Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
451/08.2PVLSB.L1-5
Relator: PEDRO MARTINS
Descritores: ROUBO
SEQUESTRO
DETENÇÃO DE ARMA PROIBIDA
CONSUMAÇÃO
CRIME CONSUMADO
CRIME TENTADO
CONCURSO APARENTE DE INFRACÇÕES
CONCURSO REAL DE INFRACÇÕES
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/24/2009
Votação: MAIORIA COM * DEC VOT E * VOT VENC
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO PARCIAL
Sumário: I - O crime de roubo, tal como o de furto, consuma-se “quando a coisa entra, de uma maneira minimamente estável, no domínio de facto do agente da infracção, ou seja, quando este adquiriu um pleno e autónomo domínio sobre a coisa, sendo que este não é o instantâneo domínio de facto, já que exige um mínimo plausível de fruição das utilidades da coisa”. Ou, dito com a doutrina espanhola, consuma-se quando o agente passa a poder dispor da coisa (teoria da disponibilidade).
II - Pelo que não há consumação, por exemplo:
a) apesar de o ladrão já ter colocado as coisas num saco e estar a tentar sair da casa quando o dono entra;
b) antes da remoção da coisa para fora da identificada esfera de domínio do fruidor do espaço em que a coisa se encontra (quando ainda não saiu da loja, do estabelecimento, da agência bancária…);
c) quando o agente é surpreendido no momento em que subtrai coisa, sem existir possibilidade real de disposição;
d) quando é efectuada uma perseguição sem solução de continuidade e coroada de êxito pelo perseguidor;
e) enquanto a violência do roubo não cessa ou enquanto o agente não deixar de estar monitorizado pela polícia.
III – O crime de roubo é um crime complexo que pode integrar um sequestro (em unidade de lei, sem qualquer concurso de normas, coisa que não existe, já que se trata apenas de uma questão de interpretação de normas), pelo que só em circunstâncias excepcionais é que se deve concluir por um concurso de roubo e sequestro.
IV – Se houver sequestro de várias pessoas para além do detentor da coisa, para subtracção da mesma, a situação configura um crime de roubo (que integra um dos sequestros) em concurso efectivo com os outros sequestros.
V – O crime de detenção de arma proibida está em concurso efectivo com o crime de roubo qualificado pela detenção de arma (que pode não ser proibida nem ser objecto de detenção ilícita), mas fica a dúvida se não se deveria considerar que se verifica antes um concurso aparente do crime de roubo qualificado (pela detenção da arma) com o crime de detenção da arma proibida, com uma punição que devia ser encontrada na moldura penal do primeiro, na qual se consideraria o ilícito excedente em termos de medida da pena.
[Sumário elaborado pelo relator]
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes da 5ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa que constam abaixo assinados:

               W… N… foi condenado, por tribunal de júri, como co-autor [o outro co-autor faleceu aquando dos factos] de: um crime de roubo qualificado [art. 210/2b) e 204/2a) e f) do CP] na pena de 8 anos de prisão; dois crimes de sequestro (art. 158/1 do CP) na pena de 2 anos e 6 meses de prisão, por cada crime; quatro outros crimes de sequestro, na pena de 6 meses de prisão, por cada crime; um crime de detenção de arma proibida [arts. 86/1c) e 2/1t) da Lei nº 5/2006 de 23/2], na pena de 2 anos e 6 meses de prisão; em cúmulo, foi condenado na pena única de 11 anos de prisão. Foi ainda condenado na pena acessória de expulsão do território nacional por um período de 8 anos e nos pedidos cíveis formulados no processo.
               O arguido interpôs recurso desta decisão colectiva, requerendo a realização da audiência de julgamento e a renovação da prova (no que foi entendido como se estando antes a referir à reapreciação da prova, por decisão entretanto transitada em julgado).
               Impugnou um ponto concreto da matéria de facto (facto 47) e defendeu que a) o crime de roubo não tinha sido consumado, mas apenas tentado; b) os crimes de sequestro e de detenção de arma proibida estavam consumidos pela tentativa de furto; c) a pena do roubo devia ser reduzida para 5 anos e a pena única devia ficar entre os 5 e os 10 anos de prisão.
               O MºPº nas duas instâncias defendeu a improcedência do recurso. Mas o arguido tinha sido acusado por um crime de roubo na forma tentada, não consumada [a alteração da qualificação jurídica foi devidamente comunicada ao arguido pelo tribunal].
                                                                 *
               As questões a decidir são aquelas que resultam das conclusões do recurso sumariadas acima e outras que cumpra conhecer oficiosamente se tal se vier a revelar necessário.
                                                                  I
               Quanto ao facto 47 consta que: enquanto permaneceu no interior da agência bancária, o arguido repetidamente intimidou A e V passando a faca que tinha consigo junto dos olhos deles. O arguido quer que fique a constar: enquanto permaneceu no interior da agência bancária, o N repetidamente intimidou A e V passando a faca que tinha consigo nas proximidades dos mesmos.
               O que foi dito pelo arguido e pelos assistentes, quanto à faca e ao uso dela pelo arguido W… foi, no essencial, o seguinte:
O arguido
46:00 a 46:55
MºPº: … e a faca, não levava também uma faca?
Arguido: eles falaram que a faca fui eu que levava a faca, mas a faca estava dentro da mochila do N… e o N… transportava a faca.
MºPº: O Sr. nunca mostrou a faca?
Arguido: não Senhora.
MºPº: estava na sua mochila ou na mochila do Sr. N…?
Arguido: tinha só uma mochila e quem transportava a mochila era o N….
MºPº: portanto, o Sr. nunca teve a faca em seu poder?
Arguido: Oh Senhora, no momento eu não me lembro. Se tiver realmente, que eu peguei a faca em algum momento, não me recordo.
MºPº: o Sr. nunca disse, até mesmo à polícia, quando disseram que não iam haver um outro carro, que não vos iam dar um carro, não disse que ia degolar um dos ofendidos, um dos reféns, e atirava a cabeça para a rua?
Arguido. Oh Senhora, se eu falei isso, táva bem desesperado mesmo, que não me lembro que falei isso.
                                      Assistente A…:
11:46 a 12:55
Assistente A… […] é nessa altura que eu vejo a faca, é uma faca enorme, é uma faca muito grande, e é uma faca que eu não percebo porque é que está ali, porque se eles eram dois e estavam com armas, não percebo porque é que têm uma faca daquele tamanho […]
Juiz: quem é que tinha a faca?
Assistente A...: eu não me recordo quem é que tinha a faca, ambos os dois pegavam na faca, normalmente, portanto, quem é que trazia a faca eu não sei. É uma faca muito grande, efectivamente eles traziam a faca escondida porque quando entraram no balcão eu não vi, só vi as armas [de fogo], mas tanto um como outro manuseavam, manusearam a faca durante o resto do dia. A faca eu não, no cofre a primeira vez que eu lembro de ver a faca é no cofre e sinceramente eu não me recordo porque lembro-me que fixei a faca só, porque era, para mim, era despropositado, tudo aquilo era, mas a faca era uma coisa enorme, era muito grande.

19:21 a 20:07 e 56:11
Assist. A…: O W… está com a faca. Quando eu chego com as braçadeiras o W… está com a faca. Eles passavam várias vezes a faca pelo pescoço. Diziam: quando a gente matar um de vocês é com … cortar a cabeça para pôr ali na entrada. Portanto…
Juiz: eles estavam com a faca no pescoço de quem?
Assist. A…: tanto o N… como o W…. … portanto, quando eu chego com as braçadeiras…
Juiz: de quem?
Assist. A…: de mim e do V….
Juiz: passavam a faca como?
Assist. A…: assim, passam assim… se, quando matar, é assim
Juiz: com a lâmina
Assist. A…: com a lâmina…
Juiz: junto ao pescoço…
Assist: A…: sim, nunca cortavam
Juiz: fizeram isso várias vezes
Assis. A…: sim. Portanto, quando eu chego com as braçadeiras o W… está com a faca na mão. É com essa faca que ele corta a braçadeira do V……
1.02.50 a 1.03.24
Mandatário do B…E…S…: […] ainda é feito um gesto de, para cortar o pescoço ao V.., de cima para baixo… eu pergunto-lhe aqui, você é que estava a assistir, se aquilo era para, se entendeu que aquilo era uma questão séria, era mesmo, estavam mesmo determinados a matar alguém?
Assistente A…: sim, sim, é uma altura […] em que eu penso mesmo que eles vão matar… quando vejo a faca a vir de cima com velocidade…
1.26:58 a 1.27:15
Mandatário do arguido: […] a questão da faca, quem a protagonizou foi o N…?
Assistente A…: a faca, da tentativa, do pescoço, sim…
Mandatário do arguido: certo
Assistente A…: … apesar da faca andar pelo pescoço [imperceptível]  
Mandatário do arguido: já agora queria fazer-lhe outra perguntinha…

