Fevereiro, estatui que pode servir de base à execução para entrega de coisa certa, em caso de resolução por comunicação, o contrato de arrendamento acompanhado do comprovativo da comunicação prevista no n.º 1 do artigo 1084ºdo Código Civil.
3ª – Esta comunicação/declaração, que, por interpretação analógica, no caso da sua não recepção pelo destinatário, por se ter recusado a receber ou a assinar o original, deve ser entendida como tendo uma presunção de culpa, considera-se como efectuada e eficaz, conforme dispõe o n.º 2 do artigo 224ºdo Código Civil.
4ª – O Código Civil consagrou a teoria da recepção, devendo aquela declaração/comunicação considerar-se eficaz, ficando o destinatário vinculado à mesma, logo que chegue ao seu poder, à sua esfera pessoal, não afectando a sua perfeição e eficácia a recusa do mesmo ou o seu não conhecimento.
5ª – A sentença recorrida, ao assim não entender, violou o disposto no artigo 15º, n.º 1, alínea c) da Lei 6/2006, de 27 de Fevereiro e artigo 1084º, n.º 1 do Código Civil.

Não houve contra – alegações.

O Exc. mo Juiz sustentou liminarmente o despacho recorrido.
2.
Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões, a questão que se coloca prende-se com a existência do título executivo, importando saber se é suficiente.
3.
Com interesse para a decisão interessam os seguintes factos:
1º - A exequente juntou como título executivo os seguintes documentos:
a) – Contrato de Arrendamento para Habitação por Período Limitado;
b) – Carta de advogado, datada de 19 de Fevereiro de 2007, dirigida à executada, em nome da exequente, a comunicar-lhe a resolução do contrato de arrendamento por falta de pagamento das rendas há mais de três meses;
c) – Aviso de recepção assinado pela executada com data de 23 de Fevereiro de 2007;
d) – Declaração subscrita pelo advogado da exequente, datada de 23 de Fevereiro de 2007, da qual consta, além do mais, que “(...) declaro que, hoje, dia 23 de Fevereiro de 2007, pelas 13H00, desloquei-me à residência de [S], com o desiderato de lhe efectuar a comunicação a que se refere o n.º 7 do artigo 9º do NRAU, procedendo à entrega à mesma do duplicado de comunicação junta, cópia da missiva que também já, por via epistolar, oportunamente, tinha sido enviada, tentativa que foi infrutífera, dado que ela não a aceitou, tendo-se recusado inclusive a assinar o duplicado original.
2º - Na exposição dos factos, sustenta o seguinte:
a) – A exequente, como senhoria, arrendou à executada, como arrendatária, por via de contrato de arrendamento para habitação por período limitado, o 3º andar esquerdo do prédio da Rua , em Queluz, tendo sido convencionada a renda mensal que se mantém de € 500.
b) – A executada não paga as rendas desde Janeiro de 2006, devendo o valor de € 9.000.
c) – Porque a executada está em mora há mais de três meses, em 19 de Fevereiro de 2007, a exequente formalizou-lhe e comunicou-lhe a resolução do contrato de arrendamento com tal fundamento.
d) – Apesar de não ter pago a renda, o contrato encontra-se resolvido, a executada recusa-se a proceder à entrega da casa.
4.
A execução para entrega de coisa imóvel arrendada não se destina a fazer cessar a relação de arrendamento.

Antes, pressupõe que essa relação já esteja extinta e que o arrendatário não cumpra o dever legal, que emerge precisamente do facto extintivo, ou seja, o dever de restituir o imóvel ao locador.

Esta acção tem, pois, por finalidade a entrega ao senhorio de um imóvel que se encontrava arrendado e cujo arrendamento se extinguiu. O recurso a esta execução é, assim, justificado pelo facto de o arrendatário não cumprir a obrigação imposta pela alínea i) do artigo 1038º, bem como pelo n.º 1 do artigo 1081º, n.º 1 do CC, ou seja, restituir a coisa locada findo o contrato.

