Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | LUÍS CORREIA DE MENDONÇA | ||
Descritores: | ADVOGADO NEGLIGÊNCIA RESPONSABILIDADE CONTRATUAL INDEMNIZAÇÃO PERDA DE CHANCE | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 02/27/2020 | ||
Votação: | MAIORIA COM * VOT VENC | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PARCIALMENTE PROCEDENTE | ||
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Sumário: | 1. Não se devem confundir as coisas morais com as ciências matemáticas: entre o que deve ser feito e o que é proibido há um meio termo - o que é permitido -, e esse meio termo tanto pode aproximar-se de uma extremidade como da outra. 2. Na indemnização por perda de chance não é forçoso que se recorra ao standard da probabilidade preponderante (>50%). 3. Pode recorrer-se à razoabilidade de acordo com a natureza das coisas. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam por maioria os juizes que integram o competente colectivo da 8.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa A instaurou contra B acção declarativa, com processo comum, pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de €42.000,00, acrescida de juros à taxa legal, desde a citação e até integral pagamento. Ulteriormente, a instância foi incidentalmente alargada ao Advogado C e à Seguradora D. Após julgamento foi proferida decisão que julgou a acção improcedente, e, em consequência, absolveu os demandados do pedido. Inconformado, interpôs o autor competente recurso, cuja minuta concluiu da seguinte forma: 1) O recorrente demonstrou no processo que as garagens objectos da acção contra si movida no ano de 2012 no Tribunal de Sintra foi mal decidida – pois não só as não prometeu vender verbalmente, como demonstrou que existia um contrato promessa de compra e venda entre a sociedade PV e I. A. 2) Ora, se existia um contrato de compra e venda entre a sociedade PV e a referida I.A – o recorrente teria de ser absolvido da Instância, por ilegitimidade. 3) Mas, se existisse contrato verbal – a promessa de venda é nula – por força do disposto no artigo 410º do Código Civil. 4) A nulidade é uma exceção peremptória – A mesma é de conhecimento oficioso – artigos 576º, nº3 e 579º do Código do Processo Civil. 5) Logo, o Sr. Doutor C não defendeu correctamente os interesses do seu constituinte. Não só porque – apresentou a contestação fora do prazo e não pagou a multa. Foi notificado várias vezes pelo Tribunal para fazer os pagamentos - e nada fez. Foi notificado do desentranhamento da contestação – e nada fez. Foi notificado da sentença – e nada fez. 6) Do atrás exposto, nos pontos 1 a 5 destas alegações, o Sr. Dr. C tinha motivos mais que suficientes para impedir que o recorrente fosse condenado nos termos em que foi. 7) A douta sentença de que se recorre confirma que o Sr. Dr. C não esteve bem, mas que o A. não demonstrou os prejuízos que teve. Ora, salvo o devido – o Tribunal não apreciou correctamente quer a prova produzida em julgamento, quer os documentos juntos aos Autos – nomeadamente a sentença junta aos Autos com a PI como doc. nº1 e os contratos de compra e venda entre a PV e I. A. Pois, se o contrato de promessa de venda fosse verbal como declarou o Tribunal de Sintra na ação proposta por Isabel …… em 2012 – o recorrente apenas teria de devolver 21.000,00€ e não 42.000,00€ (logo tem prejuízo de 21.000,00€). Mas, está demonstrado no processo que não foi assim. As garagens em causa eram propriedade da PV esta prometeu vendê-las a I. A. – logo o Tribunal ao condenar o requerente na Ação de 2012 a pagar 42.000,00€ a I. A., causou-lhe este prejuízo. Logo, os prejuízos estão demonstrados e também está demonstrado que não é preciso ser catedrático para entender o vertido no artigo 410º do Código Civil e o disposto no artigo 577º al. e), do Código do Processo Civil. 8) De acordo com o Aresto proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça aos 12/04/2012, disponível na base de dados dgsi.pt, “I - No mandato forense, a prestação do mandatário insere-se nas denominadas obrigações de meios, em que o devedor apenas se obriga a praticar ou desenvolver determinada actuação, comportamento ou diligência com vista à produção do resultado pretendido pelo credor, actuação ou comportamento que, por vezes, relativamente a certas classes profissionais, se encontra regulamentado por estatutos próprios ou específicos. II - No exercício do patrocínio forense, o advogado não se obriga a obter ganho de causa, mas a utilizar, com diligência e cuidado, os seus conhecimentos técnico-jurídicos de forma a defender, tão bem e adequadamente quanto possível, vale dizer, utilizando os meios ajustados ao caso, segundo as leges artes, os interesses do respectivo mandante. Sem prejuízo do reconhecimento da margem de liberdade de actuação, inerente à autonomia profissional e independência técnica da intervenção forense, são as exigências específicas próprias dum exercício profissional, designadamente em sede de competência (saber e experiência) e diligência, que fundamentam a responsabilidade de quem presta profissionalmente serviços. III - Violados deveres comportamentais adequados ao caso, incumprido ou defeituosamente cumprido resulta o contrato de mandato forense, ocorrendo o ilícito gerador da obrigação de indemnizar. IV - Omitida a interposição de um recurso, importa averiguar e formular um juízo sobre se a omissão/opção tomada foi, em termos objectivos, desconforme ao padrão de conduta profissional que um advogado medianamente competente, prudente e sensato teria tido, quando confrontado, na ocasião, com uma sentença daquele teor.” Assim sendo, como já mencionado no corpo desta petição inicial, a actuação do Dr. C não foi diligente, nem muito menos foi feito com o cuidado devido ao caso e aos interesses do ora Autor. Uma vez que foram preteridas regras fundamentais de Direito, cujo desconhecimento por parte do advogado merece censura. Pois, a não contestação correta da petição inicial e em tempo útil e, consequentemente, a preterição de invocação da nulidade do contrato-promessa de compra e venda, não é ajustada à defesa dos interesses, e direitos, do mandante. 9) E bem assim, mesmo quando a decisão admitia recurso, o advogado não o fez, sabendo que só com a interposição do mesmo, se poderia defender os interesses do ora recorrente. Pois o advogado nada fez, e assim, violou os mais elementares deveres comportamentais adequados ao caso; O advogado do Autor cumpriu defeituosamente o mandato forense, e com a sua conduta violou o disposto nos artigos 88º, nº1, 90º, nº1, 97º, nº2 e 98º, nº2 da Lei nº 145/2015 de 9 de Setembro e os artigos 1157º e 1161º do Código Civil. Porquanto, deve a R. indemnizar o A. pelos prejuízos causados, no montante de € 42.000,00, por força do disposto nos artigos 562º, 563º, 564º, 566º, 762º, nº1, 798º, 799º, nº1 e 805º, nº1, nº2, al. b) e nº3, todos do Código Civil. 