Assistente V…:
19:20 a 19:35
Assistente V…: …várias vezes diziam que me cortavam a cabeça, tinham que me cortar a cabeça, pôr a cabeça à porta da agência, para a polícia perceber que não estavam a brincar, podia ser que assim mais rapidamente trouxessem o carro que eles queriam para fugir…
25:35 a 26.27, 45 a 45:25 e 48:40
Assistente V… … eles diziam […] eu corto, cortamos a cabeça do, a sua cabeça, diziam eles para mim, corto a cabeça do V… e ponho lá fora para a polícia ver; chegou houve mesmo uma altura, passado algum tempo, houve mesmo um momento, estávamos os 4 e o individuo que morreu faz um gesto mesmo, eu só me recordo de me encolher, fazer mesmo um gesto, vejo a faca no alto da cabeça, nuca, junto ao pescoço, fazer um gesto como para me atingir…. eu encolhi-me na altura… e A… gritou na altura, não, não, não façam nada, eu arranjo mais dinheiro
                                      26:51 a 27:51
Juiz: …relativamente a essa faca, que o assaltante usou para o.. ia para o atingir, fez o gesto para  atingir…
Assistente V…: fez o gesto, e eu penso mesmo que ali houve qualquer coisa… para o facto… [parcialmente ininteligível] era mesmo a intenção…
Juiz: já tinha visto a faca naquela altura?
Assist. V…: Já, eu vi, nós vimos a faca pela primeira vez quando foi o arrombamento dos cofres dos clientes, aí é que eles tentaram usar, foi quando eu vi pela primeira vez a faca.
Juiz: e essa faca tinha vindo com eles ou…?
Assistente V…: a faca tinha vindo com eles, nós não temos facas daquele tamanho na agência, a faca tinha vindo com eles, não sei com quem, mas várias…mas eles, tanto um como outro usaram a faca e além,… houve vários momentos de tensão em que eles chegaram a apontar-me a faca assim ao pescoço, com o bico mesmo, quer um quer outro… portanto, ambos usaram a faca…
51:58 a 52:13
Mandatário do B…E…S…: se o W… alguma vez andou com a faca, a ameaçá-lo com a faca junto à cabeça,  junto ao pescoço…
Assistente V…: junto ao pescoço, a ameaça que normalmente eles faziam era junto ao pescoço…
Mandatário do B…E…S…: mas quem… pergunto se o W… também fez?
Assistente V…: o W… também fez, não sei precisar em que momento, mas também fez…
1.02.40 a 1.03:57
Mandatário do arguido: quantas vezes lhe fizeram um gesto com uma faca simulando que o iam matar, cortando-lhe o pescoço?
Assistente V…: quantas? Não sei precisar… a mais grave foi aquela em que é feito o movimento de cima para baixo, que fechei os olhos e não vi bem…
Mandatário do arguido: simulando exactamente que lhe iam cortar o pescoço…
Assistente V…: que me iam cortar o pescoço, sim…
Mandatário do arguido: consegue-se recordar quem lhe fez isso dos dois?
Assistente V…: essa aí, essa vez aí foi de facto o cliente do Sr. Dr…[imperceptível]
Mandatário do arguido: não tem dúvidas que foi o N…?
Assistente V…: exactamente, não tenho, mas, mas…
Mandatário do arguido: em relação a isso, o que é que o Sr. diz que o W… lhe fez, porque creio que o Sr. disse que realmente lhe foi apontada mesmo a faca, ao pescoço, pelo W…?
Assistente V…: várias vezes, apontada assim, no género, vamos--te cortar o pescoço, vais morrer…
Mandatário do arguido: portanto, o W… dizendo-lhe isso?
Assistente V…: exactamente, apontando assim à frente, nunca fez foi o gesto de…
Mandatário do arguido: olhe, mas chegou a ser picado pela faca?
Assistente V…: picado, picado… não saiu sangue
Mandatário do arguido: alguma vez o W… lhe encostou a faca?
Assistente V…o: encostar a faca, eles encostaram a faca.
Mandatário do arguido: ficou ferido?
Assistente V…: não, ferido, ferido, não.
Mandatário do arguido: não ficou com marca, com vinco, com nada de que se lembre?
Assistente V…: não.
                                                                 *
               Posto isto:
               Tendo em conta o tamanho da faca e a proximidade dos olhos em relação ao pescoço, a circunstância de o arguido ter passado a faca pelo pescoço dos assistentes várias vezes, não pode deixar de implicar que a faca tenha sido passada junto dos olhos dos assistentes. Ou, pelo menos, que isso tenha sido assim interpretado pelo tribunal de júri, para mais tendo em conta que os assistentes fizeram os gestos de como a faca lhes tinha sido passado pelo pescoço, gestos vistos pelo tribunal de júri mas não por este tribunal de recurso. Quanto ao arguido ele nada diz que ponha de facto em causa o que foi dito pelos assistentes, tanto mais que diz que já não se lembra…
               Não há, por isso, razões para alterar a redacção do facto 47.
                                                                 II
               Os factos que podem importar para a decisão das várias outras questões a resolver são os seguintes:
1. Em 7/8/08, pelas 14h55m, na sequência de plano acordado entre ambos, o arguido e N… dirigiram-se à agência do Banco …., sita na Rua M…, em Lisboa, fazendo-se transportar na viatura 68------, marca Volkswagen, modelo Polo, conduzida por N…. 
2. Ali chegados, N… estacionou a viatura nas proximidades da referida agência bancária, na Avenida M…, e para ali se dirigiu, acompanhado pelo arguido.
3. Na altura, o arguido e N…, transportavam consigo duas pistolas de calibre 8 mm, adaptadas ao calibre 6,35 mm, devidamente municiadas, e um faca de cozinha com uma lâmina de 20 cm de comprimento.
4. O arguido e N… entraram na mencionada agência bancária, onde se encontravam os funcionários A… A… e V… M…, respectivamente gerente e subgerente daquele balcão, e os clientes D… F… e P… F….
5. Uma vez no interior da agência bancária, o arguido e N… empunharam as pistolas que traziam consigo, as quais se encontravam em condições de disparar e apontaram-nas na direcção dos presentes dizendo: «Isto é um assalto! Mãos ao ar! Ninguém mexe em nada!».
6. Seguidamente, o arguido e o seu acompanhante ordenaram aos funcionários e clientes presentes no  local que se dirigissem para sala que serve de gabinete à gerente A… A…, ao que eles obedeceram. 
7. Na sala para onde entraram, o arguido e N…, fazendo uso de umas abraçadeiras plásticas que traziam consigo procederam à imobilização das mãos de V… M…, D… F… e P… R…. atrás das costas e ordenaram-lhes que permanecessem voltados para a parede o que eles fizeram.
8. O arguido e o seu acompanhante disseram ainda aos presentes: «Pensam que estamos aqui a brincar? Eu meto uma bala na cabeça de cada um de vocês».
9. De igual modo, o arguido e N…, utilizando uma das referidas abraçadeiras, imobilizaram as mãos de A… A… à frente do corpo e exigiram-lhe que lhes indicasse e abrisse o cofre da agência.
10. A… A… respondeu então ao arguido e ao acompanhante deste que só conseguiria abrir o cofre com o código do subgerente V… M…, tendo de imediato pedido a este que facultasse ao arguido e a N… a respectiva senha.
11. Entretanto, entrou naquela agência C… Q…, que foi de imediato abordada pelo arguido W…, que a conduziu para o gabinete onde se encontraram e igualmente lhe imobilizou as mãos atrás das costas, ordenando-lhe, como aos demais, que permanecesse voltada contra a parede.
12. Seguidamente, entrou na agência bancária a cliente M…  P…, a qual foi imediatamente abordada por N…, que igualmente a conduziu para o gabinete da gerente, onde o arguido lhe imobilizou as mãos atrás das costas.
13. Enquanto o arguido permanecia junto de V… M… e dos clientes aprisionados, vigiando-os, N… arrastou A… A… até ao cofre da agência, a fim de proceder à sua abertura.
14. Enquanto isso, entraram na agência bancária dois agentes da PSP, ali enviados na sequência do alerta dado por uma outra cliente do Banco, T… M….
15. Ao avistar esses agentes, o arguido […] apontou a pistola que tinha na mão contra V… M… e, com a mão livre, agarrou-o pelo pescoço, de costas para si, como de um escudo se tratasse.
16. Nesta posição, e mantendo a sua pistola apontada ao pescoço de V… M…, o arguido deslocou-se com este para a área de atendimento ao público, de forma a serem vistos pelos agentes policiais e gritou, dirigindo-se a estes: «se vocês se aproximarem eu mato-o».
17. Idêntico procedimento foi adoptado por N…, que viu chegada  dos agentes através do monitor do sistema de videovigilância, e, de pronto, arrastou A.. A…, mantendo-a junto de si e com a pistola encostada à cabeça, para a zona pública da agência.
18. Em face da posição assumida pelo arguido e pelo seu companheiro, os agentes V… G… e S… G…  saíram da agência, de  forma a não colocarem em perigo a vida de A.. A… e V… M….
19. Entretanto, o arguido, nervoso com a evolução da situação, conduziu V… M…, mantendo-o imobilizado pelo pescoço e com a pistola encostada à cabeça, para a zona de acesso ao cofre, onde já se encontravam N… e A… A….
20. Aproveitando a falta de vigilância e obedecendo ao sinal efectuado pelos agentes policiais, D… F…, P… F…, C… Q… e M… P… fugiram para o exterior da dependência bancária.
21. Enquanto permaneceram na sala do cofre, o arguido e N… obrigaram A… A… e V… M… a facultarem-lhes os respectivos códigos de abertura do cofre, que abriram, e do qual retiraram o dinheiro ali guardado, o qual, somado àquele que vieram a retirar da máquina ATM e da caixa dos depósitos em numerário, perfez a quantia monetária de 95.790 euros, que eles colocaram dentro de um saco.
22. Cerca das 16h20m, o arguido e o seu acompanhante, após terem reunido a referida quantia e de terem constatado a inviabilidade de fuga pelas traseiras da agência, estabeleceram contacto telefónico, por intermédio de A… A…, com a equipa policial que vigiava o edifício, tendo exigido, então uma viatura de alta cilindrada, com o respectivo depósito de combustível atestado.
23. Esta exigência foi reiterada cerca meia hora depois pelo arguido, utilizando o telefone de A… A…, tendo acrescentado que se a viatura não fosse disponibilizada dentro de 15 minutos V… M… seria morto.
24. Decorrido aquele prazo, o arguido voltou a contactar por telefone a equipa policial, fixando novo período temporal de 15 minutos para satisfação da sua exigência e reiterando a ameaça feita.
25. Pelas 18 horas, A… A… foi contactada por telefone pela equipa policial, tendo sido informada de que a viatura solicitada iria demorar mais tempo do que o previsto.
26. O arguido, que, entretanto, se apoderou do telefone a tempo de ouvir aquela informação, empunhou a pistola que mantinha na mão direita e efectuou um disparo no vazio, na direcção do corredor de acesso às casas de banho, enquanto gritava que teria de eliminar um dos funcionários aprisionados e exibir a respectiva cabeça para serem levados a sério e para que a fuga lhes fosse permitida.
27. Pese embora o clima de grande perturbação e nervosismo vivido no interior da agência bancária, as negociações entre a PSP e o arguido e o seu acompanhante foram reatadas.
28. Contudo, pelas 23h20m, perante a inviabilidade de qualquer acordo, o arguido e N… decidiram fugir da dependência bancária na viatura pertencente a V… M…, levando consigo A… A… e o proprietário do veículo, a primeira no interior do habitáculo e o segundo no compartimento das bagagens.
29. Em execução de tal decisão, o arguido e o seu acompanhante saíram das instalações da agência arrastando consigo os referidos funcionários.
30. Foi então que os agentes do Grupo de Operações Especiais da PSP intervieram, libertando A… A… e V… M…..
31. Como consequência directa e necessária dos factos anteriormente descritos, V… M… sofreu hemorragia subconjuntival no olho direito, devida a corpo metálico (chumbo), feridas e escoriações da face, braço e hemitórax direitos, e diversos graus de angústia, ansiedade, medo, exaustão psicológica e desespero, sintomas psicopatológicos consistentes com o diagnóstico de reacção vivencial de adaptação.
32. Por via das consequências descritas no ponto anterior, V… M… sofreu 13 dias de doença, todos com afectação da capacidade para trabalho.
33. Igualmente como consequência directa e necessária dos factos anteriormente descritos, A… A… sofreu diversos graus de angústia, ansiedade, medo, exaustão psicológica e desespero, sintomas psicopatológicos consistentes com o diagnóstico de reacção vivencial de adaptação.
34.  Ainda como consequência directa e necessária dos factos anteriormente descritos, C… Q… sofreu equimoses nos ombros e coxa direitos, mialgias, cervicodorsalgias e stress traumático, que lhe determinaram 7 dias de doença, sendo 4 com afectação da capacidade de trabalho geral e 7 com incapacidade para o trabalho profissional. 
35. A pistola utilizada pelo arguido era semi-automática, originalmente com o calibre nominal 8 mm e destinada a deflagrar munições de alarme e/ou gás lacrimogéneo e posteriormente adaptada a disparar munição com projéctil de calibre 6,35 mm Browning (.25 ACP ou .25 Auto na notação anglo-americana), sendo constituída por corpo e cano de uma pistola da marca Reck, modelo P6E ou P6S, com origem na Alemanha, e por uma corrediça proveniente de uma pistola da marca SM (Rhoner Sportwaffen), de modelo 110, com o nº 483991 gravado no seu lado esquerdo, igualmente com origem na Alemanha.
36. A referida pistola apresenta as inscrições originais de calibre e encontra-se munida com um carregador compatível com os encontrados em pistolas da marca Reck, modelo P6E ou P6S, de calibre nominal 8 mm, originalmente para munição sem projéctil, à excepção, eventualmente, da mesa do carregador.
37. Quando foi apreendida, a pistola utilizada pelo arguido continha no carregador uma munição de projéctil de calibre 6,35 mm Browning da marca Sellier & Bellot de origem checa e outra munição idêntica no interior da câmara.
38. A mesma pistola apresentava-se em condições de efectuar disparos, apresentando deficiências pontuais de extracção/ejecção da cápsula deflagrada da câmara da arma, após o disparo.
39.  O arguido actuou em conjugação de esforços com N…, mediante combinação entre ambos.   
40.  Ao agirem conjuntamente da forma descrita, o arguido e o seu acompanhante pretendiam fazer coisa sua as quantias monetárias a que deitaram a mão e que somavam o valor total de 95.790 euros.
41. Para o efeito, o arguido e N… exibiram aos funcionários bancários A… A… e V… M… as pistolas e faca que trouxeram consigo, de forma a fazê-los recear pelas suas vidas e assim levá-los a aceder às suas exigências, nomeadamente, no sentido de lhes ser conferido acesso ao cofre da agência e a outros lugares da dependência bancária, onde se encontrava.
42. O arguido e o seu acompanhante quiseram também privar da sua liberdade de movimentos os funcionários bancários A… A… e V… M…, bem como os clientes D… F…, P… R…, C… Q… e M…  P…, privação essa que, no caso dos dois primeiros se manteve até à intervenção dos agentes do GOE da PSP, que os libertou.
43. O arguido era conhecedor das características da pistola que utilizou e sabia que não estava autorizado, de qualquer forma, a ter consigo e fazer uso desse instrumento.               
44. O arguido actuou voluntária e conscientemente, sabendo que a sua descrita conduta lhe era proibida por lei.
45. O arguido é cidadão brasileiro, encontra-se em Portugal desde 12/5/07 e é detentor de uma licença de residência temporária neste país.
46. A assistente «B… E… S…, SA» suportou as despesas a seguir descriminadas com vista à reparação dos estragos causados nas instalações da agência da Rua M…, pela descrita conduta do arguido e de N…: estragos na parede, tecto e porta de entrada, mediante fractura do vidro amplo da entrada na agência, 3.405,79; estragos na porta de  entrada, 2.069,98 euros; estragos em tapetes, 422,10 euros; estragos no sistema de videovigilância, 4.833,48 euros; estragos no equipamento de segurança; limpeza do local, 424,48 euros; vigilância do local, na sequência dos estragos na porta e no vidro de entrada e no sistema de videovigilância, 3.600 euros.   
47. Enquanto permaneceu no interior da agência bancária, o arguido repetidamente intimidou A… A… e V… M… passando a faca que tinha consigo junto dos olhos deles.
48. Na primeira vez que estabeleceu contacto telefónico com a PSP, através de A… A…, o arguido declarou, dirigindo-se a ela e a V… M…,  que «daqui ou saímos com o dinheiro ou saímos com todos em quatro caixões». 
49. Depois das 18 horas e como tardasse a ser disponibilizada a viatura exigida pelo arguido, N… acercou-se de V… M…, que se mantinha manietado, e empunhou a faca, que ele e o arguido traziam consigo, e com ela fez um gesto como se fosse cravá-la no pescoço de V… M….
50. Quando saíram da agência bancária, N… manteve A… A… à sua frente, como se fosse um escudo, a fim de que, caso houvesse disparos, ela fosse a primeira a ser atingida, o mesmo tendo feito o arguido em relação a V… M….
51. Toda a descrita conduta do arguido e de N… provocou a A.. A… grande angústia, horror, medo, preocupação e receio de ser morta e de ser obrigada a assistir à morte do seu colega V… M….
52. O arguido e N… não permitiram que A… A… e V… M…  tivessem acesso à comida disponibilizada pela PSP e colocada no exterior da agência bancária.
53. Em consequência do tratamento que lhe foi infligido pelo arguido e por N…, A… A… tem tido dificuldade em dormir e  em manter o sossego normal na sua vida.   
54. Experimenta também dificuldade em concentrar-se no seu trabalho e esquece-se frequentemente de coisas que antes não esquecia, como sejam reuniões marcadas e outros compromissos.
55. A… A… não consegue fazer uma vida normal, pois sente receio de fazer coisas, que anteriormente não receava fazer, como seja andar na rua, entrar no banco, ver entrar no banco clientes sem pensar que sejam assaltantes.   
56. Toda a descrita conduta do arguido e de N… provocou a V… M… grande angústia, horror, medo, preocupação e receio de ser morto.
57. Em consequência do tratamento que lhe foi infligido pelo arguido e por N…, V… M… tem tido dificuldade em dormir e  em manter o sossego normal na sua vida.   
58. Experimenta também dificuldade em concentrar-se no seu trabalho e esquece-se frequentemente de coisas que antes não esquecia, como sejam reuniões marcadas e outros compromissos.
59. A… A… não consegue fazer uma vida normal, pois sente receio de fazer coisas, que anteriormente não receava fazer, como seja andar na rua, entrar no banco, ver entrar no banco clientes sem pensar que sejam assaltantes.   
60. O arguido não tem antecedentes criminais.
61. Encontra-se em Portugal desde 12/5/07.
62. É titular de uma autorização temporária de residência com validade de 18/6/08 a 18/6/09.
63. No Brasil, o arguido sempre trabalhou na indústria hoteleira.
64. Em Portugal, tem trabalhado na construção civil, em mudanças, como recepcionista (até 4/6/08) e como empregado de mesa, no Algarve.
65. Tem como habilitações literárias o 8º ano de escolaridade.
66. O arguido não apresenta défice mnésico e possui um nível cognitivo superior com boa compreensão dos costumes e das normas sociais.
67. Tem capacidade para compreender a ilicitude das suas condutas, assim como as competências necessárias a uma adequada valoração, positiva ou negativa, das suas condutas.
68.   O arguido tem capacidade de discernimento e não revela dificuldades que interfiram com o exercício da mesma.
69. Apresenta-se como um sujeito dependente da aprovação dos outros.
70. Mostra dificuldade na assunção das suas responsabilidades e tendência para a atribuição das culpas a outrem.
71. É uma pessoa egocêntrica, com pouca sensibilidade e revela indiferença perante as situações que podem afectar outrem.
72. Tem tendência para disfarçar a agressividade e para acumular ressentimentos
73. O seu estado de ânimo pode converter-se em hostilidade, quando se sente frustrado ou em situação adversa, podendo ser impulsivo, nesse contexto.
74. Estes traços de personalidade e o facto de não se perturbar com limites externos são susceptíveis de explicar a intolerância e a adopção de comportamentos violentos ou coercivos, nos quais, além do móbil externo, também se opera a satisfação dos impulsos agressivos e a necessidade de impor uma imagem de poder e domínio sobre outrem.
75. O arguido não denota sinais de patologia, depressiva ou outra. 
                                                                III
               Quanto à consumação do crime de roubo:
               José de Faria Costa, no Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo II, Coimbra Editora, 1999, escreve:
O elemento ‘ilegítima intenção de apropriação’ (elemento subjectivo do tipo de ilícito) exige um corpus e um animus, traduzindo-se a apropriação no autónomo poder material sobre a coisa, na possibilidade actual e imediata de dispor fisicamente da coisa (págs. 33/34).
O elemento subtracção traduz-se numa conduta que faz com que a coisa saia do domínio de facto do precedente detentor ou possuidor. O agente lança sobre a coisa um novo poder de facto. A subtracção é condição (pág. 43) da possibilidade de gozo e fruição das utilidades da coisa por parte do infractor. Não se esgota na contrectatio ou mesmo na aprehensio rei. Mas não exige a ablatio. Caracteriza-se pela finalidade prosseguida a qual consiste no fazer entrar no domínio de facto do agente as utilidades da coisa que estavam anteriormente no sujeito que a detinha (pág. 44).
A legítima defesa só pode operar se o crime ainda não se tiver consumado. Pelo que é de importância primordial definir os critérios normativos que nos serão capazes de ajudar a determinar o quando da consumação.
A doutrina no que se refere a este específico problema individualiza quatro momentos típicos para uma possível consumação: a contrectatio (o tocar a coisa de outrem); a amotio (a remoção do lugar no qual se encontra); a ablatio (a transferência para fora da esfera de domínio do sujeito passivo); e a illatio (a conservação em lugar seguro). A contrectatio é critério inoperatório porquanto nela nem sequer é pensável a subtracção e a illatio porque não contempla o caso do infractor que no próprio lugar do crime consome a coisa subtraída (pág. 48).
De sorte que a apreciação desta questão pode circunscrever-se à afirmação de que o furto se consuma quando a coisa entra, de uma maneira minimamente estável, no domínio de facto do agente da infracção. Isto é, para haver consumação formal (= perfeição, quando se encontram preenchidos todos os requisitos mínimos, ou seja, aquilo que seja necessário e suficiente para a existência do crimes – págs. 48/49) - momento a partir do qual já se não pode desencadear o direito de legítima defesa – não basta que o sujeito passivo se veja privado do domínio de facto sobre a coisa, é ainda imprescindível que o agente da infracção tenha adquirido um pleno e autónomo domínio sobre a coisa (em certo sentido ablatio) (pág. 49).
E não basta o instantâneo domínio de facto, sendo ao menos de exigir um mínimo plausível de fruição das utilidades da coisa (pág. 50). O instantâneo domínio de facto faria incorrectamente coincidir ou sobrepor subtracção com domínio de facto (o que traria consequências desastrosas sobretudo para a desistência da tentativa e para o arrependimento activo – a separação entre subtracção e domínio de facto é imprescindível para este efeito: pág. 52). Para além disso, uma compreensão que tenha em conta o sentir comum obriga a que se perceba que o domínio do facto exige, ao nível da consciência colectiva, representações que afastam o preciosismo da instantaneidade como elemento único e preponderante para classificarmos o real e efectivo domínio de facto. Na verdade, ninguém compreenderia que ao entrar em sua casa e ao ver um ladrão que tentava escapar pela porta traseira com um saco cheio de coisas furtadas, não pudesse exercer o direito de legítima defesa na medida em que o furto já estaria consumado, isto é, o ladrão já teria o instantâneo domínio de facto sobre a coisa. Nada de mais irreal e sem qualquer aderência à substância da vida e das coisas.
De sorte que se nos afigure irrecusável aceitar que tem de haver um mínimo [de lapso] de tempo que permita dizer que um efectivo domínio de facto sobre a coisa é levado a cabo pelo agente. No entanto, estamos longe de defender que o domínio de facto se tenha de operar em pleno sossego ou em estado de tranquilidade, como parece advogar alguma da nossa jurisprudência (BMJ 321/316). Somos também de opinião de que não há nem deve haver uma medida certa e exacta para o preenchimento daquele mínimo. As circunstâncias e, com igual peso, a natureza da coisa furtada serão os elementos mais capazes de nos orientarem neste campo. Assim, se A, em um supermercado, escondeu no bolso uma máquina fotográfica e andou a vaguear durante uma meia hora antes de passar as “caixas” e se é aí e nessa altura apanhado, é evidente que o crime de furto ainda não está consumado. E não o está, muito embora já tenha decorrido um lapso de tempo bastante dilatado, desde que o agente operou a subtracção e considerou a máquina fotográfica como (pág. 50) coisa sua. Em contrapartida, se A furta um objecto da loja X e o proprietário desta (B) só se apercebe do acto criminoso depois de A já estar na rua, ainda que só por breves instantes, é claro que o crime se consumou. A deverá ser punido por crime de furto consumado e B já não poderá exercer o direito de legítima defesa (pág. 51).
               Paulo Saragoça da Mata, no seu artigo sobre Subtracção de Coisa Móvel Alheia: os efeitos do admirável mundo novo num crime ‘clássico’, em Direito Penal, Parte Especial, Lições, estudos e casos, Coimbra Editora, 2007,
vai seguindo a lição de José de Faria Costa mas em relação ao que este diz sobre o elemento subtracção discorda [e é, nesta questão, a única coisa que ele discorda] que seja necessária a existência efectiva, e não meramente potencial, de domínio de facto por parte do pretérito fruidor (pág. 648). Por isso, seguindo autores italianos, diz que a subtracção se traduz na possibilidade de gozo e fruição das utilidades da coisa por parte do agente da infracção (pág. 649). Em abstracto pode considerar-se haver subtracção em quatro momentos distintos do processo ontológico em que se traduz o direccionamento das faculdades e do poder do agente da infracção relativamente à coisa de que tenciona apoderar-se. A saber: poderá entender-se que a subtracção ocorre no momento em que o agente do novo poder de facto toca a coisa móvel alheia – contrectatio; poderá antes exigir-se que o agente remova a coisa referida do lugar em que a mesma se encontrava – amotio; poderá exigir-se que o agente transfira a coisa para fora da esfera do domínio do pretérito fruidor – ablatio; ou, poderá mesmo considerar-se necessário que a coisa objecto da acção do agente seja conservada em lugar seguro, deixando de ser disputada – illatio (pág. 650). Depois afasta as teorias da contrectatio e da illatio e diz que a dualidade da amotio e da ablatio não é problemática, pois que na maioria dos casos a remoção da coisa do local em que se encontra é concomitante com a transferência da mesma para fora da esfera de domínio do fruidor anterior e nesses casos nenhum problema subsiste. E nos outros casos cumpre lançar mão dos dois conceitos e articulá-los. Pense-se, por exemplo, em todas as situações em que a remoção da coisa do lugar em que se encontra não a transfere para fora do domínio do seu fruidor – será o caso, quase homogeneamente, em que para se proceder à subtracção o agente entra num espaço que está, no respectivo conjunto, sujeito ao poder de domínio do fruidor da coisa e do ambiente envolvente (assim, v.g., os furtos praticados em espaços comerciais, genericamente em edifícios, etc. – pág. 653). Nessas situações, parece patente que a subtracção não acontece antes da remoção da coisa para fora da identificada esfera de domínio do fruidor do espaço em que a coisa se encontra (no exemplo referido do furto em espaços comerciais, ter-se-ia a remoção – ablatio – por verificada apenas no momento em que o agente ultrapassasse a linha extrema demarcada pelas “caixas” destinadas ao pagamento…). 
Em conclusão, de um ponto de vista geral poderá dizer-se que a subtracção se verifica, e o furto se consuma, quando a coisa entra no domínio de facto do agente da infracção, com tendencial estabilidade, isto é, não pelo facto de ela ter sido removida do respectivo lugar de origem, mas pelo facto de ter sido transferida para fora da esfera de domínio do seu fruidor pretérito. Aceitando-se isto, parece resultar inequívoco que a subtracção tende a confundir-se com o conceito que dela dá a teoria da ablatio, passando a ser a regra. Regra que admite excepções em certos casos, v.g. aquele em que uma determinada entourage do cenário criminoso ou as regras da experiência permitem concluir, com segurança, que o simples facto de remover a coisa constitui já o início da consumação da subtracção (pág. 654).
Em nota (58) acrescenta: atente-se que com o que vai dito não se olvida o perigo de haver quem entenda que aquele agente que remove do respectivo lugar o quadro ou a jóia, ou aquele indivíduo que tira a peça de arte do expositor em que se encontrava, num museu ou numa galeria, consumou integralmente a subtracção, e, assim, o furto. Com efeito, se assim se entendesse, a reacção dos guardas do museu ou da galeria, em princípio, não estaria justificada por legítima defesa, pelo simples facto de a agressão patrimonial já haver cessado quando a defesa era oposta. Não obstante, é nosso entendimento que a doutrina expendida não quadra à hipótese analisada. Ao invés de um supermercado ou loja, em que a remoção das coisas não é, por si, indício de nada – daí que seja necessário precisar o momento da consumação -, um museu, um banco, uma galeria, uma igreja, ou qualquer outro espaço em que as coisas estão dispostas em certo lugar de onde não devem sair, e por regra não são removidas, são espaços em que a própria remoção é início de uma execução que só termina aquando da ultrapassagem do limite exterior último imposto pelo respectivo titular. Ou seja, se o furto em supermercado pode ter o seu início detectável, e a sua consumação, no momento da passagem da linha das “caixas”, já nos demais espaços referidos a consumação do furto prolonga-se por todo o período e processo em que a coisa é removida e transportada até à ultrapassagem dos limites de segurança do espaço (págs. 654/655)
Depois faz a distinção entre o momento da entrada da coisa na esfera de domínio de facto do agente e o momento em que o novo domínio ganha um mínimo de estabilidade e depois subscreve, transcrevendo, as posições de Faria Costa quanto à questão do instantâneo domínio de facto, e a distinção entre subtracção e domínio de facto, incluindo o exemplo quanto à legítima defesa (pág. 655).
               Num trabalho sobre o furto no Código Penal e no Projecto, de 1981, publicado pela Athena Editora, Porto, Carlos Codeço, juiz de direito, lembra que a posição de Eduardo Correia era da exigência do pleno sossego (: “enquanto a coisa não está na mão do ladrão em pleno sossego não parece que possa dizer-se que haja consumação” – Direito Criminal II, pág. 44, nota 1, Livraria Almedina, reimpressão de 1971, nota que está inserida precisamente no estudo da legítima defesa, continuando Eduardo Correia:
Depois disso, porém, se o ladrão tem v.g. a coisa em sua casa ou se o dono o vê com ela na mão, não pode, por via da legítima defesa – outra coisa será porventura por via da autodefesa ou do exercício do direito de sequela que a lei reconheça – recuperá-la. É necessário, por outro lado, ter presente toda a teoria da permanência da consumação, que evidentemente permitirá sempre o exercício da legítima defesa”), posição que também Carlos Codeço segue (págs. 85/88).
               Utilizando termos parecidos, embora não concorde com a sugestão de se fazer coincidir a consumação com o término da agressão para a legítima defesa, veja-se Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, tomo I, 2ª edição, Agosto 2007, Coimbra Editora, págs. 413/414:
“Ex: G dispara e fere gravemente H, para evitar que este fuja com as coisas que acabou de subtrair. Poder-se-á considerar a agressão de H como ainda actual? A solução não deve ser prejudicada pela discussão e posição que se tome acerca do momento da consumação no crime de furto. O entendimento mais razoável é o de que está coberta pela legítima defesa a resposta necessária para recuperar a coisa subtraída se a reacção tiver lugar logo após o momento da subtracção, enquanto o ladrão não tiver logrado a posse pacífica da coisa”.
              Joan J. Queralt Jiménez, catedrático de direito penal da universidade de Barcelona, no seu Derecho penal español, Parte especial, 5ª edición, Atelier, 2008, pág. 383, ensina:
Consumación de los delitos contra el patrimonio, en especial contra la propiedad.
Aunque las líneas que siguen se estructuran, a la vista de la elaboración jurisprudencial y tradicional, en torno a los delitos de apoderamiento, salvo que se diga lo contrario, los argumentos aquí vertidos son aplicables al resto de delitos contra los patrimonios individuales.
La problemática que plantea la consumación en estas modalidades delictivas es la de determinar el momento en que nos hallamos ante un tipo consumado. Las construcciones han ido variando, desde conformarse con el mero contacto con la cosa por parte del sujeto activo (contectratio), hasta llegar a su opuesto, es decir, a la obtención del dominio efectivo sobre la cosa (illatio) (S 15-6-1971); confusamente, S 24-9-1986. Esta última alternativa ha de ser descartada de plano, ya que prácticamente, se asemeja a lo que dogmáticamente se denomina agotamiento del delito (S 18-2-1966), pues no otra cosa puede ser el que lo subs­traído o defraudado entre en el dominio efectivo del sujeto activo. Por su parte, la simple acción de poner la mano sobre el objeto parece sumamente mecánico y, en no pocos supuestos, apenas ofrecería dato efectivo alguno sobre si el hecho era, p. ej., un hurto, o una acción atípica.
Para salir de este atolladero, se ha desarrollado la denominada teoría de la disponibilidad (por todas, SS 4-6-1988, 10-5-2002, 19-9-2003, 17­2.2004); aunque alguna otra se contenta con que pase tiempo (S 28-2­2007), lo que no es una muestra de precisión conceptual. Se trata, en su inicio, de una respuesta jurisprudencial, hoy ampliamente dominante tam­bién entre la doctrina. Se habla, así, de centrar la consumación del delito contra la propiedad en el momento en que hipotéticamente el sujeto activo pudo haber dispuesto de la cosa; el empleo del sustantivo derivado del adjetivo verbal «disponible», que contiene un lexema que alude a que el objeto calificado «es susceptible de», es sumamente indicativo de esta cons­trucción.
Así es: una vez tomada la cosa, se da un momento en que el producto del delito es ya susceptible de poder de dominio por parte del sujeto activo. Tal es el caso cuando el ladrón lanza a una papelera el reloj que acaba de sustraer: esto ya constituye un acto de dominio y, por tanto, el delito se ha consumado; pero no lo puede consumar quien es detenido al instante de hacerse con la cosa (SS 24-4-2002, 17-2-2004). Esta construcción permite, además, distinguir los diver­sos tipos de incompleta ejecución (SS 15-6-1971, 11-4-1978, 19-9-2003): la ten­tativa inacabada vendría dada en el instante en que se echa mano de la cosa; la acabada, por contra, si, una vez apoderado el sujeto de la cosa es sorprendido, sin llegar a existir posibilidad real de disposición; en fin, el delito consumado se produciría cuando el autor haya podido disponer de la cosa. Por lo tanto, la per­secución efectuada sin solución de continuidad y coronada por el éxito del per­seguidor supone que el delito es sólo intentado (SS 11-4-1978, 15-10-1998, 8 e 19-3-2003.
              Francisco Muñoz Conde, catedrático de direito penal de universidade Pablo de Olavide de Sevilha, no seu Derecho Penal, Parte Especial, 16ª edición, pág. 376, Tirant lo Blanch, 2007, segue pelo mesmo caminho:
La vaga denominación usada por nuestro legislador para caracte­rizar la acción: «tomar», hace que sea a veces muy difícil precisar el momento consumativo del hurto. Se enfrentan sobre esto dos tesis ex­tremas: la de máximo rigor, que se satisface con la mera contrectatio: el tocar la cosa consuma ya el delito, y la opuesta, que requiere la illactio, el efectivo dominio sobre la cosa. Una tercera tesis intermedia requiere la disponibilidad de la cosa por el agente como requisito mínimo para decir que el delito se ha consumado. Esta última tesis es la más aceptada por nuestra jurisprudencia, sobre todo cuando se refiere a la persecu­ción del ladrón. La jurisprudencia dominante se inclina por castigar por hurto consumado si la persecución tiene lugar después de descubrir el hurto, es decir, cuando el agente pudo hipotéticamente disponer de lo sustraído, y como intentado cuando se inicia la persecución desde el momento del apoderamiento (STS 15 enero 1975). De acuerdo con esta teoría puede decirse que el no llegar a tocar la cosa, o el apoderamiento material sin disponibilidad, por sorprendimiento in fraganti o seguido de persecución ininterrumpida, constituyen tentativa; y la disponibili­dad, aunque momentánea, consumación. Para la consumación no se re­quiere en ningún momento que el sujeto activo legue efectivamente a lucrarse con la cosa hurtada.
              Mais precisamente quanto ao roubo diz (págs. 399/401): 
Pero en tanto el apoderamiento no se haya consumado, cabe que lo que simplemente era un hurto se transforme en robo con violencia, si se emplea ésta en cualquier momento de la fase ejecutiva previa a la consumación del apoderamiento. Por eso, en los casos de huida del carterista después de haber cometido un hurto, éste se puede convertir todavía en robo con violencia si el carterista hace uso de un arma matando a uno de sus perseguidores; e igualmente, si en un robo con escalamiento en casa habitada el dueño de la casa sorprende al ladrón y en el forcejeo éste dispara contra él, el hecho se transforma automáticamente en robo con violencia, pues el apoderamiento aún no se había consumado, entendiendo por tal la disponibilidad de la cosa mue­ble y no su simple apoderamiento. De ahí que el apartado 2 del art. 242 imponga la pena en su mitad superior cuando el delincuente hiciere uso de armas u otros medios peligrosos que llevare, «sea al cometer el delito o para proteger la huida y cuando el reo atacare a los que acudiesen en auxilio de la víctima o a los que le persiguieren», momentos en los que el delito de apoderamiento originario (hurto, robo con fuerza en las cosas) aún no se ha consumado. Se puede decir, por tanto, que para dar lugar a un robo con violencia o intimidación en las personas no es preciso que la violencia o intimidación se emplee en el momento de la sustracción, sino que basta con que esté presente (en la relación de medio a fin ya descrita) en cualquier momento previo a la consumación del delito o, como se dice en el Acuerdo del TS de 21 de enero de 2000, «cuando la violencia se ejerce durante el proceso de apoderamiento de los bienes sustraídos» (en el mismo sentido BRANDÁRIZ GARCÍA, p. 103, Y SÁNCHEZ-OSTIZ GUTIÉRREZ, en Varios, p. 113. En contra MUNOZ CLARES, p. 219, Y STS 23 marzo 1998, si bien refiriéndose al tipo básico y no al art. 242,2: forcejeo con un vigilante para huir llevándose las cosas previamente hurtadas).
[...]
Tentativa y consumación
Cabe la tentativa cuando el apoderamiento patrimonial no se ha con­sumado, aunque se haya empleado la violencia o intimidación y ésta haya dado lugar a un homicidio o a un delito de lesiones, que entrarán en concurso con el robo en grado de tentativa. La consumación del robo con violencia o intimidación requiere, pues, igual que en el hurto o robo con fuerza en las cosas, el apoderamiento de la cosa mueble ajena y su disponibilidad.
Um estudo da Universidad de Navarra, Derecho Penal III, Crimina 3.0 Departamento de Derecho Penal, sobre o Apoderamiento, mais antigo,e que não tem em conta a nova redacção dos artigos que refere, esclarece (http://www.unav.es/penal/crimina/T%F3picos%20html/apoderamiento.html):
Sobre la consumación de los delitos patrimoniales de apoderamiento se hace referencia en la doctrina tradicional a cuatro estadios que condicionan otros tantos momentos de consumación. Así, en concreto, se distinguen: a) la llamada contrectatio, o acción de entrar en contacto con el bien; b) la aprehensio, o toma del bien, en cuanto hacerse con él, prenderlo o asirlo; c) la llamada ablatio, o desplazamiento espacial, siquiera sea mínimo, del bien; y d) la illatio, o incorporación del bien al patrimonio del sustractor. Se trata de cuatro formas graduales de acción de un sujeto sobre el bien protegido, de manera que cada una de ellas incluye la anterior o anteriores (SSTS de 14 de noviembre de 2004; de 9 de marzo de 2001).
A partir de aquí, la doctrina y la jurisprudencia han de apreciar y decidir cuál de ellas permite afirmar la consumación de forma idónea y respetando la letra de los artículos 234 y 237. 2 de noviembre de 1992 Éstos mencionan "el que tomare las cosas muebles ajenas" y "los que ... se apoderaren", como verbos de las conductas típicas.
¿Cuándo han de entenderse consumados los delitos de hurto y robo? Se trata de una decisión práctica de la que depende en buena medida la vigencia de los delitos en cuestión. Dentro de los límites establecidos por la letra de la ley, es preciso proceder a una decisión valorativa sobre el momento consumativo que se estima adecuado. Caben, por tanto, diferencias según los sistemas jurídicos y épocas, pero también según cuáles sean las peculiaridades de los bienes objeto del delito en cada caso.
Así, la jurisprudencia española parte de la base de que los delitos de apoderamiento se consuman en el momento de la disponibilidad potencial por el agente sobre el bien (SSTS de 25 de septiembre de 1981; de 27 de abril de 1982; de 30 de enero de 1984; de 27 de octubre de 1995). Este criterio no coincide exactamente con ninguno de los cuatro estadios tradicionales. En efecto, la consumación se considera producida en un momento que se hallaría entre la ablatio y illatio, es decir, entre el desplazamiento y la obtención de una ventaja patrimonial. La opción por este criterio queda dentro de lo que los términos de la ley admiten.
El criterio seguido por la jurisprudencia española "retrasa" el momento consumativo, por lo que amplía la posibilidad de recurrir a la legítima defensa. A su vez, trae consigo que la disponibilidad potencial se aprecie en función de datos empíricos: si el agente sigue a la vista de los presentes o no, si ha tenido posibilidad de llevarse al menos parte del botín.
En Alemania, en cambio, la doctrina y la jurisprudencia mayoritarias entienden que la consumación de los delitos de apoderamiento tendría lugar con la instauración de una nueva posesión sobre el objeto del delito: cuando el autor toma la cosa (aprehensio) sin ser inquietado en su nueva posesión, de modo que el anterior tenedor de la posesión habría de emplear violencia frente a él para obtener la devolución. Dicho criterio en la práctica exige aprehensio seguida de la posibilidad de ablatio. Por otra parte, para concretar el criterio de la aprehensio, se acude en la jurisprudencia y parte de la doctrina a la "interpretación natural de la vida", "visión cotidiana de la vida" o "modo de ver social".
En los supuestos de persecución, el depredador perseguido no consigue la disponibilidad, ni el delito de apoderamiento llega a consumarse si la persecución fue ininterrumpida, sin haber sido perdidos de vista en ningún momento los autores del hecho fugitivos. En los supuestos de sustracciones en un local no se consigue la disponibilidad, ni se alcanza la consumación del delito o apoderamiento, mientras el autor no sale del local con las cosas sustraídas.
Si surgen o sobrevienen la violencia o la intimidación antes de conseguirse la disponibilidad sobre los objetos sustraídos y de alcanzarse la consumación del delito, la violencia y la intimidación se integran en el apoderamiento y transmutan el hurto o el robo con fuerza en robo violento. Así lo ha entendido el Pleno del TS de 21 de enero 1 de 2000, en el que se llegó al acuerdo mayoritario de que la violencia física producida o ejercida antes de la consumación delictiva, y como medio de conseguir el apoderamiento, integra el delito de robo violento".
                                                       III
      Do que antecede pode-se extrair que a doutrina portuguesa que se pronunciou substancialmente sobre a questão da consumação do furto (Faria Costa e Paulo Matta), parte da distinção entre subtracção e domínio de facto para concluir que o furto se consuma quando a coisa entra, de uma maneira minimamente estável, no domínio de facto do agente da infracção, ou seja, quando este adquiriu um pleno e autónomo domínio sobre a coisa, sendo que este não é o instantâneo domínio de facto, já que exige um mínimo plausível de fruição das utilidades da coisa. E, por isso, o ladrão que já colocou as coisas num saco e está a tentar sair pela porta traseira da casa, ainda não consumou o furto e o dono da casa pode exercer a legítima defesa contra ele quando entra na casa e o surpreende nesses preparos. O simples tocar na coisa e removê-la do lugar onde estava não é disponibilidade dela, não permite falar num mínimo plausível de fruição das utilidades da coisa, pelo que não há consumação. Mais, a subtracção não acontece antes da remoção da coisa para fora da identificada esfera de domínio do fruidor do espaço em que a coisa se encontra.
               É também esta a posição da doutrina espanhola – com a teoria da disponibilidade (que distingue da subtracção) - e, com base nos desenvolvimentos e concretizações que esta faz, pode-se acrescentar ao que antecede que também não se verifica a consumação do furto/roubo quando o agente é surpreendido no momento em que subtrai coisa, sem existir possibilidade real de disposição ou quando é efectuada uma perseguição sem solução de continuidade [ininterrompida] e coroada de êxito pelo perseguidor; já haverá consumação se a perseguição tiver lugar depois de descoberto o furto, isto é, quando o agente pôde hipoteticamente dispôr do subtraído (e, postas as coisas assim, quando se dá o exemplo do ladrão que depois da subtracção lança o relógio para o lixo – exemplo utilizado com adaptação na resposta ao recurso por parte do MºPº - está-se a pressupor que os actos de execução já foram todos praticados e que o agente já não se encontra na esfera de domínio do fruidor do espaço em que a coisa se encontrava, ou seja, uma situação distinta dos autos em que o arguido e o seu co-autor nunca deixaram de ameaçar os detentores anteriores e estiveram, mesmo desde antes da subtracção do dinheiro, sempre sob vigilância da polícia, tendo esta intervindo quando eles estavam a sair das instalações do banco, levando consigo, arrastados, os empregados do banco como escudos humanos).
               E que esta é a posição de José de Faria Costa (quanto à questão da perseguição imediata) pode ver-se deste modo: no acórdão do STJ de 25/10/2000 discutia-se se a perseguição desde logo e de imediato do arguido por vários populares que o conseguiram deter e recuperar a mala (que o arguido tinha retirado com um forte puxão à ofendida, pondo-se em fuga com a mesma) era uma tentativa de roubo ou um roubo. A maioria do colectivo do STJ decidiu que era roubo. Leonardo Dias disse que era tentativa: “concluiria que no momento em que estes factos [que ficaram em itálico] ocorreram os bens ainda não se encontravam de uma forma minimamente estável no domínio de facto do arguido”. José de Faria Costa, em anotação a tal acórdão, publicada (tal como o acórdão) na Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 134, Dezembro de 2001, nº. 3929, págs. 253/256, esclareceu, sob o título: “A instantaneidade, a consumação e o crime de furto: alguns equívocos”, que, na sua opinião, a razão está, por inteiro, na solução sustentada no exemplar voto de vencido.
               Isto posto, pode-se desde já concluir que o caso do roubo dos autos não ultrapassa o estádio da tentativa. E isso mesmo que com base apenas nos dois autores portugueses citados: o arguido e o seu co-autor nunca chegaram a estar no domínio de facto do dinheiro, nem sequer chegaram a sair da esfera de domínio do fruidor do espaço onde a coisa se encontrava [a polícia interveio quando eles saíram arrastando os empregados do banco como escudos…- factos 29 e 30 – e na fundamentação de direito do acórdão diz-se: “o arguido e N , depois de terem deitado a mão às referidas importâncias, não saíram imediatamente da agência, em virtude da presença no exterior de forças policiais, e, quando tentaram a fuga, fora de imediato interceptados”]. Eles tentaram entrar subtrair o dinheiro que estivesse no banco, mas não o conseguiram. Os factos enquadram-se, em termos normativos, na qualificação que o MºPº lhes tinha dado logo na acusação: tentativa de roubo.
               No entanto, veja-se ainda o seguinte:
                                                                IV
               Quanto à jurisprudência:
               O MºPº tem como base da sua resposta sobre a questão (agora que defende a consumação) o acórdão do STJ de 12/09/2007 (Raul Borges), publicado sob o nº. 07P2702.
               Este acórdão diz:
Não se colocando qualquer questão relativamente ao elemento violência física, há que indagar relativamente ao componente furto a sua integração na forma consumada, mais propriamente no que respeita ao elemento subtracção.
Hoje a doutrina dominante caracteriza a subtracção como a violação da posse exercida pelo lesado e a integração da coisa na esfera patrimonial do agente ou de terceira pessoa.

