Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
761/18.0T8LSB.L1-2
Relator: ONDINA CARMO ALVES
Descritores: PROCEDIMENTO CAUTELAR COMUM
GARANTIA BANCÁRIA
GARANTIA AUTÓNOMA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/12/2018
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1. A garantia autónoma é, no essencial, um contrato outorgado entre o mandante da garantia e o garante, a favor de um terceiro, o beneficiário, só podendo o garante opor a este as excepções que constem do próprio texto da garantia, mas já não as derivadas da relação contratual que está na base daquela.
2. A garantia autónoma é uma figura triangular, supondo três ordens de relações jurídicas: (i) relação entre o garantido (dador da ordem) e o beneficiário (credor principal); (ii) relação entre o garantido (dador da ordem) e o garante (banco); (iii) relação entre o garante (banco) e o beneficiário (credor principal).
3. Entre as situações de garantia autónoma, figura a garantia on first demand, que se pode traduzir por uma promessa de pagamento à primeira interpelação ou primeira solicitação, não podendo ser discutido o cumprimento ou incumprimento do contrato, bastando a interpelação do beneficiário da garantia.
4. A automaticidade da garantia on first demand não é, porém, absoluta, não podendo ter-se como ilimitada a possibilidade da sua exigência pelo beneficiário, já que se tem de estabelecer alguns limites à exigência da garantia, sempre que o imponham as regras da boa fé (artigo762º, nº 2, do Código Civil) ou o procedimento abusivo do beneficiário (artigo 334º do mesmo diploma legal).
5. É admissível o recurso a medidas cautelares destinadas a impedir o beneficiário de receber a quantia objecto da garantia, impendendo sobre o respectivo requerente o ónus de alegar e provar, não só o risco de prejuízos graves que sofrerá na ausência de tal medida cautelar, mas também apresentar prova pronta (pré-constituída, i.e, documental, sem recurso a produção de prova suplementar) e líquida, ou seja, prova inequívoca, permitindo a percepção imediata e segura da invocada fraude ou aproveitamento abusivo por parte do beneficiário.
6. A não apresentação com a petição inicial de tal prova, pronta e líquida, implica o indeferimento liminar do pretendido procedimento cautelar, o que se não traduz numa restrição desproporcionada ou irrazoável dos instrumentos de prova, nem comporta uma significativa afectação do direito à tutela jurisdicional efectiva.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA

I.   RELATÓRIO
                       
  INDUSTRIELLES, com sede em ….., intentou, em 10.01.2018, contra SYSTEMS SA, com sede em ….. e CAIXA, S.A., com sede na …., procedimento cautelar comum, requerendo que, sem audição prévia dos requeridos, se decretasse a providência cautelar de inibição do requerido banco CGD de proceder ao pagamento dos montantes garantidos por garantias bancárias e de a requerida “Systems” exigir ao referido banco o pagamento dessas mesmas garantias e, consequentemente, fosse ordenado aos requeridos que se abstivessem desses actos.
Fundamentou a requerente a sua pretensão, invocando, em síntese:
1. Em 30.10.2014 celebrou com a requerida Systems, que é adjudicatária da obra de construção, em Israel, de uma das maiores torres do mundo de usina solar, um contrato de subempreitada EPC (engineering, procurement and construction), que as partes designaram por Solar Offshore, através do qual a requerente se obrigou a fornecer diversos bens e serviços para execução da obra que precisavam ser importados para Israel (“Subcontrato offshore”).
2. Por sua vez, na mesma data, a sociedade montagens S.A., sociedade que pertence ao mesmo grupo da requerente, celebrou com a sociedade Systems Israel, um subcontrato designado “General Conditions of Contract – Solar Tower (Onshore)”, através do qual a primeira se obrigou a fornecer diversos bens e serviços para execução da obra que não precisavam de ser importados para Israel (“Subcontrato onshore”).
3. No âmbito do “subcontrato offshore” a CGD prestou à requerida, a pedido da requerente, com data de 11.3.2015, duas garantias, cada uma no montante máximo de € 925 764,60, respectivamente Garantia G303169, designada de advance payment bond e Garantia G303170, designada de performance bond.
4. A advance payment bond garantia a devolução, pela requerente, de adiantamentos efectuados pela Systems à requerente para esta realizar despesas necessárias à execução do contrato.
5. A performance bond destinava-se a garantir o cumprimento pontual das obrigações contratuais da requerente no subcontrato offshore.
6. Sucede que a CGD notificou a requerente de que a requerida Systems a tinha interpelado para accionar as ditas garantias.
7. A requerente tem cumprido as suas obrigações no aludido contrato, não tendo nunca sido interpelada pela Systems para lhe pagar fosse o que fosse e, por outro lado, a requerente já pagou à requerida a maior parte dos adiantamentos que dela recebera, garantidos pela advance payment bond, e só não pagou a totalidade por culpa da requerida, que não emitiu a documentação para isso necessária.
8. Daí que a actuação da requerida, ao accionar as aludidas garantias, seja abusiva, fraudulenta e efectuada de má-fé.
9. Por outro lado, o pagamento dessas garantias causará um sério prejuízo à requerente, que ficará em situação de falência técnica, pois não tem meios para pagar essas verbas ao banco.
A requerente juntou documentos e arrolou testemunhas.
Em 16.01.2018 foi proferida decisão, no qual se concluiu, em suma:
(…)
Consta, assim, do Dispositivo da Decisão, o seguinte:
Pelo exposto, indefere-se liminarmente o presente procedimento cautelar não especificado.
Fixo o valor do presente procedimento em € 1.542.941,00 (cfr. artigo 306.º, n.º 1, do Código de Processo Civil).
Custas pela Requerente. (art. 527.º, 539.º, n.º 1, do CPC e 7.º, n.º 4, com referência à tabela II, anexa ao Regulamento das Custas Processuais).
Notifique e registe.
Inconformada com o assim decidido, a requerente interpôs recurso de apelação, em 06.02.2018, relativamente ao aludido despacho de indeferimento liminar.
São as seguintes as CONCLUSÕES da recorrente:
i. Por não se conformar- com a Sentença a fls. dos presentes autos que indeferiu liminarmente a medida cautelar requerida pela Recorrente, esta recorre da mesma (i) por entender, diversamente do que aí é sustentado, que foi carreada para os autos prova documental bastante sobre a inexistência de incumprimento contratual da sua parte — cfr. docs. 5, 6 e 13 da p.i. —, (ii) por entender que a prova pode e deve, se for o caso, ser complementada através de depoimentos testemunhais, o que foi negado pelo tribunal, e (iii) por considera ter havido uma omissão de pronúncia quanto ao pedido subsidiário por ela apresentado.
ii. Fá-lo através de apelação, com efeito imediato, com subida nos próprios autos e feito suspensivo, nos termos dos Arts. 637.°, n.° 2, 645.°, n.° 1 al. d) e 647.°, n.° 3, al. d), todos do Código de Processo Civil.
iii. O objeto deste processo recai sobre duas Garantias Bancárias emitidas pelo Requerido Banco CGD, (i) a Garantia Bancária n.° G303169, em que assumia a obrigação de proceder ao pagamento do valor de € 925.764,60 (novecentos e vinte e cinco mil, setecentos sessenta e quatro euros e sessenta cêntimos), destinada a garantir o montante avançado pela Requerida à Requerente a título de antecipação em pagamento e (ii) a Garantia Bancária n.° G303170 em que assumia a obrigação de proceder ao pagamento do valor de € 925.764,60 (novecentos e vinte e cinco mil, setecentos sessenta e quatro euros e sessenta cêntimos), destinada a garantir o bom e integral cumprimento das obrigações contratuais das partes.
iv. Da factualidade descrita no Requerimento Inicial a fls. dos presentes autos, resulta claro que a Recorrente procedeu ao cumprimento integral das obrigações contratuais que sobre si impendiam, inexistindo, pois, fundamento legítimo para a responsabilizar pelo pagamento de uma indemnização, sendo, consequentemente, o acionamento das mesmas abusivo e de má-fé.
v. Na sentença recorrida, entendeu o Mmo. Juiz do Tribunal a quo que não foi de modo algum feita prova inequívoca, líquida e irrefutável, face à factualidade alegada, de que tenha havido incumprimento e que, por conseguinte, seja ilícito e abusivo o pretendido acionamento das garantias bancárias, sem que, para tanto, tenha especificado em que consistiria tal prova, nem tenha sustentado por que motivo entende não ter havido, no caso em apreço, tal prova líquida e inequívoca, nem explica por que motivo não quis ouvir testemunhas.
vi. Ora, e apesar de a Sentença recorrida não fazer menção expressa a este ponto, resulta claramente do entendimento do Tribunal a quo sobre o que seja "inequívoca, líquida e irrefutável", é efetivamente a prova documental, sendo que, porém, tal entendimento não tem qualquer base na lei, podendo o Requerente recorrer a todos os meios probatórios previstos na lei para demonstrar, por um lado, os pressupostos de atribuição da providência cautelar requerida, ou seja, a probabilidade séria da existência do seu direito (fumus boni iuris), o fundado receio de uma lesão grave e de difícil reparação (periculum in mora), a adequação da providência requerida ao fim pretendido, a proporcionalidade existente entre o prejuízo resultante da concessão da providência e o dano que com ela se pretende evitar e, por outro lado, a existência de um abuso no acionamento das garantias.
vii. Assim, a Recorrente não se conforma com a decisão do Tribunal uma vez que (i) não apenas entende que foi carreada para os autos prova documental bastante sobre a inexistência de incumprimento contratual por banda da Requerente/ Recorrente – cfr. docs. 5, 6 e 13 da p.i. - como (ii) entende que tal prova pode e deve, se for o caso, ser complementada através de depoimentos testemunhais.
viii. Por um lado, não será lícito que recaia sobre o Requerente de uma providência cautelar o ónus de junção, ao Requerimento Inicial, de prova documental inequívoca que ateste o não incumprimento das obrigações por si assumidas, pois isso constituiria um ónus diabólico que não está no espírito da lei.
ix. A entender-se de outro modo, os artigos 362.º e segs. do Código do Processo Civil, na interpretação sufragada pelo Tribunal recorrido, no sentido de obstar ao decretamento de uma providência cautelar destinada a impedir que os Recorridos acionem ou cumpram Garantias Bancárias autónomas com fundamento em abuso de direito e fraude manifesta no seu acionamento por inexistir nos autos prova documental bastante que ateste o ou não incumprimento das obrigações assumidas pela Recorrida serão inconstitucionais, por violação do princípio da igualdade, do acesso ao direito, do direito a um processo justo e equitativo e da tutela das expectativas legítimas e da confiança, consagrados nos artigos 1.º, 13.º e 20.º, n.º 1 e 4 da Constituição da República Portuguesa – questão que desde já se suscita (Art. 204.° da Constituição).
x. Por outro lado, não poderão restar dúvidas quanto ao facto de a documentação junta aos autos ser idónea na prova bastante da probabilidade séria da existência do direito i.e., do direito à inviolabilidade do seu património por comportamentos ilícitos.
xi. Aliás, da análise da documentação junta – nomeadamente do quadro junto no ponto 47 da p.i. e do documento n.° 13 – conclui-se que (i) no advance payment bond, a Recorrente cumpriu com as suas obrigações contratuais, fazendo estes prova bastante do não incumprimento contratual por parte da Requerente/Recorrente e do carácter infundado da exigência da Requerida que, de resto nunca exigiu ou reclamou da Requerente o pagamento do que quer que seja, e também que na performance bond a Recorrente cumpriu as suas obrigações contratuais, nunca tendo a Recorrida interpelado a Recorrente no sentido de denunciar qualquer incumprimento ou qualquer pedido de indemnização por má execução dos trabalhos, o que é demonstrativo de um manifesto abuso no pedido de acionamento da garantia.
xii. Também a inexistência do Certificado de Aceitação da Obra não obstante a conclusão dos trabalhos é em si mesmo um abuso exclusivamente imputável à Requerida, não podendo a omissão desse dever contratual beneficiar a Requerida uma vez que tal constituiria um venire contra fatum próprio.
xiii. Acresce que o facto de o Tribunal ter exigido, na douta Sentença recorrida, que fosse feita prova de que a não emissão do Certificado de Aceitação de Obra, equivale a exigir a produção de uma prova inequívoca, líquida e irrefutável sobre um facto negativo, o que consubstancia uma prova impossível, pelo menos se nem se atender a prova testemunhal.
xiv. Sem prejuízo do referido, acrescente-se que a performance bond sofreria uma redução no seu montante máximo garantido no momento em que fosse emitido o Certificado de Aceitação da Obra, o que não ocorreu por culpa exclusiva da Requerida, sendo que esta apenas poderia ter accionado esta garantia bancária por um montante até € 617.176,40 (seiscentos e dezassete mil cento e setenta e seis euros e quarenta cêntimos) e não pelo valor máximo inicialmente garantido.
xv. Assim, ao contrário daquilo que a Sentença recorrida entendeu, ficou devidamente demonstrado que a interpelação para o acionamento da garantia bancária viola a relação jurídica principal que se visa garantir, existindo manifestamente fraude, abuso de direito e má-fé por parte da Requerida.
xvi. Foi igualmente alegado pela Recorrente que a performance bond teria sido reduzida para 10% do montante garantido original por se encontrarem reunidas as condições necessárias - nos termos da Cláusula 9 do Volume 2 do Subcontrato Offshore, junto como documento 3 - para que fosse emitido no Certificado de Aceitação da Obra sem que o tenha feito e sem que, para tanto, se tenha dado qualquer tipo de justificação.
xvii. Tendo o Tribunal a quo ignorado os factos expostos pela Recorrente relativamente ao ponto referido na conclusão anterior, limitando-se a dizer não ter sido feita prova bastante do incumprimento da Requerida/Recorrida, quando a mesma é por demais evidente, não tendo motivado devidamente a decisão recorrida, nem elencado de forma clara os elementos de facto que o levaram a concluir pela inexistência de abuso, a douta decisão recorrida é nula (Cfr. art. 615°, n.° 1, al. b), do CPC).
xviii. Por fim, o Tribunal a quo proferiu a douta Sentença recorrida sem que se tenha pronunciado, nem sobre a admissibilidade da alteração do pedido nem, muito menos, sobre o mesmo, pelo que enferma douta sentença recorrida de nulidade, nos termos e para efeitos do artigo 615.° n.° 1, alínea d) do C.P.C., por não se ter pronunciado sobre questão que deveria ter apreciado (cfr. art. 608.° n.° 2 do C.P.C).
xix. Mesmo sendo declarada nula a decisão recorrida, deverá o Tribunal de recurso conhecer o objecto da apelação (cfr. art. 665º do CPC), proferindo douto acórdão que determine a admissão do Requerimento inicial e o prosseguimento da normal tramitação dos autos.
xx. Por todas as razões acima expostas, a douta sentença recorrida deve ser revogada e substituída por douto acórdão que determine o prosseguimento dos autos para julgamento, a fim de serem decretadas as medidas cautelares requeridas, nos termos e com os fundamentos acima enunciados, com as legais consequências.
Pede, por isso, a apelante, que a decisão recorrida seja revogada e substituída por acórdão que determine o prosseguimento dos autos para julgamento, a fim de serem decretadas as medidas cautelares requeridas, com as legais consequências.
Foi admitido o recurso e determinado que os requeridos fossem citados para os efeitos do recurso e da providência.
A requerida CAIXA, S.A. declarou nos autos que não pretendia deduzir oposição ao presente procedimento cautelar e que aguardaria a decisão do mesmo, não procedendo ao pagamento das garantias bancárias em causa, ainda que viesse a ser accionada para tanto, enquanto não fosse proferida decisão sobre o procedimento.
A requerente veio aos autos juntar decisão proferida pelo árbitro de emergência, nos termos previstos no Regulamento de Arbitragem da Câmara de Comércio Internacional, que indeferiu a medida cautelar que a ora requerente havia requerido em sede arbitral contra a ora requerida.
A 1ª requerida “Systems” apresentou oposição à providência cautelar e contra-alegou na apelação, pugnando pela sua improcedência e consequente manutenção da decisão recorrida. E, não obstante, não haja formulado conclusões, invocou a excepção de caso julgado, salientando que a pretensão deduzida nos presentes autos se encontra já julgada por outro tribunal (árbitro de emergência) que determinou que não se demonstrou a fraude ou má fé no exercício do direito de se fazer pagar através da garantia bancária e que, ao invés, esse exercício foi e é legítimo. Mais invocou que os factos alegados pela apelante no seu requerimento inicial, por um lado, estão ligados exclusivamente com alegadas situações de cumprimento ou incumprimento dos contratos; por outro lado tais factos não poderiam nunca ter a virtualidade de demonstrar o abuso, má fé ou fraude. Invocou ainda que existe forma de demonstrar inequivocamente que cumpriu ou que não incumpriu o contrato: através dos certificados de aceitação de obra e a apelante não os tem porque incumpriu o contrato.
Colhidos os vistos legais, e por vencimento do relator, cumpre apreciar e decidir.

II. ÂMBITO DO RECURSO DE APELAÇÃO

Importa ter em consideração que, de acordo com o disposto no artigo 635º, nº 4 do CPC, é pelas conclusões da alegação da recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.
Assim, e face ao teor das conclusões formuladas, a solução a alcançar pressupõe a análise das seguintes questões:

i. DOS EFEITOS DA DECISÃO ARBITRAL RELATIVAMENTE AO PROCEDIMENTO CAUTELAR;
ii. DAS NULIDADES DA SENTENÇA, AO ABRIGO DO ARTIGO 615º, Nº 1, ALÍNEAS B) E C) DO CPC;
iii. DA NATUREZA JURÍDICA DA GARANTIA BANCÁRIA PRESTADA PELA REQUERENTE;
iv. DOS PRESSUPOSTOS PARA A VIABILIDADE DE RECURSO A UMA MEDIDA CAUTELAR PARA IMPEDIR O ACCIONAMENTO DA GARANTIA BANCÁRIA E DE O SEU BENEFICIÁRIO VIR A RECEBÊ-LA.
v. A EXIGÊNCIA DE APRESENTAÇÃO DE PROVA PRONTA (PRÉ-CONSTITUÍDA, I.E, DOCUMENTAL, SEM RECURSO A PRODUÇÃO DE PROVA SUPLEMENTAR) E LÍQUIDA, OU SEJA, PROVA INEQUÍVOCA, PERMITINDO A PERCEPÇÃO IMEDIATA E SEGURA DA INVOCADA FRAUDE OU APROVEITAMENTO ABUSIVO POR PARTE DO BENEFICIÁRIO E A INCONSTITUCIONALIDADE POR ALEGADA VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DO ACESSO AO DIREITO.

