Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
12851/18.5T8LSB.L1-4
Relator: MANUELA FIALHO
Descritores: CESSÃO DA POSIÇÃO CONTRATUAL
REINTEGRAÇÃO
PRESCRIÇÃO DE CRÉDITOS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/29/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA A DECISÃO
Sumário: O regime de prescrição de créditos laborais constante do Artº 337º/1 do CT não se aplica à reintegração fundada na nulidade de um contrato de cessão da posição contratual.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa:

AAA, residente na Rua (…) Braga, Autor na ação supra referida, não se conformando com a sentença proferida, dela vem interpor RECURSO DE APELAÇÃO.
Pede que se revogue a decisão recorrida, determinando-se o prosseguimento dos autos.
Funda-se nas seguintes conclusões.
A) A causa de pedir da ação não assenta na disciplina e no regime jurídico do disposto no artigo 337º do Código do Trabalho.
B) Na ação não estão em causa créditos diretamente emergentes do contrato de trabalho, há pois, uma clara a diferença entre os créditos emergentes da cessação do contrato de trabalho e a peticionada nulidade do negócio jurídico.
C) É materialmente inconstitucional a interpretação normativa do n.º 1 do artigo 337.º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei 7/2009, de 12 de Fevereiro, quando interpretada no sentido de que a ação de declaração de nulidade da cedência temporária ou definitiva de trabalhador prescreve decorrido um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho.
BBB, com sede na Rua (…) Lisboa, e CCC LDA, com sede na Rua (…) Lisboa, Rés nos presentes autos de ação de processo comum, vêm apresentar as suas CONTRA-ALEGAÇÕES, concluindo que a sentença não merece censura.
O MINISTÉRIO PÚBLICO pronunciou-se pela improcedência do recurso.
Foi instaurada ação em que se peticiona a declaração de nulidade de um contrato de cessão da posição contratual e a reintegração do trabalhador nos quadros da 1ª R..
As rés excecionaram na sua contestação a exceção da prescrição dos créditos laborais peticionados.
Notificado, o autor nada disse.
Foi proferido despacho saneador que julgou procedente a exceção de prescrição dos créditos e, em consequência, absolveu as rés BBB e CCC, do pedido.
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As conclusões delimitam o objeto do recurso, o que decorre do que vem disposto nos Art.º 608º/2 e 635º/4 do CPC. Apenas se exceciona desta regra a apreciação das questões que sejam de conhecimento oficioso.
Nestes termos, considerando a natureza jurídica da matéria visada, é a seguinte a questão a decidir, extraída das conclusões:
- A causa de pedir da ação não assenta na disciplina e no regime jurídico do disposto no artigo 337º do Código do Trabalho?
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FUNDAMENTAÇÃO:
Com relevância para a decisão da exceção estão assentes os seguintes factos:
Em 1 de Outubro de 2002, BBB,CCC e AAA subscreveram o escrito designado por “Cessão de Posição Contratual” junto a fls. 3 e cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido[1].
Em 11 de Abril de 2011, o autor propôs acção de impugnação da licitude ou regularidade do despedimento por extinção do posto de trabalho contra a CCC, Lda. e que correu termos sob o n.º 390/11.0TTBRG no 2º Juízo do Tribunal Judicial de Braga.
Em 11 de Junho de 2011, a ora 2ª ré apresentou ali o articulado de cumprimento das formalidades do processo de despedimento.
Por requerimento de 21.06.2011, o ora autora apresentou ali contestação ao articulado de motivação, pedindo, entre outros e subsidiariamente que “deve ser decretado o regresso do autor ao seu posto de trabalho junto do BBB”, com o fundamento na ilicitude da cedência de trabalhador deste para a aí ré.
Em 19 de Abril de 2012, foi proferida sentença homologatória de transação judicial efetuada entre os ora autor e 1ª ré, que transitou em julgado em 09.05.2012.
Por apenso à acção de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, que o autor intentou contra a ora 2ª ré, intentou recurso de revisão da sentença homologatória.