São várias e antigas as formulações e propostas a propósito da questão da consumação do crime de furto.
Fundamentalmente o que se discute é se é suficiente que a coisa seja retirada ou removida para fora da esfera do domínio do sujeito passivo, ou se é ainda necessário que decorra um mínimo de tempo que permita concluir ou dizer que um efectivo domínio de facto sobre aquela coisa é exercido ou levado a cabo pelo agente.
O que importa dilucidar é determinar em que momento se pode dizer que a coisa saiu da posse do seu dono ou legítimo detentor e entrou na posse ou esfera patrimonial do agente da infracção, em que momento do iter criminis ocorre a consumação.
A caracterização dessa transferência forçada da posse ou do domínio tem suscitado divergências, havendo quem defenda ter de haver um ingresso da coisa na posse do agente de forma já pacífica, em sossego e tranquilidade, exigindo-se um mínimo de estabilidade da coisa no domínio de facto do agente, para que se atinja a consumação.
Para outra corrente, o assento deve ser colocado na instantaneidade da amotio (remoção do lugar no qual o objecto se encontra) ou da ablatio (a transferência para fora da esfera do domínio do sujeito passivo).
De acordo com Faria Costa, in Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo II […]
Já no sentido de ser necessário o estabelecimento de um estado tranquilo, embora transitório, de detenção da coisa por parte do agente, Nelson Hungria, Comentários ao Código Penal, VII, 25.
A jurisprudência do STJ, como nos dá nota José António Barreiros, Crimes Contra o Património, p. 36, na esteira do entendimento de Eduardo Correia, começou por orientar-se (acórdão de 23 -11- 82, BMJ, 321, 316), no sentido de que a consumação exigiria a posse pacífica e sossegada pelo ladrão em relação ao objecto por ele furtado. Nesta corrente mais exigente, para se verificar a consumação, é preciso que o agente concretize a sua posse, ou seja, que para além do desapossamento da vítima, ocorra um consequente apossamento em benefício da pessoa do sujeito activo, o que se verificará com a entrada e integração da coisa furtada na sua esfera jurídico patrimonial, ainda que tal ocorra por um breve período de tempo.
A partir do acórdão de 21-07-87, BMJ 369,376, passou a inclinar-se para a segunda alternativa, entendendo que se consuma o furto quando o agente se consegue afastar da esfera de actividade patrimonial, de custódia ou de vigilância do dominus, ainda que perseguido venha a ser despojado.
Passa a entender-se que o que releva é a consumação formal ou jurídica, a qual não depende de o agente haver conseguido a sua meta, ou de estarem produzidos todos os efeitos materiais do crime, ou praticando todos os actos a ele posteriores e previstos pelo agente no seu plano, apenas se supondo, para que o furto seja concretizado, que se realizem todos os elementos constitutivos do crime, neste sentido se pronunciando o acórdão do STJ, de 13-01-1998, BMJ, 373, 279: «(1) O crime de furto realiza-se ou consuma-se quando o agente tira ou subtrai a coisa da posse do respectivo dono ou detentor, contra a vontade deste, e a coloca na sua própria posse, substituindo-se ao poder de facto sob o qual ela se encontrava. (2) Logo que a coisa subtraída passa da esfera do poder do seu detentor para a esfera do poder do agente, o crime tem-se por consumado, nesse momento se verificando o evento jurídico ou lesão do interesse tutelado (o crime de furto é instantâneo). (3) A consumação de que se trata é a consumação formal ou jurídica, a qual não depende do seu autor (agente) haver conseguido a sua meta, pois tão somente supõe que se realizem todos os elementos constitutivos do tipo. (4) Não é necessário à consumação do furto que o agente tenha o objecto furtado em pleno sossego ou em estado de tranquilidade, embora transitório».
Por outro lado, distingue-se entre o que releva ao nível do exaurimento do crime - isto é, do esgotamento do planeado pelo dolo do agente - daquilo que reveste eficácia quanto à consumação do crime, ocorrendo esta quando aquele ainda não foi atingido: consuma quando, tendo apenas subtraído, ainda não logrou apropriar-se da coisa, como queria.
Segundo o acórdão do STJ de 22-10-1998, processo 726/98, a colocação do produto do crime em pleno sossego ou em estado de tranquilidade, ainda que transitoriamente, diz respeito ao exaurimento do crime e não à sua consumação. No crime de furto a consumação formal ocorre no momento em que a coisa alheia entra na esfera patrimonial do arguido, ficando à sua disposição.
Com este entendimento podem citar-se os acórdãos do STJ de: 19-09-1990, BMJ 399, 254; - 26-09-1990, BMJ 399, 293; - 03-05-1991, BMJ 407, 126; - 14-04-1993, proc.43504; - 26-01-1995, CJSTJ1995, T1, p.190; - 29-01-1997, proc. 933/96; - 21-05-1997, proc. 437/97; - 22-05-1997, CJSTJ1997, T2, p. 224; - 12-02-1998, proc. 1272/97-3ª; - 01-04-1998, proc. 116/98-3ª; - 03-06-1998, proc. 455/98-3ª; - 22-10-1998, proc. 726/98-3ª, distinguindo entre exaurimento e consumação; - de 12-11-1998, proc. 747/98-3ª; - 24-03-1999, proc.94/99-3ª; - de 22-09-1999, proc. 46/99-3ª; - 12-01-2000, proc. 717/99; - 30-03 -2000, CJSTJ, 2000, T1, 243; - 25-10-2000, proc. 2544/00; - 16-01-2002, CJSTJ2002, T1, 170, inclinando-se para esta alternativa com algumas precisões; - 27-03-2003, CJSTJ2003, T1, 237; - 11-04-2007, proc. 642/07-3ª.
Versando situações em que o agente é surpreendido ou perseguido de imediato por agentes de autoridade, acórdãos do STJ de 05-07-1989, BMJ 389, 298; - 21-03-1990, BMJ 395, 294 e CJ1990, T2, 15; - 06-04-1994, proc. 45165; - 16-11-1995, proc. 48530, e de 03-06-1998, proc. 455/98.
Abordando especificamente casos de roubo, acórdãos de 22-01-1997, proc. 920/96; - de 24-03-1999, CJSTJ1999, T1, 244; e de 29-03-2001, proc. 110/01-5ª.
Em sentido diverso, inserindo-se na posição mais exigente, acórdãos do STJ de 21-11-1990, BMJ 401, 234 e CJ1990, T5, p. 8; de 01-07-1993, proc. 45258; de 01-03-2000, CJSTJ2000, T1, p.212, e de 06-06-2001, proc. 1073/01-3ª.
Volvendo ao caso concreto.
Resulta do acervo factológico apurado que os arguidos em 9/9/2006, cerca das 9h30, dirigiram-se à Ourivesaria ..., em Lagos, com o intuito de retirarem os objectos em ouro que sabiam ali existir. No interior do estabelecimento, confrontados com a presença do dono, agrediram-no de tal forma que este ficou inanimado.
De imediato retiraram, para além de 5 expositores, um manancial de objectos em ouro, como colares, fios, pulseiras, gargantilhas, escravas, alianças, anéis, brincos, berloques, aros de libra, alfinetes, medalhas, cruzes e bolas em ouro, tudo no valor global de 103.193.86 €
Na posse de tais bens saíram da ourivesaria, sem qualquer impedimento, levando consigo aqueles bens com o objectivo de os dividirem entre si.
Já no exterior do estabelecimento são perseguidos por agentes policiais, acabando por lançar para o chão a mochila contendo todos aqueles objectos que são recuperados e entregues ao respectivo proprietário.