III . FUNDAMENTAÇÃO
A – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Com relevância para a decisão a proferir, importa ter em consideração a alegação factual referida no relatório deste acórdão, cujo teor aqui se dá por reproduzido e ainda que:

1. Em 30.10.2014 a requerente celebrou com a requerida Systems, que é adjudicatária da obra de construção, em Israel, de uma das maiores torres do mundo de usina solar, um contrato de subempreitada EPC (engineering, procurement and construction), que as partes designaram por Solar Tower Offshore, através do qual a requerente se obrigou a fornecer diversos bens e serviços, para execução da obra, que precisavam ser importados para Israel (“Subcontrato offshore”).
2. No âmbito do “subcontrato offshore” a CGD prestou à requerida, a pedido da requerente, com data de 11.3.2015, duas garantias, cada uma no montante máximo de € 925.764,60, respectivamente Garantia G303169, designada de advance payment bond e Garantia G303170, designada de performance bond. A advance payment bond garantia a devolução, pela requerente, de adiantamentos efectuados pela Systems à requerente para esta realizar despesas necessárias à execução do contrato. A performance bond destinava-se a garantir o cumprimento pontual das obrigações contratuais da requerente no subcontrato offshore.
3. Na cláusula 21 do referido contrato ficou estipulado que eventuais litígios referentes ao contrato seriam dirimidos perante tribunal arbitral, segundo as regras do Regulamento de Arbitragem da Câmara de Comércio Internacional. O local da arbitragem seria Tel Aviv, Israel, e a língua da arbitragem seria o inglês.
4. Em 23.01.2018 a ora requerente e F. Israel Ltd requereram, perante o Árbitro de Emergência da Câmara de Comércio Internacional, sediado em Tel Aviv, contra a ora requerida e Systems Israel Ltd, que o árbitro ordenasse às requeridas que não accionassem as duas garantias referidas supra e bem assim outras quatro garantias, emitidas pelo BPI e pela CGD, que não recebessem nenhum pagamento decorrente dessas garantias e/ou que retirassem qualquer pedido de pagamento dessas garantias, até que fosse proferida decisão final na arbitragem que pretendiam instaurar contra as requeridas, ou, em alternativa, que as requeridas fossem intimadas a prolongarem, junto dos referidos bancos, a validade das garantias, até à conclusão da mencionada arbitragem, ou, em alternativa, que as requeridas fossem intimadas a emitir novas ordens de pagamento, de forma a que o pagamento dessas garantias fosse reduzido, sendo, quanto à advance payment bond e quanto à performance bond supra referidas, reduzidas para € 115.720,00 e € 611.004,24, respectivamente.
5. Para fundar as providências requeridas as requerentes invocaram, quanto às garantias bancárias objecto deste procedimento cautelar, os mesmos fundamentos que alegaram neste procedimento cautelar.
6. As requeridas deduziram oposição às medidas requeridas, pugnando pela sua improcedência.
7. Realizou-se audiência oral.
8. Em 08.02.2018 o árbitro de emergência proferiu decisão final, de indeferimento das providências requeridas.
9. Para tal, concluiu que as requerentes não tinham conseguido demonstrar que o accionamento das garantias pelas requeridas era ilegal, na medida em que existia um verdadeiro litígio entre as partes quanto à execução do contrato, cuja apreciação cabia no quadro da arbitragem normal; além disso, as requerentes não demonstraram que sofreriam um prejuízo irreparável se as medidas urgentes não fossem determinadas e as garantias fossem accionadas.
           
B - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

i. DOS EFEITOS DA DECISÃO ARBITRAL RELATIVAMENTE AO PROCEDIMENTO CAUTELAR

Importa, em primeiro lugar salientar que, nem a autenticidade da decisão junta pela requerente e constante de fls. 567-584, nem tão pouco o rigor da respectiva tradução, constante de fls. 691-711, foram questionados pelas partes, pelo que há que atender à cláusula compromissória constante no contrato celebrado entre a requerente e a requerida Systems.

Ao abrigo da Convenção sobre o Reconhecimento e a Execução de Sentenças Arbitrais Estrangeiras, celebrada em Nova Iorque a 10.6.1958, aprovada e ractificada por Portugal (vide Decreto do Presidente da República n.º 52/94, de 08.7), nada obsta ao reconhecimento da aludida decisão arbitral (cfr. artigos II, III e IV da Convenção), sendo certo que não se verifica nem foi invocado nenhum obstáculo a esse reconhecimento, tais como referidos no art.º V da Convenção.

A invocação da excepção de caso julgado entre procedimentos cautelares é admissível – v. neste sentido, ABRANTES GERALDES, Temas da reforma do processo civil, III volume, 2.ª edição, Almedina, 108; JOSÉ LEBRE DE FREITAS E ISABEL ALEXANDRE, Código de Processo Civil anotado, volume 2.º, 3.ª edição, Almedina, 15.

Com efeito, também aqui se verifica a “exigência da boa administração da justiça, da funcionalidade dos tribunais e da salvaguarda da paz social”, evitando-se que a mesma acção (neste caso, procedimento) seja instaurada várias vezes, e obstando-se a que sobre a mesma situação recaiam soluções contraditórias e garante a resolução definitiva dos litígios que os tribunais são chamados a dirimir.

Como refere MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, Estudos sobre o novo processo civil, Lex, 1997, 568, o caso julgado é “expressão dos valores de segurança e certeza que são imanentes a qualquer ordem jurídica.”

No caso vertente, invoca a requerente para fundamentar a inexistência entre aquele meio cautelar arbitral e os presentes autos, de uma relação de prejudicialidade, litispendência ou caso julgado, o teor do n.º 7 do artigo 29.º do Regulamento de arbitragem do CCI, que dispõe o seguinte: “As disposições sobre o Árbitro de Emergência não têm a finalidade de impedir que qualquer parte requeira medidas cautelares ou provisórias urgentes a qualquer autoridade judicial competente a qualquer momento antes de solicitar tais medidas e, em circunstâncias apropriadas, até mesmo depois de tal solicitação, nos termos do Regulamento. Qualquer requerimento de tais medidas a uma autoridade judicial competente não será considerado como infração ou renúncia à convenção de arbitragem….”

Este preceito harmoniza-se com o n.º 2 do artigo 28.º do aludido Regulamento, segundo o qual “as partes poderão, antes da remessa dos autos ao tribunal arbitral e posteriormente, em circunstâncias apropriadas, requerer a qualquer autoridade judicial competente que ordene as medidas cautelares ou provisórias pertinentes. O requerimento feito por uma das partes a uma   autoridade  judicial  para obter  tais  medidas,  ou  a  execução  de  medidas similares ordenadas por um tribunal arbitral, não será considerado como infração ou renúncia à convenção de arbitragem e não comprometerá a competência do tribunal arbitral a esse título…”

Trata-se de um princípio que também está consagrado no artigo 7.º da Lei da Arbitragem Voluntária - LAV (Lei n.º 63/2011, de 14.12 – do qual decorre que: “Não é incompatível com uma convenção de arbitragem o requerimento de providências cautelares apresentado a um tribunal estadual, antes ou durante o processo arbitral, nem o decretamento de tais providências por aquele tribunal.”

Está aqui em causa, como resulta do artigo 20º, nº 1 da LAV,  afastar eventuais dúvidas acerca de presunções de renúncia à convenção de arbitragem ou de violação da mesma decorrentes do recurso ao tribunal estadual para a aplicação de medidas cautelares, sabido, como é, que os tribunais arbitrais têm competência para as determinar.

Mas destas regras não decorre a admissibilidade da prolação, por tribunais estaduais e arbitrais, de decisões cautelares contraditórias ou repetidas.

In casu, aquando da decisão recorrida não tinha sido proferida a decisão do árbitro de emergência. Aliás, não tinha sequer ainda sido requerida a referida medida cautelar arbitral. Por isso, a excepção de caso julgado não se verificava, à data da prolação da decisão recorrida.

Todavia, este Tribunal da Relação não poderá ignorar a decisão supervenientemente proferida, tendo presente o que resulta dos  artigos 663.º n.º 2, 608.º n.º 2 e 611.º do CPC.

Levando-se em consideração que a aludida decisão arbitral não é susceptível de recurso (n.º 6 do art.º 35.º do Regulamento de Arbitragem da CCI; n.º 6 do art.º 6.º das Regras sobre o Árbitro de Emergência; n.º 4 do art.º 27.º da LAV), a referida decisão transitou em julgado em primeiro lugar, pelo que prevalece sobre eventual decisão contraditória proferida nestes autos (art.º 625.º do CPC).
Sucede, porem, que ocorre a excepção de caso julgado quando existe, entre dois processos, identidade quanto à causa de pedir, ao pedido e às partes (art.º 581.º do CPC).

No caso em análise, existe coincidência quanto aos fundamentos das providências requeridas e quanto às providências solicitadas. Mas não existe total coincidência quanto às partes, já que a requerida Caixa não foi demandada no procedimento arbitral.

Assim, o juízo emitido pelo árbitro de emergência, de que não havia razões suficientes para obstar a que a requerida accionasse as garantias bancárias perante a CGD, não vincula a CGD.

