Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
5438/17.1T8LSB.L1-6
Relator: ANABELA CALAFATE
Descritores: RELAÇÃO MATERIAL CONTROVERTIDA
DOCUMENTO PARTICULAR
PROVA TESTEMUNHAL
COMEÇO DA PROVA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/17/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE / REVOGADA
Sumário: I - Tal como é configurada a relação material controvertida, a 2ª autora tem interesse directo em demandar a ré e esta tem interesse directo em contradizer a sua pretensão indemnizatória.

II - Se a 2ª autora é efectivamente titular do direito de ser indemnizada por estar alegadamente prejudicada com a invocada actuação da ré, é questão que se prende unicamente com o mérito da causa e não de legitimidade adjectiva.

III - Na lógica do decidido pela 1ª instância, o prosseguimento dos autos para produção de prova seria um acto inútil, proibido atentos os princípios decorrentes do art. 6º nº 1 e 608º nº 2 do CPC. Daí que a omissão de pronúncia sobre a excepção de prescrição não importe, no caso concreto, nulidade da sentença.

IV - Vem sendo entendido que a prova por testemunhas tendo por objecto convenções contrárias ou adicionais ao conteúdo de documento particular que faça prova plena é admissível quando seja acompanhada de circunstâncias objectivas contrárias ao documento ou no caso de existir um começo de prova por escrito que a prova testemunhal visa completar.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 6ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