O reingresso dos bens no património do dominus opera-se na sequência de uma recuperação feita por terceiros, após abandono, forçado pelas circunstâncias, por parte de quem tinha então a sua real e efectiva detenção e não por virtude de uma devolução querida ou desejada pelos detentores.
Não obstante esta recuperação que se ficou a dever tão só a perseguição policial, o crime consumou-se com a violação exercida pelos arguidos sobre quem detinha o poder de facto sobre os bens e com a substituição desse poder pelo dos arguidos, o que foi conseguido à força, e de tal forma e com tal intensidade, que o dominus ficou sem qualquer hipótese de contrariar essa pretensão.
Conclui-se assim ter decidido correctamente o acórdão recorrido ao afirmar consumado o roubo.
               Tendo em conta que, ao contrário do caso dos autos, os arguidos do caso deste acórdão do STJ já tinham saído do estabelecimento e estavam a ser perseguidos pela polícia, pode-se dizer que o acórdão em causa ajuda à conclusão a que acima se chegou, da não consumação do crime de roubo no caso dos autos, pois que no caso dos nossos autos o arguido e o seu co-autor estavam a sair do banco, levando arrastados os empregados do banco e a servir-se deles como escudo, quando a polícia interveio - verdade seja, entretanto, que o acórdão do STJ parece ser indiferente à questão do início da perseguição (note-se, porém, a referência que ele faz a outros acórdãos que se referem a situações de perseguição imediata…, expressão que nele não é utilizada na descrição dos factos), o que, de qualquer modo não tem interesse no caso pois que neste não chegou a haver perseguição.
               No acórdão do STJ de 16/10/2008 (Arménio Sottomayor), publicado sob o nº. 08P221, precisou-se de saber, para efeitos da decisão quanto ao concurso do crime de roubo com o de sequestro, em que mo-mento se tinha consumado o crime de roubo e a esse propósito escreveu-se:
Para distinguir as situações em que o atentado à liberdade de locomoção integra um crime de roubo, daqueles outros em que é admissível a punição autónoma como crime de sequestro, importa reflectir acerca do momento em que se deve entender como consumado o crime de roubo, o que nos remete para o conceito de subtracção.
Cita então sobre a questão, quer José de Faria Costa quer Paulo Saragoça da Matta, e depois diz:
No roubo, sendo os bens alheios subtraídos pela violência, existindo, portanto, uma proximidade física entre o agente do crime e sua vítima, em que esta poderá, em qualquer momento do processo, ensaiar uma reacção à prática do crime para evitar a respectiva concretização, torna-se bem mais premente a exigência de estabilidade da coisa no domínio de facto do agente para que se tenha o crime por consumado.
Significa isto que, tendo ocorrido uma restrição à liberdade do ofendido até ao momento do desapossamento da coisa relativamente ao anterior fruidor, se deva admitir que tal restrição se prolongue para além do preciso momento físico em que a coisa passou da esfera do ofendido para a do agente do crime, por a apropriação por parte do agente só se considerar verificada quando exista alguma estabilidade no respectivo domínio do facto, o que não significa, como chegou a ser exigência jurisprudencial, que o domínio de facto tenha de se operar em pleno sossego.
[…]
Volvendo à situação dos autos, mostram estes que, depois de o ofendido ter sido conduzido para o interior do prédio, onde ficou desapossado do telemóvel e do dinheiro, o indivíduo não identificado que, em comunhão de esforços, interagia com o recorrente, ameaçou a vítima com a prática de um acto contra a integridade física, exibindo simultaneamente um caco de vidro, impondo-lhe que permanecesse no mesmo local, durante 5 minutos, enquanto os agentes do crime de afastavam.
A interpretação destes factos permite afirmar que esta actuação conjunta dos dois agentes teve como finalidade garantir estabilidade no respectivo domínio do facto, evitando qualquer perseguição por parte da vítima, ou por quem a pretendesse auxiliar, devendo, portanto, o seu comportamento ser considerado como pertencendo ainda ao desígnio do roubo.
               Assim, como se vê, este acórdão segue a posição dos autores portugueses já referidos e ajuda também à conclusão a que se chegou acima.
                                                        *
      A jurisprudência espanhola segue a posição que a respectiva doutrina acima referida sistematizou, como se pode ver nos seguintes acórdãos:
Na sentencia do Tribunal Supremo, Sala de lo Penal, 18/04/2002 (Id Cendoj: 28079120002002102361) diz-se:
Entiende el recurrente que la sentencia recurrida describe una acción violenta que no puede entenderse separada de la consumación de la sustracción sino que fue precisamente utilizada para conseguir el apoderamiento. Cita el Ministerio Fiscal la sentencia de 24 de enero de 2000, que distingue entre la violencia ejercida durante el proceso de apoderamiento, y la dirigida a lograr la fuga e impedir la detención cuando la consumación se había alcanzado, entendiendo que en el primer caso, la violencia califica el delito contra el patrimonio conformando el delito de robo violento, mientras que en el segundo caso se escinde el delito contra el patrimonio del ulterior delito derivado de la violencia ejercida. En la mencionada sentencia se indica que los delitos patrimoniales de apoderamiento no se consuman hasta que no se alcanza la potencial capacidad de disposición sobre los efectos sustraídos, por lo que la utilización de violencia antes de alcanzarse la disponibilidad, convertiría el delito de hurto o de robo con fuerza en las cosas, en delito de robo violento.
Trasladando al caso de autos la doctrina anterior, el Ministerio Público llega a la conclusión de que la sentencia infringió, por inaplicación, el art. 242.1º del CP, en cuanto que la agresión al conserje se realizó, cuando aún no se había alcanzado la disponibilidad del dinero sustraído, y para lograrla.
En el nuevo CP de 1995, desaparece la norma contenida en el art. 512 del anterior, que establecía la consumación de los delitos de robo violentos o intimidatorios cuando se produjera el resultado lesivo para la vida o la integridad física a las personas, aunque no se hubiesen perfeccionado los actos contra la propiedad propuestos por el culpable. La derogación de esta consumación ficticia permite que ahora se apliquen al robo con violencia e intimidación los criterios generales que rigen la consumación de los delitos contra la propiedad. La jurisprudencia de esta Sala, en sentencias de 8.2.94 y 1217/97 de 10.2000, ha distinguido los distintos momentos que cabe apreciar en el apoderamiento del robo o en el tomar las cosas ajenas del hurto: a) la "contrectatio", que supone el tocamiento o contacto con la cosa; b) la "aprehensio" o apoderamiento de la cosa; c) la "ablatio" que implica la separación de la cosa del lugar donde se halla; y d) la "illatio" , que significa el traslado de la cosa sustraída a un lugar que permita la disponibilidad sobre la misma; llegando la doctrina de este Tribunal a la conclusión de que los delitos de apoderamiento, y entre ellos, por tanto, los robos violentos, quedan consumados cuando se alcanza la disponibilidad de las cosas sustraídas, disponibilidad que puede ser momentánea o fugaz y basta que sea potencial (SS. de 25.9.81, 27.4.82, 30.1.84, 7.5 y 2.11.92, 196/94 de 8.2, 1077/95 de 27.10, 1217/97 de 10.10, 421/98 de 6.3, 1041/98 de 21.9, 1074/98 de 7.10, 441/99 de 25.3, 1552/99 de 30.12 y 349/2001 de 9.3.2001).
En los supuestos de persecución, el depredador perseguido no consigue la disponibilidad, si la persecución fue ininterrumpida, sin haber sido perdidos de vista en ningún momento los autores del hecho fugitivos, y si la persecución se culmina con el apresamiento de los depredadores y la recuperación de lo sustraído.
En los supuestos de sustracciones en un local o establecimiento ajeno no se consigue la disponibilidad, ni se alcanza la consumación del delito de apoderamiento, mientras el autor del mismo no sale del local con las cosas sustraídas y no supera los controles establecidos por el propietario del mismo.
Si surgen o sobrevienen la violencia o la intimidación antes de conseguirse la disponibilidad sobre los objetos sustraídos y de alcanzarse la consumación del delito de apoderamiento, la violencia y la intimidación se integran con el apoderamiento y transmutan el hurto o el robo con fuerza en robo violento. Así lo há entendido esta Sala en SS. de 7.4.81, 5.3.84, 8.12.86, 22.4.88, 21.10.91, 572/98 de 27.4, 725/98 de 19.5, 1041/98 de 16.9, 281/99 de 26.11, y 858/2000 de 22.5, y en el Pleno de 25 de enero de 2000 se llegó al acuerdo mayoritario de que la violencia física producida o ejercida antes de la consumación delicitiva, y como medio de conseguir el apoderamiento, integra el delito de robo violento.
Es aplicable al tema cuestionado en el recurso la doctrina de la sentencia de 24 de enero de 2000, citada en el apartado 1, en la que se distingue entre la violencia utilizada para conseguir la fuga y evitar la detención -que no modifica la naturaleza del delito de apoderamiento consumado con anterioridad- y la violencia empleada para conseguir el apoderamiento y la disponibilidad, que convierte el delito de hurto o de robo con fuerza en las cosas en delito de robo con violencia.
3.-Y partiendo de la doctrina expuesta en el precedente apartado 2, y ponderando los datos fácticos de la sentencia recurrida, se llega a la conclusión de que el recurso del Ministerio Fiscal, debe ser estimado, ya que la violencia desplegada por Eugenio en la ocasión de autos estaba dirigida a conseguir que el conserje soltara a la compañera no identificada de Eugenio, y a que ésta pudiera escapar del Hotel con el dinero de que se había apoderado, lo que efectivamente logró precisamente porque el conserje tuvo que soltarla, ante los golpes que le propinó el acusado con la pata rota de una mesa. Aunque se afirme en el relato de "hechos probados" que la mujer ya había hecho suyo el dinero aprehendido al ser agarrada por el conserje, no puede estimarse que en tal momento la mujer hubiese ya alcanzado la disponibilidad sobre lo sustraído, que no había conseguido todavía sacar del Hall del Hotel Cuatro Naciones.
Por tanto, la sustracción inicialmente constitutiva de hurto, se convirtió en robo con violencia, al haber intervenido Eugenio, cuando aún no se había consumado el apoderamiento, agrediendo de forma violenta al conserje, primero arrojándole una mesa, y después golpeándole con una pata de la misma.
La sentencia incurrió por tanto, en una indebida aplicación del art. 623.1º del CP., tipificadora de la falta de hurto, y en una indebida inaplicación de los arts. 237 y 242.1º del mismo Cuerpo Legal, tipificadores del delito de robo con violencia o intimidación.
Ou seja,  discutia-se  se  a  violência  exercida  por  um  dos  três  co--autores, sobre um porteiro, para permitir a fuga do local depois de um deles ter metido o dinheiro ao bolso, se tinha exercido antes ou depois da consumação. Se fosse antes ainda se estava perante um roubo. Se fosse depois, já se estava perante um crime de violência depois da apropriação. No caso, o Supremo Tribunal espanhol considera que ainda não tinha havido “apoderamento”, nem, por isso, consumação, pois que, embora um dos co-autores já tivesse metido o dinheiro ao bolso, ainda permanecia no local.  O recurso tinha sido interposto pelo MºPº em defesa do arguido. A violência tinha sido utilizada para conseguir a apropriação (no caso, o arguido é condenado pelo roubo, porque os outros 2 co-autores conseguiram fugir com o dinheiro). O Supremo Tribunal espanhol esclarece ainda o seguinte: nos casos em que há perseguição, o perseguido não consegue a disponibilidade [e por isso não há consumação do furto ou do roubo] se a perseguição não foi interrompida e o perseguido nunca foi perdido de vista, conseguindo-se com ela a recuperação dos bens. E nos casos de subtracções num local ou estabelecimento alheio não se consegue a disponibilidade [não há consumação] enquanto o autor não sai do local com as coisas subtraídas e não supera os controles estabelecidos pelo proprietário. E ainda que: apesar de se dar como provado que a mulher já tinha feito seu o dinheiro apoderado, ao ser agarrada pelo porteiro, não pode aceitar-se que nesse momento a mulher já tivesse alcançado a disponibilidade sobre o dinheiro subtraído que não tinha conseguido tirar do hall do hotel. E por isso dá provimento ao recurso interposto pelo MºPº em defesa do arguido.
                                                  *
No acórdão da Audiencia Provincial, 1ª secção, de 12/03/2009 (Id Cendoj: 28079370012009100183 - Nº de Recurso: 55/2009, Nº de Resolución: 120/2009) apelação da SENTENCIA: 00120/2009, Juicio Rápido Procedimiento Abreviado nº 553/2007 del Juzgado de lo Penal nº 9 de Madrid, diz-se
[…]
SEGUNDO.- Como segundo y tercer motivo se propone la infracción de Ley por aplicación indebida de los arts. 237, 238.2 y 240 CP . El relato de hechos probados establece que Bernardo, con ánimo de lucro, forzó el depósito de gasolina de un vehículo, causando daños, del que sustrajo un litro y tres cuartos de gasolina, sin disponer de esto al ser detenido por la policía nacional.
El Juez a quo califica los hechos como constitutivos de un delito de robo con fuerza en las cosas en grado de tentativa, y del relato no cabe otra calificación, aprecia en el autor un ánimo de lucro, esto es la intención de enriquecerse ilícitamente apropiándose de bienes ajenos, para lo que emplea la fuerza en las cosas, violentando el depósito de gasolina, cogiendo esta, lo que implica que está en contacto con los bienes aprehensibles, llega a causar daños en el vehículo para acceder a estos. Se dan todos los elementos del robo intentado.
Para el delito de robo consumado, la doctrina y la jurisprudencia han establecido una serie de fases, como señala la STS 18.04.02 : "La jurisprudencia de esta Sala, en sentencias de 8.2.94 y 1217/97 de 10.2000, ha distinguido los distintos momentos que cabe apreciar en el apoderamiento del robo o en el tomar las cosas ajenas del hurto: a) la "contrectatio", que supone el tocamiento o contacto con la cosa; b) la "aprehension" o apoderamiento de la cosa; c) la "ablatio" que implica la separación de la cosa del lugar donde se halla; y d) la "illatio", que significa el traslado de la cosa sustraída a un lugar que permita la disponibilidad sobre la misma; llegando la doctrina de este Tribunal a la conclusión de que los delitos de apoderamiento, y entre ellos, por tanto, los robos violentos, quedan consumados cuando se alcanza la disponibilidad de las cosas sustraídas, disponibilidad que puede ser momentánea o fugaz y basta que sea potencial".
Para determinar que estamos ante una tentativa, la STS 4.06.2001, vino a establecer que "en el delito de robo, cuando de deslindar la figura plena o consumada y la semiplena o frustrada - ahora tentativa se trata -, se ha optado por la racional postura de la illatio, que centra la línea delimitadora o fronteriza no en la mera aprehensión de la cosa -contrectatio-, ni en el hecho de la separación de la posesión material del ofendido -ablatio-, sino en el de la disponibilidad de la cosa sustraída por el sujeto activo, siquiera sea potencialmente, sin que se precise la efectiva disposición del objeto material. Y ello en base a que el verbo "apoderar", requisito formal y núcleo o esencia de la definición ofrecida por el artículo 237, implica la apropiación de la cosa ajena, que pasa a estar fuera de la esfera del control y disposición de su legítimo titular, para entrar en otra en la que impera la iniciativa y autonomía decisoria del aprehensor, a expensas de la voluntad del agente. Precisándose por la doctrina legal, con fuerza aleccionadora y de síntesis, haberse alcanzado el momento consumativo cuando el infractor ha tenido la libre disponibilidad –facultad propia y característica del dominio que se trata de adquirir- de la cosa mueble, siquiera sea de modo momentáneo, fugaz o de breve duración".
               Neste caso, o arguido estava a retirar gasolina de um automóvel, sem dispôr dela ao ser surpreendido pela polícia. Diz-se que o grau de execução alcançado foi total, já que o arguido tinha realizado todos os actos que objectivamente deveriam produzir o resultado e se não o conseguiu foi devido a ter sido surpreendido quando fugia com os objectos subtraídos. O juiz da 1ª instância logo qualificou, bem, o caso como de tentativa de roubo [dada a violência contra as coisas]. O tribunal de recurso pondera que em Espanha vigora a tese da illatio [melhor diria que vigora a teoria da disponibilidade…] a mais rigorosa das quatro possíveis [não basta, por isso, a contrectatio, nem a aprehensio nem a ablatio], que significa a mudança da coisa subtraída para um lugar que permita a disponibilidade potencial da mesma.
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              Ou seja, quer segundo a doutrina espanhola quer segundo a jurisprudência espanhola, chegar-se-ia à mesma conclusão obtida acima: o arguido dos nossos autos ainda não tinha o domínio/disponibilidade do dinheiro subtraído, quer porque caso se tivesse conseguido pôr em fuga seria de imediato perseguido, nunca tendo sido perdido de vista até então, quer porque ainda não tinha superado os controlos estabelecidos.
                                                                 *
      No Brasil a questão da consumação do crime de furto tem-se posto em termos perfeitamente reconhecíveis e as soluções aí encontradas permitem algum esclarecimento.
      Assim:
      Leonardo Marcondes Machado, membro do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, expõe assim, em 20/08/2007, a questão sobre Quando e como se consuma um crime de furto (num artigo publicado na Revista Consultor Jurídico, http://www.conjur.com.br/2007-ago-20/quando_consuma_crime_furto#autores):
A determinação do momento consumativo dos crimes de furto e roubo é tema bastante polêmico e divergente tanto na jurisprudência quanto na doutrina. Vejamos.
Consoante nos lembra Mirabete (MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal. v. 2. 16 ed. São Paulo: Atlas, 2000, p. 222), várias foram as teorias criadas para explicar a caracterização da consumação no furto: a) a concretatio (basta tocar a coisa); b) a apprehensio rei (é suficiente segurá-la); c) a amotio (exigi-se a remoção do lugar); d) a ablatio (a coisa é colocada no local a que se destinava, em segurança).
A dogmática e jurisprudência contemporâneas, valendo-se, por vezes, de alguns desses conceitos teóricos clássicos, dividem-se basicamente em três posicionamentos quanto ao momento consumativo do furto, a saber:
1) mera subtração e aquisição da posse do objeto de furto enquanto decorrência da violência ou clandestinidade empreendida (ainda que por breve tempo) — dispensa posse tranqüila e saída do bem da esfera de vigilância da vítima;
2) subtração + retirada do bem da esfera de vigilância da vítima;
3) subtração da coisa + inversão da posse + posse tranqüila.
1ª Corrente. Prevalece no Supremo Tribunal Federal e conta com adeptos no Superior Tribunal de Justiça (longe de ser unânime) a tese segundo a qual a consumação do furto dar-se-ia pela simples aquisição, cessada a violência ou a clandestinidade, da posse material da coisa, ainda que por breve tempo, pouco importando se tranqüila a posse ou se houve a saída do bem da esfera de vigilância da vítima, podendo haver, inclusive, retomada da coisa em virtude de perseguição imediata (ainda, assim, haverá, nesta visão, crime consumado de furto ou roubo).
Veja acórdão do STJ com esse teor: “A orientação jurisprudencial é no sentido de que se considera consumado o crime de furto, assim como o de roubo, no momento em que, cessada a clandestinidade ou a violência, o agente se torna possuidor da res furtiva, ainda que por curto espaço de tempo, sendo desnecessário que o bem saia da esfera de vigilância da vítima, incluindo-se, portanto, as hipóteses em que é possível a retomada do bem por meio de perseguição imediata” (STJ – Quinta Turma – HC 42658/MG – Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima – j. em 14.06.2005 – DJ de 22.08.2005, p. 322).
Nesta linha apresenta-se histórico posicionamento do STF: “A jurisprudência do STF, desde o RE 102.490, 17.9.87, Moreira Alves, dispensa, para a consumação do furto ou do roubo, o critério da saída da coisa da chamada ‘esfera de vigilância da vítima’ e se contenta com a verificação de que, cessada a clandestinidade ou a violência, o agente tenha tido a posse da ‘res furtiva’, ainda que retomada, em seguida, pela perseguição imediata; com mais razão, está consumado o crime se, como assentado no caso, não houve perseguição, resultando a prisão dos agentes, pouco depois da subtração da coisa, [d]a circunstância acidental de o veículo, em que se retiravam do local do fato, ter apresentado defeito mecânico” (STF – HC 69753/SP – Rel. Min. Sepúlveda Pertence - DJ de 19.02.1993).
Recentemente, embora versando especificamente sobre o crime de roubo, a primeira turma do STF confirmou esse entendimento no HC 89.959/SP, da lavra do Ministro Carlos Brito (julgado, por maioria de votos, em 29.05.07 e com decisão publicada no DJ de 11.06.07).
2ª Corrente. Segundo outro posicionamento, o delito de furto consumar-se-ia com a mera subtração do bem móvel, acompanhada da conseqüente retirada do objeto da esfera de vigilância da vítima, independentemente de gozar o criminoso da posse tranqüila da coisa.
Nestes moldes é o entendimento, por exemplo, de Damásio de Jesus, senão vejamos: “para nós, o furto atinge a consumação no momento em que o objeto material é retirado da esfera de posse e disponibilidade do sujeito passivo, ingressando na livre disponibilidade do autor, ainda que este não obtenha a posse tranqüila” (JESUS, Damásio E. de. op. cit., p. 309).
Vide julgado do STJ adotando esta postura: “A remoção e retirada da res furtiva da esfera de vigilância da vítima, ainda que momentaneamente, em consonância com a vertente doutrinária denominada amotio, acolhida pelo Supremo Tribunal Federal, acarreta a plena consumação do delito” (STJ – Sexta Turma – RESP 302632/MG – Rel. Min. Fernando Gonçalves – j. em 11.02.2003 – DJ de 06.06.2005, p. 375).
3ª Corrente. A posição majoritária na doutrina (e muita disseminada — observe que não disse unânime — nas quinta e sexta turmas do STJ), por sua vez, é no sentido de que o crime de furto somente se consuma, conforme a teoria da inversão da posse, quando a coisa sai da esfera de proteção e disponibilidade da vítima, adquirindo o agente a posse tranqüila da coisa, ainda que por breve tempo.
A principal diferença prática que se tem com a adoção da teoria da inversão da posse como determinante do momento consumativo do furto reside em considerar que se o criminoso é perseguido imediatamente após a subtração do objeto material do furto ele não adquiriu ainda a posse mansa e pacífica (ainda que por breve lapso temporal), motivo pelo qual é de se reconhecer a tentativa, não havendo que se cogitar de eventual consumação do delito.
Colaciona-se a seguinte ementa de julgado do STJ nesta esteira: “Furto. Crime consumado (momento). Tentativa (reconhecimento). 1. Diz-se consumado o furto quando o agente, uma vez transformada a detenção em posse, tem a posse tranqüila da coisa subtraída. 2. Segundo o acórdão recorrido, ‘em nenhum momento o réu deteve a posse tranqüila da res furtiva, porquanto foi imediatamente perseguido e capturado pelos policiais militares que efetuavam patrulhamento no local’. 3. Caso, portanto, de crime tentado, e não de crime consumado. 4. Recurso especial do qual se conheceu pelo dissídio, porém ao qual se negou provimento. Decisão por maioria de votos” (grifo nosso) (STJ – Sexta Turma – RESP 663900/RS – Rel. Min. Hélio Quaglia Brabosa – j. em 16.12.2004 – DJ de 27.06.2005, p. 463).
Enfim, de tudo o que se viu, a suma é: a dogmática penal ainda não foi capaz de colocar uma “pá de cal” no tema relativo ao momento consumativo do crime de furto. O que há, na verdade, é intensa polêmica; diversos são os posicionamentos na doutrina e jurisprudência, de maneira que ainda estamos muito longe da unanimidade (aliás, é bem provável que nunca a alcancemos).
               Reinaldo Rossano Alves expõe assim aquilo que considera ter sido a evolução das soluções dadas à questão:
        http://www.fortium.com.br/blog/material/Agente.policia...Teorico...Penal.2008...Aulas.06.e.07.doc
Consumação. Diversas teorias procuram abordar a questão do momento consumativo do delito.
Consoante lição lapidar de Hungria, "em torno do momento consumativo do crime de furto, debatem-se várias teorias, umas extremadas, outras temperadas: a da contrectatio, a da aprehensio, a da amotio, a da ablatio. Se para alguns basta o tocar com as mãos a coisa móvel alheia, cum affectum furandi, para que o furto se consume, outros, divergindo ex diametro, entendem que sòmente ocorre a consumação quando a res furtiva é levada ad locum quo destinaverat fur. Mas há os que buscam um meio-têrmo entre tais extremos: não basta tocar com as mãos, nem tampouco segurar ou apreender a coisa, mas também não é necessário que o agente consiga transportá-la a um predeterminado lugar ad quem: é suficiente a deslocação da coisa, mas de modo que esta se transfira para a posse exclusiva do ladrão” (grifo nosso).
Repare que o mestre, no primeiro momento, está se referindo às teorias da contrectatio e da aprehensio. Com efeito, para a teoria da contrectatio o crime se consuma quando agente consegue tocar a coisa. Para a aprehensio (ou apprehensio), é necessário que o agente segure a coisa para o delito atinja seu momento consumativo.
Por outro lado, na segunda parte, Hungria quis mencionar as teorias da ablatio e da amotio, aquelas que entendem estar consumado o delito quando há inversão da posse. De fato, a teoria da ablatio, exige que o agente tenha a posse tranqüila da res, ainda que por pouco tempo, ou seja, que a coisa saia da esfera de vigilância da vítima, mesmo que brevemente. Para a amotio, o crime de furto está consumado quando houver a inversão da posse, ou seja, quando o agente deslocar, remover a coisa para retirá-la da esfera de vigilância da vítima, não sendo necessário que o sujeito tenha a posse tranqüila da coisa furtada. Ou seja, as duas teorias divergem-se acerca do conceito de inversão da posse. Tal fato foi perfeitamente delineado por Hungria, veja: “Mas, aqui, também, há controvérsia. Que se deve entender por essa transferência de posse, ou, melhor, quando se pode dizer realizada tal transferência? Afirmam uns que surge a posse do ladrão quando este consegue afastar-se da esfera de atividade patrimonial, de custódia ou de vigilância do dominus, ainda que, perseguido, venha a ser imediatamente despojado. Opinam outros, entretanto, que é necessário estabelecer-se um estado tranqüilo, embora transitório, de detenção da coisa por parte do agente. Inclino-me, decididamente, por esta última solução. Penso, aliás, que é a única aceitável perante o nosso direito positivo. O furto não se pode dizer consumado senão quando a custódia ou vigilância, direta ou indiretamente exercida pelo proprietário, tenha sido totalmente iludida. Se o ladrão é encalçado, ato seguido à apprehensio da coisa, e vem a ser privado desta, pela fôrça ou por desistência involuntária, não importa que isto ocorra quando já fora da esfera de atividade patriomonial do proprietário: o furto deixou de se consumar, não passando da fase de tentativa. Não foi completamente frustrada a posse ou vigilância do dono. Não chegou êste a perder, de todo, a possibilidade de contato material com a res ou de exercício do seu poder de disposição sôbre ela. A sua propriedade sofreu sério perigo, mas não pròpriamente uma efetiva lesão: a sua posse, como exercício da propriedade foi perturbada, mas não definitivamente suprimida. Portanto, o mestre inclinava-se pela adoção da teoria da ablatio”.
Há, ainda, quem se refira a outra teoria chamada de illatio, a qual exige, para a consumação do delito, que a coisa seja levada ao local desejado pelo ladrão para tê-la a salvo.
De fato, pode dizer que as duas primeiras teorias – contrectatio e apprehensio – são extremamente rigorosas com os agentes deste delito. Por outro lado, as teorias da ablatio e da illatio, bastante favoráveis. E a última – amotio – constitui uma teoria intermediária entre as quatro anteriores.
Nesse contexto, tem sido extremamente relevante a discussão acerca da consumação do delito de furto, principalmente nos casos de perseguição imediata ao agente, quando este não consegue a subtração definitiva da coisa, vindo a ser preso em flagrante. Suponha a seguinte situação: “A” subtrai a carteira de “B” que consegue notar a subtração e, ato contínuo, sai em perseguição ao agente, vindo a alcançá-lo 2 km após, e, contando com a ajuda de terceiros, consegue recuperar a res. “A” deverá responder por furto tentado ou consumado?
A resposta acerca da consumação, ou não, do crime de furto, em casos tais, dependerá de qual das três teorias forem aplicadas.
Adotada as teorias da contrectatio e da apprehensio “A” deveria responder por furto consumado, pois conseguiu “tocar” ou “segurar” a coisa.
De acordo com a teoria da ablatio, o furto não se consumou, pois “A” não obteve a posse tranqüila da res, uma vez que a perseguição se iniciou imediatamente, só se interrompendo com a recuperação da carteira. Nesse caso, responderia por tentativa de furto. O mesmo ocorreria ao se aplicar a teoria da illatio, já que o agente não conseguira levar a coisa para o local desejado.
Por outro lado, adotando-se a teoria da amotio, o furto estaria consumado, pois houve a inversão da posse, com o agente removendo a coisa para retirá-la da esfera de vigilância da vítima.
As teorias da contrectatio, da apprehensio e da illatio não encontram mais adeptos na doutrina e na jurisprudência.
A jurisprudência, em um passado muito próximo, adotava a teoria da ablatio, exigindo que a coisa saísse da esfera da vigilância da vítima, com o agente obtendo a posse tranqüila da res. (STJ - REsp 663900/RS).
No entanto, o STF, após o RE 102.490 (Rel. Min. Moreira Alves, julgado em 17.9.87, DJ 16-08-1991 PP-10787), passou a aplicar a teoria da amotio, entendendo ser desnecessário a posse tranqüila da res, sendo o bastante que o agente invertesse a posse para retira-la da esfera de vigilância da vítima. Ou seja, para a consumação tornou-se desnecessário que a coisa saia da esfera de vigilância da vítima.  Nesse sentido: HC 69753⁄SP, 1ª Turma, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 19⁄02⁄1993.
O STJ, então, adotou a mesma teoria da amotio: REsp 808.626/RS, Rel. Ministra  Laurita Vaz, Quinta Turma, julgado em 02.05.2006, DJ 05.06.2006 p. 316; REsp 767.584/RS, Rel. Ministro  Arnaldo Esteves Lima, Quinta Turma, julgado em 14.03.2006, DJ 24.04.2006 p. 453; REsp 302632⁄MG, 6ª Turma, Rel. Min. Fernando Gonçalves, DJ de 06⁄06⁄2005; REsp 407.162/SP, Rel. Ministro  Fernando Gonçalves, Sexta Turma, julgado em 18.06.2002, DJ 25.08.2003 p. 378.
Na 6ª Turma do STJ, porém, a questão é tormentosa, porquanto, embora, atualmente, tenha adotado a teoria da amotio (REsp 302632⁄MG, 6ª Turma, Rel. Min. Fernando Gonçalves, DJ de 06⁄06⁄2005; REsp 407.162/SP, Rel. Ministro  Fernando Gonçalves, Sexta Turma, julgado em 18.06.2002, DJ 25.08.2003 p. 378), exige para a consumação a posse tranqüila. A propósito, a seguinte decisão:
Furto (crime consumado/tentado). Pena (circunstância atenuante).
1. Caso de tentativa, e não de crime consumado – "em nenhum momento o réu deteve a posse tranqüila da res furtiva, porquanto foi imediatamente perseguido pela vítima").
2. "A incidência da circunstância atenuante não pode conduzir à redução da pena abaixo do mínimo legal" (Súmula 231).
3. Recurso especial do qual se conheceu pela alínea c e ao qual se deu provimento em parte (item 2).
(REsp 678.220/RS, Rel. Ministro  Hélio Quaglia Barbosa, Rel. p/ Acórdão Ministro  Nilson Naves, Sexta Turma, julgado em 07.06.2005, DJ 13.03.2006 p. 391).
Nem mesmo no STF pode-se dizer que a questão está pacificada, pois, em recente decisão, a despeito de não ter se afastado da teoria da amotio, considerou não ter consumado o crime, devido ao fato de o agente ter sido o tempo inteiro monitorado por policiais. Ou seja, não houve a inversão da posse, pois a coisa não foi afastada da esfera de atividade patrimonial, de custódia ou de vigilância do agente, em virtude do monitoramento feito pela polícia. Confira a decisão:
HABEAS CORPUS. PENAL. ROUBO TENTADO OU CONSUMADO. CONTROVÉRSIA. Ainda que o agente tenha se apossado da res, subtraída sob a ameaça de arma de brinquedo, é de se reconhecer o crime tentado, e não o consumado, considerada a particularidade de ter sido ele a todo tempo monitorado por policiais que se encontravam no cenário do crime. Hipótese em que o paciente subtraiu um passe de ônibus, o qual, com a ação dos policiais, foi restituído imediatamente à vítima. Ordem concedida.
(HC 88259/SP – Rel. Min. Eros Grau - DJ 26-05-2006 p. 039).
De fato, em nosso entendimento, a melhor teoria é a da amotio. Isto porque, o agente ao remover a coisa (invertendo a posse) já tem a disponibilidade da res, podendo destruí-la ou mesmo escondê-la, não havendo razão para se exigir que a posse seja tranqüila, mesmo porque este requisito não está previsto na lei.
      Num estudo publicado sob http://promotordejustica.blogspot.com/ 2008_02_01_archive.html, expõe-se o seguinte:
II – CONSUMAÇÃO E TENTATIVA NO CRIME DE ROUBO PRÓPRIO
O delito de roubo próprio está previsto no caput do art. 157, do Código Penal, que assim o tipifica:
"Subtrair coisa móvel alheia, para si ou para outrem, mediante grave ameaça ou violência a pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido à impossibilidade de resistência."
Para a análise de seu momento consumativo, a quase totalidade dos doutrinadores penalistas apresenta ao delito de roubo as mesmas conclusões surgidas para o crime de furto. Com efeito, para NÉLSON HUNGRIA, furto e roubo só se distinguiriam pelo emprego de violência, física ou moral contra a pessoa, ocorrida nesse último, chegando a afirmar que o roubo não é mais que o furto qualificado pela violência (HUNGRIA, 1955, p.51).
Hungria indica, na primeira edição dos Comentários ao Código Penal de 1940, que o momento consumativo do delito de roubo é o da subtração patrimonial. "Se após o emprêgo da violência pessoal não puder o agente, por circunstâncias alheias à sua vontade, executar a subtração, mesmo o ato inicial da apprenhensio rei, o que se tem a reconhecer é a simples tentativa." (HUNGRIA, 1955, p.58).