Perante o incumprimento de uma prestação de coisa determinada, o artigo 827º do CC fornece o fundamento substantivo que autoriza o credor a requerer, em execução, que a entrega lhe seja feita.

À execução para entrega de coisa imóvel arrendada pode servir de título executivo quer a sentença condenatória proferida em acção de despejo (artigo 46º, n.º 1, alínea a) do CPC e 14º das disposições gerais do NRAU), quer os documentos a que se referem os artigos 14º, n.º 5 e 15º, n.º 1 do NRAU.

A exequente declara ter apresentado os documentos a que se refere o n.º 1 do artigo 15 do NRAU, razão por que teria a decisão errado na interpretação desta norma, ao considerar a insuficiência do título.

Esta a questão que importa decidir.

Dispõe o artigo 1083º n. º 1 do Código Civil que qualquer das partes pode resolver o contrato, nos termos gerais de direito, com base em incumprimento pela outra parte.

A resolução caracteriza-se por constituir uma causa de extinção do contrato, requerida por um dos contraentes contra o outro, com base num facto superveniente à celebração do contrato. A resolução goza, em princípio, de eficácia retroactiva.

Quando a resolução do contrato se funde em falta de cumprimento, por parte do arrendatário, a mesma tem, em regra, de ser decretada pelo tribunal (artigos 1083º, n.º 1 e 1084º, n.º 2 do Código Civil e, mais genericamente para a locação, artigo 1047º do Código Civil). Neste caso, a acção de despejo é o meio processual adequado.

No entanto, quando o arrendatário se constitua em mora superior a três meses no pagamento da renda, encargos ou despesas, é inexigível ao senhorio a manutenção do arrendamento, em tal caso (artigo 1083º, n.º 3 Código Civil).

A resolução pelo senhorio quando fundada nessa causa opera por comunicação à contraparte, onde fundamentalmente se invoque a obrigação incumprida (artigo 1084º, n.º 1 Código Civil).

Não sendo o locado desocupado na data devida por lei ou convenção das partes, podem servir de base à execução para a entrega de coisa certa, em caso de resolução por comunicação, o contrato de arrendamento, acompanhado do comprovativo da comunicação prevista no n.º 1 do artigo 1084º do Código Civil (cfr. artigo 15º, n.º 1, alínea e) do NRAU).

Trata-se de um título executivo complexo, composto por dois elementos: contrato de arrendamento e comprovativo da comunicação.

Ora, nas hipóteses em que o título executivo é complexo, se faltar algum dos elementos não haverá título.

In casu, existe o contrato de arrendamento. A divergência entre a sentença e a recorrente coloca-se quanto ao comprovativo da comunicação à arrendatária.

Salvo disposição da lei em contrário, as comunicações legalmente exigíveis entre as partes, relativas à cessação do contrato de arrendamento, actualização da renda e obras, são realizadas mediante escrito assinado pelo declarante e remetido por carta registada com aviso de recepção (artigo 9º, n.º 1 do NRAU).

Porém, a comunicação pelo senhorio destinada à cessação do contrato por resolução, nos termos do n.º 1 do artigo 1084º do Código Civil, é efectuada mediante notificação avulsa, ou mediante contacto pessoal de advogado, solicitador ou solicitador de execução, sendo neste caso feita na pessoa do notificando, com entrega de duplicado da comunicação e cópia dos documentos que a acompanhem, devendo o notificando assinar o original (artigo 9º, n.º 7 do NRAU).

Como se verifica, o legislador, dada a delicadeza da matéria em questão (cessação do contrato de arrendamento, actualização da renda e obras), definiu a necessidade da observância de determinadas formalidades, a fim de acautelar os interesses das partes envolvidas e evitar a existência de potenciais conflitos resultantes da forma de comunicação entre os sujeitos contratuais.
Porém, a comunicação a efectuar pelo senhorio, destinada à cessação do contrato por resolução com fundamento na falta de pagamento de renda, obedece a uma formalidade mais exigente, isto é, tem de ser efectuada mediante notificação avulsa, ou mediante contacto pessoal de advogado, de solicitador, ou de solicitador de execução, sendo neste caso feita na pessoa do notificando[1].