Por decisão proferida em 26 de Abril de 2016 e transitada em julgado em 23.05.2016 foi o recurso julgado improcedente.
No dia 29 de Maio de 2016, deu entrada neste Tribunal a presente acção com pedido de citação urgente (cf. fls. 4 vs.).
No dia 04 de Junho de 2018, a 1ª ré foi citada (cf. fls. 18).
No dia 05 de Junho de 2018, a 2ª ré foi citada (cf. fls. 17).
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O DIREITO:
A resposta à questão supra enunciada não prescinde, antes reclama, que se atente no pedido e na causa de pedir da presente ação.
Em causa está a aplicabilidade do regime de prescrição consignado no Artº 337º/1 do CT.
Conforme supra já mencionado, peticiona-se nesta ação a declaração de nulidade de um contrato de cessão da posição contratual e a reintegração do trabalhador nos quadros da 1ª R..
Alega-se, para o efeito, a admissão do A. pela 1ª R., seguida, passados uns anos, da subscrição de um documento denominado “cessão da posição contratual” ao abrigo do qual o A. passou a trabalhar para a 2ª R., invocando-se a nulidade da cessão e consequente manutenção do vínculo laboral com a 1ª R. e, mesmo que não se considere a nulidade da cessão, alega-se ainda que ficara estipulado que o 1ª contraente garante a reintegração nos seus quadros do trabalhador cedido caso haja cessação a atividade da 2ª contraente, sendo que esta veio a cessar a sua atividade e a despedir o A. por extinção do posto de trabalho sem que a 1ª o tivesse reintegrado.
Duas distintas causas de pedir: por um lado, a nulidade do contrato de cessão; por outro, o incumprimento do mesmo.
No despacho recorrido depois de se citar o conteúdo do Artº 337º/1 do CT, ponderou-se que, tendo a relação laboral com a 1ª R. cessado em 1/10/2002, data do início da vigência do acordo de cessão da posição contratual, está prescrito o direito do A. e, ainda que assim não se entendesse, “designadamente quanto á 2ª R. ou mesmo relativamente ao direito consagrado no ponto 4º do referido acordo, atenta a data do trânsito em julgado da sentença homologatória da transação judicial -9/05/2012, quer do recurso de revisão – 23/05/2016-, não existem dúvidas de que o direito que o A. pretende fazer valer nestes autos está prescrito face ao disposto no preceito legal citado conjugado com os Artº 326º e 327º do CC”.
Pretende o Apelante que a causa de pedir da ação não assenta na disciplina e no regime jurídico do disposto no artigo 337º do Código do Trabalho, porquanto na ação não estão em causa créditos diretamente emergentes do contrato de trabalho.
Vejamos!
O Artº 337º do CT dispõe que o crédito do empregador ou do trabalhador emergente de contrato de trabalho, da sua violação ou cessação prescreve decorrido um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho.
A doutrina, muito embora o não isente de críticas, é unânime no que concerne ao fundamento deste regime: a dependência do trabalhador durante a vigência do contrato o que, presumivelmente, não lhe permite exercer em pleno os seus direitos.
Por outro lado, parece evidente que se incluem ali “não apenas créditos remuneratórios em sentido estrito, mas todos os créditos que resultem da celebração e da execução do contrato de trabalho, e ainda os que decorram da violação do contrato e da sua cessação” (Maria do Rosário Palma Ramalho, Tratado de Direito do Trabalho, Parte II, Almedina, 545).
Mas só destes.
A aplicação do regime prescricional especialmente aplicável na área laboral pressupõe, assim, que estejamos em presença de reclamação de um crédito cuja fonte seja o contrato de trabalho, a sua violação ou cessação.
Ora, no caso concreto o pedido assente na primeira parte da causa de pedir não é um crédito laboral.
Crédito (ou direito de crédito) é o lado ativo da relação jurídica obrigacional.
Como se extrai da lição de Antunes Varela diz-se “obrigação a relação jurídica por virtude da qual uma (ou mais) pessoa pode exigir de outra (ou outras) a realização de uma prestação”, noção que encontra amparo no Artº 397º do CC. A obrigação compreende o dever de prestar e o poder de exigir a prestação, ou seja, o débito e o crédito (Das Obrigações em Geral, 4ª Ed., Almedina, Coimbra, 51 e ss.).