10) Motivo pelo qual a douta sentença, ao decidir como decidiu violou o disposto nos artigos 362º, 364º nº1, 410º, 1157º e 1161º, 562º, 563º, 564º, 566º, 762º nº1, 798º, 799 nº1, 805 nº1, nº2 al. a9 e b) e n 3, todos do Código Civil e ainda o disposto nos artigos 607º nº5 e 615º nº1 al. b) e c), do Código Processo Civil. Devendo ser revogada a douta sentença, por uma outra que julgue a ação totalmente procedente. Mas Vossas Excelências farão a costumada Justiça!!!’’ B e D apresentaram contra-alegações em que pugnam pelo não conhecimento do recurso sobre a decisão de facto e pela improcedência do mesmo em sede de direito. D ampliou ainda o recurso, para a hipótese de procedência da apelação do autor, pretendendo que se conheça das seguintes questões: Da exclusão da apólice: a) Nos anos de 2014, 2015 e 2016, a responsabilidade civil profissional dos Advogados com inscrição em vigor na Ordem dos Advogados encontra-se transferida para a Companhia de Seguros B, que teve o seu início de vigência em 2014.01.01 e durou 12 meses, renovados posteriormente, proporcionando total cobertura a atos e omissões dos quais resulta responsabilidade civil se a Primeira Reclamação for feita durante o seu período de vigência, ou seja, entre 2014.01.01 e 31.01.2016, o que sucedeu in casu (v. Ac. STJ de 2016.12.14, Proc. 5440/15.8T8PRT-B.P1.S1, www.dgsi.pt); b) No caso sub judice, até à citação para a presente ação, o Recorrente e o R. C. nunca comunicaram e/ou participaram o presente sinistro à ora Interveniente, pelo que existe falta de legitimidade passiva substantiva da R. para a presente acção e consequente exclusão da apólice, maxime face à inaplicabilidade da apólice de seguro contratada com a ora R., pelo que a R. deve ser absolvida do respetivo pedido (v. arts. 576º/2, 578º e 579º do CPC CPC; cfr. arts. 30º, 278º/1/e), 576º/2, 577º/e, 578º e 579º do CPC). c) In casu, a ora Recorrida, definiu de forma adequada e suficiente a franquia contratualizada no valor de € 5.000,00, que foi alegada na sua contestação e provada, não merecendo qualquer contestação nessa parte por qualquer dos intervenientes processuais dos presentes autos pelo que do montante limite de indemnização contratualizado na referida apólice sempre deveria ser descontada a franquia geral contratada, no montante de € 5.000,00 a qual, nos termos contratualizados, fica a cargo exclusivo dos Segurados e pelo qual a ora Recorrida não poderá ser responsabilizada (v. Ac. RE de 2010.07.08, Proc. 1190/08.0TBSTC.E1, www.dgsi.pt; Cfr. RC 2012.04.24, Proc. 347/11.0TJCBR.C1, www.dgsi.pt) –Cfr. texto nºs 12 e 16’’. Apreciando em decisão singular, o Exmo. Relator julgou procedente a apelação e condenou B a pagar a quantia de € 42.000,00 ao apelante, acrescido de juros à taxa legal. B reclamou para a conferência, tendo apresentado as seguintes conclusões. A. No presente processo pedia o A. a condenação dos RR. alegando o incumprimento do mandato por parte do R. C. No decurso do julgamento foi produzida prova e proferiu o Tribunal decisão absolutória dos RR., por entender que não resultou provado o dano e nexo de causalidade entre a conduta imputada ao R. Dr. C e aquele dano invocado. B. Insatisfeito com a douta decisão absolutória, o A. recorreu e, bem assim, as RR. Seguradoras apresentaram, respetivamente, as suas respostas às alegações de recurso do A., formulando suas conclusões. C. Confrontado com a interposição de recurso, entendeu o Relator reverter a decisão proferida pelo Tribunal a quo, julgando liminarmente o objeto do recurso, através de decisão singular, dado que se encontrariam “reunidos os pressupostos do art. 656.º do C. P. Civil (…) que habilitam a decidir de imediato”. Acontece, contudo, D. A decisão singular não se pronuncia quanto ao incumprimento do A. do ónus previsto no artigo 640.º do CPC – conforme resultava alegado na resposta da Reclamante, à qual não é feita qualquer referência, mormente no relatório da própria decisão singular, que reconhece apenas a interposição de recurso por parte daquele mesmo A. E. A falta de pronúncia sobre todas as questões que deveria apreciar constitui nulidade (artigo 615.º, n.º 1 al. d) do CPC), que deverá ser julgada procedente pela Conferência do Tribunal da Relação de Lisboa, revogando, em consequência, aquela decisão singular, e julgando improcedente o recurso interposto pelo A. por incumprimento do disposto no artigo 640.º do CPC. F. A decisão singular limitou-se a condenar a ora Reclamante nos seguintes termos: “(…) decide-se: Julgar procedente a apelação de A, revogara douta de 21 de julho de 2018, e condenar B a pagar a quantia de 42.000,00 ao apelante (…)” – In decisão singular G. A decisão singular não fundamenta ou justifica aquela condenação, muito menos o porquê da totalidade do pedido, sendo certo que tão pouco se pronunciou sobre os demais corréus, Dr. C e D, pelo que desconhece a ora Reclamante se foi intenção do Tribunal absolve-los e em que termos. H. Atento o exposto, a decisão singular padece, neste aspecto, de total ausência de fundamentação, o que determina a sua nulidade ao abrigo do disposto no artigo 615.º, n.º 1 a. b) do CPC, o que desde já se invoca, devendo sobre a presente questão versar Acórdão da Conferência. I. Na verdade, a contrario da condenação propugnada pela decisão singular, da concatenação dos factos provados n.º 12, 15 e 26, resulta que a Reclamante sempre seria absolvida do pedido, por via da exclusão das garantias da apólice contratada junto desta, conforme já decidiu o Supremo Tribunal de Justiça, por Acórdão datado de 13.07.2017, com certidão electrónica com o código de acesso1: EQTM-GQT1-UHE1-XWT0. J. Assim, os fundamentos de facto que servem de base à decisão encontram-se em clara contradição com a condenação proferida, pelo que padece a decisão singular da nulidade prevista no n.º 1 al. c) do artigo 615.º do CPC, que deverá ser julgada procedente e proferido Acórdão absolutório da R. sobre o recurso interposto. K. Do mesmo modo, em última instância, do facto provado n.º 13 sempre resultaria provada a existência de franquia a cargo do Dr. C, pelo que qualquer condenação que se viesse a verificar, o que não se admite a penas por dever de patrocínio se alega, nunca se poderia traduzir na totalidade do pedido, pelo que, também neste aspecto, a presente decisão se encontra em clara contradição com os fundamentos de facto que lhe servem de base, o que constitui nulidade nos termos já acima mencionados. L. Acresce que a presunção de culpa da prática do facto ilícito por parte do R. Dr. C não determina o preenchimento do pressuposto do dano ou nexo de causalidade, cujo ónus da prova cabia ao A., que o não logrou alegar ou provar (cf. resulta da sentença de 1.