HELENO FRAGOSO, por sua vez, também afirma que a consumação do crime de roubo se dá com a efetiva subtração, remetendo sua explicação ao capítulo do delito de furto. Para o professor, a ação típica do delito é subtrair, que significa "[...] tirar a coisa do poder de fato de alguém, para submetê-la ao próprio poder de disposição [...]" ou, citando lição de MEZGER, "[...] o rompimento do poder de fato alheio sobre a coisa e o estabelecimento de um novo." (FRAGOSO, 1986, p.265).
Fragoso prossegue suas explicações, descrevendo as várias teorias existentes sobre o momento consumativo do furto. Os romanos entendiam que o crime se consumava tão logo o agente tocasse a coisa – contrectatio; para CARRARA, a consumação ocorreria com o deslocamento da coisa, do lugar em que estava situada – amotio. Segundo PESSINA, para o furto consumar-se era necessário não só a apreensão da coisa, mas seu transporte para outro lugar – ablatio. E uma quarta teoria afirmaria que a consumação do furto exige "[...] o transporte da coisa ao lugar ao qual o ladrão pretendia levá-la." (FRAGOSO, 1986, p.266-267).
Hungria adota, entre essas teorias, a de que a consumação se dá com a deslocação da coisa, "[...] mas de modo que esta se transfira para a posse exclusiva do ladrão." (HUNGRIA, 1955, p.23). Essa transferência de posse se daria com o afastamento da esfera de atividade patrimonial, de custódia ou de vigilância do dono, sendo necessário, ao ver do penalista, que se estabeleça um estado tranqüilo, mesmo que transitório, de detenção da coisa pelo agente.
Nesse sentido, diz Hungria:
"O furto não se pode dizer consumado senão quando a custódia ou vigilância, direta ou indiretamente exercida pelo proprietário, tenha sido totalmente iludida."
E, daí, as conseqüências:
"Se o ladrão é encalçado, ato seguido à apprehensio da coisa, e vem a ser privado desta, pela fôrça ou por desistência involuntária, não importa que isto ocorra quando já fora da esfera de atividade patrimonial do proprietário: o furto deixou de se consumar, não passando da fase de tentativa." (HUNGRIA, 1955, p.23).
Hungria considera que não se pode chamar "posse" a simples detenção física por parte do ladrão, sem que ele tivesse, por um instante sequer, a possibilidade de disposição livre e tranqüila da coisa.
Da mesma forma, Fragoso entende que, no sistema do Código Penal, o agente deve ter completado a subtração da coisa. "[...] somente estará consumado o furto quando a coisa for tirada da esfera de vigilância do sujeito passivo, do seu poder de fato, submetendo-a o agente ao próprio poder autônomo de disposição." (FRAGOSO, 1986, p.267).
Como Hungria, Fragoso prevê que o poder do agente sobre a coisa se dê por detenção tranqüila do bem. "Se, ao tirar a coisa, o agente é perseguido e, finalmente preso, não haverá furto consumado, pois não chegou a estabelecer o seu poder de fato sobre a coisa, o que exige a detenção mais ou menos tranqüila." (FRAGOSO, 1986, p.267).
MAGALHÃES NORONHA, igualmente, prevê que o momento consumativo do delito de roubo próprio se dá nas mesmas condições em que se realiza no furto: "[...] o apossamento da coisa pelo delinqüente; ou quando o móvel sai da esfera de disponibilidade do sujeito passivo e entra na do sujeito ativo." (NORONHA, 2001, p.254).
E, ao discorrer sobre o crime de furto, particularmente, não só ensina que o apossamento ocorre com a saída da coisa da órbita de vigilância, custódia ou guarda do possuidor, portanto, da esfera de disponibilidade da vítima, mas também que o crime não se consuma se o autor não teve a posse da coisa, "[...] que, por certo, não é aquela mera detenção momentânea ou instantânea, sob a reação do dono que o persegue." (NORONHA, 2001, p.228).
PAULO JOSÉ DA COSTA JR. concorda que, no sistema do Código brasileiro de 1940, haveria uma opção por seguir a lição de Carrara, colocando o momento consumativo dos delitos de furto e roubo no deslocamento da coisa apreendida. Entretanto, o professor Paulo José prefere adotar um "posicionamento eclético", entendendo que a subtração ocorre quando "[...] se produz a perda da disponibilidade física da coisa por parte de quem a detinha." (COSTA JR., 1989, p.198).
Em seus comentários ao Código Penal, o citado jurista introduz a primeira modificação na doutrina do momento consumativo dos delitos de roubo e furto, ao citar o entendimento que vinha, já, sendo adotado pela jurisprudência quanto a esse último: "Reputa-se consumado o crime com a deslocação da res furtiva, para local distante da esfera de vigilância da vítima, não se exigindo contudo seja a posse do ladrão definitiva ou prolongada." O crime, assim, se consumaria, mesmo que a posse da res aliena fosse momentânea ou precária (COSTA JR., 1989, p.198).
Especificamente quanto ao roubo, o professor Paulo José reforça a necessidade de efetiva subtração da coisa alheia, sendo o objeto levado para fora da atividade patrimonial do possuidor ou proprietário. "[...] reputa-se como consumado o crime quando o agente obtiver a posse pacífica do objeto, ainda que por pouco tempo, fora da esfera de disponibilidade do ofendido." (COSTA JR., 1989, p.212).
Essa modificação mencionada, quanto às características necessárias à consumação dos delitos de furto e roubo, fica mais evidente nos ensinamentos dos professores DAMÁSIO DE JESUS e JULIO FABBRINI MIRABETE.
Mirabete, fazendo referência a precedentes jurisprudenciais, expressa sua posição sobre o tema, apesar de reconhecer a já evidente discussão sobre o momento consumativo do crime, que se inaugurara.
Para o citado professor, o delito de roubo se consuma quando a coisa sai da esfera de vigilância da vítima e o sujeito ativo tem a posse tranqüila da coisa, ainda que por pouco tempo. Entretanto, anota o advento de uma orientação, segundo a qual "[...] não é necessário que a coisa saia da esfera de disponibilidade da vítima, bastando que cesse a violência para que o poder de fato sobre ela se transforme de detenção em posse, consumando-se o delito (RT 677/428)." (MIRABETE, 2003, p.239).
A inovação é notada nos ensinamentos de Damásio de Jesus, quando afirma que "[...] o roubo próprio atinge a consumação nos mesmos moldes do crime de furto, i. e., quando o sujeito consegue retirar o objeto material da esfera de disponibilidade da vítima, ainda que não haja posse tranqüila." (JESUS, 2001, p.343).
Esse é o divisor de águas da doutrina do momento consumativo do delito de roubo: quando não mais se exige posse tranqüila da coisa, para a consumação do crime e, em seguida, nem mesmo o deslocamento do objeto.
Com efeito, afastando as teorias tradicionais, Damásio vai além, ao afirmar, ainda, que:
"Em regra, a consumação exige deslocamento do objeto material. Isso, porém, não leva à conclusão de que o transporte da coisa seja imprescindível à consumação do crime. Consuma-se o delito no momento em que a vítima não pode mais exercer as faculdades inerentes à sua posse ou propriedade, instante em que o ofendido não pode mais dispor do objeto material. Em alguns casos, isso ocorre ainda que não haja deslocação material da coisa [...]" (JESUS, 2001, p. 309-310).
Assim, a doutrina do momento consumativo, especialmente do delito de roubo, sofrera uma alteração. Da necessidade da apreensão e do afastamento da coisa da esfera patrimonial e de disponibilidade da vítima, com posse tranqüila do objeto, pelo agente do crime, passa-se à simples subtração, sem que seja preciso o deslocamento da coisa e consumando-se com mera detenção temporária do objeto do roubo.
As interpretações dadas a um dispositivo penal que não sofreu qualquer alteração, ao longo de mais de sessenta anos, puderam ser vistas, com suas contradições, na jurisprudência dos Tribunais, principalmente do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal.
A Suprema Corte, em várias ocasiões, adotou no tema, até meados dos anos oitenta, orientação equivalente à dos doutrinadores clássicos, citados anteriormente. Exigia, assim, para a consumação do crime de roubo, posse pacífica da res furtiva, ainda que por curto lapso de tempo e retirada da coisa subtraída da esfera de vigilância da vítima:
"Ementa: crime de roubo - consumação. No crime de roubo próprio, consuma-se o delito desde que o agente, embora por pequeno lapso de tempo, tenha a posse pacífica da res furtiva, pouco importando venha a ser preso em estado de quase-flagrância, com a conseqüente devolução do bem subtraído ao lesado. Recurso extraordinário criminal conhecido e provido." (RE 90988 – Rel. Min. CUNHA PEIXOTO – PRIMEIRA TURMA. Julgamento: 25/03/1980. Publicação: DJ 25-04-80, p. 2806 – No mesmo sentido, RE 97.500/SP – Rel. Min. DÉCIO MIRANDA, DJ 24-08-82).
"Ementa: recurso extraordinário. 1. Roubo. Consuma-se o crime, se a coisa subtraída, mediante violência, foi retirada da esfera de vigilância da vítima, tal como sucede na hipótese de o objeto ser encontrado em poder do agente, em face da diligência policial realizada, no mesmo dia, por causa de outro roubo perpetrado pelo mesmo réu. Situação diversa da apreciada no RE 93.099-SP. 2. recurso conhecido e provido". (RE 96383/SP – Rel. Min. NERI DA SILVEIRA - PRIMEIRA TURMA. Julgamento: 01/06/1982. Publicação: DJ 18-03-83, p. 2978).
A jurisprudência da Suprema Corte, entretanto, foi-se modificando. Passou-se a adotar, por exemplo, o entendimento de que era irrelevante, para a consumação do crime de roubo, o fato de o agente ter se locupletado com a coisa roubada (RE 96459/SP – Relator Min. FIRMINO PAZ, RTJ 101/439; HC 49671, Relator Min. LUIZ GALLOTTI, RT 453/442; HC 53.335, Relator Min. CORDEIRO GUERRA, RTJ 74/650). Afastou-se, aqui, tentativa determinada pela ausência de posse tranqüila da res furtiva pelo agente.
Mas as duas orientações – antagônicas – continuaram sendo adotadas, naquela Corte.
No final do ano de 1987, para pôr fim à divergência, levou-se o tema a julgamento pelo Plenário, no RE 102.490/SP, Relator Ministro Moreira Alves, quando, então, foi proferido o principal precedente do Supremo Tribunal Federal sobre o momento consumativo do roubo e que, até hoje, norteia a jurisprudência daquela Corte.
Nesse acórdão, o Relator, reconhecendo a adoção da teoria da apprehensio ou amotio, para verificação do momento consumativo do crime de roubo, situou, primeiramente, a divergência existente sobre o que consistiria "apreensão":
"Enquanto a doutrina dominante – e o mesmo sucede com a jurisprudência – entende que a subtração e apossamento (que é, no caso, a apreensão) são correlatos, sendo que a apreensão se verifica no momento em que a coisa é retirada do poder da vítima ainda que não fique no poder do ladrão (como sucede com o punguista que ao puxar a carteira do bolso da vítima a deixa cair ao chão), as opiniões dissidentes, por via de regra, admitem que haja subtração sem o conseqüente apossamento (apreensão), e só consideram consumado o furto quando se dê o apossamento por parte do ladrão [...]" (RTJ 135, p. 169-170).
Tomando esse segundo posicionamento, de que só se tem como consumada a subtração "[...] quando, além de ser a coisa retirada do poder da vítima, o ladrão passa a tê-la em seu poder (em outras palavras: é preciso que à posse da vítima se substitua a posse do ladrão)", o acórdão passou a discorrer sobre o momento inicial da posse do ladrão e da extinção da posse da vítima.
E, nesse sentido, analisando como a posse ocorria no Direito Civil brasileiro, o Relator concluiu que, para que o ladrão se tornasse possuidor, não era preciso que ele saísse da esfera de vigilância da vítima, mas, tão-só, que cessasse a clandestinidade ou a violência. Nesse momento, o poder de fato sobre a coisa se transformaria de detenção em posse, ainda que o antigo possuidor ou terceiro retomasse a coisa por violência ou perseguição imediata:
"[...] Com base em quê, senão no arbítrio, se poderá pretender, no Brasil, que alguém quando subtrai coisa alheia por ato violento ou clandestino, cessada a violência ou a clandestinidade, ainda não é possuidor, mas meramente detentor enquanto não sair da esfera de possibilidade de vir a ser seguido, de imediato, pela vítima? O Código Civil é categórico no sentido de que há, nesses casos, posse imediatamente após a cessação da violência ou da clandestinidade, tanto assim que o esbulhado pode recuperar a posse perdida se a retomar do esbulhador ainda que em virtude de perseguição imediata. E o Código Penal não caracteriza o furto como subtração de coisa alheia móvel com fuga feliz..., que a tanto vale dizer – sem apoio em qualquer lei penal, ou não – que não há subtração sem posse tranqüila.
Se o ladrão em fuga, embora perseguido – e a perseguição pode prolongar-se por tempo dilatado -, pode, inclusive, destruir a coisa em seu poder por ato seu de vontade, é possível pretender-se que ele não tenha disponibilidade autônoma dessa mesma coisa?[...]" (RTJ 135, p. 171-172).
O recurso foi decidido pela consumação do crime, conforme o voto do Ministro Relator. Mas, como não podia deixar de ser, já que se fala, aqui, do caráter contraditório do Direito, pela atuação do intérprete, o julgado não foi unânime. Divergiram do posicionamento do Ministro Moreira Alves, na ocasião, os Ministros Aldir Passarinho e Néri da Silveira, que entendiam ter havido, no caso, apenas tentativa, diante da ausência de posse tranqüila do bem roubado.
O precedente, entretanto, firmou o posicionamento que até hoje é adotado na Suprema Corte sobre o momento consumativo do delito de roubo próprio:
"Habeas Corpus – improcedência da alegação de que, no caso, não houve roubo consumado, mas tentativa de roubo – Ao julgar o HC 69753, que versava hipótese análoga à presente, em que também não houvera sequer perseguição, esta Primeira Turma, sendo relator o eminente Ministro Sepúlveda Pertence, assim decidiu: Roubo. Consumação. A Jurisprudência do STF, desde o RE 102.390, 17.09.1987, Moreira Alves, dispensa, para a consumação do roubo, o critério de saída da coisa da chamada ''esfera de vigilância da vítima'' e se contenta com a verificação de que, cessada a clandestinidade ou a violência, o agente tenha tido a posse da ''res furtiva'', ainda que retomada, em seguida, pela perseguição imediata; [...]" (STF – HC 74.376/RJ – Rel. Min. MOREIRA ALVES – PRIMEIRA TURMA – Publicação DJU 07.03.1997).
Essa mesma orientação balizava, também, as decisões do Superior Tribunal de Justiça, desde sua criação:
"Recurso Especial - roubo consumado ou tentado - fuga do ladrão. 1. segundo precedentes da suprema corte e deste tribunal, para a consumação do crime de roubo é irrelevante a posse tranqüila da coisa, ou seu lapso de tempo, ou ter ela saído da esfera de vigilância da vítima, bastando, tão-somente, a cessação da violência ou grave ameaça, circunstância indicada pela fuga do assaltante. 2. Recurso conhecido e provido." (STJ – RESP 93593/PR – Rel. Min. ANSELMO SANTIAGO – SEXTA TURMA. Decisão 30/03/1998. Publicação DJ 04/05/1998, p.214).
"Penal – crime de roubo – momento consumativo – cessação da violência e clandestinidade – O crime de roubo consuma-se com a cessação da violência e clandestinidade, não se exigindo a posse tranqüila da res furtiva. – Precedentes desta Corte e do STF. – Recurso provido para restabelecer a sentença de primeiro grau." (STJ – RESP 278424/SP – Rel. Min. JORGE SCARTEZZINI – QUINTA TURMA. Publicação DJU 18.06.2001, p.169).
"Penal.  Recurso Especial. Roubo majorado. Consumação e tentativa. I - O delito de roubo se consuma no momento em que o agente se torna possuidor da res subtraída mediante grave ameaça ou violência. II - Para que o agente se torne possuidor, é prescindível que ele saia da esfera da vigilância do antigo possuidor, bastando que cesse a clandestinidade ou a violência (Precedente do Colendo Supremo Tribunal Federal - RTJ 135/161-192, Sessão Plenária). Recurso especial parcialmente provido [...]" (STJ – RESP 249158/SP – Rel. Min. FELIX FISCHER – QUINTA TURMA. Decisão 04/10/2001. Publicação DJ 04/02/2002, p.460).
"Recurso Especial – penal – roubo – consumação – posse tranqüila da res furtiva – desnecessidade – Assentada jurisprudência desta Corte e do Col. STF no sentido de que o crime de roubo se consuma com a mera posse, ainda que por curto período de tempo, da coisa alheia móvel subtraída mediante violência ou grave ameaça. Não se exige, para a consumação do delito, a posse tranqüila da res furtiva. Recurso conhecido e provido." (STJ – RESP 284105/SP – Rel. Min. JOSÉ ARNALDO DA FONSECA – QUINTA TURMA – Publicação DJU 02.09.2002).
"Recurso especial. Processo penal. Prazo para interposição do recurso. Ciente do parquet. Crime contra o patrimônio. Roubo. Consumação do delito. Posse tranqüila da res furtiva. Desnecessidade. Precedentes do stj e do stf. [...] 2. A consumação do crime de roubo ocorre com a mera posse do bem subtraído, ainda que por um breve período, não se exigindo, desta forma, para sua consumação a posse tranqüila. 3. Recurso especial provido." (STJ – RESP 286119/SP – Rel. Min. LAURITA VAZ – QUINTA TURMA. Decisão 24/06/2003. Publicação DJ 04/08/2003, p.353).
Em 2003, quando iniciei meus estudos sobre a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e escrevi a primeira versão do presente artigo, chamou-me a atenção o fato de a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, apesar da orientação acima mencionada, adotar, desde o final da década de 90, o posicionamento clássico do momento consumativo do crime, chegando a pacificar o entendimento de que a plena subtração da coisa só se daria com seu afastamento do campo de vigilância e disponibilidade da vítima. O roubo, assim, não se consumava se o agente não tivesse posse tranqüila do bem.
Nesse sentido, os seguintes acórdãos:
"Penal – Recurso Especial – roubo – subtração da res furtiva, seguida prisão em flagrante – crime tentado – O crime de roubo consuma-se no momento em que o assaltante realiza a plena subtração da res furtiva, afastando-a do campo de vigilância da vítima, mesmo que depois venha a ser preso em flagrante presumido. - Na hipótese em que o agente do crime não teve, em nenhum momento, a posse tranqüila dos bens, pois foi preso logo em seguida à prática do delito, houve apenas tentativa. - Recurso Especial conhecido e desprovido." (STJ – RESP 365090/MT – Rel. Min. VICENTE LEAL – SEXTA TURMA – Publicação DJU 07.04.2003).
"Ementa: recurso especial. Penal. Roubo. Momento consumativo. Inversão da posse. Recurso provido. 1. O crime de roubo próprio é delito de evento, reclamando para sua consumação efetiva lesão do patrimônio, plenamente compatível com a sua complexidade, na exata medida que tais naturezas não se excluem. 2. É indispensável a inversão da posse, que em nada se confunde com o apoderamento, simples relação material do agente com a coisa, e reclama a instauração de fato do poder de disponibilidade do bem, por parte do roubador. 3. Recurso provido." (STJ – RESP 303081/SP – Rel. Min. HAMILTON CARVALHIDO - SEXTA TURMA. Decisão: 17/06/2003. Publicação DJ 04/08/2003, p.446).
"Penal – processual penal – roubo – tentativa – pena-base fixada no mínimo legal – regime prisional – citação – dia do interrogatório – nulidade – auto de reconhecimento – nulidade – reexame de prova – súmula 07/STJ – 1. Segundo entendimento da Sexta Turma, o crime de roubo se consuma tão-somente quando o agente realiza a plena subtração da res furtiva, mantendo sua posse tranqüila, fora da esfera de vigilância da vítima. [...]." (STJ – RESP 307355/SP – Rel. Min. FERNANDO GONÇALVES – SEXTA TURMA. Publicação DJU 20.08.2001 – p.551).
De se ler, também, o acórdão de Relatoria do Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro no REsp 78.434/SP, julgado em 27.08.1996, DJ 17.03.1997 p. 7561.
Esse o panorama da jurisprudência dos Tribunais Superiores sobre o momento consumativo do crime de roubo próprio. Em um primeiro momento, até meados dos anos 80, seguiu-se a orientação defendida na doutrina penal, exigindo-se, para a consumação do delito, subtração e afastamento da esfera de disponibilidade e vigilância da vítima, com posse tranqüila da coisa roubada.
Em um segundo momento, afasta-se a necessidade de posse tranqüila, exigindo-se mera posse do bem subtraído, que se iniciava com o término da violência ou clandestinidade.
No final da década de 90, dois posicionamentos jurisprudenciais antagônicos passam a ter vigência, ao mesmo tempo, no Superior Tribunal de Justiça: o da Quinta Turma, que seguia a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, pacificada desde o precedente de 1987, e o da Sexta Turma que, a partir de julgados do ano de 1996, voltara à orientação já mencionada dos penalistas clássicos do Direito brasileiro.
Na perspectiva do agente do delito de roubo e traçando uma linha temporal, era fácil ver como o acusado ficava à mercê da atividade do intérprete.
Para uma mesma norma – frise-se, mais uma vez, que não sofrera qualquer alteração – a sorte do acusado foi assim determinada: até a década de 80, se subtraiu um bem, mediante violência ou grave ameaça à pessoa e foi imediatamente perseguido, tendo sido preso, cometeu o crime de tentativa de roubo. Na década seguinte, cometido o mesmo crime, o roubo não era mais tentado, mas consumado.
Praticado um terceiro fato e tendo recorrido ao Superior Tribunal de Justiça, já no fim da década de 90, o acusado tinha duas opções e deveria torcer fervorosamente, na loteria do Direito Penal, por uma delas: distribuído o seu caso à Quinta Turma, teria cometido roubo consumado; se à Sexta Turma, o delito permaneceria na modalidade tentada.
É por deparar-se com situações como a descrita acima que Caldeira Bastos afirma que o Direito Penal não depende mais da lei, mas da lei e do intérprete. E, assim sendo, a lei deve continuar a ser vista como projeto de direito e, não, como o próprio direito, já que "vontade e liberdade de ação continuam a sintetizar as raízes de um direito penal inarredavelmente confuso e contraditório, feito à imagem e semelhança do homem [...]" (BASTOS, 1998, p.168).
Vale dizer que, no final de 2003, a incompleta composição da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça motivou uma retomada do posicionamento adotado pela maioria dos integrantes da Terceira Seção daquele Tribunal, no sentido da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e que, agora, é uníssona em ambas as Cortes Superiores.
               A última decisão do STF conhecida é a proferida no:
Habueas Corpus 95998 / São Paulo, relator min. Carlos britto, Julgamento: 12/05/2009,  Órgão Julgador: Primeira Turma, publicação dje-108  divulg 10-06-2009  public 12-06-2009, ement vol-02364-01  pp-00157, rt V. 98, N. 887, 2009, P. 513-517: ementa: habeas corpus. Código penal. Crime de roubo (artigo 157 do código penal). Momento consumativo. Cessada a violência e invertida a posse dos bens subtraídos. Perseguição pela polícia. Captura do acusado. Roubo consumado. Precedentes.
 1. É de se considerar consumado o roubo quando o agente, cessada a violência ou a grave ameaça, inverte a posse da coisa subtraída. Desnecessário que o bem objeto do delito saia da esfera de vigilância da vítima. O simples fato de a vítima comunicar imediatamente o ocorrido à polícia, com a respectiva captura do acusado nas proximidades do local do crime, não descaracteriza a consumação do delito. Precedentes: RE 102.490, da relatoria do ministro Moreira Alves (Plenário); HC 89.958, da relatoria do ministro Sepúlveda Pertence; HC 94.406, da relatoria do ministro Menezes Direito; HC 89.653, da relatoria do ministro Ricardo Lewandowski; HCs 89.619 e 94.552, ambos de minha relatoria. 2. Ordem denegada.
               E do STJ é a proferida no:
Habeas Corpus 103173 / SP 2008/0067237-2 relator ministro felix fischer (1109), órgão julgador: quinta turma data do julgamento: 13/08/2009 data da publicação/fonte, dje 05/10/2009 ementa penal. Habeas Corpus. Roubo Majorado. Consumação.
I - O delito de roubo se consuma no momento em que o agente se torna possuidor da res subtraída mediante grave ameaça ou violência. II - Para que o agente se torne possuidor, é prescindível que a res saia da esfera de vigilância da vítima, bastando que cesse a clandestinidade ou a violência (Precedente do Colendo Supremo Tribunal Federal - RTJ 135/161-192, Sessão Plenária e ERESP Nº 229.147/RS, 3ª Seção, Rel. Min. Gilson Dipp, j. 09/03/2005 - informativo n.º 238/STJ).
               Do que antecede decorre o seguinte: com imediato interesse para o caso dos autos, para a consumação do crime de roubo exige-se a cessação da violência no que todos estão de acordo. Mas, quanto ao resto, a posição maioritária da doutrina vai no sentido da exigência da posse tranquila e parte minoritária da jurisprudência (mas com assento no Supremo Tribunal Federal e no Superior Tribunal de Justiça) segue-a ou pelo menos exige, para a consumação, a retirada do objecto da esfera de vigilância da vítima (e, por isso, se a polícia esteve sempre a monitorizar o agente da infracção, o roubo não se consumou), considerando todos estes que se há perseguição imediata e a coisa é recuperada o roubo não se chega a consumar. Enquanto a jurisprudência maioritária (que neste momento é quase unânime) vai no sentido de considerar irrelevante tal saída (da esfera de vigilância), desde que tenha cessado a violência, pelo que, mesmo se o ladrão for imediatamente perseguido e as coisas recuperadas, o crime já se consumou. Seja como for, o que importa para o caso dos autos é que todos considerariam, porque ainda não tinha cessado a violência, que o roubo não se tinha consumado.
                                                                 *
              No Perú, perante discrepância jurisprudencial sobre o assunto, emitiu-se um acórdão que a resolvesse, o que ocorreu em 30/09/2005, pelo Pleno Jurisdiccional de los Vocales de lo Penal de la Corte Suprema de Justicia de la República, sentencia plenaria n° 1-2005/dj-301-a, e do qual se extraem esclarecimentos úteis: http://www.pj.gob.pe/CorteSuprema/SalasSupremas/ SPT/documentos/SENTENCIA_PLENARIA_N2_2005_DJ_301_A.pdf,
Esta última Ejecutoria, con arreglo al apartado dos del referido artículo 301°-A de la Ley Procesal Penal, decidió la convocatoria al Pleno Jurisdiccional.
3. La Segunda Sala Penal Transitoria de la Corte Suprema de Justicia, en el quinto fundamento jurídico, luego de definir el delito de robo –consiste, según esa decisión, en el apoderamiento de un bien mueble, con ánimus lucrandi, es decir, el aprovechamiento y sustracción del lugar donde se encuentre, siendo necesario el empleo de la violencia o amenaza por parte del agente sobre la víctima- precisa que éste se consuma con el apoderamiento del objeto mueble aunque sea por breve lapso de tiempo. En el octavo fundamento jurídico puntualizó que el delito de robo agravado queda consumado cuando los agresores huyen con el dinero, pues no sólo habían aprehendido el objeto que estaba en poder y dominio de la víctima, sino que se lo llevaban (reemplazo de un dominio por otro), teniendo la cosa en sus manos, aunque fuera por breve tiempo. En el noveno fundamento jurídico reiteró que el delito de robo agravado quedó consumado desde el momento en que los agentes delictivos huyen con el botín, ejerciendo actos de disposición (aunque por breve tiempo).
4. La Sala Penal Permanente de la Corte Suprema de Justicia, en el cuarto fundamento jurídico, señaló que el apoderamiento debe entenderse consumado, no con el solo hecho de aprehender o coger la cosa –contrectatio- ni en el mero hecho de la separación de la posesión material del ofendido, sino con la illatio, esto es, cuando el autor ha logrado la disponibilidad potencial, que no efectiva, sobre la cosa –puede ser incluso momentánea, fugaz o de breve duración, así como de parte de lo sustraído para que quede consumado en su totalidad, en tanto que se precisa la efectiva disposición de la misma-, lo que no sucede cuando se está persiguiendo al agente y se le captura en posesión de la misma.
Agrega en dicho fundamento jurídico que será tentativa, pese a la aprehensión de la cosa, cuando el imputado es sorprendido in fragantio in situ y perseguido inmediatamente y sin interrupción es capturado o si en el curso de la persecución abandona los efectos, sin haber conseguido su disponibilidad momentánea o fugaz.
5. La deliberación y votación del asunto en discusión se realizó el día de la fecha. Como resultado del debate y en virtud de la votación efectuada, por mayoría de nueve señores Vocales y con el voto discrepante del señor Balcazar Zelada, que se agregará en documento aparte, se emitió la presente sentencia plenaria. Se designó como ponentes a los Señores Gonzáles Campos y San Martín Castro, quienes expresan el parecer del Pleno.
II. FUNDAMENTOS JURÍDICOS.
6. El delito de hurto fija los criterios esenciales para determinar la consumación del delito de robo, en tanto que este último delito coincide en sus elementos típicos básicos con el primero –el bien jurídico afectado es el mismo: el patrimonio-, y la diferencia deriva del hecho de que requiere la presencia de violencia o amenaza - intimidación- contra la persona, en tanto que constituye una forma calificante com respecto al hurto. El robo, como añadido, exige dos condiciones: la acción, en la violencia o amenaza ejercidas sobre las personas; y, el elemento temporal, en virtud del cual los actos de violencia o de intimidación deben ser desplegados antes, en el desarrollo o inmediatamente posterior a la sustracción de la cosa.
7. El delito de hurto, al igual que el delito de robo, desde la perspectiva objetiva, exige que el agente se apodere ilegítimamente de un bien mueble, total o parcialmente ajeno, sustrayéndolo del lugar donde se encuentra [confrontar: artículos 185° y 188° del Código Penal]. El acto de apoderamiento es, pues, el elemento central de identificación para determinar, en el iter criminis, la consumación y la tentativa. Desde esta perspectiva el apoderamiento importa: (a) el desplazamiento físico de la cosa del ámbito del poder patrimonial del tenedor -de su esfera de posesión- a la del sujeto activo, y (b) la realización material de actos posesorios, de disposición sobre la misma. A estos efectos, según el artículo 185° del Código Penal, se requiere de la sustracción de la cosa, esto es, la separación de la custodia de la cosa de su titular y la incorporación a la del agente.
8. La acción de apoderarse mediante sustracción, materialmente, define al delito de hurto y, por extensión, de robo, como uno de resultado y no de mera actividad. Este entendimiento de ambos delitos, a su vez, fuerza a entender no sólo que el agente desapodera a la víctima de la cosa –adquiere poder sobre ella- sino también, como correlato, la pérdida actual de la misma por parte de quien la tuviera, situación que permite diferenciar o situar en un momento diferenciado la desposesión del apoderamiento. En tal virtud, el criterio rector para identificar la consumación se sitúa en el momento en que el titular o poseedor de la cosa deja de tener a ésta en el ámbito de protección dominical y, por consiguiente, cuando el agente pone la cosa bajo su poder de hecho. Este poder de hecho –resultado típico- se manifiesta en la posibilidad de realizar sobre la cosa actos de disposición, aún cuando sólo sea por un breve tiempo, es decir, cuando tiene el potencial ejercicio de facultades dominicales; sólo en esse momento es posible sostener que el autor consumó el delito.
9. Este criterio de la disponibilidad potencial, que no efectiva, sobre la cosa –de realizar materialmente sobre ella actos dispositivitos- permite desestimar de plano teorías clásicas como la aprehensio o contrectatio –que hacen coincidir el momento consumativo con el de tomar la cosa-, la amotio –que considera consumado el hurto cuando la cosa ha sido trasladada o movida de lugar- y la illatio -que exige que la cosa haya quedado plenamente fuera del patrimonio del dueño y a la antera disposición del autor-; y, ubicarse en un criterio intermedio, que podría ser compatible con la teoría de la ablatio –que importa sacar la cosa de la esfera de custodia, de la vigilancia o de la actividad del tenedor, efectivo dominio sobre la cosa-. El desplazamiento de la cosa en el espacio no es el criterio definitorio del hurto, sino el desplazamiento del sujeto que puede realizar actos de disposición.
10. Por consiguiente, la consumación en estos casos viene condicionada por la disponibilidad de la cosa sustraída –de inicio sólo será tentativa cuando no llega a alcanzarse el apoderamiento de la cosa, realizados desde luego los actos de ejecución correspondientes-. Disponibilidad que, más que real y efectiva –que supondría la entrada en la fase de agotamiento del delito- debe ser potencial, esto es, entendida como posibilidad material de disposición o realización de cualquier acto de dominio de la cosa sustraída. Esta disponibilidad potencial, desde luego, puede ser momentánea, fugaz o de breve duración. La disponibilidad potencial debe ser sobre la cosa sustraída, por lo que:
(a) si hubo posibilidad de disposición, y pese a ello se detuvo al autor y recuperó en su integridad el botín, la consumación ya se produjo; (b) si el agente es sorprendido in fraganti o in situ y perseguido inmediatamente y sin interrupción es capturado con el íntegro del botín, así como si en el curso de la persecución abandona el botín y éste es recuperado, el delito quedó en grado de tentativa; y, (c) si perseguidos los participantes en el hecho, es detenido uno o más de ellos pero otro u otros logran escapar con el producto del robo, el delito se consumó para todos.
III. DECISIÓN.
[…]
por mayoría de 9 votos contra uno;
HA RESUELTO:
12. ESTABLECER como doctrina legal, respecto a los delitos de robo agravado, que el momento consumativo requiere la disponibilidad de la cosa sustraída por el agente.
Disponibilidad que, más que real y efectiva debe ser potencial, esto es, entendida como posibilidad material de disposición o realización de cualquier acto de dominio de la cosa sustraída. Los principios jurisprudenciales que rigen son los señalados en los párrafos 7° a 10° de la presente Sentencia Plenaria.
13. PRECISAR que los principios jurisprudenciales antes mencionados constituyen precedente vinculante para los magistrados de todas las instancias judiciales […]
VOTO SINGULAR DEL SEÑOR BALCAZAR ZELADA.-
1. No comparto los fundamentos de la presente Sentencia Plenaria y, por el contrario, considero que el criterio debe presidir la diferenciación entre consumación y tentativa en los delitos de robo agravado es, propiamente, la amotio. Por tanto, basta que el sujeto activo, luego de utilizar violencia o amenaza, se apodere de la cosa, la toma para sí y la remueva, esto es, la traslade o mueva de lugar. La acción de apoderamiento, en este caso, quedará consumada con ese hecho, por lo que no hace falta que el autor pueda disponer efectiva o potencialmente de la cosa sustraída, pues con la remoción ya se afectó la esfera de custodia del afectado.