Diferentemente da obrigação em sentido técnico existe o estado de sujeição, que constitui o contrapolo dos direitos potestativos, entre os quais o direito de anulação.
Ora, no caso concreto o A. vem exercer um direito potestativo, invocando a nulidade da cessão da posição contratual e dela extraindo consequências.
Logo, não estando a invocar algum crédito, não se lhe aplica o prazo prescricional constante do Artº 337º/1 do CT.
Ou seja, assentando a causa de pedir na nulidade do contrato de cessão, decorrente da violação do disposto no Artº 26º do DL 358/89 de 17/10, não estamos em presença de invocação de algum crédito laboral, razão pela qual a invocação do prazo curto constante do Artº 337º/1 do CT não tem cabimento legal. Antes opera o disposto no Artº 286º do CC, de acordo com o qual a nulidade é invocável a todo o tempo, podendo ser declarada oficiosamente pelo tribunal.
É certo que, a avaliar pela anotação ao Artº 38º da LCT, da autoria de Abílio Neto, a jurisprudência terá já decidido que o direito à reintegração está também abrangido pelo prazo geral de prescrição que ali se consignava (Notas 53, 54, 58, Contrato de Trabalho, Notas Práticas, 12ª Ed., 1993, 188).
Contudo, ali estava em causa a reintegração como corolário de despedimento.
Aqui, está em causa a reintegração como corolário da nulidade do ato de cessão.
No sentido que agora propugnamos, também decidiu o Ac. desta Relação, prolatado no âmbito do Procº 25940/17.4T8LSB, datado de 12/09/2018, onde se lê que “Se o crédito tiver por fonte um ato diverso do contrato de trabalho ou da sua cessação, ainda que exigível em virtude da cessação do contrato de trabalho, não se lhe aplica tal preceito legal”, exigindo a apreciação da questão que se atente na causa de pedir e no pedido formulado, pelo que “estando em causa a situação invocada de erro-vício na celebração do acordo revogatório do contrato de trabalho, suscetível de conduzir à anulabilidade desse acordo, não tem aplicação o disposto no artigo 337º do CPT, pois não estamos em presença de um crédito laboral”. Acórdão este que, por sua vez, se sustenta no do STJ de 11-11-1998, Refª 98S088.
Assim, e concluindo, não tem aplicação o Artº 337º/1 do CT no concernente ao pedido de declaração de nulidade e subsequente reintegração com fundamento na invocada nulidade da cessão.
Todavia, no concernente à invocação da contratualização da garantia de reintegração caso houvesse cessação da atividade da 2ª contraente e subsequente incumprimento, já o Artº 337º é aplicável.
Esse é um direito de crédito emergente da cessação do contrato de trabalho operada pelo ato de cessão, direito esse que se veio a concretizar no momento de verificação da condição, podendo estar prescrito caso se prove a alegada cessação de atividade e a sua localização no tempo (do que os autos não nos elucidam)[2].
Todavia, cabendo à R. alegar e provar todos os factos dos quais depende a procedência da exceção de prescrição, sem alegação deste elemento de facto, a exceção improcede.
Termos em que se conclui pela procedência da apelação, ficando prejudicados quaisquer considerandos a propósito da conclusão C).
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Em conformidade com o exposto, acorda-se em julgar a apelação procedente e, em consequência, revogar o despacho recorrido.
Custas pelas Apeladas.
Notifique.
Lisboa, 2019-05-29

Manuela Bento Fialho
Sérgio Almeida
Francisca Mendes

[1] Nota da Relatora: Consigna-se que sob o ponto 4º do acordo se consignou que “O 1º contraente garante a reintegração nos seus quadros do trabalhador agora cedido, caso haja cessação da atividade da 2ª contraente”.
[2] Note-se que a cessação da atividade por parte da 2ª R. é um facto controvertido conforme emerge do confronto entre os Artº 12º da PI e 11º da contestação