Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1970/18.8T9PDL.L1-5
Relator: LUÍS GOMINHO
Descritores: RECURSO DE CONTRA-ORDENAÇÃO
PRAZO DE INTERPOSIÇÃO DE RECURSO
FÉRIAS JUDICIAIS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/18/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: - O legislador alterou os art.ºs 59.º e 60.º do Dec. Lei 433/82, de 27 de Outubro, que eram totalmente omissos nesta matéria, sobre a qual havia alguma controvérsia e com a nova redacção do art.º 60.º n.º 1, o legislador foi claro ao ordenar que, na contagem do prazo de interposição do recurso, se descontassem apenas os sábados, domingos e feriados - isto é, sem que tal prazo se suspendesse durante as férias judiciais.
- Ciente da controvérsia, o legislador optou por regular o regime do prazo e da forma de interposição do recurso, pelo que a falta de equiparação das férias judiciais aos sábados, domingos e feriados, quer para a suspensão do prazo, quer para a transferência do termo, deve ser vista como uma intenção de não equiparação e não como uma lacuna.
- Dada a diferente natureza dos interesses em causa e do próprio acto a praticar (que, recorde-se, se destina a impugnar uma decisão administrativa e, portanto, ainda antes de qualquer processo judicial), não existe qualquer fundamento que justifique a equiparação que o artigo 279.º, alínea e), do Código Civil faz das férias judiciais aos sábados, domingos e feriados, baseado na premissa de que o acto sujeito a prazo tem de ser “praticado em juízo”.
- A disciplina consagrada no artigo 60.º do RGCO e bem assim no artigo 181.º, n.º 2, alínea a), do Código da Estrada (por maioria de razão e por força do disposto no artigo 132.º do mesmo diploma), não consente a equiparação das férias judiciais aos sábados, domingos e feriados, quer para a suspensão do prazo, quer para a transferência do termo.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção Criminal (5.ª) da Relação de Lisboa:

I – Relatório:

I – 1.) Inconformado com o despacho aqui melhor constante de fls. 118/9, no qual a Mm.ª Magistrada do Juízo Local Criminal de Ponta Delgada (Juiz 2), rejeitou, por intempestividade, o recurso de impugnação judicial dirigida pelo Arguido J. , melhor identificado, da decisão da Direcção Regional dos Transportes da Região Autónoma dos Açores, que em função da prática de uma contra-ordenação p. e p. pelos art.ºs 81.º, n.ºs 3, 6 al.ª b), 7, 147.º, n.ºs 2 e 3 e 148.º, n.º1, do Código da Estrada (condução sob o efeito do álcool), lhe aplicou a sanção acessória de 75 dias de inibição de condução e determinou a subtracção de cinco pontos na sua carta de condução, recorreu o Arguido acima mencionado para esta Relação, apresentando na síntese das razões da sua discordância as seguintes conclusões:
1.ª - Vem o presente recurso interposto da circunstância de o recorrente não se conformar com o douto despacho proferido pelo Reverendíssimo Tribunal Judicial de Ponta Delgada, Juízo Local Criminal, Comarca de Açores, nos presentes autos, que veio rejeitar (por praticada fora de prazo) a impugnação judicial de contraordenação rodoviária aplicada por entidade administrativa, na qual o recorrente foi condenado.
2.ª - E por via da rejeição liminar da impugnação apresentada, mantendo-se a condenação do recorrente, proferida pela Direção Regional dos Transportes Terrestres através do seu Serviço Coordenador, na sanção acessória de inibição de condução pelo período de setenta e cinco dias e retirada de 5 pontos do seu título.
3.ª - O ora recorrente, não se pode conformar, e apesar de reconhecer ao Tribunal brio e assertividade na fundamentação da interpretação ora escolhida, não pode deixar de discordar dessa mesma interpretação legal, pois em sua opinião, a mesma cingiu-se apenas ao modo de contagem do prazo, sendo que a questão aqui defendida trata-se de saber até quando podia o recorrente praticar o ato.
4.ª - Na jurisprudência mais atual, é mister, que quando o prazo para a prática do ato termine em férias judiciais, pode o mesmo ser praticado até ao primeiro dia útil após o termo das férias judiciais.
5.ª - O recorrente reconhece que o prazo em causa não se suspende em férias judiciais, contudo pode ser praticado no primeiro dia útil seguinte ao termo destas.
6.ª - No douto despacho recorrido decide-se que o prazo para o recorrente impugnar a decisão condenatória administrativa terminou no dia 29/08/2018.
7.ª - E que, tendo o recorrente apenas impugnado tal decisão a 03/09/2018, fê-lo para além do prazo de 15 dias úteis, segundo o disposto no artigo 181.º, do Código da Estrada.
8.ª - Mais se defende no douto despacho recorrido que o prazo para impugnação judicial não é um prazo judicial, tendo o mesmo natureza administrativa, não sendo aplicáveis as regras que constam no art 145.º do CPC (atual art. 139º).
9.ª - Citando-se para o efeito, o Acórdão da Relação do Porto, de 21.05.2008, tirado do processo n.º NºJTRP00041360, in www.dgsi.pt.
10.ª - Elencando-se ainda, neste sentido, os Acórdãos da Relação de Lisboa de 26.10.2006 e de 17.01.2007, todos disponíveis na base de dados da DGSI.
11.ª - O despacho recorrido faz ainda menção que “(…) o mesmo não se suspende nas férias judiciais, atendendo a que a apresentação do recurso de impugnação se faz perante a autoridade administrativa, nem lhe é aplicável o disposto no artigo 145º, do Código de Processo Civil”.
12.ª - O recorrente não põe em crise a contagem do prazo nos termos em que foi efetuada nem a natureza do mesmo, apenas sindica da decisão quanto ao momento da prática do ato, facto este distinto da contagem do mesmo.
13.ª - Conforme se pugna no despacho recorrido, o prazo para impugnação judicial deve ser entendido como prazo administrativo e segundo parece, observado segundo essas mesmas regras.
14.ª - Ora, quanto a esta matéria, dispõe a al. e) do art. 279.º do CCIV que: “O prazo que termine em domingo ou dia feriado transfere-se para o primeiro dia útil; aos domingos e dias feriados são equiparadas as férias judiciais, se o acto sujeito a prazo tiver de ser praticado em juízo”.
15.ª - O Supremo Tribunal Administrativo tem emanado decisões constantes, onde decide que quando os prazos administrativos (contados apenas os dias úteis), terminem em férias judiciais, pode a parte praticar o ato no primeiro dia útil seguinte, ou seja, no primeiro dia útil seguinte ao términus das férias judiciais.
16.ª - A demonstrá-lo, o Acórdão do STA de 11/05/2011, tirado no processo n.º 055/11, onde se sumaria: ”Os prazos de interposição de recursos ou impugnações judiciais de decisões administrativas que terminam em férias judiciais transferem-se para o primeiro dia útil seguinte ao termo destas, não obstando a tal transferência - fundada no disposto na alínea e) do artigo 279.º do Código Civil – o facto de a apresentação da petição ser efectuada junto da administração tributária, ao abrigo do disposto no n.º 1 do art. 103.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.”(sublinhado nosso).
17.ª - Aliás, tal acórdão corresponde na integra ao caso aqui tratado, por se tratar de uma impugnação judicial de uma decisão administrativa de natureza contraordenacional, terminando o prazo para o efeito em férias judiciais em que se releva o facto de a apresentação da impugnação perante a entidade administrativa que condenou a parte, não obstaculizar à prática do ato no primeiro dia útil seguinte ao termo das férias judiciais.
18.ª - Um Acórdão do STA mais recente que o anteriormente citado, este de 28/05/2014, tirado no processo n.º 0311/14, concluí da seguinte forma:
”I- A contagem do prazo de vinte dias após a notificação da decisão administrativa de aplicação da coima, de que o arguido dispõe para interpor recurso (art. 80.º, n.º, 1 do RGIT), faz-se nos termos do artigo 60.º do RGCO (ex vi da alínea b) do art. 3.º do RGIT), donde resulta que o prazo se suspende aos sábados, domingos e feriados.
II - Terminando esse prazo em férias judiciais, transfere-se para o primeiro dia útil seguinte, por força do preceituado no art. 279.º, alínea e), do CC.”
19.ª - Outros acórdãos poderiam ser citados, porém cabe também nesta sede aludir a que não somente a Jurisdição Administrativa (através do seu Supremo Tribunal) entende que os prazos administrativos ou contados em dias úteis podem ser praticados no primeiro dia útil seguinte ao términus das férias judiciais.
20.ª - O Acórdão da Relação de Évora, de 19/05/2015, tirado no processo n.º 7/14.0T8ORQ.E1, decide que:
“1 - Ao recurso de impugnação judicial em processo contra-ordenacional é aplicável o artigo 279º, al. e) do Código Civil que determina que «o prazo que termine em domingo ou dia feriado transfere-se para o primeiro dia útil; aos domingos e dias feriados são equiparadas as férias judiciais, se o acto sujeito a prazo tiver de ser praticado em juízo».
2 - Assim, o termo do prazo de recurso de impugnação judicial que caia em período de férias judiciais transfere-se – ao menos - para o primeiro dia útil seguinte ao fim das férias judiciais.”
Tal acórdão vai ainda mais longe, ao constatar, na sua terceira conclusão que:
“3 - Mostra-se caduco o acórdão de fixação de jurisprudência nº 2/94.
4 - Existe “recurso de impugnação judicial” desde a entrada do recurso na entidade administrativa e, para este efeito, são irrelevantes as “fases” do processo contra-ordenacional.”
21.ª - Na mesma senda e de forma ainda mais explicita, o Acórdão da Relação de Évora de 03/11/2015, tirado no processo n.º 62/15.6T8EVR.E1, expõe interpretação contrária à seguida no despacho aqui recorrido, na qual se transcrevem as conclusões:
1- A apresentação do recurso de impugnação judicial praticado junto da entidade administrativa é um acto praticado em juízo.
2 – Trata-se de um recurso “de impugnação judicial” (e não de impugnação administrativa) que apenas é praticado junto da entidade administrativa seguindo uma tradição sistemática idêntica aos recursos penais que, não obstante dirigidos a tribunais superiores, são apresentados no tribunal recorrido, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 414º do C.P.P.
3 - Como tal é-lhe aplicável o artigo 279º, al. e) do Código Civil: «o prazo que termine em domingo ou dia feriado transfere-se para o primeiro dia útil; aos domingos e dias feriados são equiparadas as férias judiciais, se o acto sujeito a prazo tiver de ser praticado em juízo».
4 - Ao direito estradal é aplicável o regime quadro das contra-ordenações em tudo o que não esteja especificamente previsto no Código da Estrada. E este diploma é claro na definição de todo um regime notificativo próprio, incluindo um diverso prazo de impugnação judicial.
5 - O prazo de impugnação judicial no direito estradal, o previsto no nº 2 do artigo 175º do CE, é de 15 dias úteis.
6 - Em rigor e mesmo a considerar que o artigo 60º, n. 1 do RGCO, como norma especial, é claro na afirmação de que o prazo “só” se suspende “aos sábados, domingos e feriados” (e, portanto, exclui a suspensão em período de férias judiciais), o recorrente poderia ter praticado o acto no primeiro útil pós férias judiciais, por apelo à aplicabilidade indubitável do artigo 279.º, alínea e), do Código Civil.”
22.ª - No presente caso, o ato foi praticado no dia 03/09/2018, Segunda-Feira, que corresponde ao primeiro dia útil seguinte ao termo das férias judiciais.
23.ª - Se adotarmos a interpretação de que o prazo para impugnação é um prazo administrativo, então o STA responde e resolve a questão de direito aqui postulada, no sentido de que o ato pode ser praticado no primeiro dia útil seguinte ao fim das férias judiciais.
24.ª - Se formos da opinião que o prazo é judicial, conforme se advoga na jurisprudência mais recente do Tribunal da Relação de Évora, esgrimindo-se nessa sede que não podemos fazer tábua rasa ao princípio da subsidiariedade do direito penal face ao direito contraordenacional penal, aplicam-se as regras quanto à prática de atos, conforme vem previsto no CPC, nomeadamente quanto ao disposto no art. 139.º do CPC.
25.ª - Sendo ambos STA e Relação de Évora uníssonos no acordo de que as férias judiciais são equiparadas a Sábados, Domingos e Feriados e que, por aplicação da al. e) do art. 279.º do CCIV, pode o ato ser praticado no primeiro dia útil após fim de férias judiciais.
26.ª - Na verdade, o RGCO não dispõe de norma específica que contemple a circunstância de o prazo impugnatório terminar em férias judiciais, pelo que à falta de previsão legal quanto a esta matéria na estatuição do art. 60.º do RGCO, sempre nos teremos de socorrer de outras normas, nomeadamente a norma dada pelo art. 279.º do CCIV, a qual equipara os sábados, domingos e feriados às férias judiciais.
27.ª - Não só o recorrente partilha dessa interpretação legal, como teve em conta a mesma, na análise da jurisprudência recente do STA e da Relação de Évora, bem como a doutrina mais recente, tendo praticado o ato convicto de que o fez em tempo, face às evidências que doutrina e jurisprudência lhe oferecem.
28.ª - O recorrente praticou o ato no último dia que o poderia fazer, pelo que a impugnação judicial é tempestiva e como tal deve ser recebida.

Nestes termos e nos melhores de direito, deve ser dado provimento ao presente recurso e, por via dele, ser revogado o despacho recorrido.

I – 2.) Respondendo ao recurso interposto, o Digno Procurador Adjunto no Tribunal a quo concluiu pela forma seguinte (sendo da nossa responsabilidade a numeração introduzida):

1.º - O recorrente insurge-se, mal, contra a rejeição do recurso, por extemporâneo.
2.º - A condenação da autoridade administrativa torna-se definitiva e exequível se não for impugnada no prazo de 15 dias úteis; este prazo suspende-se aos sábados, domingos, e feriados, e o termo do prazo que caia em dia durante o qual não for possível, durante o período normal, a apresentação do recurso, transfere-se para o primeiro dia útil seguinte.
3.º - Este prazo não se suspende nas férias judiciais, não sendo aplicável o disposto no artigo 145.º, do Código de Processo Civil.
4.º - O recurso da decisão é deduzido num processo contra-ordenacional, sem que dê desde logo origem à fase judicial, pois a autoridade administrativa pode revogar a decisão, conforme artigo 62.º, n.º2 do DL 433/82.
5.º - Tendo o recorrente constituído mandatário a comunicação da decisão administrativa àquele concretiza-se a através da notificação do respectivo mandatário, iniciando-se assim a contagem do prazo.
6.º - Sendo o recorrente notificado por carta registada a 30 de Julho de 2018, e representado por advogado, notificado a 7 de Agosto de 2018, o início do prazo de 15 dias supra ocorreu com a notificação da decisão ao advogado. 
7.º - Por consequência o prazo para o prazo para impugnar a decisão administrativa terminava no dia 29 de agosto de 2018.
8.º - Tendo a impugnação da decisão administrativa sido enviada por correio expedido no dia 3 de Setembro de 2018, a mesma é extemporânea, tendo de ser rejeitada.
9.º - A decisão proferida não padece de qualquer vício ou dúvida que a inquine, estando devidamente fundamentada.
A decisão não merece qualquer reparo, por não violar nenhum preceito.

II – Subidos os autos a esta Relação, a  Exm.ª Sr.ª Procuradora-Geral Adjunta limitou-se a apor o respectivo visto.
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Seguiram-se aqueles outros referidos no art. 418.º do Cód. Proc. Penal.
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Tendo lugar a conferência.
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Cumpre apreciar e decidir:

III - 1.) Segundo o entendimento firmado na nossa Jurisprudência, são as conclusões extraídas pelo recorrente a partir da respectiva motivação, o que entre nós, de forma tida por pacífica, fixa e delimita o objecto de um recurso.
No caso presente, a questão essencial colocada pelo agora interposto pelo Arguido J. , consiste em saber se o prazo de impugnação judicial de contra-ordenação estradal se suspende, ou não, nas férias judiciais, e caso se considere aquele exaurido durante as mesmas, se ainda assim é possível a prática do correspondente acto no primeiro dia útil que lhe seja subsequente.
 
III - 2.) Como temos por habitual, vamos conferir primeiro o teor da decisão de que se recorre:

J.  interpôs recurso da decisão da autoridade administrativa proferida nos presentes autos.

O artigo 181.º, n.º 2, alínea a), do Código da Estrada, dispõe que a condenação da autoridade administrativa “se torna definitiva e exequível se não for judicialmente impugnada por escrito, constando de alegações e conclusões, no prazo de 15 dias úteis após o seu conhecimento e junto da autoridade administrativa que aplicou a coima, pelo que o prazo para impugnar judicialmente a decisão da autoridade administrativa é de 15 dias úteis.
O artigo 60.º, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27.10, aplicável aos presentes autos por força do disposto no artigo 132.º, do Código da Estrada, por seu turno, prescreve que o prazo de impugnação suspende-se aos Sábados, Domingos, e feriados, acrescentando o seu n.º 2 que “O termo do prazo que caia em dia durante o qual não for possível, durante o período normal, a apresentação do recurso, transfere-se para o primeiro dia útil seguinte.
A jurisprudência e doutrina têm vindo a entender que o mesmo não se suspende nas férias judiciais, atendendo a que a apresentação do recurso de impugnação se faz perante a autoridade administrativa, nem lhe é aplicável o disposto no artigo 145.º, do Código de Processo Civil.
Como se refere no acórdão da Relação de Lisboa, de 16.12.2009, “Saliente-se que o prazo de interposição de recurso da decisão de aplicação de uma coima não é um prazo judicial, pois decorre antes da entrada do processo no tribunal, quando ainda não existe qualquer processo judicial, não sendo pois aplicável o disposto no artigo 145.º do C. P. C. (cfr. Ac. Rel. Porto 21.05.2008 n.º JTRP00041360 in www.dgsi.pt).
Com efeito, o recurso da decisão de aplicação de coima é deduzido num processo contra-ordenacional que tem natureza administrativa e nem sequer dá origem imediatamente à fase judicial, que até pode nem vir a ter lugar se a autoridade administrativa revogar a decisão, até ao envio do processo ao tribunal (cfr. Artigo 62.º/2 do RGCC).
E neste caso a contagem dos prazos há-de ser efectivada de acordo com as regras estabelecidas no art. 72.º do Cód. Proc. Administrativo, a saber:
"a) - não se inclui na contagem o dia em que ocorrer o evento a partir do qual o prazo começa a correr;
b) - o prazo começa a correr independentemente de quaisquer formalidades e suspende-se nos sábados, domingos e feriados;
c) - o termo do prazo que caia em dia em que o serviço perante o qual deva ser praticado o acto não esteja aberto ao público, ou não funcione durante o período normal, transfere-se para o primeiro dia útil seguinte". (ac. cit., in base de dados da DGSI, www.dqsi.pt/jtrl).
Neste mesmo sentido se pronunciaram ainda, entre outros, os acórdãos da Relação de Lisboa, de 26.10.2006 e de 17.01.2007, todos disponíveis na base de dados da DGSI.

Tendo o arguido/recorrente constituído mandatário ou estando representado por defensor nomeado, a comunicação da decisão administrativa àquele concretiza-se a através da notificação do respectivo mandatário, iniciando-se o prazo para contagem do recurso de impugnação com a notificação ao mandatário do arguido, conforme decorre do disposto nos artigos 46.º, 47.º e 59.º, do RGCO.
Sendo aquele o regime legal aplicável, volvamos ao caso concreto.
Analisados os autos resulta dos mesmos que o recorrente foi notificado da decisão da autoridade administrativa por carta registada, com aviso de recepção, a qual foi recepcionada pelo recorrente no dia 30.07.2018, conforme decorre do a/r junto a fls. 80.
Contudo, dessa mesma análise, decorre que o recorrente encontra-se representado por Ilustre Mandatário judicial, o qual, por seu turno, foi notificado pessoalmente da decisão administrativa no dia 7.08.2018, conforme decorre do teor do a/r de fls. 78.
Do regime conjugado das supra referidas disposições legais, temos que o início do prazo, de 15 dias úteis, teve o seu início com a notificação da decisão ao Ilustre Mandatário, ocorrida no dia 7.08.2018, tal como supra referido. E se assim é, face ao disposto nos artigos 176.º, n.ºs 5 e 9, e 181.º, do Código da Estrada, o prazo para impugnar a decisão administrativa terminava no dia 29.08.2018.
Ora, tendo a impugnação da decisão administrativa sido enviada por correio registado expedido no dia 3.09.2018 (cfr. fls. 81), é manifesto que a mesma foi apresentada para além do prazo de 15 dias.
Assim, por extemporâneo, ao abrigo do disposto no artigo 63.º, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27.10, aplicável ex vi artigo 132.º, do Código da Estrada, rejeito o recurso apresentado por J. .
Custas a cargo do recorrente, com taxa de justiça que fixo em 1 (uma) U.C.
Notifique, sendo o recorrente com a advertência de que deverá proceder à entrega, no prazo de 15 dias, da sua carta de condução na DRETT, sob pena de, não o fazendo, incorrer na prática de um crime de desobediência - artigo 160.º, n.º 3, do Código da Estrada.
Comunique à autoridade administrativa - art. 70.º, n.º 4 do Decreto-Lei n.º 433/82.

III – 3.3.1.) Passemos então a apreciar a questão acima deixada delineada, em cuja resolução, importa aqui consigná-lo, o ora Recorrente não põe em crise que o prazo de impugnação não se suspende em férias judiciais (conclusão 5.ª), a sua natureza administrativa e a sua contagem “nos termos em que foi efectuada” (conclusão 12.ª).
O que não deixa de contribuir para uma pacificação ainda significativa de algumas incidências implicadas na sua solução.

Podemos convir assim, com base no acórdão da Relação de Coimbra de 18/10/2017, no processo n.º 2219/17.6T8CBR.C1 (disponível no endereço electrónico www.dgsi.pt/jtrc), “que estando em causa uma contra-ordenação rodoviária” (tal como sucede nestes autos),ao presente caso aplica-se a norma especial consagrada no artigo 181.º, n.º 2, alínea a), do Código da Estrada, nos termos da qual a condenação proferida em sede administrativa se torna definitiva e exequível se não for judicialmente impugnada por escrito no prazo de 15 dias úteis após o seu conhecimento e junto da autoridade administrativa que aplicou a coima.
Prazo esse que, tal como sucede no regime geral das contra-ordenações, não reveste natureza judicial, uma vez que respeita a um acto que se inscreve ainda no âmbito administrativo e é, portanto, prévio à fase processual que o mesmo tem por fim desencadear.
Com efeito, pese embora seja dirigida ao tribunal, a impugnação judicial é apresentada na autoridade administrativa que proferiu a decisão que aplicou a coima, não sendo, pois, um acto praticado em juízo. E tanto é assim que uma vez interposta a impugnação judicial e até ao envio dos autos ao Ministério Público, a autoridade administrativa pode revogar a decisão de aplicação da coima (cf. artigo 184.º do Código da Estrada e, no regime geral, artigo 62.º, n.º 2 do RGCO)”.

Como é sabido, a apontada natureza administrativa daquele prazo está reconhecida na quase unanimidade da Jurisprudência (para além das decisões já indicadas no despacho recorrido consulte-se ainda pelo seu interesse argumentativo, o acórdão da Rel. do Porto de 06/11/2013, no processo n.º 826/13.5TBMAI.P1 no site www.dgsi.pt/jtrp), e bem assim, na generalidade da Doutrina.

Neste último campo, confiram-se António de Oliveira Mendes e José dos Santos Cabral, Notas ao Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, Almedina, 2003, pág. 164, Manuel Simas Santos e Jorge Lopes de Sousa, Contra-ordenações, Anotações ao Regime Geral, 2.ª ed., 2002, Vislis Editores, pág.ªs 359/360, e Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Regime Geral das Contra-Ordenações à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, Universidade Católica Editora, 2011, pág.ªs 246-247.

A sua não suspensão durante os períodos de férias judiciais decorre a contrario do preceituado no art. 60.º, n.º 1, do RGCO, que apenas a contempla no caso dos sábados, domingos e feriados.
Quanto muito, se cair em dia durante o qual não for possível a apresentação do recurso, durante o período normal, o respectivo termo transfere-se para o primeiro dia útil seguinte (cfr. o número 2 daquele preceito).

Do nosso ponto de vista, não existe naquela não previsão de suspensão durante as férias judicias (sejam, de Verão, sejam outras), uma qualquer omissão legislativa ou lacuna que cumpra preencher.
Assim concluímos, pela razão simples de que o recurso de impugnação deve ser apresentado à autoridade administrativa que proferiu a decisão e não ao tribunal, sendo que aquela ainda a poderá revogar, em função das razões que se mostrarem apresentadas, até ao envio dos autos ao Ministério Público para os tornar presentes ao juiz (cfr. art. 62.º, n.ºs 1 e 2 do RCGO).

Sendo que, para tais autoridades, não existem férias judiciais. Quanto muito, o tal condicionalismo da impossibilidade de apresentação durante “período normal”.

Donde, inexistirem razões adjectivas ponderosas que possam justificar aquela suspensão.

E tanto assim que, o Tribunal Constitucional, ao que conhecemos, pelo menos em duas das suas decisões, não deixou de afirmar a não contrariedade à nossa Lei Fundamental da interpretação segundo a qual, o prazo em questão, não se suspende durante o período de férias judiciais nem se transfere para o primeiro dia útil subsequente.
No com o n.º 473/01, de 24/10/2001, entendeu que a mesma não restringe desproporcionadamente o direito de acesso aos tribunais constitucionalmente garantido, uma vez que o acto a praticar se situa ainda no âmbito da fase administrativa do processo contra-ordenacional, visando impugnar um acto administrativo, tendo o recurso de ser obrigatoriamente apresentado perante a autoridade administrativa que aplicou a coima, cujos serviços funcionam normalmente durante o período de férias judiciais.
No Acórdão n.º 395/02, de 02/10/2002, convocou a existência de “um fundamento racional para a diferenciação da forma de contagem de actos que se praticam perante uma autoridade administrativa e actos que se praticam perante um tribunal, diferenciação que decorre da própria existência e da ratio essendi das férias judiciais”, sendo certo que a apontada interpretação normativa acolhe inquestionavelmente o direito de recurso perante os tribunais, pelo que pretender inferir dos artigos 20.º, n.ºs 1 e 4 e 32.º, n.ºs 1 e 10 da Constituição da República Portuguesa uma determinada forma de contar o prazo para a interposição do recurso ou uma exigência de paridade entre prazos de recurso de decisão de autoridades administrativas (em matéria de contra-ordenações) e tribunais (em matéria penal) ser excessivo.

III – 3.3.2.) Retornando à decisão recorrida e fixados que estão estes pressupostos, importa verificar agora a efectivação concreta do respectivo cômputo.

Da consulta dos autos decorre que já houve uma primeira impugnação judicial que conduziu a uma sentença judicial de anulação da decisão administrativa inicial, por falta de fundamentação.

Cuidamos agora da que consta a fls. 74 a 76, proferida em 6 de Julho de 2018.
Da mesma foi o Ilustre Mandatário do Recorrente notificado no dia 07/08/2018, conforme decorre do teor do a/r de fls. 78.
Sendo que o Arguido o foi por carta registada, com aviso de recepção, com o respectivo a/r ostentando como data de recepção/assinatura, a de 30/07/2018, conforme fls. 80.
Ora computando-se o prazo de 15 dias úteis a partir daquele termo inicial de 07/08/2018, verifica-se que o prazo para impugnar a decisão administrativa terminava no dia 29/08/2018.

O respectivo articulado foi enviado por correio registado expedido no dia 03/09/2018 (cfr. fls. 81), ou seja, o primeiro dia útil após férias judiciais, mas já fora daquele prazo normal.

III – 3.3.3.) Não se desconhece que alguma Jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, mormente a agora invocada, da mesma forma que em dois distintos acórdãos da Relação de Évora, ainda que subscritos pelo mesmo Relator (acórdãos de 19/05/2015 e 03/11/2015, nos processos n.ºs 7/14.0T8ORQ.E1 e 62/15.6T8EVR.E1), se tem defendido que as impugnações judiciais de decisões administrativas que terminem em férias se transferem para o primeiro dia útil seguinte ao termo destas.

No fundo é esse também o principal argumento agora esgrimido pelo Recorrente.

Segundo a anotação ao art. 60.º do RGCO, constante da obra já acima citada de Simas Santos e Jorge Lopes de Sousa (cfr. pág.ª 360), “esta solução prende-se com a razão de ser da transferência do prazo prevista no art. 279.º, al. e) do Código Civil, que não é o encerramento dos tribunais, que mesmo em férias continuam com os serviços de secretaria abertos ao público, mas com o facto de durante as férias não serem praticados actos processuais nos processos não urgentes.
Por isso, sendo o requerimento de interposição de recurso ou impugnação judicial dirigido ao tribunal, apesar de apresentado à autoridade administrativa, que é mero intermediário entre o requerente e o tribunal, deverão aplicar-se as regras de contagem do prazo como se aquele fosse apresentado neste”.

A derrogação das regras do art. 60.º do RGCO já se procurou por outros caminhos.
A mais expressiva, convocava a aplicação do antigo art. 145.º, n.º 5, do Cód. Proc. Civil, por via do art. 107.º, n.º5, do Cód. Proc. Penal (ou do actual art. 139.º, n.º 5, do Cód. Proc. Civil), mas não mereceu grande aceitação na Jurisprudência (v. g. Ac. da Rel. do Porto de 21/05/2008, no processo n.º 0811890, da mesma Relação de 24/05/2017 no processo n.º 255/16.9T8CD.C1, e da Rel. de Lisboa de 17/01/2007, no processo n.º 9334/2006-3, qualquer deles disponível na respectiva página da DGSI).

Da nossa parte, como vimos, o direccionamento da interposição do recurso de impugnação para a entidade administrativa que a proferiu não traduz simples “pro-forma” mas antes uma última oportunidade de nesse domínio do seu processamento aquela poder ser modificada se as razões apresentadas forem reconhecidas.

Depois, como também mencionamos, não há qualquer impossibilidade material, por via daquelas interrupções ao normal funcionamento dos tribunais judiciais, que directamente se repercuta naquele prazo.

Finalmente, e sem prejuízo do muito respeito naturalmente devido por entendimento contrário, temos muita dificuldade em aceitar que uma norma de direito civil reguladora da subordinação a um acontecimento futuro e incerto na produção de efeitos jurídicos ou a resolução de um negócio jurídico de natureza particular, deva ser aplicada como norma adjectiva de direito público, para mais, num seu ramo especial de ordenamento.

Como a este propósito se refere no acórdão da Rel. do Porto de 24/05/2017, acima já indicado:

Ressalvado pois o entendimento por opinião contrária, não subsiste nenhuma lacuna de regulamentação. O legislador alterou os art.ºs 59.º e 60.º do Dec. Lei 433/82, de 27 de outubro, totalmente omissos nesta matéria, sobre a qual havia alguma controvérsia – cfr. Acórdão para fixação de jurisprudência n.º 2/94, de 7 de Maio de 1994, considerando que o prazo de interposição do recurso em causa não tinha natureza judicial, mas sim administrativa. Por outro lado, com a nova redacção do art.º 60.º n.º 1, o legislador foi também claro ao ordenar que, na contagem do prazo de interposição do recurso, se descontassem apenas os sábados, domingos e feriados - isto é, sem que tal prazo se suspendesse durante as férias judiciais. Ciente da controvérsia, o legislador optou por regular o regime do prazo e da forma de interposição do recurso, pelo que a falta de equiparação das férias judiciais aos sábados, domingos e feriados, quer para a suspensão do prazo, quer para a transferência do termo, deve ser vista como uma intenção de não equiparação e não como uma lacuna – cfr. preâmbulo do diploma, onde se diz que procedeu ao “ (...) alargamento significativo do prazo para impugnação da decisão administrativa - esclarecendo regras sobre o modo como deve contar-se - e do prazo de recurso da decisão judicial (...)”, sendo incompreensível que, se o legislador tivesse querido a equiparação das férias judiciais aos sábados, domingos e feriados, o não tivesse dito.”

Concluiremos assim, tal como iniciámos, com o acórdão da Relação de Coimbra de 18/10/2017, no processo n.º 2219/17.6T8CBR.C1:

“(…), dada a diferente natureza dos interesses em causa e do próprio acto a praticar (que, recorde-se, se destina a impugnar uma decisão administrativa e, portanto, ainda antes de qualquer processo judicial), não existe qualquer fundamento que justifique a equiparação que o artigo 279.º, alínea e), do Código Civil faz das férias judiciais aos sábados, domingos e feriados, baseado na premissa de que o acto sujeito a prazo tem de ser “praticado em juízo”.
Temos, pois, que a disciplina consagrada no artigo 60.º do RGCO e bem assim no artigo 181.º, n.º 2, alínea a), do Código da Estrada (por maioria de razão e por força do disposto no artigo 132.º do mesmo diploma), não consente a equiparação das férias judiciais aos sábados, domingos e feriados, quer para a suspensão do prazo, quer para a transferência do termo”.

Pelo que, nesta conformidade, improcede o recurso interposto.

IV - Decisão:

Nos termos e com os fundamentos expostos, acorda-se em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido J. , assim se mantendo a decisão recorrida.

Pelo seu decaimento pagará aquele 3 (três) UCs de taxa de justiça (art.ºs 92.º, 93.º, n.ºs 3 e 4 e 94.º do DL n.º 433/82, e respectivo Regulamento das Custas Processuais.

Elaborado em computador. Revisto pelo relator, o 1.º signatário.