2. En tal virtud, MI VOTO es porque en los delitos de robo el momento consumativo tiene lugar cuando el agente toma para sí la cosa y la remueva o traslade de lugar, sin que a ello sea trascendente que tenga la disposición, real o potencial, de la misma.
                    Ou seja, está agora decidido, de forma vinculante para os tribunais judiciais, que, relativamente aos crimes de roubo agravado, o momento consumativo requer a disponibilidade da coisa subtraída pelo agente, disponibilidade que, mais que real e efectiva deve ser potencial, isto é, entendida como possibilidade material de disposição ou realização de qualquer acto de domínio da coisa subtraída; pelo que, entre o mais, se o agente é surpreendido em flagrante ou “no local” e, perseguido imediatamente e sem interrupção, é capturado com a totalidade do saque, assim como se no decurso da perseguição abandona o saque e este é recuperado, o crime ficou na fase da tentativa.
               Ou seja, segue a posição espanhola (logo a nossa, embora a espanhola esteja mais desenvolvida e concretizada).
                                                     *              
              Na Argentina - http://www.cij.gov.ar/adj/fallos/0.405919001226691853.pdf -, um acórdão de 31/10/2008, de la Sala IV de la Cámara Nacional de Casación Penal (registro nº. 10.977.4), esclarece o que se julga ser o estado actual da discussão nesse país, em termos muito idênticos aos até agora referidos:
O 1º juiz disse:
[…]
Ahora bien, se agravia asimismo la defensa de los imputados pues entiende que ha existido en el decisorio impugnado una errónea aplicación del derecho sustantivo, ya que al hecho pesquisado deberá aplicársele las prescripciones de los arts. 42 y 44 del Código sustantivo, pues no se encuentra debidamente acreditado que los incusos hayan podido disponer de los bienes en cuestión.
En este sentido, el Tribunal de “a quo” fue conteste en oportunidad de motivar la consumación del ilícito enrostrado, señalando que “... el testigo Fernández narró que los vio huir juntos tras el robo producido, por Salguero en dirección a Gorriti, precisando que se encontraban a mitad de la cuadra, tras lo cual los perdió de vista. Que entonces se dirigió hacia la esquina de Cabrera y Bulnes, donde dio avisa al personal policial sobre lo poco ocurrido y brindó la descripción de ambas personas. Ante dicha manifestación, los preventores abordo del móvil condujeron por Cabrera (una cuadra), Mario Bravo (dos cuadras), Av. Honduras (una cuadra), para finalmente detener a los aquí procesados en la intersección de Bulnes y Honduras, esto es, a tres cuadras del lugar del hecho.
Queda bien claro entonces, que durante cierto tiempo y espacio, Guercio y Heredia Dávila no fueron perseguidos ni por el testigo Fernández ni por la prevención, lapso témporo espacial breve aunque por cierto suficiente como para disponer de los sustraído, más aún tomando en cuenta su naturaleza” (fs. 228 vta. /229).
En este sentido, es menester señalar que la determinación del momento distintivo entre la tentativa y la consumación del robo constituye uno de los puntos más debatidos en la doctrina y la jurisprudencia penal y ha dado lugar a una profusa elaboración teórica, distinguiéndose tradicionalmente entre quienes ponían el acento en la aprehensión (“aprehensio rei”), en la remoción del lugar y la amotio rei (“contrectatio”) o en el traslado y la extracción fuera de la esfera de custodia o de poder (“ablatio rei”). Lo cierto es que en la actualidad las soluciones doctrinarias han quedado prácticamente reducidas a los enunciados que pregonan las teorías del desapoderamiento y de la disponibilidad (conf. Edgardo A. Donna, “Derecho Penal, Parte Especial”, Tomo IIB, págs. 23 y siguientes, Ed. Rubinzal-Culzoni, Buenos Aires, 2001).
En mi opinión, la postura adecuada es que el verbo típico “apoderarse” exige el efectivo apoderamiento por parte del sujeto activo del delito, esto es, la consolidación de un poder efectivo sobre la cosa y la posibilidad de realizar sobre ella actos de disposición, aunque sea por un escaso período de tiempo y aún cuando luego pierda la cosa por causas ajenas o - con mayor razón aún - si ha sido por su voluntad (conf. en el mismo sentido Carlos Fontán Balestra, “Tratado de Derecho Penal”, Parte Especial, T. V, Ed. Abeledo-Perrot, Buenos Aires, 1992, págs. 466 y siguientes).
El concepto normativo de apoderamiento entonces queda integrado con dos fases: el desapoderamiento y la toma efectiva de poder sobre la cosa; es decir, la disposición aunque sea por un breve lapso que consuma la lesión.
En el caso, GUERCIO y HERRERA DÁVILA tuvieron la posibilidad física, real y concreta de disponer de la suma de dinero sustraída, por lo que entiendo que el delito de robo se ha consumado (conf. causa “BAZAN, Diego A. s/recurso de casación”, Reg. Nro. 1792.4; causa “MARQUEZ, Miguel A. s/ recurso de casación”, Reg. Nro. 3270.4 y causa nro.4050 “PONCE, Eric Milton y otros s/ recurso de casación”, Reg. 5512.4, rta. el 1/3/04.; causa nro. 4966: “TRINIDAD, José Luis s/recurso de casación”, Reg. Nro. 7386, rta. el 26/4/06).
III. Por todo lo precedentemente expuesto, y definidos negativamente los agravios sustantivos que cerraba el escrito  impugnaticio de la representante de la defensa, propugno desde aquí el rechazo in totum del recurso de casación obrante a fs. 236/249, con costas.
O 2º juiz disse:
I. Adelanto que habré de disentir con la solución propuesta por el colega que lidera el acuerdo, pues, en función de la plataforma fáctica que tuvo por acreditada el tribunal “a quo”, considero que el iter criminis del suceso investigado en autos no ha superado la etapa de la tentativa, por las razones que seguidamente expondré.
II. Previo a ingresar al abordaje del concreto caso de autos, estimo oportuno formular una serie de precisiones en torno al alcance del verbo típico “apoderarse”, utilizado por el legislador para describir la acción constitutiva del delito de “robo” que encuentra su fuente en la figura básica del “hurto”.
Pues, de tal definición dependerá la del momento consumativo.
Al respecto, debo recordar que para dilucidar el tema que nos convoca se elaboraron las tradicionales teorías de la contrectatio (poner mano sobre la cosa), amotio (remover la cosa), ablatio (llevarse la cosa consigo fuera del ámbito de custodia de su guardián o dueño) e illatio (poner la cosa a resguardo en lugar seguro). Sin embargo, en la actualidad, las soluciones doctrinarias, han quedado prácticamente acotadas a los postulados de las teorías del desapoderamiento y de la disponibilidad (cfr. Donna, Edgardo A., “Derecho Penal – Parte Especial”, T̊ II-B, Ed. Rubinzal-Culzoni, Sta. Fe, 2001, pág. 23 y ss.).
De los seguidores nacionales de la segunda tesis, comparto con Soler que nuestra disposición, con la alusión al “apoderamiento”, hace referencia “a la posibilidad inmediata de realizar materialmente sobre la cosa actos dispositivos, posibilidad de la que se carecía antes de la acción, porque la cosa estaba en poder de otra persona, fuese poseedor o simple tenedor”.
En consecuencia, el desplazamiento de la cosa en el espacio no es el criterio del hurto, sino el desplazamiento del sujeto que puede realizar actos de disposición. El hurto no está en la acción de tomar la cosa, sino en la de usurpar el poder sobre ella.
Decimos usurpar, porque apoderarse no es solamente substraer sino algo más, esto es, traer la cosa a la esfera del propio dominio de hecho [...]. Hacerle perder al dueño la posibilidad de ejercer su dominio, constituye por sí mismo substracción, aún cuando a esa pérdida no corresponda ninguna adquisición de parte del sujeto. Apoderarse, en cambio, exige no solamente la pérdida de poder de parte de la víctima, sino la adquisición de poder de parte del autor.” (Soler, Sebastián, “Derecho Penal Argentino”, T IV, Ed. Tea, Buenos Aires, 1978, pág. 174).
Como puede advertirse, el eje de la cuestión gira en torno a la idea de poder que se encuentra implícita en la noción de posesión, cuya lesión es la que caracteriza al delito de hurto.
De ahí que, para determinar su alcance no puedan ser obviadas ciertas definiciones de la ley civil, aún cuando la relación de disponibilidad de los bienes protegida por el tipo bajo examen es mucho más amplio que el de la posesión del derecho civil, ya que sólo importa que la cosa no sea propiedad del que la toma, resultando indistinto que sea quitada al propietario, a quien sólo la posea o a quien meramente la tenga (C.C., arts. 2351 y 2352), sea cual fuere el título o la causa de esa tenencia, pudiendo, inclusive, ser ella ilegítima y delictiva (C.C., arts. 2364 y 2365).
Desde esa óptica, corresponde tener presente que en el momento de la adquisición deben reunirse los dos elementos de la posesión: corpus y animus (C.C., art. 2373). Y, en cuanto al presente análisis concierne, que el medio para la adquisición unilateral (no consentida) de la posesión sobre las cosas muebles es la ocupación, pudiendo ésta instrumentarse “por hurto o estelionato” (C.C., art. 2382).
En cambio, y como principio general, para conservar la posesión basta el animus (C.C., art. 2445). Ahora bien, com acierto, destaca Mariani de Vidal que “ello es así siempre y cuando otra persona no haya adquirido la posesión aprehendiendo la cosa con ánimo de poseerla, y en los casos en que el propio Código determina que se ha perdido la posesión.
Ejemplo: en el supuesto de desposesión violenta, por más ánimo de conservar la posesión que tenga el despojado, perderá la posesión pues conforme al art. 2.445 Cód. Civ. la habrá adquirido el despojante”.
Sin embargo, a renglón seguido acota que “[e]s menester hacer notar que el principio del art. 2445 Cód. Civ. se aplica cuando la pérdida del corpus es transitoria, y cuando una vez salvado el obstáculo material, el poder efectivo puede volverse a ejercer sobre la cosa.” (Mariani de Vidal, Marina, “Curso de Derechos Reales”, T̊ I, Ed. Zavalía, Buenos Aires, 1991, pág. 135, el destacado no obra en el original)
En ese orden de ideas, Soler sostiene que “la posesión protegida no se funda solamente sobre la aprehensión material (C.C., 2374 y nota) o sobre el carácter físicamente inmediato de la relación entre el poseedor y la cosa (C.C., 2445)” y que, por tal motivo, asume importancia, para nuestros fines, “la idea de esfera de poder y de vigilancia, porque posesión no importa solamente la idea de contacto personal sino que necesariamente envuelve cierta relación que no va más allá de una posibilidad, espiritualmente apoyada solo ánimo (C.C., 2445).” (Soler, op. cit., pág. 176).
Así pues, coincido con el citado autor, en cuanto a que “por lo mismo que la relación posesoria no requiere una constante vinculación física, no puede trazarse la figura del hurto tomando en cuenta exclusivamente una de las formas en que el poder de un hombre sobre una cosa puede exteriorizarse.
A veces, la manifestación del poder y de la custodia no consiste sino en marcas que sirven para designar la propiedad y la actual posesión o tenencia por determinada persona” (Soler, op. cit., pág. 177). Ello es así porque la esfera de custodia es un concepto jurídico que remite a la idea de poder, en los términos antes expuestos, y como tal encierra la posibilidad de ser determinado en cada situación y de acuerdo con las reales relaciones objetivas.
En síntesis, tomando las palabras del doctrinario en cita, la “afirmación de que se haya o no producido el apoderamiento depende, en consecuencia, de las variadas formas en que puede realizarse la exclusión del propietario y la ocupación de la cosa por el ladrón. En ese punto debe atenderse no sólo al ánimo de apoderarse, sino al hecho de poder hacer actos dispositivos. Mientras esto no ocurre, no parece que el hurto esté consumado.” (Soler, op. cit., pág. 178).
En el mismo sentido, Fontán Balestra entiende que “el autor consuma el hurto cuando pone la cosa bajo su poder, al par que la quita del poder de quien la tenía, pues no puede pensarse en un poder compartido.” (Fontán Balestra, Carlos, “Tratado de Derecho Penal”, T̊ V, Ed. Abeledo Perrot, 2da. Ed., Buenos Aires, 1992, pág. 470, el destacado no obra en el original).
II. Con ese marco dogmático, habré de avanzar en el análisis del suceso objeto de investigación en las presentes actuaciones.
A partir de la reseña efectuada por el primer votante, entiendo que el vendedor Berón era poseedor en nombre del titular de la heladería de los ciento sesenta y cinco pesos ($ 165.-) obrantes en la caja del comercio, cuya entrega le fue exigida por Guercio, al tiempo que lo sujetaba con uno de sus brazos y le blandía una navaja con el otro; mientras que Heredia Dávila permanecía fuera del local en actitud de vigilancia. En idéntica situación que Berón se encontraba el empleado Fernández, respecto del dinero en cuestión, aún cuando no hubiera mantenido con él relación física alguna. Por tal motivo, considero que el reclamo de intervención policial que éste hizo, al advertir la huida del lugar de los dos sujetos involucrados en el episodio descrito, tras haberlo presenciado, comportó el ejercicio de actos posesorios en nombre de un tercero.
En ese orden de ideas, entiendo que, en el sub examine, los empleados del comercio sólo perdieron transitoriamente la detentación física del dinero, pero al haber actuado en consecuencia para recuperarlo, no solamente mantuvieron la posesión con el “ánimo”, sino que impidieron que Guercio y Heredia Dávila pudieran llegar a consolidar un poder de disposición efectivo sobre lo sustraído. Máxime, teniendo en cuenta que, una vez concluida la persecución policial originada conforme lo señalado, se detuvo a los nombrados y se recuperó la suma de mención.
Por lo expuesto, estimo que el hecho investigado en autos debe ser calificado como robo agravado por su comisión con el uso de armas, en grado de tentativa, y por él deberán responder Walter Mario Guercio y Rubén Edison Heredia Dávila como coautores penalmente responsables (C.P., arts. 42, 45 y 166, inc. 2̊, primer párrafo).
[…]
IV. Por ello, propicio al acuerdo hacer lugar parcialmente a los recursos de casación interpuesto por la Defensa contra la sentencia de fs. 214/ 214 vta. y 219/229 , sin costas, y, en consecuencia, casar parcialmente los puntos dispositivos I y II, condenando, en definitiva, a Rubén Edison Heredia Dávila como coautor penalmente responsable del delito de robo agravado por el uso de armas, en grado de tentativa (C.P., arts. 42, 45 y 166, inc. 2̊, primer párrafo), a la pena de dos (2) años y seis (6) meses de prisión y costas -fijadas en la instancia anterior- y a Walter Mario Guercio como coautor penalmente responsable del delito de robo agravado por el uso de armas, en grado de tentativa (C.P., arts. 42, 45 y 166, inc. 2̊, primer párrafo), a la pena de dos (2) años y seis (6) meses de prisión y costas -fijadas en la instancia anterior-.
Así voto.
E o 3º juiz disse:
Que adhiere al voto que lidera el acuerdo.
Por ello, en mérito del acuerdo que antecede, por mayoría, el Tribunal resuelve: I. Rechazar el recurso de casación interpuesto a […]
Ou seja, a posição maioritária será a de que o verbo apoderar-se empregue pela tipo legal de crime exige o efectivo “apoderamento” por parte do sujeito activo do crime, isto é, a consolidação de um poder efectivo sobre a coisa e a possibilidade de realizar sobre ela actos de disposição, mesmo que seja por um escasso período de tempo, o que foi o caso porque durante um certo tempo e espaço os arguidos não foram perseguidos, lapso tempo-espacial breve mas por certo suficiente para dispôr do subtraído. Note-se que o voto de vencido vai no sentido de que nem assim haveria consumação (os empregados do comércio só perderam transitoriamente a detenção física do dinheiro; porém, ao haverem actuado consequentemente para recuperá-lo, não somente mantiveram a posse com animus, como impediram que os arguidos pudessem chegar a consolidar um poder de disposição efectivo sobre o subtraído. Maxime, tendo em conta que, uma vez concluída a perseguição policial originada conforme o assinalado, se detiveram os arguidos e se recuperou a soma mencionada).
Ou seja, de novo posição idêntica à da doutrina e jurisprudência espanhola (…a mesma da doutrina portuguesa, embora mais concretizada).
                                                                 *
               Posto isto, conclui-se que o crime de roubo praticado pelo arguido W… não ultrapassou a fase da tentativa, porque o arguido e o seu co--autor nunca chegaram a ter a disponibilidade do dinheiro que queriam subtrair, ou seja, o dinheiro nunca esteve, de uma maneira minimamente estável, no domínio de facto do agente da infracção (nunca este adquiriu um pleno e autónomo domínio sobre a coisa, domínio que pressupõe um mínimo plausível de fruição das utilidades da coisa que nunca se chegou a verificar) como decorre de ele ainda se encontrar no esfera de domínio do fruidor do espaço onde a coisa se encontrava e a exercer, ainda, violência sobre os detentores anteriores da coisa. E, poderia acrescentar-se, a polícia estava a controlá-lo desde antes da subtracção da coisa e qualquer fuga do local seria de imediato objecto de perseguição. 
                                                                 *
               Contra, diz o acórdão recorrido:
A descrita actuação do arguido e do seu acompanhante é indubitavelmente de molde a subsumir-se na tipicidade do crime de roubo, sendo, contudo, passível de discussão se  integra ou não a consumação do ilícito.    
A subtracção, que é o elemento constitutivo central dos tipos criminais do furto e do roubo, é definida por José de Faria Costa nos termos seguintes: […].
  Assim, para os tipos de crime em que a subtracção constitui o elemento central, o ilícito deverá considerar-se ou não consumado, consoante se tenha ou não completado a subtracção. […]
  Reconhecendo embora a dificuldade a delicadeza do tema, afigura-se-nos que, para o efeito que nos ocupa, uma coisa é a saída da coisa do domínio de facto do seu primitivo detentor e a sua entrada na disponibilidade fáctica do agente da infracção, outra coisa é a intervenção que uma entidade terceira a esta relação possa vir a ter no sentido de pôr termo a este novo domínio factual e a repor a situação anterior.
  Para dar um exemplo muito simples e facilmente compreensível, diremos que, se alguém praticar um «roubo por esticão», que tenha por objecto, por exemplo, uma mala a tiracolo, o crime consuma-se a partir do momento em que o agente activo consegue arrebatar do agente passivo o objecto em causa, não obstando à consumação a circunstância de o infractor ser de imediato perseguido e interceptado por agentes policiais. 
No caso presente, deverá entender-se que as importâncias monetárias visadas pela conduta do arguido e de N… saem da disponibilidade do Banco a partir do momento em que os dois assaltantes lhes deitam a mão e as guardam no interior de um saco que trazem consigo, passando eles, a partir daí, a exercer o domínio factual sobre tais quantias.
A acção das forças policiais é exterior a esta alteração de domínio factual e não chega a obstar a que se constitua sobre a coisa a disponibilidade do novo detentor de facto, apenas podendo, como efectivamente veio, impedir que esse nova situação se prolongue.
Nesta ordem de ideias, a conduta do arguido e do seu acompanhante é de molde a ter completado, ainda que em termos precários e não pacíficos, a subtracção das quantias monetárias a que eles deitaram a mão, no interior da agência bancária, devendo, como tal, ser reconduzida ao cometimento de um crime de roubo na forma consumada.
               Ou seja: o acórdão recorrido faz coincidir a subtracção com o domínio do facto, contra a advertência expressa da doutrina que cita; diz que o crime se consuma com a subtracção (e por isso considera consumado o roubo com a colocação do dinheiro no saco) quando a doutrina que cita diz que ele se consuma com o domínio do facto (e rejeita a colocação no saco como momento da consumação); sugere que a perseguição imediata [e, nos termos em que põe as coisas, também ininterrupta] da polícia não impede a consumação (ou melhor, o domínio do facto/a disponibilidade) do roubo, o que é contrariado por todo a doutrina citada acima, bem como da jurisprudência espanhola, argentina e peruana (contra existe apenas a maioria da jurisprudência brasileira e a menos recente jurisprudência portuguesa); e desconsidera o facto de o arguido e o seu co-autor nunca terem saído da esfera de domínio do detentor anterior contra a posição de toda a doutrina citada (e aqui, em especial, da portuguesa).
               Não procede assim a argumentação do acórdão recorrido, devendo o arguido ser condenado apenas pela tentativa de roubo.
                                                                 *
               Roubo que é, como se demonstra no acórdão recorrido, um roubo qualificado, pelas circunstâncias das alíneas a) e f) do nº. 2 do art. 204, aplicáveis por força do art. 210/2b), ambos do CP:
Com efeito, a quantia subtraída situa-se dentro da definição legal de valor consideravelmente elevado, cujo limiar inferior se cifrava, ao tempo dos factos, em 19.200€ e o arguido e o seu companheiro utilizaram na execução do crime duas pistolas, aptas a disparar munição real, e uma faca, objectos que se reconduzem ao conceito legal de arma para efeitos penais, estabelecido pelo art. 4 do DL 48/95 de 15/3, ou seja “qualquer instrumento, ainda que de aplicação definida, que seja utilizado como meio de agressão ou que possa ser usado para tal fim”.
                                                                IV
               Quanto ao concurso do roubo com o sequestro:
               Américo Taipa de Carvalho (Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo I, Janeiro de 1999, Coimbra Editora, pág. 415 – citado no acórdão recorrido) sobre o assunto diz:
Sabe-se que a violência é prevista como meio típico da realização de uma multiplicidade de crimes. Tal o caso, p. ex., da coacção, da coacção sexual, do roubo, da extorsão. Também é evidente que esta violência pode traduzir-se na privação da liberdade de movimentos. Ora essa consideração é decisiva para a questão do concurso; para resolver, em muitos casos, a questão da unidade ou pluralidade de crimes. Com efeito, sempre que a duração da privação da liberdade de locomoção não ultrapasse aquela medida naturalmente associada à prática do crime-fim (p. ex., o roubo, a ofensa corporal grave, a violação) e como tal já considerada pelo próprio legislador na descrição típica e na estatuição da pena deve concluir-se pela existência de concurso aparente (relação de subsidiariedade) entre o sequestro («crime-meio») e o crime-fim: roubo, violação, extorsão, etc., respondendo o agente somente por um desses crimes…Já haverá um concurso efectivo, quando a duração da privação da liberdade de movimento ultrapassar aquela medida.     
               Continua o autor, depois de citar um autor alemão:
         Assim, se, p. ex., A, para constranger B a realizar cópula com ele, prendeu B, durante mais de 24 horas, responderá pelo crime de violação e sequestro, e se não chegou a consumar a violação (art. 164), porque, ao fim de 4 horas de sequestro, apareceu uma terceira pessoa, responderá pelo crime de sequestro (art. 158/1) e pelo crime de violação na forma tentada. O mesmo se diga para o caso de C, querendo constranger D a vender-lhe um terreno, o encarcerar durante algumas horas; C responderá pelo crime de sequestro (art. 158/1) e pelo crime de coacção (art. 154/1).
               Conceição Ferreira da Cunha (Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo II, Dezembro de 1999, Coimbra Editora, pág. 162, sobre o assunto diz:
Se o sequestro (art. 158) é usado como meio para subtrair coisa alheia ou constranger à sua entrega, será consumido pelo crime de roubo (integrado no meio “pôr na impossibilidade de resistir” ou na própria violência ou ameaça, dependendo da situação concreta); no entanto, se se mantém o sequestro para além do necessário à consumação do roubo, já haverá concurso efectivo de crimes (neste sentido cita vários acórdãos).
                    A jurisprudência – como é o caso do ac. do STJ de 2/10/2003, referido abaixo – no essencial seguia estas ideias e tentava aplicá-las (vê-se isso também nos inúmeros acórdãos citados por este último).
      Outro caso de aplicação, aqui com conclusão no sentido de haver só crime de roubo, é o do acórdão do STJ de 05/12/2007 (Santos Monteiro) publicado sob o nº. 07P3864:
O crime de roubo pode, em vista da sua consumação, comportar uma limitação da liberdade de movimento para a vítima, enquanto elemento típico da sua realização, sendo aquele o bem jurídico que se tutela no crime de sequestro (art. 158 do CP) ou seja a capacidade de cada um se fixar ou deslocar livremente num espaço físico, substanciada no direito a não ser aprisionado, encarcerado, confinado a certo espaço físico não querido, que há-de perdurar por certo tempo, não podendo cingir-se a uma tão diminuta duração que deixe praticamente intacta aquela liberdade.
No crime de roubo o âmbito da limitação à liberdade ambulatória pode trazer problemas de concurso entre o sequestro e o roubo, no estabelecimento de uma relação concurso aparente ou real.
Este STJ, com geral uniformidade, firmou jurisprudência no sentido de que sempre que a duração da privação de liberdade individual não exceda o que é necessário para a consumação do roubo é de arredar o concurso real de infracções, reconduzindo a pluralidade à unidade sempre que tal privação se apresente como essencial, meio (crime –meio) para alcance do fim (crime –fim), sendo o sequestro consumido pelo roubo, por via de uma relação de subsidiariedade – cfr. Ac. de 16.11.2006, P.º n.º 2546/06 -5.ª Sec. e Comentário Conimbricense ao Código Penal, I, 415/416.
Sempre que tal privação se englobe num desígnio de roubo, apresentando-se proporcionada e necessária a limitação, a conduta do agente actualiza somente um crime de roubo.
[…]
Mais do que privar da liberdade o FF, os arguidos, ao apoderarem-se dos cartões de crédito, agiram na esperança de lograrem obter dinheiro da conta da vítima, levando-o a seguir o percurso supradescrito, tentando as caixas de Multibanco, tudo, parece-nos, em obediência àquela resolução criminosa de, pela via da violência, da ameaça e constrangimento, se apoderarem de dinheiro que lhes não pertencia, pelo que essa privação, grave, de liberdade surge como meio de alcançarem a subtracção e não autonomizada dela, antes com ela se fundindo.
O crime de sequestro, p . e p . pelo art. 158 do CP, destina-se à protecção do bem jurídico liberdade de locomoção ou liberdade ambulatória, a liberdade física de uma pessoa se deslocar para outro local. Trata-se de um crime de execução permanente, continuada, que se inicia com a privação da liberdade ambulatória e só cessa quando o ofendido alcance a liberdade de que foi privado.
Esse crime pode concorrer com o crime complexo de roubo, sendo esse concurso aparente, por uma relação de subsidiariedade, sempre que a duração da privação da liberdade não ultrapasse a medida naturalmente associada à consumação do roubo; pelo contrário esse concurso é efectivo, real, quando se prolongue para além dessa medida, do necessário à consumação do roubo, ou seja sempre que a extensão da privação se prolongue para além do necessário ao roubo, seja excrescente, ganhando autonomia incriminatória, sustentado já por um outro desígnio criminoso, preenchendo um distinto tipo de violação de valores jurídicos, hipótese que se não considera abrangida pela incriminação do crime de roubo.
Estas considerações resumem os ensinamentos, incontornados, sempre seguidos pela jurisprudência deste STJ e que, por isso mesmo, merecem mais uma vez reiteração, de que se destacam, entre outros, os seus acs. de 14.3.2002, in CJ, STJ, Ano X, I, 227; de 3.5.2000, P.º n.º 155/00; de 22.4.2002, CJ, Ano XVII, II, 19; de 20.1.94, P.º n.º 44407; de 2.7.98, P:º n.º 505/98; de 1.4.92, P.º n.º 42583; de 14.5.97, CJ, STJ, II, 205; de 8.10.97, P.º n.º 560/97; e 14.1.93, P.º n.º 43125; e da Rel. Coimbra, de 14.12.83, CJ, IX, I, 59; e de 22.10.86, CJ, XI, V, 110, BMJ 360-666.
No Ac. supracitado de 3.5.2000 retrata-se uma situação muito próxima da dos presentes autos em que a ofendida foi obrigada a acompanhar o arguido por vários locais, no seu veículo, para levantamentos de dinheiro com cartões Multibanco, na obediência a um desígnio criminoso de apropriação, cortado quando cessou a série de apropriações, caso de concurso aparente de infracções, funcionando a privação de liberdade como crime-meio, consumido pelo crime-fim.
               Cristina Líbano Monteiro, assistente da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, num comentário ao acórdão do STJ de 2/10/2003, comentário publicado na Revista Portuguesa de Ciência Criminal, nº. 15, de 2005, págs. 494/496, chamou a atenção para o seguinte:
O roubo é crime autónomo, no sentido de desenhado com independência pela lei. E esta tem diante de si o mundo da vida e não apenas outros tipos de crime. A acção social de roubar viola simultaneamente bens patrimoniais e bens pessoais. Por isso o legislador oferece, com o tipo do roubo, uma protecção também plural. Ninguém contesta, pois, que esse crime congrega vários bens jurídicos que se mostram, por sua vez, aptos para fundar, individualmente, outras incriminações.
Se assim é, deverá o intérprete redobrar a cautela, desconfiar, sempre que se trate de desunir o que a lei combinou, de devolver à efectividade o concurso que o tipo pretendeu tomar aparente.
[…] se a vítima tivesse dinheiro e não apenas cartões de débito, não precisaria de a levar consigo para que fosse ela, conhecedora do seu código, a fazer os levantamentos nas caixas Multibanco. Nas concretas circunstâncias, o plano do roubo precisava da presença forçada da vítima até ao exacto momento em que foi obrigado a deixá-la.
Quando, num qualquer roubo, se imobiliza quem pode opor resistência, normalmente não existe depois o cuidado de o soltar. Na verdade, diferentemente do furto, onde se usa a astúcia para subtrair bens alheios, no roubo utiliza-se a violência. E se, no furto, a impunidade se procura através desse mesmo carácter escondido do desfalque, no roubo, para o mesmo fim, continua a usar-se a violência.
[…]
Em suma: a unidade subjectivo-objectiva em que o delito consiste não parece ter aqui mais do que um sentido - o do roubo. A querer-se distingui-lo de tantos outros nos quais a liberdade de locomoção é igualmente lesada, não bastaria fazê-lo em sede de punição concreta? Não será suficiente a moldura penal do roubo para nela encontrar a medida da pena adequada a este tipo de comportamento? Precisamente por ela própria ser já, de algum modo, uma moldura de concurso, a penalidade do roubo oferece uma amplitude bastante para distinguir não só entre bens jurídicos atingidos (penso agora sobretudo nos pessoais, que podem variar), como também entre lesões mais e menos profundas ou extensas de cada um deles. (Para além de permitir ainda avaliar a gravidade da 'parte' patrimonial do delito.).
               E a partir de então reduziu-se ainda mais os casos que têm sido enquadrados como roubo e sequestro.
               Assim, todos os que se seguem, são casos em que os arguidos foram condenados só por roubo:
               Acórdão do STJ de 16/10/2008, já referido acima:
Nos termos do disposto no art. 158º nº 1 do Código Penal, comete o crime de sequestro “quem detiver, prender, mantiver presa ou detida outra pessoa ou de qualquer forma a privar da liberdade”
Protege-se com este crime a liberdade de locomoção, consistindo a conduta do agente em privar outrem da liberdade de se deslocar, da liberdade de mudar de lugar. Essa conduta pode constituir uma acção [detiver, prender] ou uma omissão [mantiver presa ou detida], existindo ainda uma cláusula geral [ou de qualquer forma privar da liberdade] que, por referência aos meios da conduta privadora da liberdade, considera relevante todo e qualquer meio desde que adequado a impedir a liberdade de deslocação, sendo como tal reconhecidas a violência ou a ameaça. (Cfr. Américo Taipa de Carvalho, Comentário ao Código Penal Conimbricense, I, pág. 407).
O Ministério Público neste Supremo Tribunal, no visto inicial, emitiu parecer no sentido de que a matéria de facto é claramente insuficiente para suportar a conclusão acerca da existência de privação de liberdade da vitima após o roubo, afirmando: “a matéria de facto nada nos diz sobre se a vítima ficou (ou não) durante os ‘recomendados’ 5 minutos (ou menos) no prédio, privado de liberdade; a assumida conclusão da decisão de direito sobre a existência de privação de liberdade não tem suporte naquela matéria”. Considera verificar-se o vício do art. 410º nº 2 als. a) e b) do Código de Processo Penal, devendo proceder-se ao reenvio dos autos.
Atende-nos à matéria de facto, sabe-se que o arguido revistou os bolsos das calças do ofendido DM, e cujo bolso esquerdo um telemóvel de marca Nokia, , avaliado em 59€ (facto nº 2), tendo ordenado ao DM, seguidamente que se deslocasse para o interior de um prédio, ao mesmo tempo que lhe dizia que tinha uma faca no bolso. O DM, atemorizado com estas palavras, dirigiu­-se ao dito prédio, onde o arguido revistou a mochila do ofendido, daí retirando a quantia de 1€ (factos nºs 3 a 5) . Depois, o arguido entregou o telemóvel ao DM para que este retirasse o cartão, no que foi obedecido, tendo, acto contínuo, pedido novamente o telemóvel, que o ofendido entregou. (factos nºs 6 e7). De seguida, estando o arguido e o indivíduo de partida, este pegou num pedaço de vidro partido, e proferiu as seguintes palavras na direcção do ofendido "agora ficas aí dentro que eu vou por aqui", apontando para a rua na direcção do rio e "esperas aí cinco minutos e se saíres daí eu venho cá e levas na boca" (facto nº 8), após o que abandonaram o local, colocando-se em fuga (facto nº 9).
Sabe-se também que o arguido AA agiu em conjugação de esforços e de intenções com o referido indivíduo, com o propósito de se apoderar do telemóvel e da quantia em dinheiro que encontravam na posse do DM, que sabiam não lhe pertencer e que actuavam contra a vontade do seu dono, sabendo também que não podiam apoderar-se de tais coisas, intimidando e atemorizando o ofendido (factos 11 e 12) e que “o arguido AA sabia que não podia ser exigido ao DM para se manter no interior do prédio, contra a vontade do mesmo, enquanto se punha em fuga com o outro indivíduo” e que “sabia que dessa forma estava a privar a liberdade de movimentos do DM” (factos nºs 13 e 14).

