Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
717/19.6T9LRS.L1-3
Relator: ADELINA BARRADAS DE OLIVEIRA
Descritores: PROCURAÇÃO
ENVIO ELETRÓNICO
ORIGINAIS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/22/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: Não dispensa a apresentação do original  da procuração o envio por via eletrónica de requerimentos e  documentos necessários à  constituição de assistente  e abertura de instrução ainda que nos autos exista uma cópia simples da procuração.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acórdão proferido na 3ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa

Nos presentes autos veio o arguido E_____recorrer do despacho que indeferiu a sua constituição como assistente e consequentemente o requerimento de abertura de instrução.
Apresentou para tanto as seguintes conclusões:
I. As peças processuais sub judicie foram remetidas a juízo via transmissão eletrónica de dados.
II. O regime aplicável à remessa de atos processuais a juízo é o constante da Portaria 642/2004, de 16 de junho que, por sua vez, remete para o disposto no artigo 150 ° do Código de Processo Civil, na redação que lhe foi dada pelo L n° 303/2007, de 24 de Agosto.
III. Nos termos do supramencionado artigo, as peças processuais são remetidas, preferencialmente, via transmissão eletrónica de dados (n.° 1), ficando a parte dispensada de remeter o respetivo original (n.° 3 e n.0 7)
IV. O correio eletrónico com aposição de marca do dia eletrónica é um meio legalmente admissível para a remessa de requerimento de abertura de instrução e de outras peças processuais, em fase anterior à do saneamento do processo.
V. Tendo as peças processuais e documentos correspondentes sido remetidos via transmissão eletrónica de dados, in casu, via carreio eletrónico com marca do dia eletrónica, a queixosa estaria dispensada da apresentação do seu original, inclusive da procuração.
VI. Com efeito, carece de fundamento legal a decisão do Tribunal a quo que decidiu que indeferir o requerimento de constituição de assistente, por irregularidade do patrocínio e, consequentemente, indeferiu o requerimento de abertura de instrução.
VII. Atento tudo quanto supra exposto deverá ser revogada a decisão prolatada, proferindo-se acórdão que admita o requerimento de constituição como assistente e bem assim o requerimento de abertura de instrução apresentado pela queixosa.
Nestes termos e nos mais de Direito deve ser dado provimento ao presente recurso nos termos preditos e, em consequência, revogado o despacho recorrido, fazendo-se assim,
A tão costumada,
JUSTIÇA
Pronunciou-se o MP em 1ª Instância
O requerimento no âmbito do qual foi requerida a constituição da recorrente como assistente e, bem assim, a abertura da instrução, foi remetido por via de transmissão electrónica de dados, com o mesmo se tendo junto os correspondentes DUC (cfr.fls. 52 e ss.).
Remetidos os autos ao Juízo de Instrução Criminal, a Mma JIC proferiu o despacho constante de fls.68, nos termos do qual, constatando que não fora junto o original da procuração forense de fls.10, determinou a notificação do I. Advogado para, em prazo de 10 (dez) dias, juntar o original da procuração forense, sob pena de não se aferir da regularidade do mandato forense e se indeferir o requerimento de constituição como assistente.
Expedida tal notificação a 2.07.2019 (v.fis.69), em 11.09.2019 veio a ser proferido o despacho sob recurso.
Resulta dos autos que a procuração de fls.10, cópia simples, foi junta aos autos com o original da queixa crime que iniciou o presente processo, a qual foi apresentada em suporte de papel no Ministério Publico, DIAP de Lisboa Norte, onde teve entrada a 17.04.2019 (cfr.fls. 2 e ss.).
Por isso que se entenda, e salvo o devido respeito, que no que concerne ao documento reportado ao mandato forense não cabe apelar a aplicação de normativos que regem em matéria de remessa a juízo de peças e documentos por correio eletrónico, pois que tal documento não foi por tal via remetido aos presentes autos.
Ademais, e conferindo-se nos autos que oficiosamente a Mma JIC cuidou de suscitar e de conceder prazo de molde a ser suprida a falta detetada, entende-se que o subsequente despacho não merece censura e deve ser mantido.
Vossas Excelências, porém, decidindo farão
JUSTIÇA!
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O despacho recorrido contém no seu essencial com interesse para decidir o recurso:
Constatando-se que não foi junto original, na sequência do despacho de 1 de Julho, cotado a fls. 68, não se pode considerara que a lesada se encontra devidamente patrocinada em juízo.
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Assim, uma vez que E_____não se encontra patrocinada por I. mandatário   art. 70.°, n.°1 do Código de Processo Penal, a contrario sensu, indefiro a sua constituição como assistente.
Por outro lado, não tendo sido admitida a sua constituição como assistente, carece, por essa, de legitimidade para requerer a abertura de instrução (cfr. Artº 287°, n.°1, alínea b), a contrario sensu, do Código de Processo Penal).
Em face do exposto, indefere-se o requerimento de abertura de instrução (igualmente mera cópia) de fls. 53 e ss..
Notifique com cópia. Oportunamente, arquive.
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O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente.
 Só estas o tribunal ad quem deve apreciar artºs 403º e 412º nº 1 CPP[1] sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso - artº 410º nº 2 CPP.
***
Cumpre decidir:
Pretende a recorrente que lhe seja admitido o requerimento de constituição de assistente e o de abertura de instrução alegando que os enviou por correio eletrónico as peças processuais que eram necessárias.
 Na verdade, as peças processuais em causa foram remetidas a juízo via transmissão eletrónica de dados assim como os respetivos DUCs à exceção da procuração obrigatória para a constituição de assistente.
Pretende a recorrente que se aplica  a portaria 642/2004 de 16 de Junho  e que o disposto na Portaria 280/2013, de 26 de Agosto e bem assim o disposto no artigo 144.° do Código de Processo Penal, aplica-se, apenas aos processos penais que se encontrem em fase posterior à mencionada, cfr. estatui o artigo l.° n.° 2 deste diploma legal.
 Concordaríamos com a recorrente se a Procuração em falta tivesse sido enviada, ela também, por via eletrónica.
 Na verdade somos de entendimento de que a  remessa de peças processuais via transmissão eletrónica de dados em processos penais que se encontrem em fase anterior à do saneamento do processo, é regulada pela Portaria 642/2004, de 16 de junho que não se encontra revogada uma vez que o artigo 37.º da portaria 280/2013 resulta que são revogadas as Portarias nºs 114/2008, de 6 de fevereiro, e 1097/2006, de 13 de outubro. Não revoga a 642/2004.
A mencionada Portaria remete, por sua vez, para o disposto no artigo 150 ° do Código de Processo Civil na redação que lhe foi conferida       pelo DL n° 303/2007, de 24 de Agosto, pelo que o mencionado normativo, encontra aqui, igualmente, campo de vigência.
O supramencionado artigo 150.° do CPC na mencionada redação estatui que: " 1 - Os actos processuais que devam ser praticados por escrito pelas partes são apresentados a juízo preferencialmente por transmissão electrónica de dados, nos termos definidos na portaria prevista no n.°l do artigo 138.°-A, valendo como data da prática do acto processual a da respectiva expedição". [2]
Relativamente a questão objeto do recurso, entende o MP ainda que   no que concerne ao documento reportado ao mandato forense não cabe apelar a aplicação de normativos que regem em matéria de remessa a juízo de peças e documentos por correio eletrónico, pois que tal documento não foi por tal via remetido aos presentes autos.
E diz mais o MP,  diz que resulta dos autos que a procuração de fls.10, cópia simples, foi junta aos autos com o original da queixa crime que iniciou o presente processo, a qual foi apresentada em suporte de papel no Ministério Publico, DIAP de Lisboa Norte, onde teve entrada a 17.04.2019 (cfr.fls. 2 e ss.).
 E tem razão, acrescendo a esta situação o facto de a recorrente, nem ter junto original da mesma quando lhe foi ordenado e dado o prazo para tanto, nem ter enviado a mesma eletronicamente.
Concordamos que face ao uso constante do Citius e à validade de actos jurisdicionais nele praticados a utilização do correio eletrónico para apresentação a juízo de actos processuais escritos tem de considerar-se válida. A Portaria n.º 642/2004, de 16 de Junho, deve ter-se por aplicável ao processo penal, por não revogada nesta parte, e, por tal, ser possível, neste âmbito, de apresentação a juízo dos actos processuais enviados através de correio electrónico.
 Repare-se que a fase de inquérito findou com o despacho de arquivamento do MP pelo que estamos perante acto apresentado em juízo.
Repare-se que a Portaria 280/13 de 26 de Agosto não revoga a Portaria nº 642/2004, de 16 de Junho.
Acrescenta-se que a interpretação da lei tem de ter em conta o elemento literal o histórico o racional e o teleológico uma vez que interpretar a lei é atribuir-lhe um significado, determinar o seu sentido a fim de se entender a sua correta aplicação a um caso concreto.
A letra da lei tem duas funções: a negativa (ou de exclusão) e positiva (ou de selecção). A primeira afasta qualquer interpretação que não tenha uma base de apoio na lei (teoria da alusão); a segunda privilegia, sucessivamente, de entre os vários significados possíveis, o técnico-jurídico, o especial e o fixado pelo uso geral da linguagem.
Mas além do elemento literal, o intérprete tem de se socorrer algumas vezes dos elementos lógicos com os quais se tenta determinar o espírito da lei, a sua racionalidade ou a sua lógica.
Não podemos esquecer todos estes elementos e o elemento sistemático que indica que as leis se interpretam umas pelas outras porque a ordem jurídica forma um sistema e a norma deve ser tomada como parte de um todo, parte do sistema;
A interpretação feita pelo recorrente não é a correta nem está de acordo com as normas vigentes. Não  é o facto do recorrente enviar os requerimentos e taxas de justiça via  eletrónica que o dispensa de enviar o original da procuração conforme ordenado.
 O que o poderia dispensar disso era o envio também da procuração por via eletrónica.
 E repare-se que dos autos, quer físicos quer eletrónicos não consta nenhuma Procuração   válida porque, a que foi junta em papel é uma mera cópia e via eletrónica não foi enviada nenhuma.
Não estamos a violar «princípios constitucionais plasmados no artigo 13.º (princípio da igualdade) e artigo 20.º CRP.
O que acontece é que a correta leitura das normas que se aplicam nestas situações deve ser a de que , “os documentos , incluindo a procuração, apresentada por transmissão eletrónica de dados, dispensa a parte de remeter o seu original - art. 4º, n.º 1, da Portaria n.º 280/2013, de 26/08 - ,  que não revogou a anterior portaria e que deve ser tida em conta no processo penal não criando desigualdades de aplicação da lei.[3]
O que sucede nos presentes autos é que dispomos apenas de uma cópia de procuração apresentada em mão no MP, não havendo qualquer original em papel ou qualquer procuração enviada eletronicamente pelo que não estando nos autos, não está no Mundo.
Ou seja, de acordo com o estatuído no art.º 150.º, n.º 3, do Cód. Proc. Civ., na redação que lhe foi conferida pelo DL n.º 303/2007, de 24 de Agosto, a parte que pratique o acto processual nos termos do n.º 1 deve apresentar por transmissão eletrónica de dados a peça processual e os documentos que a devam acompanhar, ficando dispensada de remeter os respetivos originais.
Assim sendo
Nega-se provimento ao recurso apresentado mantendo-se  despacho  recorrido nos seus precisos termos.
Custas pela recorrente, fixando a taxa de justiça em 3 Ucs. DN

Lisboa 22-01-2020
Adelina Barradas de Oliveira
Graça Santos Silva
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[1] Acs. do STJ de 16.11.95, de 31.01.96 e de 24.03.99, respectivamente, nos BMJ 451° - 279 e 453° - 338, e na Col Acs. do STJ, Ano VII, Tomo 1, pág. 247 o Ac do STJ de 3/2/99 (in BMJ nº 484, pág. 271); o Ac do STJ de 25/6/98 (in BMJ nº 478, pág. 242); o Ac do STJ de 13/5/98 (in BMJ nº 477, pág. 263); SIMAS SANTOS/LEAL HENRIQUES, in Recursos em Processo Penal, p. 48;
SILVA, GERMANO MARQUES DA 2ª edição, 2000 “Curso de Processo Penal”, vol. III, p. 335;
RODRIGUES, JOSÉ NARCISO DA CUNHA, (1988), p. 387 “Recursos”, Jornadas de Direito Processual Penal/O Novo Código de Processo Penal”, p. 387 DOS REIS, ALBERTO, Código de Processo Civil Anotado, vol. V, pp. 362-363. 


[2] Ac TRLX- Relator Desembargador Manuel Marques  de 30.10.18  Processo nº 391/13.3TBOER-B.L1-1
http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/ba41220a09b31d0d8025839f0036b944?OpenDocument
Ac. TER – Relator – Desembargador  José Proença da Costa de 26.11.2013 - Processo: 160/12.8TAPTM-A.E1
https://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ECLI:PT:TRE:2013:160.12.8TAPTM.A.E1


[3] Ac TRLX- Relator Desembargador Manuel Marques  de 30.10.18  Processo nº 391/13.3TBOER-B.L1-1
http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/ba41220a09b31d0d8025839f0036b944?OpenDocument