ª Instância). Ora, não resultando provados os pressupostos do dano e nexo de causalidade, não se encontram preenchidos todos os requisitos da responsabilidade civil, pelo que deverá a decisão singular ser revogada, e sobre a presente reclamação recair Acórdão da Conferência, que absolva do pedido os RR, confirmando a decisão proferida pelo Tribunal a quo. Nestes termos e nos mais de direito, deve a presente Reclamação ser submetida à Conferência, proferindo competente Acórdão que revogue a decisão singular e julgue improcedente o recurso interposto pelo A.,confirmando a decisão da 1.ª Instância e absolvendo a aqui Reclamante do pedido, Assim se fazendo a pretendida e acostumada JUSTIÇA’’. *** Três questões serão analisadas neste acórdão: 1.º. Saber se a decisões impugnadas padecem de algum vício formal. 2.º. Saber se deve ser alterada a decisão de facto. 3.º. Saber se houve erro de julgamento, designadamente se o autor deve ser indemnizado, por quanto e por quem com fundamento em perda de chance. *** A construção da factispécie concreta: 1. - O Réu C é Advogado e tem domicílio profissional na Rua Dr. Francisco. 2. Foi intentada por I. A., contra o aqui autor, acção declarativa de condenação sob a forma de processo sumário, que correu termos sob o n°, na 2' secção do Juízo da Grande Instância Cível de Sintra, da Comarca da Grande Lisboa Noroeste, onde aquela peticionava que se declarasse resolvido o contrato promessa verbal de compra e venda relativo a duas garagens e se condenasse o réu a pagar-lhe a quantia de €42.000,00. 3. - O autor recorreu aos serviços do Dr. C, advogado, para que o representasse nessa acção. 4. - Apesar do autor ter entregado as quantias pecuniárias solicitadas, o mandatário apresentou a contestação mas não procedeu ao pagamento atempado da taxa de justiça nem da multa a que o ali réu foi condenado, pelo que a contestação e os documentos anexos foram desentranhados. 5.Um dos documentos anexos à contestação era um documento particular denominado de contrato promessa de compra e venda das garagens, onde constam como contraentes a PV, na qualidade de promitente vendedora, e I. A., na qualidade de promitente compradora, mas apenas subscritos por esta última. 6. - Foi proferida sentença no processo identificado no ponto 2, transitada em julgado em 21 de Outubro de 2013, que considerou confessados e reproduzidos os factos articulados pela autora, designadamente: "1° - Em 2004 a A. e o R. encetaram negociações, tendo em vista a aquisição pela A. da fracção autónoma "Q-1" que correspondente a um apartamento sito na Rua R. (de ora em diante designada "apartamento"), e das fracções autónomas "D-29" e "D-30" que correspondem a duas garagens sitas no mesmo prédio (de ora em diante designadas "garagens"). 2° - Por escritura pública outorgada em 29.11.2014 a A. adquiriu o referido apartamento ao R. 3° - Sucede que o réu, na data da celebração do contrato de compra e venda do apartamento, apesar de já ter registado provisoriamente a aquisição das garagens (...), ainda não tinha outorgado a escritura pública de compra e venda, pelo que ainda não era proprietário das mesmas. 4° - E, como o compromisso que o R. assumiu nas negociações com a Autora de vender as garagens foi condição essencial para que a Autora celebrasse o contrato de compra e venda do apartamento, 5° - O R. prometeu verbalmente vender à Autora, que lhe prometeu comprar, as supras mencionadas garagens. 6° - Nos termos desse contrato, o R. comprometeu-se a formalizar o contrato prometido, acordando em marcar uma data para a outorga da escritura pública. -7° - Por força do mesmo contrato, as partes acordaram que a Autora pagaria ao R., pela aquisição das garagens, a quantia de €30.000,00 (trinta mil euros). 8° - Assim, a Autora, dando cumprimento ao acordado, pagou ao R., entre 12.8.2005 e 20.6.2008, a quantia total de €21.000,00 (vinte e um mil euros) (...). 9° - Quantia essa que o R. declarou ter recebido a título de sinal (...). 10° - Acresce ainda que a Autora efectuou o pagamento do condomínio relativo às garagens entre Janeiro de 2005 e Junho de 2009 (...). 11° - Desde a data de celebração do contrato promessa que a Autora insistiu, diversas vezes, com o R. para que este regularizasse a situação relativamente ao imóvel e marcasse data para a efectivação do contrato prometido. 12° - O que o R. nunca chegou a fazer, apesar de ser da sua exclusiva responsabilidade. 13° - Acontece que, em 2009, a Autora foi impedida, pelo ainda proprietário, de ter acesso às garagens. 14° - Sublinhe-se a este respeito que entre a celebração do contrato-promessa até à presente data sobrevieram mais de 7 anos. 15° - Atenta a situação descrita, a Autora interpelou formalmente o R., em 22.02.2012 e em 20.03.2012, através do envio de duas cartas registadas com aviso de receção, que se juntam - (...) - e cujo teor se dá por integralmente reproduzido. 16° - Nessas cartas é expressamente dado ao R. um prazo para cumprir de uma vez por todas as suas obrigações e proceder à marcação da data da celebração da escritura de compra e venda das garagens, sob pena de incorrer em incumprimento definitivo, com todas as consequências que daí decorrem. (...) 17° - Não obstante, no dia 2 de Abril de 2012, findo o prazo concedido ao Autor, o R. não marcou a data para a celebração da dita escritura. 18° - O que consubstancia o incumprimento culposo, reiterado e definitivo do acordado com a Autor por parte do R. (...) ". 7- A acção referida em 2 foi julgada procedente, por provada, e em consequência foi declarado "resolvido o contrato promessa de compra e venda ajustado entre a Autora I. A. e o Réu A e relativo à aquisição de duas fracções autónomas designadas pelas letras "D29" e "D-30" - garagens - do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na Rua R. e o réu A condenado "a pagar à Autora I. A. a quantia de €42.000,00 (quarenta e dois mil euros)." 8. - O réu C não interpôs recurso da sentença. 9. - A ré B celebrou com a Ordem dos Advogados um seguro de grupo de responsabilidade civil profissional dos Advogados, titulado pela apólice n° 6001391100058. 10. - Através do contrato de seguro referido em 1., a ré B assegura a "responsabilidade civil profissional dos advogados com inscrição em vigor na Ordem dos Advogados em prática individual (...) ", com um limite de €150.000,00 (cento e cinquenta mil euros), por sinistro, entre outros riscos. - 11. - No ponto 7 das condições particulares do seguro de responsabilidade civil consta: "O segurador assume a cobertura da responsabilidade do segurado por todos os sinistros reclamados pela primeira vez contra o segurado ou contra o tomador do seguro ocorridos na vigência de apólices anteriores, desde que participados após o início da vigência da presente apólice, sempre e quando as reclamações tenham fundamento em dolo, erro, omissão ou negligência profissional, coberta pela presente apólice, e, ainda, que tenham sido cometidos pelo segurado antes da data de efeito da entrada em vigor da presente apólice, e sem qualquer limitação temporal de retroactividade,". 