Aliás, o princípio geral que vigora no que concerne aos efeitos de decisões judiciais proferidas entre o credor e o devedor, em relação a terceiro garante do crédito, é o de que a decisão não tem força de caso julgado perante ele, mas este poderá invocá-la em seu benefício (vide o art.º 635.º n.º 1 do Código Civil, relativamente ao fiador; art.º 717.º n.º 1, relativamente a hipoteca constituída por terceiro).

Conclui-se, assim, que a aludida decisão arbitral não tem força de caso julgado nestes autos.


ii. DAS NULIDADES DA SENTENÇA, AO ABRIGO DO ARTIGO 615º, Nº 1, ALÍNEAS B) E D) DO CPC

A sentença, como acto jurisdicional, pode atentar contra as regras próprias da sua elaboração e estruturação ou contra o conteúdo e limites do poder à sombra da qual é decretada, e então torna-se passível de nulidade, nos termos do artigo 615º, nº 1 do Código de Processo Civil.

A este respeito, estipula-se no apontado normativo, sob a epígrafe de “Causas de nulidade da sentença”, aplicável aos despachos ex vi do artigo 613º nº 3  do mesmo diploma que: (…)
Os vícios determinantes da nulidade da sentença correspondem, portanto, a casos de irregularidades que afectam formalmente a sentença a provocam dúvidas sobre a sua autenticidade, (falta de assinatura do juiz), ou ininteligibilidade do discurso decisório por ausência total de explicação da razão por que decide de determinada maneira (falta de fundamentação), quer porque essa explicação conduz, logicamente, a resultado oposto do adoptado ou é manifestamente ambígua ou obscura (contradição entre os fundamentos e a decisão, ou decisão ininteligível), ou o uso ilegítimo do poder jurisdicional em virtude de se pretender conhecer questões de que não podia conhecer (excesso de pronúncia) ou por não tratar de questões de que deveria conhecer (omissão de pronúncia).

A requerente/apelante imputa à sentença as nulidades decorrentes das alíneas b) e d) do citado normativo, reconduzindo-se tais nulidades a vícios de conteúdo, na enumeração de J. CASTRO MENDES, Direito Processual Civil, II vol., 793 a 811, ou seja, vício que enferma a própria decisão judicial em si, nos fundamentos, na decisão, ou nos raciocínios lógicos que os ligam.

Na nulidade prevista na alínea b) do nº 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil, prevê-se a sanção para o desrespeito ao disposto no artigo 607º, nº 3 do mesmo diploma legal, que manda que o juiz especifique os fundamentos de facto e de direito da sentença, sendo, aliás, um imperativo constitucional quando, no artigo 205º, n.º 1 da C.R.P. se refere que «as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei».
                       
E, como já referia J. ALBERTO DOS REIS, Cód. Proc. Civil Anot., Vol. V, reimpressão (1981), 139, a necessidade de fundamentação da sentença assenta numa razão substancial e em razões práticas. Por um lado, porque a sentença deve representar a adaptação da vontade abstracta da lei ao caso particular submetido ao juiz e, por outro lado, porque a parte vencida tem direito a saber a razão pela qual a sentença lhe foi desfavorável, para efeitos de recurso. E, em caso de recurso, a fundamentação de facto e de direito é também absolutamente necessária para que o tribunal superior aprecie as razões determinantes da decisão.
                       
Mas, seguindo o entendimento doutrinário e jurisprudencial de há muito, uma coisa é falta absoluta de fundamentação e outra é a fundamentação deficiente, medíocre ou errada. Só aquela é que a lei considera nulidade. Esta não constitui nulidade, e apenas afecta o valor doutrinal da sentença que apenas corre o risco, a padecer de tais vícios, de ser revogada ou alterada em via de recurso – cfr. designadamente J. A. REIS, ob. cit., 140 e, a título meramente exemplificativo, Acs. STJ de 03.05.2005 (Pº 5A1086) e de 14.12.2006 (Pº 6B4390), acessíveis em www.dgsi.pt.

Por outro lado, a nulidade prevista na alínea d) do nº 1 do artigo 615º do CPC terá de ser aferida tendo em consideração o disposto no artigo 608.º, n.º 2 do CPC.
                       
Não pode, na verdade, o Tribunal conhecer senão das questões suscitadas pelas partes, excepto se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento de outras, pelo que a referida nulidade tem de resultar da violação do referido dever.

As questões a que alude a alínea em apreciação, como bem esclarece A. VARELA, RLJ, Ano 122.º, pág. 112, embora reportado ao anterior regime processual civil, mas que nesta parte se mantém inalterável são “(...) todas as pretensões processuais formuladas pelas partes que requerem decisão do juiz, bem como os pressupostos processuais de ordem geral e os pressupostos específicos de qualquer acto (processual) especial, quando realmente debatidos entre as partes …”.

Esclarece M. TEIXEIRA DE SOUSA, Estudos sobre o novo Processo Civil”, Lex, 1997, 220 e 221, que está em causa “o corolário do princípio da disponibilidade objectiva (art. 264.º, n.º 1 e 664.º 2.ª parteo  que  significa que o tribunal deve examinar toda a matéria de facto alegada pelas partes e analisar todos os pedidos formulados por elas, com excepção apenas das matérias ou pedidos que forem juridicamente irrelevantes ou cuja apreciação se tornar inútil pelo enquadramento jurídico escolhido ou pela resposta fornecida a outras questões “.

Como escreve ALBERTO DOS REIS, CPC Anotado, Vol. V, 143, a propósito da omissão de pronúncia, “são, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte”.

E, refere ainda ALBERTO DOS REIS, ob. cit., 54, a propósito do que  deverá  entender-se  por  “questões suscitadas pelas partes”, que “para caracterizar e delimitar, com todo o rigor, as questões postas pelas partes, não são suficientes as conclusões que elas tenham formulado nos articulados; é necessário atender também aos fundamentos em que elas assentam. Por outras palavras: além dos pedidos propriamente ditos, há que ter em conta a causa de pedir.
Na verdade, assim como uma acção só se identifica pelos seus três elementos essenciais (sujeitos, objecto e causa de pedir), ..., também as questões suscitadas pelas partes só ficam devidamente individualizadas quando se souber não só quem põe a questão (sujeitos) e qual o objecto dela (pedido), senão também qual o fundamento ou razão do pedido apresentado (causa de pedir)”.
 
Salienta-se, por outro lado, no Ac. do STJ de 06.05.04 (Pº 04B1409), acessível na Internet, no sítio www.dgsi.pt, a propósito da omissão de pronúncia, que “(...) terá o julgador que identificar, caso a caso, quais as questões que lhe foram postas e que deverá decidir. (....) E se, eventualmente, o juiz, ao decidir das questões suscitadas, tem por assentes factos controvertidos ou vice-versa, qualifica juridicamente mal uma determinada questão, aplica uma lei inapropriada ou interpreta mal a lei que devia aplicar, haverá erro de julgamento, mas não nulidade por omissão de pronúncia”.           
                                                
No caso em apreciação, invoca a apelante que a sentença padece das nulidades previstas nas aludidas alíneas b) e d) do nº 1 do citado normativo, visto entender que o Tribunal a quo não explicou as razões de facto e de direito que consubstanciaram a sua decisão e ainda porquanto o Tribunal a quo não se pronunciou acerca de pedido subsidiário que a requerente/apelante havia formulado.

Ora, não assiste qualquer razão à apelante. Senão vejamos.

A decisão recorrida mostra-se fundamentada no que concerne ao entendimento que o tribunal desenvolveu no sentido da necessidade de ser apresentada prova inequívoca, líquida e irrefutável de que a execução das garantias bancárias pela 1ª requerida e o seu pagamento pela 2ª requerida, consubstanciava um caso evidente de abuso do direito, má-fé, dolo ou violação de normas ou de interesses públicos, prova essa que, segundo o Tribunal a quo, não foi apresentada.

O que sucede é que a apelante discorda do entendimento do Tribunal, mas isso não determina a nulidade da sentença.

É que, com efeito, situação diversa da nulidade da sentença é a de saber se houve erro de julgamento, pois como se refere no Ac. do STJ de 21.05.2009 (Pº 692-A/2001.S1), acessível no supra citado sítio da Internet: Se a questão é abordada mas existe uma divergência entre o afirmado e a verdade jurídica ou fáctica, há erro de julgamento, não “errore in procedendo”, questão essa que se analisará subsequentemente.

Já quanto à invocada circunstância de o Tribunal a quo não se ter pronunciado acerca do pedido subsidiário, igualmente labora em erro a requerente/apelante, visto que tal pretensão foi formulada, por requerimento apresentado em 17.01.2018, quando a decisão recorrida foi prolatada em 16.01.2018, pelo que, como é evidente, não poderia sobre ela se ter pronunciado.

Os alegados vícios de conteúdo a que se refere o artigo 615º, n.º 1, alíneas b) e d) do Código do Processo Civil, não se verificam, por conseguinte, na decisão recorrida, pelo que improcede o que a tal respeito consta das conclusões da apelante.

  
iii. DA NATUREZA JURÍDICA DA GARANTIA BANCÁRIA PRESTADA PELA REQUERENTE

Insurge-se a requerente/apelante contra a decisão recorrida que indeferiu liminarmente a sua pretensão que visava, em suma, a intimação da 1ª requerida a não proceder ao accionamento das garantias bancárias e à inibição da 2ª requerida de proceder ao pagamento do valor objecto dessas garantias bancárias.
           
Da prova documental apresentada é manifesto que está demonstrado que entre a requerente e a 1ª requerida foi celebrado um contrato, nos termos do qual, e em termos sintéticos, a primeira se obrigou a fornecer diversos bens e serviços para execução da obra que precisavam ser importados para Israel (“Subcontrato offshore”). E, por sua vez, na mesma data, a sociedade Montagens S.A., sociedade que pertence ao mesmo grupo da requerente, celebrou com a sociedade Systems Israel, um subcontrato designado “General Conditions of Contract – Solar Tower (Onshore)”, através do qual a primeira se obrigou a fornecer diversos bens e serviços para execução da obra que não precisavam de ser importados para Israel (“Subcontrato onshore”). E, foi precisamente no âmbito do “subcontrato offshore” que a 2ª requerida CGD prestou à 1ª requerida, a pedido da requerente, com data de 11.3.2015, duas garantias, cada uma no montante máximo inicial de € 925 764,60, respetivamente Garantia G303169, designada de advance payment bond e Garantia G303170, designada de performance bond.
Como define, JOSÉ MARIA PIRES, Direito Bancário, 2º volume, Lisboa, 284, o contrato de garantia bancária é "o contrato pelo qual um banco, por mandato do seu cliente, se obriga a pagar certa importância à outra parte (beneficiário), ficando esta com o direito potestativo de exigir a execução dessa garantia, sem que lhe possam ser opostos quaisquer meios de defesa baseados nas relações entre o banco e o ordenador ou entre este e o beneficiário".
Para INOCÊNCIO GALVÃO TELLES, Garantias de Cumprimento, Almedina 1994, 283, a garantia autónoma “é o contrato pelo qual o banco que a presta se obriga a pagar ao beneficiário certa quantia em dinheiro, no caso de inexecução ou má execução de determinado contrato (o contrato–base), sem poder invocar em seu benefício quaisquer meios de defesa relacionados com esse mesmo contrato” – Cfr. no mesmo sentido e do mesmo autor, Garantia Bancária Autónoma, O Direito, Ano 120 (1988), III-IV, 275 e segts.
Tal significa que no contrato de garantia bancária o garante não se obriga a satisfazer uma dívida alheia, mas a assegurar ao beneficiário determinado resultado, traduzido no recebimento de certa quantia em dinheiro.

A garantia bancária, como modalidade do contrato de garantia, caracteriza-se pela sua autonomia relativamente à obrigação garantida, sendo independente (abstracta) desta, não podendo o garante prevalecer-se das excepções admitidas ao garantido.
O objecto da garantia autónoma é distinto do objecto da obrigação decorrente do contrato-base, pelo que o garante, assegurando ao beneficiário determinado resultado, cumpre uma obrigação própria.
Por outro lado, a autonomia da garantia bancária pode compreender graus distintos.

Entre os diversos tipos de garantias bancárias, há que distinguir as garantias autónomas simples e as garantias autónomas automáticas.

No caso da garantia bancária autónoma simples, que tem por objecto a cobertura de certo risco (incumprimento contratual), verificado o incumprimento da obrigação contratual, o garante está vinculado ao pagamento do respectivo valor.

Já a garantia autónoma automática, também chamada de garantia (bancária) pura, incondicional, abstracta, independente, à primeira solicitação, à primeira interpelação (on first demand), ou de pagamento imediato, traduz-se, no essencial, num contrato outorgado entre o mandante da garantia e o garante, a favor de um terceiro, o beneficiário,  só podendo o  garante opor a este as excepções que constem do próprio texto da garantia, mas já não as derivadas da relação contratual que está na base daquela.

Assim e sintetizando, enquanto na primeira (garantia bancária simples) o beneficiário só pode exigir o cumprimento da obrigação do garante desde que prove o incumprimento da obrigação do devedor ou a verificação do circunstancialismo que constitui pressuposto do nascimento do seu crédito face ao garante, já tal prova não lhe é exigível na segunda (garantia bancária autónoma à primeira interpelação), devendo nesta o garante entregar imediatamente ao beneficiário, ao primeiro pedido deste, a quantia pecuniária fixada – cfr. neste sentido Ac. STJ de 13.01.2009 (Pº 08A3725), disponível em www.dgsi.pt.

Compreende-se a finalidade prática da garantia autónoma quando, por hipótese, o interessado deseja uma garantia tão forte como o depósito de dinheiro ou de valores.
A garantia bancária autónoma é comummente considerada como um negócio legalmente atípico, mas socialmente típico, aceite no nosso ordenamento jurídico em consequência do princípio da liberdade contratual  consagrado  no artigo 405º do C. Civil, segundo o qual o banco que a presta se obriga a pagar ao beneficiário certa quantia em dinheiro, no caso de alegada inexecução ou má execução de determinado contrato  (o contrato-base), sem poder invocar em seu benefício quaisquer meios de defesa relacionados com esse contrato.

No caso de garantia autónoma, o garante não se obriga, como acima ficou dito, a satisfazer uma dívida alheia. Ele assegura ao beneficiário determinado resultado, o recebimento de certa quantia em dinheiro, e terá de proporcionar-lhe esse resultado, desde que o beneficiário diga que não o obteve da outra parte, sem que o garante possa entrar a apreciar o bem ou mal fundado desta alegação.

Na verdade, o banco, correndo um risco maior, mas também recebendo do seu cliente uma comissão mais elevada, procura acautelar o eventual exercício do direito de regresso contra ele, e foge a imiscuir-se nos litígios entre garantido e o beneficiário, e terá de reembolsar o beneficiário, sem necessidade de o banco tomar posição a favor de um ou de outro.

O garante paga ao credor sem discutir, tendo depois o devedor de reembolsar o garante, também sem discutir. E será, por último, entre o devedor e o credor que se estabelecerá a controvérsia, se a ela houver lugar, cabendo ao devedor o ónus de demandar judicialmente o credor para reaver o que houver desembolsado, caso a dívida não existisse e ele, portanto, não fosse, afinal, o verdadeiro devedor.

Com efeito, a garantia bancária à primeira solicitação, forma mais reforçada das garantias dessa natureza, abdica de qualquer possível discussão por parte do garante das relações subjacentes à emissão da garantia e de qualquer comprovação do incumprimento.

Feita a solicitação de pagamento o garante deve pagar sob pena de incumprir os deveres que assumiu.

Importa, todavia, salientar que autonomia não se confunde com automaticidade, apenas esta reforça aquela. É que, ainda que a garantia não tenha incluída a cláusula on first demand, a mesma continua a ser independente da obrigação garantida.

Tão pouco é susceptível de alterar a natureza da garantia, sempre que, como normalmente sucede, a garantia exija que o garante, antes de efectuar qualquer pagamento, proceda à breve análise de determinados documentos: facturas, ordens de fornecimento, boletins de transporte ou de embarque, não se confundido esse exame com um juízo de cumprimento ou de incumprimento da relação principal.

Quanto ao seu processo de formação, uma garantia bancária, seja ela simples ou autónoma, assenta numa relação comercial tripartida:
a) relação entre o devedor mandante da garantia (dador da ordem) e o beneficiário (credor principal), que é o contrato base, também chamado principal, celebrado entre o credor garantido e o devedor (ordenante ou ordenador), do qual decorrem as obrigações garantidas;
b) relação entre o mesmo mandante e o Banco garante, pelo qual aquele mandata (mandato sem representação) este para emitir a garantia a favor do beneficiário, vinculando-se o garante, mediante uma retribuição (a comissão), a prestar uma garantia ao credor (o beneficiário);
c) relação entre o Banco garante e o beneficiário e que é consubstanciada no contrato de garantia propriamente dito, pela qual  aquele  se  obriga  a  pagar  a  este  a  quantia  garantida  caso o mandante da garantia não cumpra as suas obrigações, o que sucede, uma vez comprovado o incumprimento do contrato principal ou base (no caso de garantia autónoma simples) ou de imediato, quando este simplesmente o interpele a realizar essa prestação (no caso de garantia automática à primeira solicitação).

As relações enumeradas em a) e c) são de natureza externa, no sentido de que nelas participa o beneficiário; a enumerada em b) é de índole interna, no sentido de que nelas não participa o beneficiário, travando-se entre os outros sujeitos.

Tal significa, portanto, que no processo de formação e emissão de uma garantia bancária autónoma existem três negócios jurídicos. Em primeiro lugar, um contrato-base entre o mandante da garantia e o beneficiário. Segue-se um contrato, qualificável como de mandato, mediante o qual o mandante incumbe o banco de prestar garantia ao beneficiário. E, por último, o contrato de garantia, celebrado entre o banco e o beneficiário, em que o Banco se obriga a pagar a soma convencionada, logo que o beneficiário o informe de que a obrigação garantida   se   venceu    e não foi paga e solicite o pagamento, sem possibilidade de invocar a prévia excussão dos bens do beneficiário ou a invalidade ou impossibilidade da obrigação por este contraída - cfr. neste sentido, Acs. STJ de 29.04.2008 (Pº 380/08) e de 22.05.2014 (Pº 724/12.0YYPRT-A.P1.S1).

A característica essencial da garantia bancária autónoma assenta, pois, na independência relativamente a qualquer relação causal. E, essa autonomia confere à garantia bancária uma especificidade própria traduzida sobretudo como fonte contratual de uma obrigação autónoma da obrigação garantida e diferente da simples fiança. Ela assenta no contrato autónomo de garantia que cria uma obrigação autónoma para o Banco a qual não é, nem pode ser, afectada pelas vicissitudes da obrigação principal.

Conforme se diz no acórdão do STJ, datado de 21.4.2010, (Pº 458/09.2YFLSB), “tratando-se de uma contra-garantia (…), a autonomia revela-se ainda na impossibilidade de invocar excepções fundadas na relação subjacente à constituição da própria contra-garantia.”

Nesta modalidade de garantia bancária, o garante não pode invocar em sua defesa quaisquer meios relacionados com o contrato garantido, ou seja, a garantia não é acessória da obrigação que garante, é autónoma face à dívida, independente da discussão acerca do cumprimento ou do incumprimento do contrato.

Ao accionamento da garantia basta, por conseguinte, a interpelação à instituição de crédito, por parte do beneficiário da garantia, tudo se passando como se o Banco, no momento em que se obrigou perante o beneficiário, tivesse depositado à ordem deste o montante estipulado na garantia – cfr. ALMEIDA E COSTA E PINTO MONTEIRO, Parecer, CJ, ano 1986, tomo V, 18 e 19.

O regime jurídico da garantia bancária autónoma, é determinado pelas cláusulas acordadas e pelos princípios gerais dos negócios jurídicos (artigos 217.º e ss do C. Civil) e dos contratos (artigos 405.º e ss do C. Civil).

E, a qualificação jurídica de um contrato depende da interpretação do alcance e sentido que as partes quiseram dar às suas declarações negociais.

Para tanto, necessário se torna proceder à sua interpretação, que consiste em determinar o conteúdo das declarações de vontade e, consequentemente, os efeitos que o negócio visa produzir, em conformidade com tais declarações, sujeita às regras estabelecidas nos artigos 236º e seguintes do Código Civil.

Aí se afirma o primado da vontade real do declarante, sempre que for conhecida do declaratário: do disposto no n.º 2 do artigo 236º resulta que, conhecendo o declaratário o sentido que o declarante pretendeu exprimir através da declaração, é de acordo com a vontade comum das partes que o negócio vale, quer a declaração seja ambígua, quer o seu sentido (objectivo) seja inequivocamente contrário ao sentido que as partes lhe atribuíram.

Nos casos em que o declaratário não conhece a vontade real do declarante, o artigo 236º consagra uma teoria objectivista da interpretação, mitigada por restrições de índole subjectivista: o sentido da declaração negocial é aquele que seria apreendido por um declaratário normal, ou seja, medianamente instruído e diligente, colocado na posição do declaratário real, em face do comportamento do declarante. Exceptuam-se apenas os casos de não poder ser imputado ao declarante, razoavelmente, aquele sentido ou de o declaratário conhecer a vontade real do declarante (n.ºs 1 e 2) ou prevalecer um sentido que não tenha aquele mínimo de correspondência no texto do documento, ainda que imperfeitamente expresso, se esse sentido corresponder à vontade real das partes e as razões determinantes da forma se não opuserem a essa validade.

É, pois, consabido que a interpretação das declarações negociais deve fazer-se de acordo com as normas constantes dos artigos 236º e 238º do Código Civil, nos termos anteriormente aduzidos.
Consagra-se na nossa lei civil a chamada teoria da impressão do destinatário.
O Código Civil não se pronuncia, porém, sobre o problema de saber quais as circunstâncias atendíveis para a interpretação.
Como elucida MOTA PINTO, Teoria Geral do Direito Civil, 450, também aqui se deve operar com a hipótese de um declaratário normal: serão atendíveis todos os coeficientes ou elementos que um declaratário medianamente instruído, diligente e sagaz, na posição de declaratário efectivo, teria tomado em conta.
Para HEINRICH EWALD HORSTER, A Parte Geral do Código Civil Português - Teoria Geral do Direito Civil, 510, a normalidade do declaratário, que a lei toma como padrão, exprime-se não só na capacidade de entender o texto ou o conteúdo da declaração, mas também na diligência para recolher todos os elementos que, coadjuvando a declaração, auxiliem a descoberta da vontade real do declarante.
Tratando-se de um contrato formal, as regras de interpretação aplicáveis constam do artigo 238º do Código Civil:
1. Nos negócios formais não pode a declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso.
2. Esse sentido pode, todavia, valer, se corresponder à vontade real das partes e as razões determinantes da forma do negócio se não opuserem a essa validade.”

O declaratário normal deve ser uma pessoa com razoabilidade, sagacidade, conhecimento e diligência medianos, considerando as circunstâncias que ela teria conhecido e o modo como teria raciocinado a partir delas, mas fixando-a na posição do real destinatário,  isto  é,  acrescentando  as  circunstâncias  que  este conheceu concretamente e o modo como aquele concreto declaratário poderia a partir delas ter depreendido um sentido declarativo.

Para saber se estamos perante uma garantia bancária simples ou uma garantia bancária à primeira solicitação, há que analisar o texto da garantia em causa, através da interpretação das declarações negociais, atento o que se dispõe nas supra referidas normas constantes dos artigos 236º e 238º do Código Civil.

Daí que, ainda que do texto da garantia bancárias não conste expressamente as menções “on first demand” ou “à primeira solicitação”, não estará sem mais excluída a possibilidade de se considerar, à luz da doutrina da impressão do destinatário, que a garantia bancária prestada é uma garantia bancária á primeira solicitação. Basta que do seu texto constem outros elementos que permitam com segurança concluir que se trata de uma garantia bancária autónoma à primeira solicitação.

No caso vertente, analisando os contratos de garantia bancária aqui em apreciação, quer na garantia designada de “advance paymente bond”, quer na garantia designada de “performance bond”, constantes de fls. 459 a 467 vº dos autos, colhe-se que neles se fez consignar, a fls. 459vº e 464, a seguinte expressão: “Unconditionally undertakes to pay on the first writtem demand”, pelo que essa dúvida não se suscita que estamos perante garantias bancárias “on first demand” ou “à primeira solicitação”.
                                              
Importa, então, apurar se é admissível à requerente lançar mão de um procedimento cautelar para impedir o beneficiário de receber as quantias objecto das garantias e, em caso afirmativo, quais os respectivos pressupostos.

iv. DA VIABILIDADE DE RECURSO A UMA MEDIDA CAUTELAR PARA IMPEDIR O ACCIONAMENTO DA GARANTIA BANCÁRIA E DE O SEU BENEFICIÁRIO VIR A RECEBÊ-LA E RESPECTIVOS PRESSSUPOSTOS.

A declaração de vontade do beneficiário da garantia bancária autónoma à 1ª solicitação, é, não só, unilateral, como é também potestativa, porque se impõe eficazmente, independentemente da vontade do  mandante da  garantia  ou do  garante,  o que significa que o pagamento deverá ser feito após potestativa interpelação do beneficiário e sendo certo que o garante só poderá opor ao beneficiário as excepções literais que constem do próprio texto da garantia: nunca as derivadas da relação principal.
                       
É certo que o contrato autónomo de garantia cria uma obrigação autónoma para o Banco garante, a qual   não   é -  nem pode ser - afectada pelas vicissitudes da obrigação principal.

Exigida a garantia, o garante só poderá opor ao beneficiário as excepções literais que constem do próprio texto da garantia: nunca as derivadas da relação principal.

Mas, se na garantia bancária autónoma à primeira interpelação, o garante tem de pagar ao credor sem discutir, também se tem por incontroverso que a autonomia da garantia se não sobrepõe à eventualidade de má fé ou abuso de direito, por parte do beneficiário da garantia.

Como esclarece LUÍS DE MENEZES LEITÃO, Garantias das Obrigações, 153, acerca desta modalidade da garantia autónoma, à primeira solicitação: Em qualquer caso, verificados os pressupostos da garantia, o garante terá que satisfazer imediatamente a correspondente obrigação, sendo extremamente  limitadas  as  excepções  que  pode  invocar,  que  praticamente  se reconduzem à extinção da garantia por cumprimento, resolução ou caducidade, e ainda à existência de fraude manifesta e abuso de direito por parte do credor.

São, na verdade, muito restritos os casos em que o garante pode recusar o pagamento.

A jurisprudência e a doutrina têm procurado indicar algumas das excepções que se confinam, em regra, à violação das regras da   boa-fé,  abuso  do  direito  ou  necessidade  de  evitar  benefícios decorrentes de factos ilícitos, envolvendo fraudes ou falsificação de documentos,   sendo  generalizado   o  entendimento   de  que  os   factos pertinentes devem resultar de prova sólida e irrefutável, não bastando a formulação de meros juízos de verosimilhança sobre a ocorrência dos respectivos requisitos substanciais – v. a título meramente exemplificativo, MÁRIO JÚLIO DE ALMEIDA COSTA E ANTÓNIO PINTO MONTEIRO, Garantias Bancárias, CJ, Ano XI-1986, Tomo V, 15 a 34, JORGE DUARTE PINHEIRO, Garantia bancária autónoma, ROA, 52º, 456 a 462, e MÓNICA JARDIM, A Garantia Autónoma, 327 e segs e, a título meramente exemplificativo, Acs. STJ de 04.05.2010 (Pº 5943/07.8YYPRT-A.P1.S1), de 27.05.2010 (Pº 25878/07.3YYLSB-A.L1.S1), de 13.04.2011 (Pº 41342/04.0YYLB-A.L1.S1), de 20.03.2012 (Pº 7279/08.8TBMAI.P1.S1), de 05.07.2012 (Pº 219/06.06TVPRT.P1.S1), de 13.11.2014 (Pº 4103/12.0TBSXL-A.L1.S1), de 25.11.2014 (Pº 526/12.3TBPVZA.P1.S1), e de 23.06.2016 (Pº414/14.9TVLSB.L1.S1), todos acessíveis em www.dgsi.pt.

Como bem se evidencia no citado Ac. STJ de 20.03.2012 (Pº 7279/08.8TBMAI.P1.S1), “Não é excessivo sublinhar este ponto: para que o banco/garante deixe de pagar é necessário que seja colocada à sua disposição prova “líquida e inequívoca” da “má-fé patente”, da “fraude evidente” ao ponto de “entrar pelos olhos dentro”.

Igualmente refere PEDRO ROMANO MARTINEZ, Garantias Bancárias, Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Inocêncio Galvão Telles, vol. II, 2, 280: “A recusa de cumprimento será, contudo, lícita sempre que o garante possa opor  ao credor  beneficiário, que  reclama o pagamento da garantia, excepções ao cumprimento. O garante poderá opor ao beneficiário as excepções que resultem directamente do contrato de garantia. Tais como a sua invalidade (nomeadamente, por indeterminabilidade do objecto), a caducidade (verbi gratia, interpelação feita após o prazo de vigência) ou divergências relativamente ao clausulado (por exemplo, a reclamação feita por entidade diversa da beneficiária ou por montante distinto do devido, designadamente, por não ter sido tomado em conta algum pagamento parcial já realizado).”

Salientou-se no já citado  Ac. STJ de 21.4.2010, (Pº 458/09.2YFLSB), acessível em www.dgsi.pt, que: (…) a doutrina e a jurisprudência aceitam como limite à autonomia das garantias autónomas, mesmo das que devem ser satisfeitas à primeira solicitação, a fraude ostensiva, clamorosa e evidente do beneficiário, querendo assim significar que, em tal eventualidade, é legítimo ao garante que  dela  tiver  prova  líquida  recusar  o  pagamento  que lhe é exigido.  É claro que esta fraude  –  que,  em  direito  positivo português,  se reconduz à figura do abuso de direito, previsto e sancionado no artigo 334º do Código Civil –, aceite como meio de defesa do garante, é a que “resulta da ausência de direito do beneficiário tendo em conta o contrato base (…), seja, por exemplo, porque este foi declarado inválido por sentença com trânsito em julgado, seja porque o garante dispõe de prova líquida de que o incumprimento alegado não se verificou”.
Não deixa, todavia, de se evidenciar, no dito aresto, que a suposta fraude “tem de ser evidente, clamorosa e manifesta (citado artigo 334º), de tal forma que ignorá-la, em nome da autonomia da garantia, ofenderia princípios fundamentais da ordem jurídica.

Tem sido unanimemente aceite, quer pela doutrina, que pela jurisprudência que o devedor, mandante da garantia bancária autónoma, recorra a uma medida cautelar para impedir o beneficiário de receber a quantia objecto da garantia, obstando a um aproveitamento abusivo e fraudulento da posição desse beneficiário, desde que estejam verificados os requisitos gerais do procedimento cautelar em causa, como também o requisito adicional: ser efectuada prova pronta e líquida da fraude ou do evidente abuso – v. a título meramente exemplificativo, MÓNICA JARDIM, ob. cit, 327-337, JORGE DUARTE PINHEIRO, Garantia Bancária Autónoma, ROA, ano 52º, Vol. II (Jul1992), 459 e ss, Ac. TRP de 28-04-2011 (Pº 171/11.0TVPRT.P1) e Ac. TRL de 16.06.2011 (Pº 2304/10.5TVLSB-A.L1-2), relatado pela ora relatora.

Todavia, se é certo que, quer a doutrina, quer a jurisprudência admitem, como exigência indispensável, que o requerente do procedimento cautelar efectue prova pronta e líquida da fraude ou abuso evidente do beneficiário da garantia, não é, contudo, unívoca a questão de saber o que se pode entender por “meios de prova líquidos”.

Alguns defendem ser admissível qualquer meio legal de prova, mormente a prova pericial, prova testemunhal e da possibilidade de valoração dos depoimentos das partes.

Outros, entendem que líquida é exclusivamente a prova documental, de segura e imediata interpretação, i.e., provas pré–constituídas – cfr. sobre os diversos entendimentos acerca do sentido a atribuir à expressão prova ponta e líquida, MÓNICA JARDIM, ob. cit, 292-294.

A primeira das identificadas correntes foi seguida, nomeadamente, pelos Ac. TRP de 12.12.2000 (Pº 9920386), Ac. TRL de 13.10.2009 (Pº  3508/08.6TVLSB.L1-7) e Ac. TRP de 23.02.2012 (Pº 598/11.8TVPRT.P1).
 
Consignou-se neste último Ac. TRP de 23.02.2012 que, prova líquida, pronta e inequívoca pode extrair-se de qualquer meio de prova permitido em direito e não apenas da prova documental, sendo por isso possível o recurso a prova testemunhal, em sede de procedimento cautelar, com o objectivo de demonstrar a falta de fundamento material da solicitação de pagamento, feita pelo beneficiário, da garantia autónoma à 1ª solicitação.

Mais se refere no aludido aresto, citando MIGUEL BRITO DE BASTOS, Recusa licita da prestação pelo garante na garantia autónoma “on first demand”, Estudos em homenagem ao Prof Doutor Sérvulo Correia, Vol. III, p.547 e 557, que: “Como opõem Koziol e Bydliski, a restrição dos meios de prova disponíveis ao garante àqueles que sejam “líquidos”, excluiria a possibilidade de invocação do abuso de direito exactamente naquelas situações em que esse abuso é mais gritante, o que aponta no sentido oposto ao da restrição praeter legem: “quanto mais premeditado e refinado o comportamento fraudulento do beneficiário fosse, tanto menos possível provar de um modo líquido  esse  abuso.  A  posição  inversa  pode  levar  a   resultados   facilmente consideráveis como absurdos, nomeadamente, à condenação do garante em indemnização por incumprimento da obrigação decorrente de cláusula de pagamento à primeira solicitação quando, sendo a falta de fundamento material da solicitação do garante evidente para qualquer pessoa com um conhecimento superficial da execução da operação de base, o garante não esteja, por não dispor de “provas liquidas”, em condições de provar essa falta de cabimento material no momento em que recusa a prestação, mas o consiga demonstrar posteriormente, quando se discute o incumprimento definitivo das suas obrigações”. Afirmando ainda que: “a cláusula de pagamento automático não restringe os meios de prova disponíveis ao garante nem altera a medida exigida para a prova da falta de fundamento material da solicitação feita pelo beneficiário”.

Para a segunda das apontadas correntes, crê-se que maioritariamente defendida na doutrinária e na jurisprudência, a fraude manifesta e o abuso evidente só podem ser invocados quando o carácter abusivo ou fraudulento da solicitação seja inequívoco, o que exige, prova pronta e líquida, não havendo abuso ou fraude manifestos se houver necessidade, para estabelecer a má fé do beneficiário, de proceder a medidas de instrução.

Daí se entender insuficiente a consideração do simples fumus boni iuris, típico das providências cautelares, sob pena de violação da essência da garantia autónoma  à primeira solicitação, pois tal significaria atribuir ao garantido/devedor a possibilidade de obter, por via cautelar, aquilo que o garante não pode obter por via da contestação ao pedido efectuado pelo beneficiário, atenta a especial natureza (autónoma) desta garantia - v. neste sentido, a nível jurisprudencial, nomeadamente, Acs. do TRL de 19.01.2010 (Pº 2720/09.5TVLSB.L1-7), de 21.02.2013 (Pº 863/12.7TVLSB-A.L1-2), de 08.09.2015 (Pº 74/14.7T8LSB.L1-7), de, e de 10.11.2015 (Pº 9515/14.2T8VLSB.L1-7), todos acessíveis em www.dgsi.pt.

Ao nível doutrinário, refere, designadamente, MÓNICA JARDIM, ob. cit., 336 e 337: “no âmbito da garantia autónoma, sempre que a providência cautelar seja requerida como forma de obstar a um aproveitamento abusivo da posição do beneficiário, deve ser exigida prova pronta e líquida. Pois, defender o contrário, seria negar a especificidade que a prática, a doutrina e a jurisprudência têm tentado identificar na garantia autónoma. Consideramos que a prova pronta e líquida da fraude ou abuso evidente do beneficiário deve ser tida como indispensável, uma vez que está em causa o cumprimento de um contrato de garantia cuja característica dominante é a autonomia”.

Refere também JORGE DUARTE PINHEIRO, ob. cit, 460, a propósito do recurso a procedimentos cautelares para evitar a execução de garantias bancárias autónomas que, “o princípio da autonomia da garantia não se coaduna com o deferimento de providências senão em situações excepcionais, decalcadas dos casos de recusa legítima de pagamento” de tal modo que “o depoimento do dador e a prova testemunhal são insuficientes. A chamada «prova líquida» é indispensável” – cfr. também, MÁRIO JÚLIO DE ALMEIDA COSTA E ANTÓNIO PINTO MONTEIRO,  ob. cit., loc. cit., GALVÃO TELLES, ob. cit., loc. cit., NUNO MARTINS BATISTA, Execução e Tutela Cautelar na Garantia Autónoma,  42-47, http://repositorio.ucp.pt/bitstream/10400.14/7668/3/Execu%C3%A7%C3%A3o%20e%20Tutela%20Cautelar%20na%20Garantia%20Aut%C3%B3noma.pdf.

Seguiu a decisão recorrida este segundo entendimento, o qual se corrobora.

Com efeito, entende-se que no âmbito de uma garantia bancária autónoma, sempre que a providência cautelar seja requerida como forma de obstar a uma solicitação abusiva ou fraudulenta, por parte do beneficiário, deve ser exigida, ao requerente/devedor, para além da demonstração do risco de prejuízo grave que este sofrerá na ausência de tal providência, a apresentação de elementos de prova sérios da alegada fraude ou abuso, que estejam imediatamente disponíveis, ou seja, prova pronta e líquida, sendo que prova pronta é a prova pré-constituída, i.e., documental, sem recurso a produção de provas suplementares e é líquida, sempre que é inequívoca, permitindo a percepção imediata e segura, por conseguinte, óbvia, dessa invocada fraude ou do aproveitamento abusivo, por parte do beneficiário – v. neste sentido, Ac. TRL de 19.04.2018 (Pº 26602/17.8T8LSB.L1), relatado pela ora relatora e subscrito pelo aqui também 1º adjunto.

Assim, e porquanto se entende que impende sobre o requerente cautelar, que pretenda obstar ao accionamento de garantia bancária autónoma à primeira solicitação, o ónus de alegar e provar, através de prova pronta e líquida, ou seja, através de prova documental inequívoca, que o beneficiário da garantia, ao pretender o seu accionamente, esteja a actuar de forma fraudulenta ou abusiva, o que não se vislumbra estar demonstrado nos autos, maxime, o não incumprimento contratual por banda da requerente por esta invocado, como bem se salientou na sentença recorrida: “A Requerente limita-se a invocar – sem prova evidente e inequívoca – que o montante que ainda não foi devolvido é resultado de incumprimento imputável à Requerida que deixou de fazer quaisquer pagamentos em Julho de 2016 à Requerente pelo que, desde esse período deixou de ser feita a dedução dos pagamentos que deveria ser feita com referência aos pagamentos devidos por cada fase de execução da obra, sendo que se o Certificado de Aceitação da Obra tivesse sido emitido, como o exigia o contrato, a Garantia G/303170 ter-se-ia por limitada ao montante máximo de € 617.176,40. Acresce que relativamente à performance bond, a Requerida nunca interpelou a Requerente para pagar qualquer indemnização por suposta má execução dos trabalhos”.

Sucede que da análise da documentação que a requerente juntou aos autos é possível concluir que existe um diferendo entre a requerente e a 1ª requerida acerca da execução do contrato entre elas celebrado, mas deles não resulta que o accionamento das garantias seja susceptível de consubstanciar um evidente abuso de direito, má-fé, dolo ou violação de normas ou de interesses públicos.
Ademais, das garantias consta a seguinte menção: The amount of this guarantee shall be automatically decreased by the sum reimbursed by subcontractor to the contractor, upon presentation by the subcontractor to the financial institution of copies of the interim payment certificates approved by the contractor stating the amounts reimbursed, until complete reimbursement of the down payment”.

Ora, inexistindo nos autos, nomeadamente cópias de certificados de pagamentos intercalares aprovados pelo empreiteiro com menção dos montantes reembolsados, não é possível considerar ter a requerente/apelante apresentado elementos de prova documental que permitam a percepção óbvia, imediata e segura dessa invocada fraude ou do aproveitamento abusivo, por parte do beneficiário das garantias, como, de resto, a requerente/apelante o admite ao pretender o prosseguimento dos autos para julgamento, com produção de prova suplementar.

Finalmente importa salientar que se é certo que o direito à tutela jurisdicional efectiva contido no artigo 20º da Constituição da República Portuguesa implica o direito à prova, i.e., a possibilidade de propor e produzir prova, a verdade é que o direito à produção de prova não significa a admissão de todos os meios de prova admitidos em direito, ou que não sejam possíveis limitações quantitativas na produção de certos meios de prova.

Como refere MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, As partes, o Objecto e a Prova na Acção Declarativa, 1995, 228, "o direito de acesso à justiça comporta indiscutivelmente o direito à produção de prova". (…) o que "não significa, porém, que o direito subjectivo à prova implique a admissão de todos os meios de prova permitidos em direito, em qualquer tipo de processo e relativamente a qualquer objecto do litígio ou que não sejam possíveis limitações quantitativas na produção de certos meios de prova (por exemplo, limitação a um número máximo de testemunhas arroladas por cada parte). Bastará percorrer as normas de direito probatório constantes do Código Civil ou do Código de Processo Civil para verificar que há diversas proibições de utilização de certos meios de prova cuja constitucionalidade nunca foi posta em causa".
Sucede, porém, que tais casos de inadmissibilidade de determinado meio de prova terão de ter natureza excepcional e fundadas em importante justificação. 
No caso vertente não se antevê qualquer inconstitucionalidade na restrição à prova documental. Inexiste restrição desproporcionada ou irrazoável de instrumentos de prova em violação do artigo 20º do CRP, porquanto o acesso ao direito não contempla, como acima ficou dito, a utilização irrestrita de todos os meios de prova, sendo certo que a limitação probatória à prova pré-constituída, i.e., documental, encontra justificação na essência e nas finalidades da própria garantia bancária autónoma à primeira solicitação e os estritos limites a essa autonomia.

E, assim sendo, forçoso é concluir pela improcedência da apelação, confirmando-se, nos seus precisos termos, a decisão recorrida de indeferimento liminar da pretensão da requerente/recorrente.

Vencida, é a recorrente responsável pelas custas respectivas - artigo 527º, nºs 1 e 2 do CPC.

IV. DECISÃO

Pelo exposto, acordam os Juízes desta 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar improcedente o recurso, confirmando-se a decisão recorrida e em condenar a recorrente no pagamento das custas respectivas.

Lisboa, 12 de Julho de 2018

Ondina Carmo Alves – Relatora por vencimento
Pedro Martins
Jorge Leal  (Vencido)
                    
Vencido, quanto ao ponto B iv. do acórdão.
A requerente alega o seguinte:
Quanto à garantia advance payment bond, que se destinava a garantir a restituição, pela requerente, do pagamento adiantado que a requerida lhe efetuara para despesas destinadas à execução da subempreitada, restituição essa que se faria através de deduções a que a requerente procederia em cada fatura que apresentasse a pagamento à requerida ao longo da execução dos trabalhos, a requerente efetuou todos os trabalhos contratados e faturou quase todos, aí procedendo às correspondentes deduções. A requerida pagou essas faturas. Apenas está por faturar um valor correspondente a 12,5% da devolução a fazer, e isto por falta de colaboração da requerida, que não autorizou a emissão das referidas faturas nem emitiu os certificados de aceitação da obra e de aceitação provisória de obra, dos quais dependia a emissão das faturas. De todo o modo, alega a requerente, face às restituições já operadas, a requerida não poderia acionar a garantia por valor superior a € 115 720,57. Quanto à performance bond, a requerente executou os trabalhos contratados, não tendo recebido da requerida qualquer reclamação quanto aos mesmos. Por outro lado, a requerida deveria já ter emitido o certificado de aceitação da obra, do qual resultaria a redução da garantia para o valor de € 617 176,40, não havendo qualquer justificação para essa omissão. A requerida apenas levantou diferendos quanto à execução de um outro contrato, o “subcontrato onshore”, que nada tem a ver com estas garantias.
Contrariamente ao expendido na decisão recorrida, afigura-se-me que o factualismo alegado poderá consubstanciar acionamento abusivo das garantias autónomas, na medida em que, na tese da requerente, o pretendido acionamento das garantias visaria obter o pagamento de uma indemnização a que não se tem direito, uma vez que a contraparte (a requerente) cumpriu as suas obrigações contratuais, e se mais não cumpriu, foi por mora do credor.
Quanto à prova do alegado, deverá ser inequívoca, mas tal inequivocidade deverá, salvo o devido respeito por opinião contrária, ser aferida a final, no saldo da produção dos meios de prova legalmente admissíveis (entre os quais se inclui a prova testemunhal) e do debate que se suscite entre as partes, perante o tribunal, no contraditório a que houver lugar. Nesse sentido nos revemos no decidido no acórdão da Relação do Porto, de 23.02.2012, processo 598/11.8TVPRT.P1, acórdão da Relação de Lisboa, de 25.10.2012, processo 1482/12.3TVLSB-B.L1-6 e acórdão da Relação de Lisboa, de 09.6.2016, processo 29163-15.9T8LSB.L1-6, todos consultáveis em www.dgsi.pt.
Note-se que, in casu, a requerente apresenta prova documental que, segundo assevera, demonstra o alegado cumprimento, pelo menos parcial, dos créditos garantidos. A análise perfuntória desses documentos, aliás redigidos em língua inglesa, não aponta inequivocamente para a sua irrelevância, antes pelo contrário. Creio que o recorrido juízo de indeferimento liminar, ao cortar cerce o debate acerca, inclusivamente, dessa prova documental, não se coaduna com as exigências constitucionais de acesso ao direito e aos tribunais (art.º 20.º n.º 1 da CRP).
Nestes termos, daria provimento ao recurso.

Lisboa, 12.7.2018

Jorge Leal