O arguido vem acusado da prática de um crime de roubo, previsto no art. 210º nº 1 do Código Penal, punível com pena de 1 a 8 anos.
O roubo é um crime complexo, que ofende bens jurídicos patrimoniais e bens jurídicos pessoais, configurados, os primeiros no direito de propriedade sobre móveis e os segundos, na liberdade de acção e decisão e na integridade física, bens jurídicos postos em causa pela violência contra uma pessoa, pela ameaça com perigo iminente para a vida ou a integridade física ou pela colocação da vítima na impossibilidade de resistir.
Ou, como afirma a Drª Cristina Líbano Monteiro, “o tipo legal de roubo provém, por assim dizer de um concurso efectivo. Unificado pelo legislador, é certo, mas concurso. Não se torna difícil imaginar as combinações de delitos que pode conter. A um elemento constante, o furto - ainda que em rigor se contemplem ataques à propriedade que estão para além da subtracção prevista no art 203.° do Código Penal -, juntam-se ora a coacção, ora a ameaça, ora ofensas à liberdade, à integridade física ou à própria vida”.
 Por isso, a jurisprudência tem considerado que o sequestro, quando existe, integra o roubo. Todavia, nas situações em que as restrições à liberdade se prolongam para além do razoável é admitida a possibilidade da punição do crime de sequestro ser levada a efeito em concurso real de infracções com o crime de roubo. Para distinguir as situações em que o atentado à liberdade de locomoção integra um crime de roubo, daqueles outros em que é admissível a punição autónoma como crime de sequestro, importa reflectir acerca do momento em que se deve entender como consumado o crime de roubo, o que nos remete para o conceito de subtracção.
[…]
No roubo, sendo os bens alheios subtraídos pela violência, existindo, portanto, uma proximidade física entre o agente do crime e sua vítima, em que esta poderá, em qualquer momento do processo, ensaiar uma reacção à prática do crime para evitar a respectiva concretização, torna-se bem mais premente a exigência de estabilidade da coisa no domínio de facto do agente para que se tenha o crime por consumado.
Significa isto que, tendo ocorrido uma restrição à liberdade do ofendido até ao momento do desapossamento da coisa relativamente ao anterior fruidor, se deva admitir que tal restrição se prolongue para além do preciso momento físico em que a coisa passou da esfera do ofendido para a do agente do crime, por o apropriação por parte do agente só se considerar verificada quando exista alguma estabilidade no respectivo domínio do facto, o que não significa, como chegou a ser exigência jurisprudencial, que o domínio de facto tenha de se operar em pleno sossego.
“Sempre que a privação de liberdade ambulatória se englobe num desígnio de roubo e se apresente proporcionada e necessária a este desígnio, a conduta do agente integra somente um crime de roubo” (cfr. acórdão de 29-05-2008 - proc. 1313/08-5, relatado pelo Conselheiro Santos Carvalho). Nesta decisão, todavia, que expressamente reafirma jurisprudência constante do Supremo Tribunal de Justiça procedeu-se à advertência quanto à necessidade de “olhar de outro modo os factos provados” interpretando-os cuidadosamente, como forma de evitar que, em casos similares, se julgue verificada nuns casos, e noutros não, a existência de concurso efectivo entre os crimes de roubo e de sequestro.
Volvendo à situação dos autos, mostram estes que, depois de o ofendido ter sido conduzido para o interior do prédio, onde ficou desapossado do telemóvel e do dinheiro, o indivíduo não identificado que, em comunhão de esforços, interagia com o recorrente, ameaçou a vítima com a prática de um acto contra a integridade física, exibindo simultaneamente um caco de vidro, impondo-lhe que permanecesse no mesmo local, durante 5 minutos, enquanto os agentes do crime de afastavam.
A interpretação destes factos permite afirmar que esta actuação conjunta dos dois agentes teve como finalidade garantir estabilidade no respectivo domínio do facto, evitando qualquer perseguição por parte da vítima, ou por quem a pretendesse auxiliar, devendo, portanto, o seu comportamento ser considerado como pertencendo ainda ao desígnio do roubo.
               Ac do STJ de 12/02/2009 (Arménio Sottomayor), publicado sob o nº. 09P0110:
A doutrina e a jurisprudência vêm entendendo que, no crime de roubo, sempre que a violência se traduza numa privação da liberdade ambulatória, o que integraria um crime de sequestro, o agente não será punido por esse crime, se aquela privação de liberdade for utilizada como meio, e enquanto tal, para apropriação de determinado bem, existindo uma relação de consunção do sequestro pelo roubo (cfr. Comentário Conimbricense do Código Penal, I, pág. 415 e II, pág. 177; tb Paulo Pinto de Albuquerque, op. cit., pág. 427). Consunção que opera sempre que os valores protegidos por determinadas normas criminais estão já contidos noutros tipos legais de crime, de modo que uma norma consome a protecção que outra concede, prevalecendo sobre ela e excluindo a sua aplicação.
Todavia, nem sempre assim acontece com os crimes de roubo e de sequestro. Casos há em que o sequestro se prolonga muito para além do tempo de violação da liberdade ambulatória necessário para que o agente, através da violência, se aproprie ou faça com que lhe seja entregue determinado bem, verificando-se, então, nesse caso a existência de um concurso real de infracções.
A decisão recorrida considerou a este respeito que “… o que é necessário é que a vítima seja privada da sua liberdade, não sendo relevante a distinção entre deter e prender, dado que o legislador, tipificando embora certas condutas privativas da liberdade (deter, prender), alargou o âmbito da norma através da expressão "de qualquer forma a privar da sua liberdade". Consequentemente, todo e qualquer processo de privação da liberdade ambulatória de outrem será tipicamente relevante.
Caberão, portanto, aqui os exemplos oferecidos por Maia Gonçalves: privação de um deficiente dos seus meios de locomoção; privação de uma pessoa do seu vestuário de modo a não poder deslocar-se sem ferir o pudor; fazer ingressar outrem ilegalmente num estabelecimento psiquiátrico, etc.
É facto provado que os arguidos, detiveram, e mantiveram privados na sua liberdade de acção - ius ambulandi - os aqui ofendidos.
Acrescente-se ainda que no caso, tal processo privativo da liberdade foi ilegítimo Inexiste nos autos qualquer causa de legitimação da acção dos arguidos, antes pelo contrário, a sua acção é descabida e ilegítima.
Por outro lado, tal processo de privação da liberdade deve ainda ser censurável.
Na verdade, para que a conduta seja penalmente relevante, é necessário que se verifique uma verdadeira privação da liberdade ambulatória.
Mas para isso bastará que a vítima esteja limitada nos seus movimentos por apenas alguns momentos?
É o problema da influência do elemento temporal ao nível do crime de sequestro.
Ora, o certo é que o tipo não exige, para ser preenchido, um tempo mínimo de limitação da liberdade. Além disso, boa parte dos autores e da jurisprudência pronunciam-se no sentido dessa não exigibilidade.
Porém, e como se refere no Ac. do STJ de 3-10-1990, relatado por Maia Gonçalves, "a privação da liberdade, para que possa ter algum significado e relevância como elemento do crime de sequestro, não deverá ter uma duração tão diminuta que verdadeiramente não afecte a liberdade de locomoção".
Assim sendo, e na nossa perspectiva, a limitação da liberdade ambulatória tem de assumir uma relevância temporal que permita estender-lhe a tutela penal. De outra forma, tal conduta limitativa encontrar-se-á abaixo do limiar mínimo de tutela penal, não podendo reconduzir-se ao tipo aqui em análise.
Por outras palavras, é necessário que a conduta de limitação da liberdade ambulatória atinja uma determinada duração, um certo relevo, por forma a que se possa afirmar ter sido a vítima privada da sua liberdade de locomoção, e ter sido ofendido o bem jurídico protegido. Tendo a conduta satisfeito este requisito (existindo privação da liberdade), já a duração da privação da liberdade apenas terá efeitos ao nível da dosimetria penal (grau de ilicitude e da culpa).
Os ofendidos estiveram privados da liberdade, por acção dos arguidos, que o coarctaram nos seus movimentos por período seguramente superior a uma hora.
Como se referiu, o Supremo Tribunal de Justiça vem entendendo que sempre que a duração da privação de liberdade individual não exceder o que é necessário para a consumação do roubo, é de arredar o concurso real de infracções, reconduzindo a pluralidade à unidade nas situações em que a privação da liberdade se apresenta como essencial (crime-meio) para alcance do fim (crime-fim), sendo o sequestro consumido pelo roubo, por via de uma relação de subsidiariedade (cfr., por todos os acs. de 05-01-2005 – proc. 4208/04).
O concurso é, pelo contrário, efectivo, quando a privação da liberdade se prolongar ou se desenvolver para além daquela medida, apresentando-se a violação do bem jurídico protegido no crime de sequestro, a liberdade ambulatória, em extensão ou grau tais que a sua protecção não pode considerar-se abrangida pela incriminação pelo crime de roubo (cfr. ac. de 22-11-2000 - proc. n° 2942/2000-3).
No domínio da aplicação destes princípios podemos encontrar entendimentos diferentes, nomeadamente quando, como é o caso, depois de o agente se apropriar dum cartão de débito, como o de Multibanco, o ofendido permanece retido, sendo impedida a sua liberdade de circulação enquanto não forem feitos levantamentos da sua conta, através da utilização do cartão.
Maioritariamente, este Supremo Tribunal tem entendido que, nesses casos, existe um concurso real entre os dois crimes, considerando que a “prolongada violação do ius ambulandi não era necessária ao cometimento do roubo e visava tão só assegurar [ao agente] mais oportunidades de delinquir e a maior impunidade possível”. (cfr., por todos o ac. de 2-10-2003 – proc. 2642/03).
Todavia, noutras decisões entendeu-se que o crime de sequestro foi instrumental do crime de roubo, encontrando-se numa situação de concurso aparente, quando o agente limitou a liberdade de locomoção do ofendido, obrigando-o a acompanhá-lo a caixas Multibanco e aí a proceder a levantamentos.
O referido acórdão de 2-10-2003 foi objecto de uma apreciação crítica […] da Drª Cristina Líbano Monteiro [citada acima]
Esta chamada de atenção respeitante à interpretação dos factos encontrou eco no Supremo Tribunal de Justiça, que, no acórdão de 29-05-2008 – proc. 31/08 [será o caso publicado sob o nº. 08P1313: num dos crimes de roubo, os sequestrados são dois, só um deles sendo detentor de um cartão multibanco roubado; o STJ condenou só por roubo, não autonomizando nenhum sequestro] atendendo a que “sendo o plano inicial (ou subsequente) dos criminosos apoderarem-se de todos os bens das vítimas, em especial dos cartões de crédito ou de débito, para com o uso destes obterem maiores proventos do que os que transportavam fisicamente consigo, era indispensável manterem-nas sem liberdade ambulatória enquanto as mesmas não revelassem os códigos secretos e não fosse confirmada a veracidade da informação e concluídos os levantamentos/pagamentos” julgou que “a privação da liberdade [num dos casos de 10 horas] não excedeu o estritamente necessário à consumação dos roubos, tal como foram planeados e executados”, e, em consequência, decidiu que os agentes cometeram apenas crimes de roubo, a que “acresce uma mais elevada censura objectiva e subjectiva, resultante de neles se considerar englobada uma maior privação da liberdade ambulatória do que a inicialmente considerada”.
Volvendo ao caso dos autos.
Conforme se deu como provado, ao arguidos abordaram os ofendidos EE e CC cerca das 00,40, e enquanto o arguido BB ficou de guarda ao EE e à CC, conservando-os sob a ameaça da «pistola», o arguido AA logrou levantar a quantia de € 20,00 da conta bancária do EE cerca das 02H32, “indo de seguida até às proximidades do campo de tiro existente no Monte de Santa Luzia, onde deixou o Citroen [que pertencia ao EE], após o que voltou ao local onde deixara os ofendidos e o arguido BB.” E quanto aos ofendidos DD e EE, deu-se como provado que os arguidos os abordaram cerca das 23H45, tentaram então que os ofendidos se metessem na bagageira do Volkswagen que pertencia ao DD, espaço que não era suficiente para os dois, pelo que ali obrigaram a entrar o DD enquanto a EE viajaria no banco de trás, mas atolaram o veículo numa vala, o qual ficou imobilizado, pelo que o BB ficou de guarda aos ofendidos, enquanto o AA tentou levantar dinheiro num terminal multibanco com o cartão da ofendida EE, que lhe forneceu o respectivo código, o que só conseguiu entre as 00h01 e as 03H00, “após o que voltou ao local onde se encontravam os restantes”.
Também aqui os agentes planearam e executaram crimes de roubo, servindo o sequestro, apesar da sua duração, de crime-meio, pois permitiu aos agentes apoderarem-se de importâncias em dinheiro utilizando os cartões de Multibanco que, pela violência, retiraram aos seus legítimos portadores, tendo conseguido, por esse mesmo meio, determinar estes a revelarem-lhes os respectivos códigos de acesso. A manutenção dos ofendidos sem liberdade ambulatória foi ainda necessária para que fosse confirmada a veracidade dos códigos de acesso, possibilitando os levantamentos de dinheiro. Por isso pode concluir-se que a privação da liberdade não excedeu o estritamente necessário à consumação dos roubos, tal como foram planeados e/ou executados.
Procede, assim, nesta parte, o recurso, devendo o recorrente ser absolvido dos crimes de sequestro.
Tal não significa, porém, como oportunamente se verá, que deva verificar-se uma diminuição da pena, na medida em que o crime de roubo surge agora agravado na sua ilicitude por nele se integrar o tempo em que os ofendidos estiveram privados da sua liberdade ambulatória.
[…]
Como acima se deixou referido, a circunstância de se dever considerar a limitação da liberdade deambulatória como integradora do crime de roubo, em vez de tal facto ser autonomamente punido como crime de sequestro, determina um agravamento da ilicitude do roubo, o qual se deve traduzir num aumento da medida da pena a aplicar aos crimes de roubo, que, no entanto, não pode, de modo algum, violar o princípio da proibição da reformatio in pejus.
                    Note-se que, neste caso, nos quatros crimes de roubo verificou-se o sequestro de 4 pessoas, só duas delas titulares de cartão de multibanco. Os arguidos tinham sido condenados, por 4 crimes de roubo e 4 crimes de sequestro. O STJ condenou só por 4 crimes de roubo. Ou seja, apesar de haver só dois detentores privados dos cartões de multibanco e de terem sido 4 as pessoas privadas da liberdade, considerou-se (implicitamente) que todos os 4 sequestros estavam consumidos pelos crimes de roubo.
      Ac. do TRC de 11/03/2009 (Fernando Ventura), publicado sob o nº. 520/06.3JALRA:
A fronteira entre o crime de roubo e outros tipos de crime constitui seguramente um problema sempre complexo e difícil. As razões para que tal aconteça prendem-se na maior parte das vezes com a configuração complexa do crime tipificado no art. 210 do CP, ele próprio uma unificação pelo legislador de diferentes desvalores, em que a um elemento constante – a subtracção característica do furto – se juntam, ora a coacção, ora a ameaça, ora a ofensa à integridade física [cfr. Cristina Libâno Monteiro, RPPC, ano 15, nº3, pág. 494, salientando que o tipo legal de roubo provém, por assim dizer, de um concurso efectivo unificado pelo legislador]. Reconhece-se, assim, na esfera de protecção do crime de roubo contemplada uma pluralidade de ilícitos puramente instrumentais (crime-meio), os quais, por via de regra, estão numa relação de concurso aparente com o crime-fim.
[…]
Passemos agora à relação roubo-sequestro, um dos exemplos mais frequentes de relacionamento instrumental entre dois tipos de crime, ou seja, em que «um ilícito singular surge, perante o ilícito principal, unicamente como meio de o realizar e nesta realização esgota o seu alcance e os seus efeitos» [[xix]]. Quando assim acontece, a solução passa por reconhecer que existe concurso aparente e prevalece o crime dominante: o crime-fim. Simplesmente, existem situações em que o agente ultrapassa a fronteira da instrumentalidade e, para além do necessário à realização do crime-fim, prossegue na conduta lesiva do bem jurídico tutelado pelo crime-meio. Também nessas situações, não se encontra violação da proibição jurídico-constitucional da dupla valoração, pois a danosidade social não se esgota na relação de instrumentalidade e deve ser afirmado o concurso efectivo.
O crime de sequestro é exemplo de crime de execução permanente e não vinculada, em que se tutela o bem jurídico liberdade de locomoção, sendo a privação da liberdade e o constrangimento daí resultante uma das possibilidades de execução do crime de roubo. Quando assim acontece, ou seja, quando a subtracção ou a entrega por constrangimento de coisa móvel é precedida ou contemporânea de privação da liberdade ambulatória, o critério reconhecido pela doutrina [Taipa de Carvalho, Comentário Conimbricense, I, Coimbra Ed., 1999, pág. 415] e pela jurisprudência [acs. do STJ de 20/11/2008, Pº 08P0581, relator Cons. Souto Moura;, de 16/10/2008, Pº 08P1221, relator Cons. Arménio Sottomayor; de 10/10/2007, Pº 07P2301, relator Cons. Henriques Gaspar; de 05/12/2007, Pº 07P3864, relator Cons. Santos Monteiro; de 22/02/02/2006, Pº 05P4129, relator Cons. Oliveira Mendes, de 05/01/2005, Pº 04P4208, relator Cons. Henriques Gaspar; e de 18/04/2002, Pº 02P629, relator Cons. Simas Santos] para discernir entre as situações de concurso real e de concurso aparente passa pela ultrapassagem, ou não, da medida naturalmente associada à prática do crime de roubo. Para tanto, a perspectiva que nos deve nortear encontra-se na vontade que, em concreto, animou o agente do crime, i.e. no desígnio criminoso [crítica relativamente à apreciação objectiva dessa necessidade, Cristina Libâno Monteiro, ob. cit. 492 e segs]. Como se escreve em aresto recente do STJ: «No crime de roubo verifica-se sempre alguma limitação da liberdade ambulatória, o que pode trazer problemas de concurso – aparente ou real – entre o sequestro e o roubo. Este STJ tem firmado jurisprudência no sentido de que, sempre que a duração da privação de liberdade individual não exceda o que é necessário para a consumação do roubo, é de arredar o concurso real de infracções, reconduzindo a pluralidade à unidade sempre que tal privação se apresente como essencial (crime-meio) para alcance do fim (crime-fim), sendo o sequestro consumido pelo roubo, por via de uma relação de subsidiariedade [...]. Assim, sempre que tal privação da liberdade ambulatória se englobe num desígnio de roubo e se apresente proporcionada e necessária a este desígnio, a conduta do agente integra somente um crime de roubo» [Ac. do STJ de 29/05/2008, Pº 08P1313, relator Cons. Santos Carvalho].
[…]
À luz destas considerações, cumpre apreciar o caso em apreço, começando por ponderar a relação roubo-sequestro. Nos termos já referidos, a subtracção através de violência atingiu-se com a retirada dos bens pelo arguido D... e, nessa parte do iter criminis, afigura-se claro que a privação da liberdade de locomoção não ultrapassou a fronteira da instrumentalidade. O domínio e a submissão pretendida pelos arguidos passaram, claramente, pelo manietar da vítima. Cabe então considerar que o desvalor do crime de sequestro encontra-se, todo ele, contido no crime dominante: o crime de roubo.
Já na segunda parte da conduta, em que a vítima … foi obrigado através de violência a acompanhar os arguidos até uma máquina ATM e a nela levantar quantia monetária, essa relação de instrumentalidade não assume a mesma nitidez. No entanto, cremos que também aí não se pode dizer que a privação da liberdade de locomoção ultrapassou o necessário para atingir o desiderato perseguido pelos arguidos. Na verdade, é sabido que o levantamento no sistema bancário multibanco carece da introdução do cartão e digitação do PIN[xxiv] pelo que, tendo ficado provada a intenção dos arguidos de que essa operações fossem efectuadas pela vítima, e não por eles próprios, então o sequestro configura-se como peça indispensável para a execução do plano criminoso, sem autonomia. Os arguidos pretendiam dinheiro - todo o dinheiro que a vítima tivesse consigo e pudesse obter a curto prazo, e também meios de pagamento que permitissem a obtenção de dinheiro no futuro próximo - mesmo que para tanto fosse necessário manietar e, em geral, privar da liberdade a vítima. Assim decorre, com nitidez, da circunstância da descrição do sucedido no dia 14/12/2008 constante dos factos provados terminar exactamente no momento em que o dinheiro levantado foi entregue aos arguidos, o que significa que a partir desse momento … deixou de sofrer constrangimento físico.
[…]
Importa, pelo exposto, concluir pela procedência parcial da questão colocado pelo arguido, ou seja, pela absolvição dos arguidos quanto ao crime de sequestro p. e p. pelo art. 158, nº1 do CP, porque consumido pelos crimes de roubo […].
      Ac. do TRC de 04/03/2009 (Gabriel Catarino), publicado sob o nº. 408/07.0GBILH.C1 escreveu-se:
 “Concurre concurso ideal cuando el autor vulnera mediante una misma acción varias leys penales o varias veces la misma ley penal. Dos son, pues, elos requisitos dela concurso ideal: por una parte, debe concurrir unidad de acción y, por outra parte, mediante una única acción debe tener lugar una pluralidad de infracciones a la ley”. Cabe, para ello, tanto la aplicabilidad de distintas leyes penales como también la possibilidad de que la misma ley resulte varias veces aplicable. El primer caso se denomina concurso ideal heterogéneo y el segundo ideal homogéneo” [Cfr. Jescheck, Hans-Heinrich, Tratado de Derecho Penal, Parte General, Vol. II, Bosch, 1981, pág. 1011]
Em contrapartida do concurso ideal ou aparente está o concurso real que ocorre quando vários factos puníveis independentes são julgados no mesmo processo. [[idem]]
“En tanto que el concurso ideal y el real se diferencian claramente y gracias a elos conceptos básicos, respectivamente concurrentes, de unidad de acción y pluralidad de acción, la unidad de ley puede concurrir en ambos casos y presentarse, tanto en forma de “aparente (impropio) concurso ideal” como de “aparente (impropio) concurso real”. La delimitación de la unidad de ley debe efectuarse, por ello, com la ayuda de otros critérios. Las cuestiones que aquí aparecen resultan altamente polémicas hasta en la terminologia. La opinión mayoritaria distingue entre especialidad, subsidiariedad y cosunción.
1. La relación de especialidad concurre cuando un precepto penal reúne todos elos elementos de outro y solo se diferencia de él en el hecho de que por lo menos contiene un elemento adicional que permite contemplar el supuesto de hecho bajo un punto de vista específico.
2. Subsidiariedad significa que un precepto penal solo ha de encontrar aplicación de forma auxiliar, para eI caso de que no intervenga ya outro precepto penal. El fundamento material de la subsidiariedad lo ve Honig en eI hecho de “que distintas proposiciones jurídico-penales protegen el mismo bien jurídico en distintos estadios de ataque”. La estructura lógica de Ia subsidiariedad no es la de la subordinación, sino la de la interferência.
3. Especialmente polémico es el supusesto de consunción. Con carácter general solo cabe afirmar que hay que estimar consunción cuando el contenido de injusto y de culpabilidad de una acción típica alcanza, incluyéndolo, a outro hecho o a outro tipo, de suerte que la condena basada en un solo punto de vista jurídico va expresa, de forma exhaustiva, el desvalor de todo el proceso: “lex consumens derogat legi consumptae”. [[idem]]
Lapidarmente escreveu-se no douto ac. do STJ de 10.10.2007 [citado acima]
Com este cenário doutrinal e jurisprudencial como tela de fundo para o enquadramento jurídico-penal das condutas levadas a cabo pelos arguidos haverá que apurar se o crime de sequestro, pelo qual os arguidos sofreram condenação autónoma, por se não haver considerado que não estavam numa relação de subsidiariedade relativamente ao crime de roubo.
O crime de roubo é um crime complexo que envolve para além de ofensa a bens patrimoniais uma acção lesiva da liberdade de individual, da integridade física e/ou da autodeterminação do sujeito passivo. Numa acção de roubo para além da privação de um bem ou coisa material, o sujeito activo atenta contra bens jurídicos que se encastoam no conceito de bens pessoais, como sejam a liberdade individual e/ou a integridade física. [[14]] Ocorrendo uma situação em que o agente para consecução do objectivo do crime-fim (crime de roubo) exerce uma acção violenta sobre o sujeito passivo e o priva de liberdade durante o tempo suficiente à obtenção do resultado querido o crime de sequestro fica em relação de subsidiariedade com o crime de roubo porquanto na descrição típica deste tipo de ilicito já está englobada a agravação penal com que se pretende proteger a violação da integridade física ou, no caso do crime de sequestro, o direito à liberdade e/ou o direito ambulatório ou de liberdade de movimentos.
Como se refere no douto aresto citado na nota de rodapé assinalada com o n.º 14 desde que a acção ilícita de privação de liberdade tenha como único fim a obtenção do dinheiro que tinham intenção de se subtrair ao património do sujeito passivo o crime de sequestro queda numa relação de subsidiariedade com o crime de roubo não devendo ser autonomizado e punido isoladamente.
No caso concreto, os arguidos obrigaram os ofendidos A... e B...a entra no veículo tendo-os conduzido, expressamente e com único fito de retirarem dinheiro da caixa multibanco sita no local mais próximo do local onde foram interceptados e obrigados a acompanhar os arguidos. Logo a seguir dirigiram-se com os arguidos até um parque de estacionamento onde estavam as bicicletas em que os ofendidos se faziam transportar. O tempo de privação de liberdade correspondeu ou teve como único fim conduzirem o sujeito passivo – o ofendido A... – até ao local onde se poderiam apropriar das quantias que tinham intenção de fazer suas. Neste quadro factual o crime de sequestro encontra-se na referida relação de subsidiariedade não podendo ser punido autonomamente. Procedem, nesta parte os recursos dos arguidos.
        Figueiredo Dias, na 2ª edição do seu Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, Agosto de 2007, Coimbra Editora, com vários capítulos novos, três deles sob um título dedicado ao concurso, obra que começa a ser “recebida” agora (é citada no acórdão do TRC de 11/03/2009), esclareceu, entretanto, o seguinte:
Pág. 989:
é a unidade ou pluralidade de sentidos de ilicitude típica, existente no comportamento global do agente submetido à cognição do tribunal, que decide em definitivo da unidade ou pluralidade de factos puníveis e, nesta acepção, de crimes. Ou seja, há concurso de crimes em todos os casos em que o comportamento global do agente preenche mais que um tipo legal – ou o mesmo tipo legal várias vezes – concretamente aplicáveis.
Desta circunstância não resulta por necessidade que o tratamento unitário de toda a categoria deva ser unitário e submetido, em termos de punição, à pena conjunta do art. 77. Uma tal solução não é compatível com aqueles casos, embora tecnicamente de concurso, em que os conteúdos de ilícito – segundo o seu sentido no contexto do comportamento global – se interceptam parcialmente em maior ou menor medida.       
Pág. 990:
Há pois dois grupos de casos:
- o caso normal em que os crimes em concurso são na verdade recondutíveis a uma pluralidade de sentidos sociais autónomos dos ilícitos típicos cometidos e, deste ponto de vista, a uma pluralidade de factos puníveis – hipótese a que chamaremos de concurso efectivo (art. 30/1), próprio ou puro;
- e o caso em que, apesar do concurso de tipos legais efectivamente preenchidos pelo comportamento global, se deva ainda afirmar que aquele comportamento é dominado por um único sentido autónomo de licitude, que a ele corresponde uma preponderante e fundamental unidade de sentido dos concretos ilícitos-típicos praticados – hipóteses que chamamos de concurso aparente, impróprio ou impuro.
Com a consequência de que só para o primeiro grupo de hipóteses deverá ter lugar uma punição nos termos do art. 77, enquanto para o segundo deverá intervir uma punição encontrada na moldura penal cabida ao tipo legal que incorpora o sentido dominante do ilícito e na qual se considerará o ilícito excedente em termos de medida da pena.
Mas, a pág. 990/991, esclarece:
[…] haverá que começar por determinar se uma pluralidade de normas ou de leis incriminadoras convocadas em abstracto por um certo conteúdo de ilícito são concretamente aplicáveis umas ao lado das outras [=> concurso de crimes: cap. 43] ou se, diferentemente, há uma(s) norma(s) que prevalece(m) sobre a(s) outra(s) e exclui(em) por conseguinte a sua aplicação [=> unidade de lei =>cap. 42: é aqui que se põem as questões da especialidade e subsidiariedade; relação de especialidade que existe entre o tipo simples e o tipo complexo em que aquele se integre: por exemplo: roubo e tipos integrantes de furto e de ofensa à integridade física e/ou à liberdade individual: pág. 994].
Se [num segundo momento…] face às normas concreta e efectivamente aplicáveis, vários tipos legais se encontrarem preenchidos pelo comportamento global haverá concurso, mas não necessariamente concurso efectivo, pois pode ser aparente. Se apenas um tipo legal foi preenchido, será de presumir que nos deparamos com uma unidade de facto punível, presunção que pode ser elidida se se mostrar que um e o mesmo tipo especial de crime foi preenchido várias vezes pelo comportamento do agente [=> cap. 43].
               Dito, este último parágrafo, de outro modo (pág. 1011):
A pluralidade de normas típicas concretamente aplicáveis ao comportamento global [ou seja, ultrapassada a questão da unidade da lei, isto é, as questões da especialidade e da subsidiariedade] constitui sintoma legítimo ou presunção prima facie de uma pluralidade de sentidos de ilícito autónomos daquele comportamento global e, por conseguinte, de um concurso de crimes efectivo, puro ou próprio. Casos existem, no entanto, em que uma tal presunção pode ser elidida porque os sentidos singulares de ilicitude típica presentes no comportamento global se conexionam, se intercessionam ou parcialmente se cobrem de forma tal que, em definitivo, se deve concluir que aquele comportamento é dominado por um único sentido de desvalor jurídico-social; por um sentido de tal modo predominante, quando lido à luz dos significados socialmente relevantes – dos que valem no mundo da vida e não apenas no mundo das normas -, que seria inadequado e injusto incluir tais casos na forma de punição prevista pelo legislador quando editou o art. 77.
                    Ou seja, Figueiredo Dias deixa hoje claro que o concurso aparente nada tem a ver com um concurso de normas ou de leis, que não existe; e que não se deve falar de concurso de normas, pois o que há é unidade de lei: as operações de natureza lógico-conceitual da subsidiariedade e da especialidade vão apurar que apenas uma das normas é aplicável. Quando se fala de concurso aparente, de crimes, já se passou aquela primeira operação (veja-se pág. 992).
               E, neste sentido, há hoje coincidência com o que é defendido por Luís Duarte D’Almeida, O “Concurso de Normas” em Direito Penal, Almedina, Março de 2004. Por exemplo (págs. 129 e 131):
                   Não há qualquer “concurso de normas” se coube apenas seleccionar, para verificação subsuntiva de aplicabilidade interna, um tipo legal de crime. […] “Concurso de normas”, por isto tudo, é coisa que não existe.
              No mesmo sentido, veja-se a citação que acima fez de Jescheck o ac. do TRC de 04/03/2009.
                    Daqui decorre que, em princípio, não há, num caso de furto + sequestro [= traduzindo este a violência ou a colocação da pessoa na impossibilidade de resistir – Cristina Monteiro, obra citada, pág. 493], um problema de concurso de crimes, mas um problema de unidade de lei, de uma operação de natureza lógico-conceitual, de um trabalho sobre normas (pág. 992 – aqui como abaixo ainda de Figueiredo Dias). Aplica-se só o tipo complexo e não os tipos simples dele integrantes (pág. 994 – note-se, no entanto, que este autor, ao contrário de Cristina Monteiro, e apesar de a citar, coloca a hipótese de sequestro com o propósito e na medida implicados pela realização do roubo, como caso de concurso de crimes, embora aparente…: parte final do §23 do capítulo 43, pág. 1019; e isto apesar do exemplo que deu, no capítulo 42, pág. 994, de relação de especialidade que existe entre o tipo simples e o tipo complexo em que aquele se integre, ou seja, roubo e tipos integrantes de furto e de ofensa à integridade física e/ou à liberdade individual).
               A questão é que o comportamento global do agente pode comportar uma pluralidade de sentidos autónomos de ilícito (págs. 989/991 e 1007/1008), e por isso existir um roubo e um sequestro autónomos. E, por outro lado, que relativamente a todos os tipos de crimes que protegem bens de carácter eminentemente pessoal, a pluralidade de vítimas – e consequentemente a pluralidade de resultados típicos – deve considerar-se sinal seguro da pluralidade de sentidos do ilícito e conduzir à existência de um concurso efectivo (pág. 1008) sendo que, nesta categoria devem reentrar aqueles ilícitos complexos – v.g., o roubo – em que um dos bens jurídicos tutelados assume natureza eminentemente pessoal (págs. 1009 e 1017, §19 e parte final do §22).
               Neste sentido, Cristina Monteiro, comentário citado, pág. 493: “estou de acordo em que é possível encontrar casos de concurso efectivo entre roubo e sequestro. Além das hipóteses de claro desfasamento contextual e daquelas em que há vítimas diferentes, outras existirão porventura”.
               Também no sentido de que um crime de roubo em que são vítimas de violência [para o caso dos autos: sequestro] o detentor e outras pessoas deve ser punido como um roubo em concurso efectivo com a violência [no casos dos autos: sequestro], veja-se Conceição Ferreira Cunha, obra citada, pág. 164, §15:
         […] se o detentor do bem está a ser vítima de violência e o terceiro que o vem defender é também vítima de violência, pode colocar-se a questão de saber se o crime de roubo abarcará quer a violência que é exercida contra o detentor do bem, quer a que é exercida em relação ao terceiro. A questão parece pertinente, uma vez que estamos perante um tipo legal que protege não só bens patrimoniais, com também bens jurídicos pessoais; sendo assim, cremos que não deverá ser punido de acordo com a mesma moldura legal, quer o agente que exerce violência apenas em relação a uma pessoa, quer em relação a várias, ainda que o bem que se pretende subtrair seja o mesmo, sendo preferível punir por roubo em concurso com o crime de ofensas corporais.
         A solução aqui sugerida não parece ser, no entanto, perfilhada pelos autores citados supra §14. Já em Espanha, face a um problema em certo sentido semelhante – o caso em que durante a fase executiva do roubo se provocam várias mortes – Rodrigues Devesa e Cuello Calòn defendem, contrariamente ao critério jurisprudencial, que um dos homicídios deverá ser tratado como componente do roubo com homicídio (crime complexo), sendo os outros tratados segundo as regras gerais (cf. Quintero Olivares / Munõz Conde, La Reforma Penal de 1983 161). Sublinhe-se que a solução por nós sugerida (tal como a defendida por estes autores espanhóis) parece mais de acordo com a relevância que no crime de roubo se dá ao elemento pessoal, aspecto que tem sido repetidamente reafirmado pela jurisprudência portuguesa […].
               Isto posto, a questão não deve ser vista a partir da existência de um concurso de crimes de roubo e sequestro e unificá-los ou não. O que se passa é o contrário: normalmente não há concurso de crimes de roubo e sequestro, o que há é apenas um roubo que integra um sequestro (=> unidade de lei), podendo, no entanto, haver situações excepcionais de concurso de roubo e sequestro, para além de que sempre que houver duas ou mais pessoas sequestradas para a prática de um roubo, há um roubo (que integra um sequestro) e um (ou mais) sequestros. 
                                                                       *
               Também neste sentido, veja-se o professor espanhol já citado acima, Joan J. Queralt Jiménez, Derecho penal español, Parte especial, 5ª edición, Atelier, 2008, pág. 440:
db. Por otro lado, cuando se intimida a varias personas a la vez para obtener un único botín, se considera la realización de un único delito de robo con intimidación; en cambio, si son varios los actos de violencia física, uno conllevará la calificación de robo con su correspondiente concurso medial y el resto, concurrirá realmente con el complejo acabado de construir. A ello obliga -y es plenamente correcto- el inciso final del art. 242.1.
dc. El secuestro (art. 164 -supra § 5. 6.-) […] Aun partiendo de que una mínima pérdida de libertad ambulatoria está presente en el robo con intimidación (S 27-12. 2005), las detenciones sin rescate pueden concurrir perfectamente con el robo, cuando la pérdida de libertad ambulatoria de las víctimas supere el período propio de la ejecución del hecho, sea cual sea el plan del autor (instructivas, SS 13-3 y 23-6-2000, 6-6-2005, 7-3-2007, con abundante información); un supuesto paradigmático de concurso medial [art. 77/1 do CP95:… uma das infracções é meio necessário para cometer a outra] entre detención y robo con intimidad lo representan la detención de una persona para que vaya a su casa y entregue a sus captores dinero, joyas u otros efectos y/o se dirijan a varias cajeros automáticos para obtener dinero en efectivo (S 12-2-2004) […]
e. Penalidad.
[...]
eb. Para el robo con violencias no susceptibles de castigarse separadamente, la pena, al ser un concurso medial, será la que corresponda al delito de mayor gravedad en su mitad superior (art. 77. 2).
              Contra, considerando que há sempre concurso de crimes de roubo e sequestro (mas com argumentos que só têm razão de ser no direito espanhol), veja-se o outro professor espanhol citado, Francisco Muñoz Conde, Derecho Penal, Parte Especial, 16ª edición, pág. 376, Tirant lo Blanch, 2007, pág. 401:
La intimidación, que por sí sola constituye un delito de amenazas o de coacciones, es inherente al delito de robo, de forma que no puede castigarse independientemente de él. No sucede lo mismo, sin embargo, con la violencia, ya que ésta, cuando es de cierta entidad, puede dar lugar a resultados lesivos constitutivos de delitos de lesiones u homici­dio, que entrarán en concurso con el delito de robo. También cuando la intimidación da lugar a un delito contra la libertad distinto a la simple amenaza o coacción (por ej., unas detenciones ilegales) habrá el correspondiente concurso. Ésta es la principal diferencia entre la nueva regulación y la regulación anterior, en la que estos delitos formaban uno complejo con el robo, lo que planteaba especiales problemas interpre­tativos de difícil solución. Ahora, conforme al apartado I del art. 242, se castiga el robo con violencia o intimidación en su tipo básico con la pena de prisión de dos a cinco anos, «sin perjuicio de la que pudiera corresponder a los actos de violencia física que realizase», y aunque el precepto se refiere exclusivamente a los actos de violencia física, no hay por qué excluir de las reglas generales del concurso otros delitos que puedan derivarse del empleo de la intimidación (detenciones ilega­les y secuestros, agresiones sexuales, etc.).
*
               Posto isto:
               No acórdão recorrido, depois de se demonstrar que se verificou o sequestro de 2 empregados bancários e de 4 clientes (o que não é posto em causa no recurso), diz-se, tendo evidentemente em conta o essencial das considerações doutrinárias que antecedem, que:
              Considerada toda a sequência factual, verifica-se que a privação da liberdade a que foram sujeitos os clientes do banco, não assume qualquer função instrumental do ponto de vista da execução do crime de roubo, já que para se apoderarem das quantias monetárias existentes na agência bancária, o arguido e o seu acompanhante não necessitavam de qualquer colaboração da parte dos clientes, pelo que os crimes de sequestro praticados nas pessoas dos clientes não se encontram consumidos pelo crime de roubo.
              Já quanto aos funcionários bancários era preciso o seu concurso forçado, o que implicava necessariamente que os mesmos fossem impedidos de se afastarem do local até que os assaltantes conseguissem deitar a mão às referidas importâncias. Contudo, a privação de liberdade imposta a estes funcionários manteve-se muito para além do que foi necessário para levar a efeito a subtracção das daquelas quantias e,  nessa medida, os crimes de sequestro de que foram vítimas deixam de estar consumidos pelo crime de roubo.
               Ora, a verdade é que, na lógica do plano criminoso traçado, era necessária a detenção quer dos empregados bancários, quer dos clientes que lá estavam, quer dos que lá entraram entretanto, de modo a evitar que o alarme do assalto fosse dado, alarme que os poderia impedir de terminar com êxito o assalto ou de aproveitar do resultado do mesmo. Para além de que, nos termos da Cristina Monteiro, “se, no furto, a impunidade se procura através d[o] carácter escondido do desfalque, no roubo, para o mesmo fim, continua a usar-se a violência”.
               Por outro lado, a afirmação, do acórdão recorrido, de que a privação da liberdade imposta aos empregados bancários se manteve para além do que foi necessário para levar a efeito a subtracção, tem a ver com a posição, já criticada na 2ª parte deste acórdão, de se fazer coincidir o momento da subtracção com o domínio do facto. Ou seja, parte-se do princípio que o roubo já estava consumado e a partir daí houve uma detenção/sequestro desnecessário à execução do roubo. Mas já se viu acima que não é assim, que o roubo ainda não estava terminado.
               Por fim, nada há de extraordinário (repete-se: o que permitiu ao acórdão recorrido falar no concurso foi o facto de considerar que o roubo já tinha terminado) em qualquer dos sequestros em causa que aponte para a necessidade de adicionar ao roubo (que já contém necessariamente um sequestro) um sequestro (está-se a valorar duplamente a mesma situação de sequestro).
               Dir-se-ia, por isso, que os sequestros estavam integrados no crime de roubo, se não fosse o caso de haver uma pluralidade de vítimas de sequestros e, nestes casos, a pluralidade de vítimas apontar para a pluralidade de crimes. Um crime de roubo, complexo, unidade de furto + sequestro (nos termos referidos acima) só integra um sequestro, não dois ou mais sequestros. Todos os outros ficam de fora e devem ser punidos autonomamente.
               Conclui-se, disto tudo, que o arguido em vez de um crime de roubo e 6 sequestros, devia ter sido punido apenas por uma tentativa de roubo e 5 sequestros (de um funcionário bancário e de 4 clientes).
                                                                 *
                                                                 V
               Quanto ao concurso do roubo com a detenção de arma proibida:
               O arguido foi condenado como co-autor de um crime de roubo qualificado pelo valor elevado da quantia subtraída e por trazer, no momento do crime, uma arma, e para além disso, foi condenado por um crime de detenção de arma proibida [arts. 86/1c) e 2/1t) da Lei nº 5/2006 de 23/2.
               O acórdão recorrido explica que:
o crime de detenção de arma proibida mostra-se preenchido com a detenção, por parte dele, da pistola empregue na execução do assalto e que lhe foi apreendida (trata-se, de acordo com a definição legal acima exposta, de uma «arma de fogo transformada» já que, na origem, não era apta a disparar munição real, mas tão somente de gás lacrimogéneo ou de alarme) e que ele não se mostra consumido por qualquer dos outros crimes praticados pelo arguido, pois que quer o crime de roubo, quer o crime de sequestro têm na origem da sua tipificação a necessidade de tutela de bens jurídicos encabeçados por titulares individuais, e o mesmo não sucede no caso do crime de detenção de arma proibida cuja punição obedece a um princípio de garantia de segurança geral das pessoas e dos bens, que não pode ser titulado por qualquer particular.
               É esta também a posição do ac. do STJ de 16/11/2006 (Rodrigues da Costa), publicado sob o nº. 06P2546:
[…] o crime de roubo agravado pelo uso de arma não consome o crime de uso e detenção de arma proibida.
Isto, porque o uso e detenção de arma não se confina estritamente à prática do crime de roubo, pois que a detenção existe independentemente do uso das armas nos assaltos, como se salienta no acórdão recorrido, ao referir que os arguidos já detinham as armas antes de praticarem aqueles crimes. Há, portanto, uma autonomia de um crime em relação ao outro.
Depois, porque os bens jurídicos protegidos são diferentes num caso e noutro. No caso do roubo, que é um crime complexo, os bens jurídicos protegidos são a propriedade e a detenção de objectos móveis, e ainda a liberdade das pessoas, a integridade física e até a própria vida; no caso da detenção e uso de armas proibidas, que é um crime de perigo, a segurança, a tranquilidade e a ordem pública.
Assim, havendo concurso real, os dois crimes têm que ser punidos autonomamente, como foram.
              Bem como dos acórdãos do STJ de 15/12/1994, publicado na CJ.STJ94.III, págs. 263/264 (citado por Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do CP, UCP, Dez2008, pág. 581, nota 33).
              E do autor espanhol já muito citado, Joan J. Queralt Jiménez, Derecho penal español, Parte especial, 5ª edición, Atelier, 2008, pág. 440:
[…] Concurrirá en concurso real con tenencia ilícita de armas (por todas, S 7-11-2000).
               Em suma, pelas razões que antecedem, e também porque a detenção da arma que serve para a qualificação do crime de roubo não tem de ser ilícita (e por isso não se pode dizer que o crime de roubo qualificado seja um roubo simples + uma detenção ilícita de armas], e ainda porque existe outra qualificativa para o roubo, aceita-se (com dúvidas…) esta solução de concurso de crimes.
               Dúvidas que se poderiam expôr assim:
               Se realmente a conduta do arguido preenche dois tipos legais de crime e se, por isso, há um concurso de crimes, não será precisamente este um caso de concurso aparente de crimes?, aplicando-se o critério exposto por Figueiredo Dias, obra citada, pág. 1016:
Perante a pluralidade de tipos legais violados [ou seja, perante um concurso de crimes], o critério para a conclusão pela tendencial unidade substancial do facto é o da unidade, segundo o sentido social assumido por aquele comportamento, do sucesso ou acontecimento (hoc sensu, do “evento” ou “resultado”)  ilícito global-final.[…] O que se passa é que, nestes casos, o agente se propôs uma realização típica de certa espécie […] e, para lograr (e consolidar) o desiderato, se serviu, com dolo necessário ou eventual, de métodos, de processos ou de meios já em si mesmos também puníveis. Nestes comportamentos globais se lobriga, cremos que com suficiente clareza, a existência de um sentido de ilícito absolutamente dominante e “autónomo”, a par de outro ou outros sentidos dominados e “dependentes”. É o que sucederá frequentemente com os grupos dos factos tipicamente acompanhantes e, sobretudo, dos factos posteriores co-punidos [nota 26: co-punidos e não “não punidos” porque estes factos devem relevar, em princípio, para efeito de determinação da medida concreta da pena].     
E mais à frente - §20 (pág. 1017):
O pensamento exposto, se encontra o seu campo de eleição nos delitos de apropriação e nos correspectivos crimes de encobrimento ou de asseguramento, continua no entanto válido relativamente a crimes de índole completamente diferente. Circunstâncias como, p. ex., a de se utilizar arma proibida (art. 275) […] constituem condutas que concorrem com a de homicídio, em princípio, sob a forma do concurso aparente.
§21. O critério acabado de apresentar parece possuir virtualidades bastantes para abranger todos aqueles casos de relacionamento entre um ilícito puramente instrumental (crime-meio) e o crime-fim correspondente. Por outras palavras, aqueles casos em que um ilícito singular surge, perante o ilícito principal, unicamente como meio de o realizar e nesta realização esgota o seu sentido e os seus efeitos. Parece aqui particularmente claro […] que uma valoração autónoma e integral do crime-meio representaria uma violação da proibição jurídico-constitucional da dupla valoração; enquanto, do outro lado, a sua consideração como conformadora de um concurso impuro não viola o mandamento (também ele jurídico-constitucional) de esgotante apreciação porquanto ele deverá influenciar a medida da pena do concurso. 
               Ou seja, no caso dos autos o arguido não deveria antes ser punido por uma tentativa de roubo qualificado por detenção de arma em concurso aparente com um crime de detenção ilícita de arma (servindo pois este crime de agravante geral dentro da moldura do crime de roubo qualificado – Figueiredo Dias, obra citada, págs. 1035 a 1038)?
                                                                 *
Quanto às penas
              É tempo então de concluir que:
              Em vez de:
              - um roubo qualificado;
              - seis sequestros e
              - uma detenção ilícita de arma.
              Temos:
              - uma tentativa de roubo qualificado (que integra um dos sequestros mais graves);
              - cinco sequestros e
              - uma detenção ilícita de arma.
                                                                 *
               Por isso, o roubo, em vez de poder ser punido com a pena de 3 anos a 15 anos de prisão (art. 210/2 do CP), passa a ser punível com pena de 7 meses e 6 dias de prisão a 10 anos de prisão [art. 73/1a) e b) do CP].
               Mas trata-se de uma tentativa de roubo em que agora está integrado um sequestro (que antes tinha sido autonomizado), o que torna a gravidade desta tentativa de roubo muito maior, com reflexos quer a nível de exigências de prevenção geral quer de culpa.
               De qualquer modo: para além daqueles limites legais temos ainda um valor que não pode ser ultrapassado, decorrente do princípio da proibição do reformatio in pejus, pois que apenas o arguido recorreu e por isso a pena (aplicada à tentativa de roubo que integra o sequestro) não pode ultrapassar a que lhe foi aplicada pelos dois crimes, de roubo e sequestro, na pena única, sendo que o acórdão recorrido explicou que na pena única tinha aplicado sensivelmente um terço das penas restantes para além da pena mais grave), ou seja, 8 anos e 10 meses (neste sentido, veja-se Fernanda Palma, na Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 1, Abril-Junho de 1991, nº. 2, págs. 285/286, e, embora com menos restrição [já que considera que a proibição da reformatio in pejus só obriga a considerar o valor da pena única aplicada], veja-se o acórdão do STJ de 12/02/2009, com complemento a 19/03/2009, ambos publicados sob o nº. 09P0110 na base de dados do ITIJ, e também o acórdão por ele citado, do STJ de 29/05/2008, processo 1127/08). Ou seja, se a pena da tentativa do roubo (integrando um sequestro) ultrapassasse, tendo em conta a moldura já referida, aquele valor, teria que ser reduzida a este…
               Posto isto:
              A determinação da medida da pena dentro destes limites faz-se, segundo o art. 71/1 do CP, em função da culpa do agente e das exigências de prevenção (em caso algum podendo a pena ultrapassar a me­dida da culpa: art. 40/2 do CP), atendendo-se a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele (art. 71/2 do CP).
              Isto é, faz-se seguindo um caminho que pode ser descrito assim (como o tem feito a generalidade da jurisprudência e foi feito na sentença recorrida, seguindo o ensinamento de Figueiredo Dias): dentro de uma “moldura de prevenção”, cujo limite máximo é dado pela medida óptima de tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias, mas que não pode ir para além do consentido pela culpa do caso, e cujo limite mínimo resulta do quantum de pena imprescindível, também no caso concreto, àquela tutela e expectativa (= defesa do ordenamento jurídico), devem então funcionar as finalidades de prevenção especial: a principal, de socialização, e as subordinadas, de advertência individual ou de segurança (As consequências jurídicas do crime, Aequitas, 1993, págs. 214 a 245).
              Entretanto, como adverte ainda Figueiredo Dias, há que “aceitar a ambivalência de” muitos “dos diversos factores relevantes para a medida da pena”, “numa dupla acepção. Na de que, entre os diversos elementos que constituem um factor […] podem certos deles relevar não só para a culpa, como também para a prevenção. E na de que o mesmo elemento, quando duplamente relevante, pode ter significado antinómico consoante seja valorado para efeitos de culpa ou de prevenção” (obra citada, pág. 220).
              Por fim (pág. 238), os concretos factores da medida da pena “têm de ser primeiramente identificados como relevantes para efeito da culpa ou da prevenção; em seguida, tem cada um desses factores de ser pesado em função do seu concreto significado à luz daqueles princípios regulativos; para finalmente serem eles reciprocamente avaliados em função da quantificação da espécie de pena que se decidiu aplicar”.
              Ora, o acórdão recorrido
              seguiu no essencial tudo isto, referiu-se aos factores concretos aplicáveis e salientou as fortes necessidades de prevenção geral, as significativas necessidades de prevenção especial e o muito elevado grau de culpa, tudo tendo em conta o elevado grau de ilicitude do facto, o valor muito elevado em causa, o modo grave de execução do facto, juízo extensivo aos crimes de sequestro relativos aos funcionários bancários, as consequências provocadas a estes (não ao banco, visto que a quantia foi “recuperada”, no entender do acórdão recorrido), a forte intensidade do dolo, a profunda insensibilidade em face do sofrimento alheio. Considerou as condições pessoais e familiares do arguido, e, a favor dele a ausência de antecedentes criminais.
              Ora, perante isto tudo, e voltando a salientar que a pena é agora aplicada a uma tentativa de roubo que integra um sequestro, considera-se que a moldura de prevenção seria de 2 anos (limite mais baixo não satisfaria, no caso, as exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico, face à gravidade dos factos e ao modo de execução dos mesmos, e o limite máximo não deveria ir para além de 8 anos (limite que ainda satisfaria as exigências de prevenção e não ultrapassaria a culpa do arguido). E depois, fazendo funcionar as exigências de prevenção especial, que são graves, dentro desta sub-moldura, fixa-se a pena em 6 anos.
                                                                 *
              Quanto ao cúmulo de todas as penas parcelares:
              O art. 77/1 do Código Penal determina que na medida da pena única são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente, referindo Figueiredo Dias, em lição que tem vindo a ser seguida de perto pela maioria da jurisprudência, que
              “Tudo deve passar-se, por conseguinte, como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade dos crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta” (As Consequências Jurídicas do Crime, citado, § 421, págs. 290).
              Como se diz no acórdão recorrido:
              Nos termos do nº 2 do art. 77 do CP, a pena única emergente do cúmulo jurídico terá como limite mínimo a mais grave das penas parcelares e como limite máximo a soma aritmética das penas integrantes do concurso,
              o que, no caso concreto, se cifra agora em 6 anos de prisão e 13 anos de prisão, respectivamente.
              Parafraseando o acórdão recorrido a pena global de prisão em que o arguido irá ser condenado, será quantificada de forma a corresponder sensivelmente, à soma da pena parcelar mais grave com um terço do somatório das penas restantes, seguindo a posição do STJ para os casos em que não se demonstra a tal tendência criminosa, pelo que as exigências de prevenção especial são menores. Ou seja, é fixada em 8 anos e 6 meses.
                                                                       *