Reportando-nos ao caso sub judice, constata-se que a comunicação feita pelo senhoria à arrendatária, destinada à cessação do contrato por resolução com fundamento na falta de pagamento de renda, não foi efectuada mediante notificação avulsa. A senhoria limitou-se a enviar uma carta registada com aviso de recepção e a juntar uma declaração subscrita pelo seu mandatário, referindo, além do mais, que, no dia 23 de Fevereiro de 2007, se havia deslocado à residência da executada, a fim de proceder à entrega à mesma do duplicado de comunicação junta, cópia da missiva que também já, por via epistolar, oportunamente, tinha sido enviada, visando o desiderato de lhe efectuar a comunicação a que se refere o n.º 7 do artigo 9º do NRAU.

Ora, se a comunicação tinha sido feita por carta registada com aviso de recepção, tal deficiência não ficava sanada com a entrega pelo advogado da cópia da missiva que tinha sido enviada à arrendatária, na medida em que tal missiva não satisfazia os requisitos exigidos legalmente, para fazer cessar o contrato de arrendamento por resolução, com fundamento na constituição em mora por falta de pagamento de rendas.

Pelo exposto, nenhuma censura merece o despacho recorrido que, ao abrigo do preceituado nos artigos 45º, 46º, n.º 1, alínea d), 811º, n.º 1, alínea b), 812º, n. os 1, 2, alínea a), 928º, todos do CPC, 9º, n.º 7 e 15º, n.º 1, alínea e) do NRAU, perante a insuficiência do título apresentado, indeferiu liminarmente o requerimento executivo.
Concluindo:
1ª – A execução para entrega de coisa imóvel arrendada pressupõe que a relação de arrendamento já esteja extinta e que o arrendatário não cumpra o dever legal que emerge do facto extintivo, ou seja, o dever de restituir o imóvel ao locador.
2ª – Quando a resolução do contrato se funde em falta de cumprimento, por parte do arrendatário, a mesma tem, em regra, de ser decretada pelo tribunal, sendo, nesse caso, a acção de despejo o meio processual adequado.
3ª – A resolução pelo senhorio, quando fundada em mora superior a três meses no pagamento da renda, opera por comunicação à outra parte, onde fundamentalmente se invoque a obrigação incumprida.
4ª – Tal comunicação tem de ser efectuada mediante notificação avulsa ou mediante contacto pessoal de advogado, de solicitador ou de solicitador de execução, sendo neste caso feita na pessoa do notificando, com entrega de duplicado da comunicação e cópia dos documentos que a acompanhem, devendo o notificando assinar o original.
5ª – Daí que, em caso de resolução por comunicação, podem, apenas, servir de base à execução para entrega de coisa certa (entrega de coisa imóvel arrendada), o contrato de arrendamento, acompanhado do comprovativo da comunicação prevista no n.º 1 do artigo 1084º CC, efectuada nos moldes estabelecidos no n.º 7 do artigo 9º do NRAU.
6ª – Tendo a comunicação sido efectuada através de carta registada com aviso de recepção tal comunicação não goza de eficácia para fazer cessar o contrato por resolução com fundamento na falta de pagamento da renda, não sendo sanável tal falta ainda que o advogado tenha procedido à entrega da cópia da missiva que tinha sido enviada ao arrendatário.
7ª – Tratando-se, como se trata, de título executivo complexo, faltando algum dos elementos não há título, pelo que tal falta conduz necessariamente ao indeferimento liminar do requerimento executivo.
5.
Pelo exposto, negando provimento ao agravo, confirma-se o despacho recorrido.

Custas pela agravante.
Lisboa, 15 de Maio de 2008.
Manuel F. Granja da Fonseca
Fernando Pereira Rodrigues
Fernanda Isabel Pereira
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[1] Margarida Grave, Novo Regime do Arrendamento, 4ª Edição, 123.