12. - O contrato de seguro, inicialmente celebrado para o ano de 2014, foi renovado pelo prazo de 12 meses, com data de início às 0:00 horas do dia 1 de janeiro de 2014 e termo às 0:00 horas do dia 1 de janeiro de 2015 e, no seu termo, para a anuidade de 2015 e 2016. 13. Através do contrato de seguro contratado junto da ré foi ainda acordada a franquia de €5.000,00 por sinistro. 14. Consta do artigo 4° das condições especiais de responsabilidade civil profissional: "É expressamente aceite pelo tomador do seguro e pelos segurados que a presente apólice será competente exclusivamente para as reclamações que sejam apresentadas pela primeira vez no âmbito da presente apólice: a) Contra o Segurado e notificadas ao segurador; ou b) Contra o segurador em exercício de acção directa; c) Durante o período de seguro, ou durante o período de descoberto, resultantes de dolo, erro, omissão ou negligência profissional cometidos pelo segurado após a data retroactiva." 15.- Consta do artigo 3° das condições especiais de responsabilidade civil profissional: "Ficam expressamente excluídas da cobertura da presente apólice, as reclamações: a) Por qualquer facto ou circunstância conhecidos do segurado, à data do início do período de seguro, e que já tenha gerado, ou possa razoavelmente vir a gerar reclamação; (...) ". 16. - Consta do artigo 8°, n° 1, das condições especiais de responsabilidade civil profissional: "O tomador do seguro ou o segurado deverão, como condição precedente às obrigações do segurador sob esta apólice, comunicar ao segurador tão cedo quanto seja possível: a) Qualquer reclamação contra qualquer segurado, baseada nas coberturas desta apólice; b) Qualquer intenção de exigir responsabilidade a qualquer segurado, baseada nas coberturas desta apólice; c) Qualquer circunstância ou incidente concreto conhecida(o) pelo segurado e que razoavelmente possa esperar-se que venha a resultar em eventual responsabilidade abrangida pela apólice, ou determinar a ulterior formulação de uma petição de ressarcimento ou accionar as coberturas da apólice.". 17. Consta do artigo 8.°, n° 2, das condições especiais de responsabilidade civil profissional: "As reclamações que tenham sua origem, directa ou indirectamente, em qualquer comunicação nos termos das alíneas b) e c) anteriores, são consideradas como notificadas durante o período de seguro que decorria à data daquelas comunicações.". 18. - Consta do artigo 10.°, n°s 1 e 2, das condições especiais de responsabilidade civil profissional: "O segurado, nos termos definidos no ponto 1 do artigo 8.° desta Condição Especial, deverá comunicar ao corrector ou ao segurador, com a maior brevidade possível, o conhecimento de qualquer reclamação efectuada contra ele ou de qualquer outro facto ou incidente que possa vir a dar lugar a uma reclamação" comunicação essa que, "(...) dirigida ao corrector ou ao segurador ou seus representantes(...), deverá chegar ao conhecimento do segurador no prazo máximo e improrrogável de 8 dias.". 19. - A ré D celebrou com a Ordem dos Advogados um seguro de grupo de responsabilidade civil profissional dos Advogados, titulado pela apólice n° 0002866129. 20. Através do contrato de seguro referido em 11., a ré assegurou a "responsabilidade civil profissional dos advogados com inscrição em vigor na Ordem dos Advogados em prática individual (...) ", com um limite de €150.000,00 (cento e cinquenta mil euros), por sinistro, entre outros riscos, e franquia de €5.000,00. 21. - O contrato de seguro, inicialmente celebrado para o ano de 2012, foi renovado pelo prazo de 12 meses, com data de início às 0:00 horas do dia 1 de janeiro de 2012 e termo às 0:00 horas do dia 1 de janeiro de 2013 e, no seu termo, para a anuidade de 2013. 22. - No ponto 7 das condições particulares do seguro de responsabilidade civil consta: "O segurador assume a cobertura da responsabilidade do segurado por todos os sinistros reclamados pela primeira vez contra o segurado ou contra o tomador do seguro ocorridos na vigência de apólices anteriores, desde que participados após o início da vigência da presente apólice, sempre e quando as reclamações tenham fundamento em dolo, erro, omissão ou negligência profissional, coberta pela presente apólice, e, ainda, que tenham sido cometidos pelo segurado antes da data de efeito da entrada em vigor da presente apólice.". 23. - Consta do ponto 12 do artigo 1° das condições especiais de responsabilidade civil profissional que se considera reclamação: "Qualquer procedimento judicial ou administrativo iniciado contra qualquer segurado, ou contra a seguradora, quer por exercício de acção directa, quer por exercício de direito de regresso, como suposto responsável de um dano abrangido pelas coberturas da apólice; Toda a comunicação de qualquer facto ou circunstância concreta conhecida por primeira vez pelo segurado e notificada oficiosamente por este à seguradora, de que possa: i) derivar eventual responsabilidade abrangida pela apólice; ii) determinar a ulterior formulação de uma petição de ressarcimento; ou iii) fazer funcionar as coberturas da apólice.". 24. - Consta do artigo 3° das condições especiais de responsabilidade civil profissional: "Ficam expressamente excluídas da cobertura da presente apólice, as reclamações: a) Por qualquer facto ou circunstância conhecidos do segurado, à data do início do período de seguro, e que já tenha gerado, ou possa razoavelmente vir a gerar reclamação; (...) " 25. - Consta do artigo 10.°, n°s 1 e 2, das condições especiais de responsabilidade civil profissional: "O segurado, nos termos definidos no ponto 1 do artigo 8.° das Condições Especiais, deverá comunicar ao corrector ou à seguradora, com a maior brevidade possível, o conhecimento de qualquer reclamação efectuada contra ele ou de qualquer outro facto ou incidente que possa vir a dar lugar a uma reclamação" comunicação essa que, " (...) dirigida ao corrector ou à seguradora ou seus representantes, deverá circular entre os eventuais intervenientes de modo tal que o conhecimento da reclamação possa chegar à seguradora no prazo improrrogável de sete dias.". 26. - Pelo menos desde 21 de Outubro de 2013 que o réu C tinha perfeito conhecimento dos factos e circunstâncias que lhe são imputados pelo autor e que poderiam ser geradores da sua responsabilidade civil profissional, mas nada comunicou quer à ré B, quer à ré D, directamente ou através da sua corretora. *** Da nulidade da decisão singular Entende a reclamante que a decisão singular é nula porquanto. 1. Não se pronunciou sobre o levantamento por parte do apelante dos ónus a que alude o artigo 640.º do Código de Processo Civil (serão deste código os artigos ulteriormente citados sem qualquer outra menção. 2. A decisão singular limitou-se a condenar a ora Reclamante nos seguintes termos: “(…) decide-se: Julgar procedente a apelação de A, revogar a douta de 21 de julho de 2018, e condenar B a pagar a quantia de 42.000,00 ao apelante (…)” Omitindo qualquer justificação e não se pronunciando sobre eventuais responsabilidades dos intervenientes (615.