              Pelo exposto, acorda-se em alterar o acórdão recorrido apenas na parte das condenações pelos crimes e penas principais da forma seguinte (mantendo-se pois tudo o resto: factos, pena de expulsão, perda de objectos, condenações cíveis, custas, etc):
              O arguido vai condenado pela tentativa de um roubo qualificado [arts. 22, 73 e 210/2b) e 204/2a) e f), todos do CP] na pena de 6 anos de prisão; por um crime de sequestro (art. 158/1 do CP) na pena de 2 anos e 6 meses de prisão; por quatro outros crimes de sequestro, na pena de 6 meses de prisão por cada crime; e por um crime de detenção de arma proibida [arts. 86/1c) e 2/1t) da Lei nº 5/2006 de 23/2], na pena de 2 anos e 6 meses de prisão; em cúmulo, fica condenado na pena única de 8 anos e 6 meses de prisão.
              Custas pelo arguido.

              Lisboa, 24 de Novembro de 2009

              Pedro Martins
              Nuno Melo Gomes da Silva.
              Pulido Garcia (vencido conforme voto que junto e segue)

            Declaração de voto de vencido

Muito embora se imponha reconhecer que há uma certa debilidade da matéria de facto tida como provada, uma vez que, após o julgamento, permaneceu inalterada face ao que constava da acusação do MºPº no respeitante ao crime de roubo na forma tentada – cfr nº 40 dos factos provados e omissão de referência expressa da recuperação total dos €95.790[1] -, o certo é que, ainda assim, se nos afigura que a qualificação jurídico-penal da conduta do arguido levada a cabo no Acórdão recorrido, pelas razões expostas, se encontrava correcta e não carecia de qualquer alteração.

            Essencialmente e resumidamente, pelos seguintes motivos:
            - No que ao crime de roubo qualificado diz respeito, e sendo inquestionável que houve subtracção (consoante consta do nº 21 dos factos provados) e expressamente é reconhecido no Acórdão agora proferido), porque, como se salienta no Ac. recorrido, a fls. 14665-1467 do Proc Principal:

            «As importâncias monetárias visadas pela conduta do arguido e de N… saem da disponibilidade do Banco a partir do momento em que os dois assaltantes lhes deitam a mão e as guardam no interior de um saco que trazem consigo, passando eles, a partir daí, a exercer a domínio factual sobre as quantias».

            Tanto nos parece bastar para, considerados os factos dados como provados, nomeadamente os que se contêm entre os nºs 22 e 30, à luz da doutrina do Acórdão do S.T.J. de 30-3-2000[2] e dos demais que o Mº Pº cita na sua resposta, se entender, como se sublinha nessa resposta do MºPº[3] que houve inquestionável consumação  do crime de roubo qualificado, como bem foi entendido no Ac recorrido.
Afigura-se-nos que, a todos os títulos, e sob todas as perspectivas, a conduta do arguido consubstancia, integralmente, a violação do bem jurídico protegido pela norma que, no art. 210º do C.P: prevê e pune o crime de roubo.
            A propósito, atente-se que maior não é a exigência feita no art. 211º do C. P.[4] no que à situação do autor do furto respeita, para que se tenha como ocorrido o crime aí previsto.

            - Desde logo, a manutenção, no tocante ao crime de roubo consumado, da qualificação jurídica operada no Ac recorrido impediria que tivesse de haver qualquer modificação do decidido quanto ao número de crimes de sequestro.
            De qualquer modo, relativamente a estes crimes, e independentemente do entendimento havido quanto ao crime de roubo qualificado – se consumado ou se meramente tentado -  face ao que consta do nº 42 dos factos provados difícil é entender que o arguido apenas cometeu cinco crimes de sequestro e não seis, conforme havia sido acusado e condenado na 1ª instância.

            Por todas estas razões que, sumariamente, se deixam apontadas, entende-se, e salvo o devido respeito por diferente opinião, que o Acórdão recorrido não devia sofrer qualquer alteração no atinente à qualificação jurídico-penal da conduta do arguido e às penas parcelares e única que foram aplicadas ao arguido-recorrente.
            Negaria, pois, provimento ao recurso

            José Pulido Garcia

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[1] - Apenas na matéria de facto provada. Efectivamente, no Ac recorrido, a fls. 1479 do processo diz-se: «No que se refere à disponibilidade da quantia subtraída ao Banco, as consequências da conduta sob censura foram nulas já que tal importância veio a ser integralmente recuperada pela sua proprietária ainda que para tal não tenha contribuído a acção ou a vontade do arguido».
Não é referido, no entanto, porque e como ocorreu essa recuperação.
[2] - In CJ-STJ, Ano VIII, I, pag 243: «A consumação do crime de furto ocorre quando o agente subtrai a coisa da posse do dono ou detentor, contra a vontade do deste e a coloca na sua própria posse, não sendo necessário que tenha o produto do crime em seu poder em pelo sossego ou tranquilidade.»
[3] - Durante as 7 horas em que o arguido e N… tiveram os € 95.790, pelo menos entre as 16h20m e as 23h20m, podiam tê-los destruído, queimado, dividido entre si, deitado fora, devolvido ao banco, etc.. Nada disso fizeram pois tinham esperança de fugir. O que decidiram e tentaram (cfr nºs 28 e 29 dos factos provados). Tal manifesta disponibilidade aponta, inequivocamente, para a consumação do crime de roubo.
A PSP apenas impediu que o arguido e o seu companheiro fugissem. No que se refere aos crimes praticados – um roubo e seis sequestros – os respectivos bens jurídicos já tinham sido integralmente atingidos
[4] - Art 211º - Violência depois da subtracção - «As penas previstas no artigo anterior são, conforme os casos, aplicáveis a quem utilizar os meios previstos no mesmo artigo para, quando encontrado em flagrante delito de furto, conservar ou não restituir as coisas subtraídas»: