Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
11/13.6TCFUN-E.L1-8
Relator: JOSÉ ANTÓNIO MOITA
Descritores: PROVA TESTEMUNHAL
REGIME DO DEPOIMENTO
INQUIRIÇÃO DE TESTEMUNHA
APRESENTAÇÃO DE DOCUMENTOS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/06/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1 No decurso da prestação de depoimento em audiência final por testemunha podem ser admitidos nos autos documentos , que visem corroborar ou sustentar factos instrumentais aflorados pela testemunha , passíveis de revestir interesse para a descoberta da verdade;
2 Se a testemunha estiver a prestar depoimento através do sistema skipe e a parte que a arrolou se encontrar munida de tais documentos , por lhe terem sido enviados , pode a parte requerer a sua admissão aos autos , devendo a mesma ser deferida pelo Tribunal.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa.


IRelatório:


A, entretanto falecido, ocupando a sua posição processual os herdeiros habilitados B, C e D, intentou contra E [ …BANCO…, S. A.],  F [ …BANK & …LTD ] e G [ … Ltd ], a presente acção declarativa de condenação, com processo ordinário, formulando os seguintes pedidos:

a)- Declaração de invalidade, nulidade ou anulação e ineficácia em relação ao Autor dos seguintes contratos:
1) contrato de abertura de crédito, sob a forma de conta corrente caucionada
2) termo de Fiança datado de 30 de Setembro de 2008;
3) contrato de penhor de valores mobiliários;
4) contrato de empréstimo de € 5 000 000,00€, contraído no âmbito da conta de abertura de crédito, sob a forma de conta corrente caucionada;
5) contrato de cessão de posição contratual do Réu E para o Banco F em relação a todas as contas relativas ao património do Autor;
6) abertura de conta no F”, em nome da sociedade G;
7) contrato de compra das acções representativas do capital social da Ré G pelo F, em nome do Autor, como seu gestor de negócios e com o dinheiro deste;

b)- Condenação do Réu E, a restituir ao Autor a importância de € 3 428 332,05 , que este mantinha depositada a prazo no E.” e que foi transferida em 22 de Julho de 2005 para a conta da G sem autorização e sem o conhecimento do Autor;
c)- Condenação do Réu E a pagar ao Autor os juros semestrais do montante de € 53 000,00, que vinha sendo pago de seis em seis meses, em remuneração do capital depositado a prazo, que deixaram de ser pagos, desde Junho de 2011 (inclusivé), no montante já vencido de € 212 000,00 € e nos vincendos até final;
d)- Condenação dos Réus no pagamento solidário ao Autor de uma indemnização por danos morais, em montante nunca inferior a € 250 000,00;

Subsidiariamente , deduziu ainda os seguintes pedidos:
e)- Declaração de que é proprietário de todos os títulos e obrigações e de todas as acções que os Bancos Réus possuem em nome da Ré G em conta aberta no segundo Réu;
f)- Condenação dos Réus na entrega ao Autor dos títulos e obrigações e acções, livres de ónus e encargos , no valor actual de € 1 700 000,00 ou de todos os títulos que entretanto compraram para substituição dessas acções;
g)- Condenação dos Réus no pagamento solidário ao Autor de uma indemnização global no montante de € 1 978 332,05 correspondente aos restantes danos sofridos, sendo € 1 728 000,05 de danos materiais correspondentes à diferença entre o valor do capital do Autor depositado no Banco Réu (€ 3 428 332,05) e o valor das acções e títulos que sobram em nome da G e comprados com o dinheiro depositado do Autor (€ 1 700 000,00) e sendo € 250 000,00 de danos morais, acrescido de juros de mora, a partir da citação, à taxa de 4% sobre o montante total.

Citados os Réus contestaram os Co-Réus Bancos por via de excepção, arguindo a excepção dilatória de incompetência em razão do território e a peremptória de prescrição, bem como por impugnação, pugnando pela procedência das excepções deduzidas e, assim não se entendendo, pela improcedência da acção.

O Autor desistiu do pedido em relação à Co-Ré Serot Finance Ltd, desistência que foi homologada judicialmente nos autos, em sede de processo principal.

O Autor replicou pugnando pela improcedência das excepções deduzidas e alterou o pedido inicial.

Os Bancos Co-Réus treplicaram suscitando a inadmissibilidade parcial da réplica.

Houve lugar a desistência de pedidos e a ampliação de pedidos.

Proferiu-se despacho saneador em que se julgaram improcedentes as excepções de incompetência.

Realizou-se audiência prévia e após uma série de incidentes e de recursos interlocutórios apresentados agendou-se e iniciou-se a audiência final, no decurso da qual foi proferido na sessão realizada em 07/06/2018 o despacho recorrido, que infra se reproduzirá.  

Inconformados, vieram os Autores apresentar recurso de apelação do aludido despacho, alinhando as seguintes Conclusões:
“A)- É intempestiva a junção, pelos bancos RR., dos documentos em causa, em plena audiência de julgamento, e sem ocorrência posterior, para fazer prova da sua defesa, dado que tais documentos devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes, ou até 20 dias antes da data em que se realiza a audiência final de julgamento.
B)- Nem os documentos foram juntos aos autos para corroborar o depoimento da testemunha G...A..., nem a testemunha requereu tal junção e até, porque, tal testemunha declarou não ter conhecido R.M e prestou depoimento através da leitura de documentos que lhe foram fornecidos pelos banco RR, conforme resulta da acta respectiva.
C)- E tais documentos, agora juntos, estavam na posse do banco R há vários anos e, ao contrário do que os bancos RR alegaram, tais documentos respeitavam a factos essenciais e nucleares da defesa dos bancos RR, como os de conhecimento, por parte de R.M, das transferências efectuadas e das movimentações da conta da G, que os bancos RR invocaram, embora de modo genérico e conclusivo, mas com carácter extintivo do direito invocado pelos AA.
D)- E os factos instrumentais , bem como os factos essenciais, complementares, ou concretizadores, só podiam ser considerados, se os bancos tivessem alegado e não alegaram os factos essenciais e nucleares, que pretendem provar, através de factos instrumentais, ou de factos essenciais, complementares ou concretizadores dos que as partes haviam de alegar e não alegaram – artº 5 , nº 2 a ) e b ) CPC.
E)- E os bancos RR porque não alegaram factos essenciais extintivos do direito invocado não podem agora fazer prova desses factos, que não alegaram, através da prova de factos instrumentais introduzidos, durante a instrução da causa.
F)- E os AA . nem mesmo foram notificados para se pronunciar sobre factos instrumentais, que tivessem resultado da instrução da causa, pelo que ficaram impossibilitados de exercer o contraditório.
G)- E a infracção invocada consumou-se com a saída do património da conta do A, para a conta da G, pelo que excedem a causa de pedir as movimentações da conta da G, que os bancos RR pretendem provar com a junção dos documentos em causa.
H)- E a testemunha G.A, nos termos do seu depoimento, era e é funcionário do banco R., pelo que está sujeito a sigilo bancário e impedido de revelar ou utilizar informações sobre factos ou elementos respeitantes à vida dos bancos RR., ou às relações destes com os seus clientes – artº 78, 79 . RGICSF.
I)- E nem o banco R., nem a testemunha, têm autoridade para afastar o sigilo.
J)- E o Tribunal nunca poderia admitir a junção dos documentos com o fundamento da descoberta da verdade, porque esse princípio restringe-se aos factos que integram a causa de pedir – contrato de depósito e transferências não autorizadas – e tais documentos destinam-se à prova de factos de movimentação da conta da G, que, manifestamente, excedeu a causa de pedir, dado que a infracção consumou-se com a saída do património.
K)- E os AA. impugnaram as assinaturas constantes dos documentos juntos imputáveis a RM e os bancos RR., no prazo legal, que já decorreu, não requereram qualquer produção da prova daí a inutilidade da junção dos documentos admitida pelo douto despacho de que se recorre.
L)- O despacho recorrido viola o princípio da igualdade das partes .
O despacho recorrido viola - O artº 423º C.P.C.
                                             - O artº 78º e 79º do R.G.I.C.S.F.
                                             - O artº 373º , nº 3 C.C.  “
Os Apelados responderam às alegações de recurso dos apelantes alinhavando as seguintes Conclusões:
“1. O presente recurso vem interposto do despacho que admitiu na audiência final da acção instaurada por R de CSM e em cuja posição foram habilitados os ora Recorrentes após a morte daquele a junção de documentos que traduzem pedidos de emissão de cheques bancários efectuados pelo falecido junto do E no Funchal.
2. Os documentos, a cuja junção os Recorrentes se pretendem opor, provam fundamentalmente o seguinte facto: Rui …, nos anos de 2007 a 2010, efectuou pedidos de emissão de cheques a seu favor nos valores daqueles constantes, por débito na conta nº 45295369097, titulada pela G.
3. Os documentos aqui em causa foram admitidos pelo Tribunal a quo “ por poderem ter interesse para a descoberta da verdade. “
4.   E de facto têm-no, uma vez que são adequados a demonstrar a falsidade dos factos essenciais alegados pelo Autor – a falta de autorização para a transferência do seu património para uma conta do F, a ignorância quanto à sua qualidade de último beneficiário económico e procurador da sociedade offshore G. e sobretudo, o que para os Recorridos é o facto mais relevante da causa sub judice, a de que o mesmo Autor estava convencido de que o seu dinheiro estava a ser depositado a prazo.
5. Destinando-se os documentos a provar um facto instrumental não é aplicável à sua junção o disposto no artigo 423º do Código de processo Civil.
6. O douto despacho recorrido não violou os princípios da igualdade das partes, do contraditório ou do inquisitório, nem quaisquer normas legais. “ 
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O recurso foi admitido como de apelação, com subida em separado e com efeito meramente devolutivo.

Colhidos os vistos legais, cumpre, então, apreciar e decidir.
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II–OBJECTO DO RECURSO
Nos termos do disposto no artigo 635º , nº  4, conjugado com o artigo 639º, nº 1, ambos do C.P.C., o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões do recurso, salvo no que tange à indagação, interpretação e aplicação das normas jurídicas ao caso concreto e quando se trate de matérias de conhecimento oficioso que, no âmbito de recurso interposto pela parte vencida, possam ser decididas com base em elementos constantes do processo, pelo que a única questão a apreciar e decidir respeita a saber se:
 - Subsiste fundamento processual para a admissão dos documentos apresentados pelos Réus no decurso do depoimento da testemunha G...A... produzido na sessão de audiência final ocorrida no dia 07/06/2018.
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IIIFundamentação de Facto:
Além da matéria supra descrita no relatório afigura-se ainda de interesse a seguinte:
1- Na sessão de audiência final realizada no processo principal em 07/06/2018 e no decurso do depoimento da testemunha G...A... os Réus requereram para a acta o seguinte:
Nos termos do disposto no artigo 516º , nº 6 , do CPC , a testemunha para corroborar o seu depoimento pode apresentar documento durante a sua inquirição. Esta norma refere também que só são recebidos e juntos ao processo os documentos que a parte respectiva não pudesse ter oferecido.
Entende o Réu que, não obstante os documentos estarem na posse do F há vários anos, o certo é que estes documentos não foram oferecidos nos articulados porque os factos essenciais da defesa do Réu não respeitavam à relação entre o Autor A e o F, mas sim a uma alegada e ilícita transferência do património que ele tinha na sucursal financeira do exterior para Cayman e, portanto, quanto a toda a relação posterior não tinha o Réu de se defender sobre ela.
Na contestação , é verdade que o Réu alegou que o Autor fez transferências para Cayman em valores em cheques, mas tais factos eram instrumentais relativamente à defesa porque a defesa era e tinha que ser a de demonstrar ao Tribunal, em primeiro lugar, a autorização do autor para a transferência do património para a sociedade offshore e, depois, o conhecimento do autor dessa transferência e até a mudança de comportamento por via da crise e da dívida que tinha garantido perante Bank & Trust.
Quanto ao artigo 423º, nº 3, do CPC, que diz que os documentos têm que ser juntos nos articulados ou até 20 dias antes da audiência final e após esse limite só são apresentados documentos cuja apresentação não tenha sido possível, há que referir que, quanto a estes documentos, era possível apresenta-los mas parece, da conjugação das diversas normas do código, quase evidente que a partir da reforma se passou a entender que não há documentos e portanto aqueles factos que resultam da instrução serão apenas os resultantes do depoimento testemunhal.
O artigo 423º, nº 1, do CPC, diz que os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da acção ou da defesa devem ser apresentados com o articulado e depois no artigo 5º, que diz que, na acção, na petição inicial e na contestação, devem alegar os factos essenciais. Se temos que juntar os documentos que provam os factos alegados e estes só podem ser os factos essenciais que fundamentem a acção, os factos instrumentais não precisam de ser alegados nem precisam de ser logo apresentados documentos uma vez que nem faria sentido juntar tudo.
Assim e com este fundamento legal, requeiro a junção aos autos dos documentos “ 
2 Os Autores responderam ao requerimento nos seguintes termos:
Os bancos Réus usaram agora uma testemunha , G...A..., para juntar aos autos documentos que só podiam ser juntos nos 20 dias antes da data da audiência final, que é o dia de hoje, razão pela qual se opõem a essa junção por serem manifestamente intempestivos.
De qualquer modo, os Autores impugnam a letra e a assinatura desses documentos particulares e a exactidão da reprodução mecânica, dado que se trata de fotocópia, com a declaração que não sabem se a letra ou a assinatura desses documentos é verdadeira.
Os Autores impugnam ainda as assinaturas dos confirmantes por não saberem se as mesmas são verdadeiras e A, no ano de 2007, encontrava-se em situação de completa cegueira, do conhecimento dos funcionários dos bancos Réus.
Nos termos do artigo 373º, nº 3, do CPC, os documentos subscritos por pessoa que não saiba ou não possa ler, são válidos quando a subscrição for feita ou confirmada perante notário.
Os documentos agora juntos foram subscritos sem intervenção de notário, pelo que são ambos ineficazes em relação a A, pelo que pugnam pelo indeferimento da junção dos presentes autos. “
3 Na sequência do requerimento e resposta ao mesmo ora reproduzidos supra em 1 - e 2 - foi proferido o despacho recorrido que tem o seguinte teor:
No decurso de seu depoimento a testemunha G...A... fez alusão à existência de documentos subscritos pelo falecido A a solicitar a emissão de cheque a partir da conta titulada junto do BCP Caimão, documentos que estão em seu poder mas que, uma vez que depõe pelo sistema Skype, não pode apresentar, por si, em juízo.
A Ilustre Mandatária dos Réus deu conhecimento que esses documentos foram enviados para o BCP no dia de ontem, pretendendo fazê-los juntar aos autos para suportar a afirmação da testemunha.
Neste enquadramento e ao abrigo do disposto no artigo 516º do CPC, admito a junção aos autos dos aludidos documentos, o que sempre se admitiria por poderem ter interesse para a descoberta da verdade e atento o instituído no artigo 411º do CPC “.
4 Os documentos admitidos e juntos aos autos constam de fls. 3137 a 3140 do processo principal e encontram-se em fotocópia certificada neste apenso constituindo fls. 19 a 22-vº.
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IVFundamentação de Direito:
Apreciemos , então , a questão objecto do recurso:
Decorre do artigo 516º, nº 1, do C.P.C., que “ A testemunha depõe com precisão sobre a matéria dos temas de prova, indicando a razão da ciência e quaisquer circunstâncias que possam justificar o conhecimento; “
Por seu turno, estatui-se no nº 6 do referido artigo que “ A testemunha, antes de responder às perguntas que lhe sejam feitas, pode consultar o processo, exigir que lhe sejam mostrados determinados documentos que nele existam, ou apresentar documentos destinados a corroborar o seu depoimento; só são recebidos e juntos ao processo os documentos que a parte respectiva não pudesse ter oferecido. “
Refere Abilio Neto em anotação a este artigo 516º do C.P.C., acima reproduzido ( in “ Novo Código de Processo Civil Anotado  “, 2ª edição, revista e ampliada, Janeiro 2014, pág. 564 ) que, “ Quando o legislador disse que “ a testemunha depõe com precisão sobre a matéria dos temas da prova “ ( nº 1 ) é o mesmo que dizer que o depoimento deve incidir necessariamente sobre os “ factos essenciais que constituem a causa de pedir ( art. 552 , 1 - d ) ), ou em que se baseiam as excepções deduzidas ( art. 572º - c ) ), mas também pode/deve ser ouvida aos factos complementares ou concretizadores pertinentes, quer estes tenham ou não sido alegados nos respectivos articulados e ainda a quaisquer factos instrumentais, contanto que pertinentes, adoptando, tanto quanto possível, um discurso claro e conciso. “

Já no artigo 423º do mesmo C.P.C. prevê-se que:
“1- Os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da ação ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes.
2- Se não forem juntos com o articulado respectivo, os documentos podem ser apresentados até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, mas a parte é condenada em multa, exceto se provar que os não pôde oferecer com o articulado.
3- Após o limite temporal previsto no número anterior, só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior. “
Conforme resulta de anotação a este preceito legal constante do “ Código de Processo Civil Anotado, Vol I, Parte Geral e Processo de Declaração – artigos 1º a 702º “, de António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe de Sousa , ( Almedina , 2018 , págs. 499-500 ), “ O conceito de “ ocorrência posterior “ que legítima a entrada de documentos no processo não respeitará, por certo, a factos que constituam fundamento da acção ou da defesa ( factos essenciais . na letra do art. 5º ), pois tais factos já hão de ter sido alegados nos articulados oportunamente apresentados (…) . Tão pouco respeita a factos supervenientes, pois a alegação desses factos deve ser acompanhada dos respectivos documentos  (…). Portanto, no plano dos factos, a ocorrência posterior dirá somente respeito a factos instrumentais ou a facto relativo a pressupostos processuais ( neste sentido, Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, ob, cit. , p. 241 ). “.
Prevê ainda o artigo 411º do C.P.C., epigrafado “ princípio do inquisitório“ que “ Incumbe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto a factos de que lhe é lícito conhecer. “
A este propósito, em anotação ao artigo em apreço, refere-se no Código de Processo Civil Anotado acima referenciado da autoria de António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe de Sousa ( pág. 484 ), que “ O principio do dispositivo funciona de um modo geral no que concerne à alegação dos factos, mas concede-se ao juiz a faculdade e, simultaneamente, o dever de, tanto quanto possível, aferir a veracidade desses factos “, acrescentando-se ainda que (…) nas situações em que cada uma das partes tenha promovido as diligências probatórias ajustadas à situação litigiosa, cumprindo com diligência o ónus que lhe competia, nada impedirá o juiz de aceder, por sua iniciativa, a outros meios de prova ( v.g. documentos na posse de qualquer das partes ou de terceiros, perícia que o caso justifique ou inquirições adicionais que repute indispensáveis para a descoberta da verdade ) …”
Voltando aos factos e tendo presente o que supra acabou de se expor neste segmento alusivo à “ Fundamentação de Direito “ é de considerar prima facie que a questão sub judice não se enquadra juridicamente na previsão do artigo 423º , nºs 1 e 2 , do C.P.C.
Desde logo, porque a documentação apresentada pelos Réus e admitida nos autos, constante de fls. 3137 a 3140 do processo principal, cujas cópias certificadas se encontram a fls. 19 a 22-vº deste apenso, não visou fazer prova de factos que fundamentam a acção ou a defesa, enquanto factos constitutivos da causa de pedir da mesma, ou de excepções invocadas, mas sim de um facto instrumental decorrente da instrução da causa respeitante à defesa dos Réus, qual seja que o Autor originário na acção, entretanto falecido, A, efectuou entre os anos de 2007 a 2010 pedidos de emissão de cheques a seu favor nos valores referidos nos ditos cheques por débito da conta nº 4.........7 titulada pela firma G.
Por outro lado o requerimento para junção dos ditos documentos foi feito com vista a corroborar depoimento que se encontrava em curso na audiência final realizada em 07/06/2018 por uma testemunha arrolada pelos Réus , concretamente G...A....
Como tal, enquadra-se, a nosso ver, na previsão do artigo 516º, do C.P.C., mormente do seu nº 6, designadamente na parte que prevê “ ou apresentar documentos destinados a corroborar o seu depoimento; “.
Na verdade, como se infere da parte introdutória do despacho recorrido, apesar da testemunha em causa ter dito que estava na posse dos aludidos documentos a circunstância de estar a depor via skype inviabilizava-lhe a possibilidade de os apresentar pessoalmente e no acto da prestação do depoimento, tendo, como tal, providenciado pelo envio dos mesmos à Parte que a arrolou, a qual pode, assim, suprir aquele constrangimento resultante do depoimento prestado à distância apresentando-os paralelamente à prestação do depoimento, como resulta, aliás, da cópia da acta de audiência final devidamente certificada a fls. 23 a 26 deste apenso de recurso.
Estando em causa, recorde-se, um facto instrumental decorrente da própria instrução da causa e servindo os documentos para suportar parte do depoimento de uma testemunha dos Réus devemos aceitar que não impendia sobre estes a obrigação de oferecê-los em momento processual anterior, pelo que cremos não se mostrar desrespeitada a parte final do aludido nº 6 do artigo 516º do C.P.C..
Note-se que ainda que existam reticências a essa interpretação sempre poderemos recorrer à previsão constante da parte final do nº 3 do mencionado artigo 423º do C.P.C., que se afere, como já vimos, a factos instrumentais permitindo a admissão nos autos de documentos cuja apresentação “ se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior “, concretamente o depoimento em audiência final da testemunha G...A....     
E ainda que esta fundamentação não acolhesse sempre poderia no caso concreto apelar-se, como o fez no despacho recorrido a Mmª Juíza a quo, à previsão do artigo 411º do C.P.C,  com vista a aferir da veracidade do facto instrumental despoletado na discussão da causa atento o interesse para a descoberta da verdade, salientando-se, ainda e a talhe de foice, que a documentação em análise foi efectivamente referenciada em sede de motivação na sentença entretanto proferida no processo principal, como se pode constatar de fls. 303 deste apenso na menção que se faz aos “ documentos juntos a fls. 3137 a 3140 p.p. “.
Impõe-se ainda deixar claro que o facto dos Autores terem impugnado em toda a linha os documentos em causa não constitui por si só razão para não serem admitidos nos autos, (como foram), por inutilidade, pois tal impugnação não condiciona e menos ainda cerceia essa admissibilidade.
Quanto ao alegado sigilo bancário apenas pode ser avaliado e apreciado se devida e oportunamente for suscitado antes da produção de meio de prova que possa violá-lo e por quem tem legitimidade para tal , nos termos do disposto designadamente no artigo 417º , nº 3 , c ) e nº 4 , do C.P.C. , o que não sucedeu.   
Tão pouco se percepciona que a admissibilidade dos ditos documentos nos autos tenha beliscado com o principio da igualdade das partes previsto no artigo 4º do C.P.C..
Destarte é nosso entendimento que não assiste razão aos Apelantes.                   
***

VDecisão:
Termos em que, face ao exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente o recurso de apelação interposto pelos Apelantes e consequentemente:
A - Confirmar a decisão recorrida.
B - Fixar as custas a cargo dos Apelantes.
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Notifique e registe.
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LISBOA , 06 de Dezembro de 2018

  

José António Moita
A. Ferreira de Almeida
Maria Alexandrina Branquinho