º, n.º 1, alíneas b)); 3. Da concatenação dos factos provados n.º 12, 15 e 26, resulta que a Reclamante sempre seria absolvida do pedido, por via da exclusão das garantias da apólice contratada junto desta. Assim, os fundamentos de facto que servem de base à decisão encontram-se em clara contradição com a condenação proferida (615.º, 1, al. c)); 4. Do facto provado n.º 13 sempre resultaria provada a existência de franquia a cargo do Dr. C, pelo que qualquer condenação que se viesse a verificar, o que não se admite a penas por dever de patrocínio se alega, nunca se poderia traduzir na totalidade do pedido, pelo que, também neste aspecto, a presente decisão se encontra em clara contradição com os fundamentos de facto que lhe servem de base, o que constitui nulidade nos termos já acima mencionados. Por outro lado, o recorrente imputou, desta vez à decisão do primeiro grau, os vícios das alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC. Vejamos o que se nos oferece dizer sobre tais impugnações. É preciso não confundir errores in procedendo, que são precisamente aqueles a que alude o artigo 615.º, com errores in judicando. As putativas nulidades a que se alude acima (pontos 3 e 4 e no recurso), a existirem, constituiriam errores in judicando e não nulidades referidas à estrutura da decisão. Acresce que só há a aludida contradição quando a sentença se orienta argumentativamente num sentido e mudando completamente de rota conclui em sentido que não tem encaixe nas premissas. Não é este o caso, como nos parece patente. Também inexiste qualquer falta de fundamentação. A decisão singular baseia-se na verificação dos pressupostos da responsabilidade contratual e designadamente na existência de culpa, que aliás se presume, por banda do réu. Nada diz é certo sobre o nexo de causalidade, mas tal omissão não infecta formalmente a decisão. Já que no que se refere à falta de pronúncia a mesma parece realmente existir. No entanto, a consequência a retirar disso não é, como pretende a ré a improcedência do recurso, mas sim a que resulta da aplicação da regra da substituição. No que tange à decisão recorrida mutatis mutandis pelas mesmas razões acima aludidas não há qualquer falta de fundamentação ou contradição entre as premissas e a conclusão do raciocínio judiciário. *** Do putativo erro do julgamento de facto Todos aqueles que queiram impugnar a decisão relativa à matéria de facto têm de «levantar» duas categorias de ónus. Em primeiro lugar, um ónus de discriminação fáctica e probatória (artigo 640.º). Este ónus traduz-se: «a) na necessidade de circunscrever ou delimitar o âmbito do recurso, indicando claramente qual a parcela ou segmento – o «ponto» ou «pontos» da matéria de facto – da decisão proferida que considera viciada por erro de julgamento; b) no ónus de fundamentar, em termos concludentes, as razões por que discorda do decidido, indicando ou concretizando quais os meios probatórios que implicavam decisão diversa da tomada pelo tribunal, quanto aos pontos da matéria de facto impugnados pelo recorrente; c) na especificação da decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. d) finalmente quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente , sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso , sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes. Uma outra categoria é o ónus conclusivo. O objecto do recurso é delimitado pelo agregado conclusivo das alegações (artigos 635.º e 639.º). O poder cognitivo da Relação está circunscrito às questões que tenham sido levantadas nas conclusões do recurso, não podendo ser sindicadas quaisquer outras, mesmo que equacionadas nas alegações, sem prejuízo, bem entendido, das que forem de conhecimento oficioso. Significa isto que a especificação dos concretos pontos de facto que o recorrente pretende ver alterados deve constar das conclusões da alegação Como se lê no Ac. STJ, de 08.03.2006, www.dgsi.pt) ‘’(…), como resulta do disposto no art.º 690.º, n.º 1, do CPC, o recorrente deve terminar a sua alegação, concluindo, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão. As conclusões traduzem-se, pois, como diz A. Reis , "pela enunciação abreviada dos fundamentos do recurso". Ora, se um dos fundamentos do recurso é o erro de julgamento da matéria de facto, compreende-se que os concretos pontos de facto sobre que recaiu o alegado erro de julgamento tenham de ser devidamente especificados nas conclusões do recurso. Na verdade, sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente, importa que os pontos de facto que ele considera incorrectamente julgados sejam devidamente concretizados nas conclusões, pois se aí não forem indicados o tribunal de recurso não poderá tomar conhecimento deles. O mesmo não acontece, porém, com a obrigatoriedade de indicar os meios probatórios em que a impugnação da matéria de facto se fundamenta, uma vez que esses meios de prova não constituem um verdadeiro fundamento do recurso. Não são uma verdadeira questão. Mais não são do que os argumentos invocados pelo recorrente para que a questão da impugnação da matéria de facto seja resolvida no sentido por ele pretendido. Como se diz no acórdão de 24.5.2005, deste tribunal, proferido no processo n.º 1334/05, da 6.ª Secção, “[a] especificação dos concretos meios probatórios não integra uma autêntica questão, mas simples indicação dos elementos susceptíveis de conduzir à procedência da impugnação da matéria de facto, pelo que não tem de constar das conclusões das alegações do apelante, bastando que conste do corpo das mesmas alegações". Parece-nos que não se deve prescindir também e por outro lado, que as conclusões contenham também a especificação da decisão que, no entender do recorrente deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. Compreende-se muito bem que assim seja. Como se lê no preâmbulo do DL n.º 39/95, de 15 de Fevereiro, o legislador pretendeu afastar a possibilidade de o recorrente se limitar «a atacar, de forma genérica e global, a decisão de facto, pedindo pura e simplesmente a reapreciação de toda a prova produzida em 1.ª instância e manifestando genérica discordância com o decidido». O apelante afirma que o tribunal não apreciou correctamente a prova produzida em julgamento mas não especificou os concretos pontos de facto que considera mal julgados, nem formulou qualquer alternativa Não se conhece, por conseguinte do recurso da decisão de facto. *** Do direito Afirma o tribunal a quo:"... à matéria alegada e assente, e não obstante ter ficado demonstrado que o réu C praticou um ato ilícito e culposo ao não ter cuidado de proceder ao pagamento da multa devida, assim evitando o desentranhamento da contestação, a verdade é que não logrou o autor alegar nem provar que, ainda que a contestação apresentada não tivesse sido desentranhada, existiria uma probabilidade consistente e elevada de obter vencimento na acção, ao que acresce que também um eventual recurso da sentença proferida não determinaria decisão distinta face à factualidade provada e à impossibilidade de, nessa sede, poder já ser invocada a referida nulidade e de serem apresentados documentos que deveriam ter sido juntos com a contestação. Nesta conformidade, impõe-se concluir que não só não ficou demonstrado o dano resultante da perda de oportunidade do autor contestar e obter ganho de causa, como inexiste o necessário nexo de causalidade entre o facto ilícito e culposo resultante da conduta do réu C e o dano resultante da sua condenação no pagamento da quantia de €42.000,00. Não estando demonstrado que a conduta do réu C tenha determinado a chamada «perda de chance» do autor no sentido de impedir a efectivação de um dano, que sempre se verificaria, mais não resta do que absolver o réu C do pedido, por não se mostrar preenchido um dos pressupostos da responsabilidade civil...". Não concordamos com este entendimento. Expliquemos porquê! De origem francesa, a perda de chance ou de oportunidade conhece um sucesso crescente, como o revela o interesse a ela dedicada pela doutrina e sobretudo o crescente contencioso que tem suscitado. No que respeita à doutrina, remetemos para o estudo de Paulo Mota Pinto, “A perda de chance processual’’, RLJ, 145.º, 182-186, o qual depois de repertoriar as posições que rejeitam a figura doutrina da perda de chance, o que é de resto a sua posição, conclui que “seja como for, pode, porém, dizer-se que existe hoje um sector significativo da doutrina que, seja pela admissão da perda de chance como dano patrimonial autónomo, seja pela aceitação de que o requisito da causalidade, tal como formulado no artigo 563.º, concede relevância à mera probabilidade de causação do dano, admite, nos resultados a que chega , o ressarcimento de perda de chance’’. A jurisprudência nacional tem acompanhado esta evolução rápida e consistentemente. Os primeiros Acórdãos do STJ que se manifestaram sobre a matéria sufragaram uma opinião negativa sustentando que do ponto de vista jurídico a perda de chance não releva entre nós. O Ac. STJ de 22.10.2009, Proc. 409/09.4YFLSB, www.dgsi.pt (terão esta fonte os restantes Acórdãos citados), por exemplo, opinou que considerar a perda de chance indemnizável seria contrariar os princípios da certeza dos danos e as regras da causalidade adequada. Mas já anteriormente os Acs. do STJ de 09.02.2006, Proc. 06B016, de 06 .03.2007, Proc. 07. 138, e de 16.06.2009, Proc. 1623/03, tinham afastado, na prática, a perda de chance por, no primeiro caso, exigir a alegação e a demonstração, que há uma forte probabilidade de a oportunidade se não voltar a repetir ou que a mesma se perdeu definitivamente, e, nos segundos, por, tratando-se de casos de concursos públicos, dependerem de juízos de discricionariedade e de manifesta álea tornando imprevisível a ocorrência do dano e assim afastando o nexo causal. No Ac. de 29.04.2010, Proc. 2622/07.OTBPNF.P1.S1, num caso de deserção de um recurso de uma sentença de 1.ª instância para um Tribunal da Relação, voltou a afirmar-se que “a mera perda de chance irreleva para efeitos indemnizatórios por, só por si, não se enquadrar no princípio da causalidade adequada, e a indemnização não ter, como regra, função punitiva’’. O Ac. de 26.10.2010, Proc. 1410/04.OTVLSB. L1.S1, trilhou o mesmo caminho ao doutrinar que “o dano de “perda de chance’’ consiste na perda da probabilidade de obter uma futura vantagem; a vantagem em causa deve ser aferida em termos de probabilidade, reportando-se o dano de “perda de chance’’ ao valor da oportunidade perdida e não ao benefício esperado; a mera perda de uma chance não terá, em geral, virtualidade jurídico-positiva para fundamentar uma pretensão indemnizatória; só em situações pontuais ou residuais pode ser atendida, tais como em situações em que ocorre a perda de um bilhete de lotaria, ou em que se é ilicitamente afastado de um concurso, ou do atraso de um diagnóstico médico que diminuiu substancialmente as possibilidades de cura de um doente’’. Dentro da mesma orientação o Ac. de 29.05.2012, Proc. 8972-06.5. TBBRG.G1.S1, afirmou que “os danos futuros só são indemnizáveis quando forem previsíveis; a doutrina da perda de chance ou de oportunidade, em geral, não tem apoio na nossa lei civil; os danos decorrentes de uma conduta negligente de um advogado no desempenho de um mandato forense ou no exercício de apoio judiciário concedido a uma parte processual, para serem ressarcíveis exigem que se prove que sem essa conduta negligente os lesados teriam uma vantagem ou evitariam uma desvantagem que se consubstancia nos danos peticionados. Por sua vez, o Ac. de 18.11.2012, Proc. 5817/09.8TVLSB.L1.S1, voltou a sustentar que “a doutrina da perda de chance não tem apoio expresso na nossa lei civil, não tendo, em geral virtualidade para fundamentar uma pretensão indemnizatória. Pelo que só em situações pontuais poderá ser atendida, não revelando no caso concreto [danos resultantes da perda de uma acção judicial], por contrariar, em absoluto, o princípio da certeza dos danos e as regras da causalidade adequada’’. No que foi seguido pelo Acs. de 05.02.2013, Proc. 2035/8TVLSB.L1.S1 e de 30.03.2013, Proc. 2531/05.7.TBBRG.G1.S1, este dizendo que “em sede de deserção do recurso por falta de alegação do mandatário da parte vencida, a chamada perda de chance, não estando devidamente densificada, pondo-se até em causa que entre nós haja base jurídico-positiva para fundar, com base nela, direito de indemnização, só poderá ser valorada em termos de uma “possibilidade real’’ de êxito que se frustrou’’ e pelo de 09.12.2014, Proc. 1378/11.6.TVLSB.L1.S1. Não é fácil determinar o momento exacto e por que razões houve uma inversão da orientação jurisprudencial do nosso Supremo quanto à ressarcibilidade do dano de perda de chance (Mota Pinto, por exemplo coloca em 2013, o momento de inversão da orientação jurisprudencial). Parece-nos, porém, não fugir à verdade, se dissermos que a partir de 2015 as posições francamente negativas ou reticentes quanto à recepção da doutrina da perda de chance foram definitivamente abandonadas. Prova disso os Acórdãos de 30.04.2015, Proc. 338/11.1TBCVL.C1.S1, de 05.05.2015, Proc. 614/06.TVLSB.L1.S1, de 09.07.2015, Proc. 5105/12.2TBXL.L1.S1, de 16.02.2016, Proc. 2368/13.OT2AVR.P1.S1, de 11.01.2017, Proc. 540/13.1T2AVR.P1.S1, de 24.03.2017, Proc. N.º 389/14. 4T8EVR.E1.S1, de 30.11.2017, Proc. 12198/14.6T8LSB.L1.S1, de 05.07.2018, Proc. 2011/15.2.PNF.P1.S1 e de 17.05.2018, Proc. 236/14.7TBLMG.G1-S1. Confrontemos a doutrina emanada do primeiro e último Acórdãos para demonstrarmos a afirmação acima feita. O Ac. de 30.04.2015 tem o seguinte sumário:
Podemos pois em jeito de conclusão interlocutória dizer que a perda de chance é um instrumento precioso para uso dos tribunais que lhes permite atribuir aos lesados uma indemnização correspondente à reparação parcial do dano final, nos casos em que o nexo de causalidade entre o facto gerador e aquele dano se encontra afectado de incerteza. Só por lapso a decisão singular reclamada do Exmo. Relator confunde o pressuposto da culpa com o do nexo de causalidade. O recurso à perda de chance evita o sistema brutal do “tudo ou nada’’ que obriga a que o risco de incerteza da prova recaia em conjunto sobre um único sujeito. A “perda de chance” ao contrário distribui o risco da incerteza causal entre as partes envolvidas, pelo que o lesante responde na proporção e na medida em que foi autor do ilícito. Tecnicamente a perda de chance permite indemnizar um prejuízo distinto daquele sofrido pelo lesado, um prejuízo abstracto correspondente à perda de valor representado pelas oportunidades que aquele tinha de evitar o dano, um dano de substituição portanto. Naturalmente que se corre o risco de atribuir uma indemnização a título de perda de chance sempre que houver dúvidas sobre a verificação do nexo de causalidade. Compreende-se assim muito bem que a nossa jurisprudência tenha sido cautelosa e colocado alguns freios à indemnização por perda de chance: indemnização das perdas de oportunidade sim, mas desde que estas sejam consistentes. Uma oportunidade é consistente se é sólida, e é sólida se é real, se existe incontestável e objectivamente e não apenas na imaginação do lesado, e séria, se corresponde a uma probabilidade suficiente de um acontecimento favorável. Tratando-se das oportunidades de sucesso de um processo não nos podemos contentar com uma simples perda, porque não se pode nunca excluir que um tribunal, seja por via de acção seja por via de recurso, melhore a situação de uma parte que pareça de antemão comprometida à luz de determinada interpretação do direito positivo. Uma situação só pode considerar-se séria se não for demasiado hipotética, devendo assim considerar-se os casos de improcedência segura do recurso rejeitado. É manifesto que o Sr. Dr. C privou o seu cliente de direitos legal e constitucionalmente consagrados: o direito à defesa e o direito ao recurso. O direito de defesa, englobando o direito de recurso, garantido por lei a todos as partes, constitui um bem jurídico tutelado pela lei processual e, no caso, também um bem jurídico protegido pelo contrato ( cfr. Artigo 20.º CRP ). Foi exactamente para exercer a defesa dos seus interesses na acção por ele instaurada, que o A. contratou o Sr. Advogado para gerir juridicamente tal defesa. A falta cometida pelo advogado que resulte em perda da hipótese ou possibilidade de conservação ou satisfação dos direitos do respectivo cliente constitui dano indemnizável. Sabendo-se que a obrigação do Sr. Advogado é uma obrigação de meios, o dano emergente do cumprimento defeituoso do mandato corresponderá à prestação devida, que o advogado não efectuou, com o que fez perder ao autor a sorte ou “chance” de obter uma decisão favorável. É de todo plausível que caso fosse assegurada a apresentação da contestação a questão da falta de forma do contrato promessa fosse decidida a favor do réu tal como não é linear que se exclua que em sede de recurso se entendesse ser de conhecimento oficioso aquela nulidade atípica ou até que se considerasse que o artigo 410.º CC deveria ser interpretado de modo a afastar do seu âmbito os contratos que não tivessem uma finalidade habitacional. Ora considerado o direito de defesa como um bem tutelado, não só pela lei, como pelo contrato de mandato estabelecido entre o autor e o réu João Costa, a impossibilidade do seu exercício por omissão culposa deste último deve reputar-se como um prejuízo ou dano em si mesmo considerado, isto é, como um dano autónomo. Mas mesmo que se entenda que ao admitir a existência de um dano independentemente da sorte concreta da defesa nos estamos a afastar da jurisprudência superior nacional, ainda que retomando a argumentação ínsita no Ac. STJ de 28.09.2010,Proc. 171/2002.S1, então diremos que a teleologia que subjaz à doutrina da perda de chance, cada vez mais actual, recomenda que se dê um passo em frente e que o juízo de prognose póstuma se baste com uma probabilidade não necessariamente forte mas ainda assim suficiente quanto à verificação do evento final favorável. Note-se que no caso ocorrente para além da nulidade atípica do contrato-promessa por falta de forma ainda se pode equacionar a possibilidade de ter acolhimento a posição que defende o conhecimento oficioso de tal nulidade e até a de que o art. 410.º do CC só tem aplicação aos edifícios e fracções habitacionais. Ao contrário do que dá a entender Paulo Mota Pinto a jurisprudência dominante em França não exige já hoje que a chance se apresente como forte. Prova disso: o Acórdão da Cassação 1.ª Secção Cível, de 16 de janeiro de 2013, n.º 12-439, F-P+B+I, do seguinte teor: “Vu l’article 1147 du code civil ; Attendu, selon l’arrêt attaqué, que par actes établis avec le concours de la société d’avocats Y...-Z..., M. et Mme X... ont cédé l’ensemble des parts qu’ils détenaient dans le capital de la société Garage Oberkampf, s’engageant à garantir le passif social ; qu’à l’issue de diverses procédures alors engagées de part et d’autre, les époux X... ont été condamnés au paiement du solde débiteur d’un compte courant d’associé (tribunal de commerce de Paris, 6 juin 2006), après compensation à hauteur des sommes dues par la partie adverse en exécution d’une précédente décision (Paris, 23 mars 2004) ; qu’après avoir vainement introduit une nouvelle action en paiement d’une participation aux bénéfices de la société Garage Oberkampf (Paris, 9 avril 2009), les époux X... ont recherché la responsabilité de leur avocat garantie par la société Covea Risks, reprochant au professionnel du droit de ne pas s’être présenté à l’audience du tribunal de commerce, puis de ne pas avoir régulièrement interjeté appel du jugement du 6 juin 2006 malgré les instructions qui lui avaient été données ; Attendu que pour limiter l’indemnisation accordée aux époux X... au montant des frais de procédure engagés en pure perte, l’arrêt retient que la perte de chance d’obtenir la réformation du jugement du tribunal de commerce était faible, dès lors que l’issue de l’appel manqué apparaissait incertaine, ce d’autant que l’arrêt du 9 avril 2009 énonce que la demande en paiement des époux X... d’une somme de 19 595 euros se heurtait à l’autorité de la chose jugée attachée à l’arrêt du 23 mars 2004 et que les époux X... ne rapportaient pas la preuve que leur compte courant était créditeur et non débiteur ; Qu’en statuant ainsi par des motifs impropres à démontrer l’absence de toute probabilité de succès de l’appel manqué, alors que la perte certaine d’une chance même faible, est indemnisable, la cour d’appel a violé le texte susvisé ; PAR CES MOTIFS, et sans qu’il y ait lieu de statuer sur les autres branches du moyen : CASSE ET ANNULE, mais seulement en ce qu’il limite à 5 000 euros la condamnation prononcée à l’encontre des sociétés Y...-Z... et Covea Risks au titre des seuls frais de procédure vainement engagés en refusant à M. et Mme X... toute indemnisation au titre de la perte de chance, l’arrêt rendu le 22 novembre 2011, entre les parties, par la cour d’appel de Paris ; remet, en conséquence, sur ce point, la cause et les parties dans l’état où elles se trouvaient avant ledit arrêt et, pour être fait droit, les renvoie devant la cour d’appel de Versailles’’ . Outros arestos admitem a reparação da perda de chance desde que não se tenha estabelecido a ausência de qualquer probabilidade de sucesso do processo (1.ª Secção Civel, 8 de julho de 1997). O Ac. da 2.ª Secção Civel de 1 de julho de 2010 admitiu mesmo que uma perda de oportunidade de 5% era reparável. Ora sendo assim as coisas e considerando reparável o dano invocado pelo autor outra dificuldade nos surge e tem a ver com a quantificação do dano. É óbvio não ser possível recorrer à reconstituição natural (art.º 562 do C.C.). A indemnização há-de ser fixada segundo critérios de equidade nos termos do nº3 do Art.º566 do C.C.. De acordo com o Ac. STJ de 05.02.2013, Proc. 488/09.4TBESSP.P1.S1, “o dano da “perda de chance” que se indemniza não é o dano final, mas o dano “avançado”, constituído pela perda de chance, que deve ser medida em relação à chance perdida e não pode ser igual à vantagem que se procurava, nem superior nem igual à quantia que seria atribuída ao lesado, caso se verificasse o nexo causal entre o facto e o dano final; para o que importa proceder a uma tarefa de dupla avaliação, isto é, em primeiro lugar, realiza-se a avaliação do dano final, para, em seguida, ser fixado o grau de probabilidade de obtenção da vantagem ou de evitamento do prejuízo, após o que, obtidos tais valores, se aplica o valor percentual que representa o grau de probabilidade ao valor correspondente à avaliação do dano final, constituindo o resultado desta operação a indemnização a atribuir pela perda da chance’’. Coloca-se agora uma questão complexa e de difícil resolução que consiste precisamente em determinar o nível de probabilidade que permite tornar aceitável a equacionada hipótese. A epistemologia geral só pode justificar racionalmente um barómetro: o standard da probabilidade preponderante (>50%). De acordo com este padrão a hipótese sobre um facto resulta aceitável quando a dita hipótese “resulte mais provável do que não’’. Isto implicaria: 1.º uma hipótese com probabilidade média ou positiva (>50%) é logicamente preferível às hipóteses alternativas com probabilidade inferior ou negativa (<50%); 2.º uma hipótese não poderá aceitar-se, ainda que conte com um nível maior de confirmação do que as suas rivais, se a sua probabilidade for negativa (<50%); 3.º se concorrerem várias hipóteses com probabilidade positiva (>50%), deve reputar-se aceitável a dotada do maior nível de probabilidade. O recurso a este paradigma não é compatível com a equidade e com a natureza das coisas. Como realçava Grotius invocando Aristóteles não se devem confundir as coisas morais com as ciências matemáticas: entre o que deve ser feito e o que é proibido há um meio termo, o que é permitido, e esse meio termo tanto pode aproximar-se de uma extremidade como da outra (Mireille Delmas-Marty, Les forces imaginantes du droit, LE RELATIF ET L`UNIVERSEL, Seuil, Paris, 2004:118). Entendemos assim adequado acolher in casu uma probabilidade baixa (=25%) de ter sido reconhecida a nulidade do contrato com as consequências dos artigos 433.º e 289.º CC. *** Os sinistros ocorreram no ano de 2013 (desentranhamento da contestação e transito em julgado da sentença condenatória do recorrente). Estava então a em vigor a apólice 0002866129 da Companhia de Seguros E. depois redenominada Seguradoras D. (cfr. Fls. 102 v. e factos provados n.ºs 19 a 25). Acontece que tomando em conta o que consta dos factos 11 e 22 quanto ao âmbito temporal das apólices verificamos estarmos perante apólices de reclamação (claim made) e não perante apólices ocorrência (cfr. Ac. STJ de 14.12.2016, proc. 5440/15.8T8PRT-B.P1.S1, www.dgsi.pt). Assim sendo, reclamada a indemnização nesta acção em 2016, os ajuizados sinistros deverão considerar-se excluídos da cobertura da referida apólice. Só a Seguradora D. usou da faculdade prevista no artigo 636.º CPC. O âmbito do recurso quanto a B será apenas o do principal. *** Pelo exposto acordamos em julgar parcialmente procedente o recurso e, consequentemente, em revogar a decisão impugnada que substituímos por outra que condena C e B a pagarem solidariamente a A a quantia de € 5.250,00 (cinco mil duzentos e cinquenta euros), acrescida de juros vencidos e vincendos desde 27.09.2016 até integral pagamento, à taxa legal, e que absolve D do pedido. Custas por recorrente e vencidos na proporção de 6/8 e 2/8, respectivamente. *** 27.02.2020 Luís Correia de Mendonça Maria Amélia Ameixoeira Rui da Ponte Gomes (X) (X) Voto vencido: A douta decisão que fez vencimento embasa na jurisprudência, (reconhecemos maioritária) de que, no domínio da «perda de chance», como é aquele em que se inscreve o presente caso, a primeira questão está em saber se o hipotético sucesso do desfecho processual decorrente da conduta forense que devia ter sido efetuada, assume um padrão de consistência e de seriedade que, face ao estado da doutrina e jurisprudência então existente, ou mesmo já em evolução, se revela suficientemente provável para o reconhecimento do dano. Para tanto, importaria fazer o chamado «julgamento dentro do julgamento» (...?), não propriamente no sentido da solução jurídica que pudesse ser adotada pelo Tribunal da ação sobre a matéria da causa em que ocorreu a falta, mas sim pelo que pudesse ser considerado como altamente provável que o Tribunal da ação em que a defesa ficou prejudicada viesse a decidir. Se analisarmos o conteúdo deste e doutros raciocínios que tem sido feito por alguns dos nosso Tribunais, principalmente superiores, ficamos com a impressão que se entrou no domínio, não do «bom senso» e do «senso comum», mas da pura «astrologia» ou «adivinhação», exigindo-se ao Magistrados o auxílio da boa de cristal, e não dos livros das Leis e do sentimento de prudência. Ora: Se é certo que a negligência forense de um causídico não deva ser indemnizada pelo valor do pedido que se pretendeu, de modo algum pode ser simbólica, como aquela que se arbitrou e fez vencimento. Afinal de contas, a constituinte podia ter tido ganho de causa na totalidade. E essa «chance» não a teve, em absoluto. E isto não vai lá com juízos de prognose. Como alguém disse: "...prognósticos só depois do jogo..." Rui da Ponte Gomes |