Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2656/2007-8
Relator: TERESA PRAZERES PAIS
Descritores: COMPETÊNCIA MATERIAL
ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA
ACIDENTE DE TRABALHO
REPETIÇÃO DO INDEVIDO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/10/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: UNANIMIDADE
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: I- A competência dos tribunais em razão da matéria afere-se à luz da pretensão formulada.
II- Assim, se a A. fundamenta o seu pedido no reembolso de quantia que, em seu entender, pagou indevidamente por ter considerado que não existia nexo de causalidade entre as lesões sofridas pela ré e o acidente de trabalho, o pedido emerge do instituto do enriquecimento sem causa (artigo 473.º do Código Civil) e não de acidente de trabalho (artigo 85.º, alínea c) da Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro)

(SC)
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa

[…] Companhia de Seguros, SA veio pedir a condenação de C.[…] Lda. no pagamento da quantia de € 2.878,60, alegando que ocorreu um acidente de trabalho com o trabalhador da segurada, ora ré, numa obra sita em Lisboa.

Na sua contestação, veio a R invocar a incompetência material do presente Tribunal.

A autora pronunciou-se acerca desta excepção.

Foi, então, proferida a seguinte decisão:

“Por todo o exposto, julgo procedente a excepção dilatória da incompetência em razão da matéria, razão pela qual declaro materialmente incompetentes os Tribunais Judiciais para o conhecimento do pedido aqui formulado, pelo que absolvo a ré da instância - art. 493, nº1 e 2; 494, Al. a); 288, nº1 alín. a); 101; 105, nº1 todos do Código de Processo Civil.

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É esta decisão que o A impugna formulando as seguintes conclusões:

a) Na origem do presente recurso estão os autos de acção declarativa de condenação sob a forma sumaríssima intentada pela ora Recorrente contra C.[…] LDA

b) Os factos alegados pela Recorrente têm por base uma participação de um acidente de trabalho ocorrido com um trabalhador da Recorrida CARLOS […], porquanto o acidente sofrido pelo trabalhador sinistrado teria ocorrido durante a período normal de trabalho, no local de trabalho e as lesões por este sofridas seriam causa directa e necessária do acidente de trabalho.

c) No entanto, o pedido da Recorrente fundamenta-se no direito ao reembolso das quantias despendidas em virtude do acidente  participado  não se caracterizar como  sendo um acidente de trabalho,

d) Uma vez que não existe qualquer nexo causal entre o acidente sofrido pelo mencionado trabalhador e as lesões participadas Autora, ora Recorrente.

e) A Autora , ora Recorrente, nos termos do contrato de seguro celebrado com a Ré e ao abrigo do artigo 10º da Lei nº 100/97 de 13 de Setembro, após a participação do sinistro , deu início à regularização do mesmo.

f) No entanto, feita a competente averiguação, veio a Autora, ora Recorrente a descobrir que o acidente ocorrido não era um acidente de trabalho
     
g) A presente acção não é a acção de apuramento de responsabilidade emergente de um acidente de trabalho, pelo que não é aplicável, como pretende o MMº juiz “a quo”, o disposto na alínea c), do artigo 85 da Lei 3/99, de 13 de Janeiro.

h das falsas declarações constantes da participação de sinistro apresentada pela Ré, ora Recorrida – matéria de direito  civil -, pelo que o tribunal competente é o Tribunal de Pequena Instância Cível de Lisboa e não o Tribunal de Trabalho.

i) Não é pois compreensível a argumentação apresentada pelo Exmº  juiz “a quo” constante do despacho ora recorrido.
 
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Não foi apresentada contra-alegação
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Como se sabe, o âmbito do objecto do recurso é definido pelas conclusões do recorrente (art.º 684 n.º3 e 690 n.º1 e 3 do CPC), importando ainda decidir as questões nela colocadas e bem assim, as que forem de conhecimento oficioso, exceptuadas aquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras – art.º 660 n.º2, também do CPC

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Assim ,a única questão está em apurar se o Tribunal de Pequena Instância Cível é materialmente incompetente para julgar o objecto do litígio

A LOTJ- Lei n.º3/99, de 13 de Janeiro, estipula que no artigo 22º, n.º1 que: “a competência material dos tribunais fixa-se no momento em que a acção se propõe, sendo irrelevantes as modificações de facto que ocorram posteriormente.”

E, tem sido entendido que a competência material do tribunal se afere pelos termos em que a acção é proposta, constituindo um pressuposto processual, que se determina pela forma como o autor estrutura ou configura o pedido e os respectivos fundamentos ou causa de pedir (1)

Deste modo, a atribuição do tribunal materialmente competente para o conhecimento de determinada pretensão deve partir do teor dessa pretensão e dos fundamentos que a justificam, sendo irrelevantes, para este efeito, as qualificações jurídicas dessa pretensão efectuadas pelo autor, bem como o juízo de prognose que se possa fazer relativamente à viabilidade da mesma, por se tratar de questão atinente ao mérito da causa (2) 

A autora fundamenta o seu pedido com base no facto de ter pago uma indemnização em consequência de um acidente de trabalho, que teria sofrido um empregado da ré. Todavia, posteriormente veio a concluir que não existe qualquer nexo causal entre o acidente sofrido pelo trabalhador e as lesões participadas à A ( cf. art. 16 da pi ),pelo que termina  pedindo o reembolso ,por banda da R ,de tudo o que tenha pago em resultado da aludida participação.,à luz do art. 19 nº2 da Apólice Uniforme de Seguro de Acidentes de Trabalho para trabalhadores por conta de outrem

Significa que A faz emergir o pedido que formula contra a ré no instituto do enriquecimento sem causa – no seu dizer, o R  tem em seu poder , uma quantia dada pela A ,indevidamente – donde deriva que, a causa de pedir invocada, embora relacionada com acidentes de trabalho , não radica directamente naquela, mas sim numa relação jurídica diversa, de carácter civil, pelo que os Tribunais de Trabalho, tal como defende a recorrente, não são os competentes em razão da matéria (art. 85º da LOFTJ “ a contrario sensu”), mas sim os Tribunais Cíveis, de competência residual.

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Pelo exposto, conclui-se que, conforme decidido na 1ª instância, os Tribunais Cíveis são os competentes em razão da matéria para conhecer da presente acção.

Custas pelo agravado

Lisboa, 10 de Maio de 2007
(Teresa Pais)
(Carla Mendes)
(Caetano Duarte)



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1.-ver , por todos, Prof. .M. Andrade, em Noções Elementares de Processo Civil, 1963, pág.90 e 91.

2.-Cfr. acórdãos do STJ de 9 de Fevereiro de 1994, em Colectânea de Jurisprudência - STJ – ano II, Tomo I, pág. 288