I - Relatório

Quinta do Lorde - Promoção e Exploração de Empreendimentos Desportivos e Turísticos, Sa e Quinta do Lorde - Gestão e Exploração Hoteleira, Lda, instauraram acção declarativa comum em 03/03/2017, contra United Investments (Portugal) - Empreendimentos Turísticos, Sa, pedindo que a ré seja condenada a pagar-lhes a quantia de 2.603.429,45 € ou o montante a apurar ulteriormente e/ou segundo juízos de equidade, acrescido, em qualquer dos casos, de juros de mora legais contados desde a citação e vincendos até integral pagamento.
Alegaram em síntese:
- o capital social da 2ª autora é detido pela 1ª autora em 99,98%;
- a actividade comercial da 2ª autora é a gestão e exploração, por comissão e incumbência da 1ª autora, de um hotel propriedade desta;
- a 1ª autora é proprietária de um empreendimento turístico-imobiliário denominado “Resort Quinta do Lorde” no concelho de Machico composto por um hotel, um aldeamento turístico, um conjunto de infra-estruturas e um direito de concessão de uso privativo da respectiva marina, bem este do domínio público;
- a ré é uma conhecida empresa do sector da hotelaria e turismo;
- em 16/10/2013 a 1ª autora, RS- este na qualidade de accionista maioritário da 1ª autora - e a ré celebraram um Protocolo de Entendimento com vista a formalizar os princípios e a base das negociações já acordadas entre as partes, para uma parceria de negócios, nos termos da qual a ré passaria a deter, directa ou indirectamente, uma participação correspondente a 50,1% do capital social e dos direitos de voto da 1ª autora e em contrapartida a ré investiria no património daquela e auxiliá-la-ia a reestruturar o seu passivo bancário e a desenvolver a sua actividade turística-imobiliária;
- em 22/10/2013 a 1ª autora, RS e a ré celebraram com o Banco Espírito Santo, SA celebraram um Acordo de Confidencialidade porque a reestruturação da dívida da primeira bem como a concessão de um empréstimo à ré destinado à capitalização da primeira constituíam pressupostos da Transacção;
- a partir do final do ano de 2013 a ré, através dos seus representantes no conselho de administração da 1ª autora, passou a intervir de forma decisiva na gestão desta, determinando a estratégia e gestão comercial e operacional do referido Empreendimento e em particular a exploração hoteleira levada a cabo pela 2ª autora;
- por carta datada de 24/02/2014 a ré informou a 1ª autora que pretendia cessar as negociações e o vínculo que mantinha com esta;
- mas as partes continuaram as negociações;
- por carta datada de 11/03/2014 a ré informou que se via forçada a terminar as negociações e a fazer cessar o Protocolo de Entendimento;
- na sequência da carta de 11/03/2014 cessaram os contactos para a conclusão da Transacção;
- a ré não explicitou os motivos para a cessação/resolução do contrato, omissão que determina a sua ilicitude;
- mas, tanto quanto sabem as autoras, a única razão que ditou a desistência da ré consistiu no averbamento no registo predial, promovido em Janeiro de 2014, da pendência de uma acção popular respeitante ao processo de licenciamento da construção do referido Empreendimento, que, no entender da ré, era susceptível de inviabilizar ou dificultar a comercialização das fracções imobiliárias do mesmo;
- porém, essa acção popular sempre foi do conhecimento da ré;
- além disso, antes de concluída a Transacção a ré passou a comportar-se como a dona do Empreendimento da 1ª autora, tendo tomado assento maioritário no Conselho de Administração desta, sendo que,
- a actuação de representantes da ré na organização e actividade  da 1ª autora levou ao desmantelamento da operação comercial/turística que foi desenvolvida pelas autoras durante o ano de 2013,
- essa actuação bem como a cessação sem aviso prévio que permitisse inverter a situação, forçou as autoras a recomeçarem a sua actividade comercial quase do zero,
- causando prejuízos num total de 2.603.419,45 €, que se reflectiram pelo menos até ao final do ano de 2016 decorrentes de:
.quebra de facturação da 2ª autora - num valor acumulado de 2.566.123,53 € -, correspondendo aos danos emergentes e aos lucros cessantes que a as autoras, e em especial a 2ª autora, não teriam sofrido caso não tivessem estabelecido negociações com a ré;
. encargos financeiros suportados pelas autoras para fazer face aos resultados operacionais negativos - no montante de 37.295,92 € -, pois foram forçadas a recorrer a financiamentos dos accionistas e sócios, bem como a deferir pagamentos, suportando os respectivos encargos;
- a ré incorreu em responsabilidade por culpa in contrahendo, nos termos do art. 227º do Código Civil, devendo responder por todos os danos causados às autoras com o rompimento das negociações.
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A ré contestou invocando, em resumo:
- ineptidão da petição inicial;   
- ilegitimidade da 2ª autora;
- prescrição do alegado direito das autoras,
 - inexistência do dever de indemnizar, porquanto:
. foi acordada a livre denúncia do Protocolo de Entendimento por parte da ré sem que tal implicasse o pagamento de qualquer indemnização ou compensação à 1ª autora;
. comunicou as causas para a cessação da relação pré-contratual, designadamente a não verificação das condições suspensivas e a ocorrência de um facto posterior - o registo da acção popular - que, na apreciação que fez, comprometia o seu interesse na concretização da Transacção;
. não causou quaisquer prejuízos às autoras;
. os alegados prejuízos  teriam de se verificar na esfera da 1ª autora pois a 2ª autora não foi parte no Protocolo de Entendimento;
. o rompimento das negociações não foi ilegítimo nem desleal;
. a confiança que a 1ª autora alega ter criado na celebração do contrato, a ter existido, não foi razoável nem justificada.
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Após realização de audiência prévia, foi proferido saneador sentença em que se decidiu:
a) julgar improcedente a excepção de ineptidão da petição inicial;
b) julgar a 2ª autora parte ilegítima, absolvendo a ré da instância no que respeita àquela;
c) julgar a acção improcedente, absolvendo do pedido a ré.
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Inconformadas, apelaram as autoras, terminando a alegação com as seguintes conclusões:
A. A 2.ª A. encontrava-se expressamente incluída no âmbito e objecto da transacção visada por intermédio do acordo dos autos, tendo ficado desde logo acordado que (i) a maioria dos membros dos órgãos de administração da 2.ª A seria nomeada pela R., (ii) a gestão da 2.ª A. seria controlada pela R. e pelos representantes por si nomeados e (iii) o capital social da 2.ª A. deveria passar a ser integralmente detido pela 1.ª A..
B. Os poderes de disposição e administração da 1.ª A. relativos à 2.ª A. também ficaram limitados, e a R. ficou imediatamente autorizada a participar na gestão corrente da 2.ª A., sendo certo que ao controlar o Conselho de Administração da 1.ª A., que era/é sócia maioritária da 2.ª A., a R. passou a controlar a (e a intervir na) gestão desta, designadamente decidindo o destino dos acordos comerciais que esta tinha em vigor com operadores turísticos, ou seja, praticando actos de gestão material e extraordinária que se reflectiram, de forma imediata e directa, na esfera patrimonial da 2.ª A., e são susceptíveis de lhe causar avultados prejuízos patrimoniais.
C) Porque a 2.ª A. foi objectivamente parte directa, imediata ou mediata, do Protocolo de Entendimento dos autos, que, apesar de ter sido subscrito apenas pela sua sócia maioritária, visava a aquisição, por via indirecta, de 50,1% do capital social da primeira, bem como o controlo maioritário e exclusivo da sua gestão, e alegou ter sofrido danos em virtude e no âmbito da execução desse Protocolo, designadamente, em consequência dos actos de gestão material e extraordinária praticados pelo R. e pelos seus representantes, a mesma tem interesse directo em demandar e é sujeito da relação contratual dos autos e da relação material controvertida, tal como configuradas pelas AA., a Douta Decisão recorrida interpretou e aplicou incorrectamente os arts. 30.º, 31.º, n.º 1 e 278.º, n.º 1, alínea d), todos do CPC.
D) Apesar de as AA. terem apresentado uma Petição Inicial com 196 artigos, 164 dos quais relativos a factos, e de a Contestação da R. ter 344 artigos, 289 dos quais relativos a factos, o Tribunal recorrido considerou que a apreciação de apenas 3 factos (embora complexos) se revelava suficiente para permitir apreciar, de imediato, o mérito da causa.
E) Com base nesses 3 factos, suportados em documentos, o Tribunal de 1.ª instância foi capaz de concluir que:
i. Prevendo o Protocolo de Entendimento dos autos condições suspensivas, bem como um prazo para a respectiva denúncia, e não estando tais condições integralmente verificadas, a 1.ª A. não podia fundadamente confiar na conclusão do negócio, nem ter direito a qualquer indemnização;
ii. O registo da acção popular relativa ao empreendimento da 1.ª A. conferiu à R. razões subjectivas para interromper as negociações; e,
iii. Tendo os danos alegados sido sofridos pela 2.ª A, a 1.ª A. não sofreu danos no contexto das negociações.
F) Tendo em conta que relativamente a estas matérias, as AA. alegaram, de forma abundante, factos e circunstâncias directamente relacionados com os restantes (e escassos) factos que fundamentaram a Douta Decisão recorrida, e susceptíveis de alterar o enquadramento e/ou sentido da Decisão proferida e, portanto, relevantes para esta, a mesma enferma da nulidade prevista na 1.ª parte da alínea d) do n.º 1 do art. 615.º do CPC, bem como, e na medida em que a irrelevância e consequente desconsideração de tais factos não se encontra justificada, do vício de falta de fundamentação previsto na alínea b) do n.º 1 do mesmo preceito legal.
G) Ao contrário do assumido pelo Tribunal recorrido, a causa de pedir da presente acção, tal como enunciada pelas AA. na sua P.I., reveste natureza complexa, não se limitando ao eventual carácter injustificado do rompimento das negociações, pois, para além deste rompimento, as AA. também alegaram que a apesar do (e após o) prazo para verificação das condições suspensivas previstas no Protocolo de Entendimento, as partes, designadamente a R., já haviam dado as negociações como satisfatoriamente concluídas, tendo passado para a fase de formalização do negócio acordado e antecipado as consequências do mesmo.
H) Tendo em conta que, conforme alegado pelas AA., as partes não só já tinham acordado todas as questões necessárias à conclusão do negócio, como até já tinham definido a data para a concretização da mesma, a questão essencial a apreciar seria a existência da eventual obrigação de celebração do contrato negociado/visado, bem como o eventual incumprimento da mesma.
I) A causa de pedir da presente acção também compreende o facto de a R., depois de ter dado a transacção por concluída, ter tomado assento maioritário do órgão de administração da 1.ª A. e ter praticado acto de gestão material e extraordinária da actividade das AA., o que, no entender destas, pode constituir, por si só, fundamento autónomo e bastante da responsabilidade da R.
J) Porque, “o dever geral da boa fé na formação dos contratos desdobra-se em vários deveres de actuação, em que se destacam o dever de informação, os deveres de guarda e restituição, o dever de segredo, o dever de clareza, o dever de lealdade e os deveres de protecção e conservação”, as obrigações e deveres decorrentes do instituto da responsabilidade pré-contratual não se esgotam na manutenção das negociações e/ou na necessidade de fundamento válido para a interrupção das mesmas, sendo certo que os factos alegados pelas AA. na sua P.I. são, independente do carácter justificado, ou injustificado, do rompimento das negociações, susceptíveis de configurar a violação de vários destes deveres.
K) Quanto aos deveres de informação, clareza e lealdade, a R. nunca teve o cuidado de informar que, apesar de o Protocolo de Entendimento ter sido integralmente executado, e de ter comunicado às AA, que pretendia concluir/formalizar o negócio, ainda existiam circunstâncias que poderiam levar a mesma a desistir do negócio.
L) Quanto aos deveres de protecção e conservação, ao assumir o controlo de gestão das AA., bem como ao praticar actos de gestão material e extraordinárias das mesmas, a R. não teve o cuidado de salvaguardar as primeiras dos efeitos e consequências decorrentes da eventual não conclusão do negócio, e conformou-se com a possibilidade de causar danos significativos às AA..
M) A R., agindo com dolo, ou mera negligência, causou às AA. os prejuízos alegados na P.I. e que seriam fácil e plenamente evitáveis caso a R. tivesse, simplesmente, comunicado às AA. que o negócio ainda podia abortar e/ou aguardado pela formalização definitiva do mesmo para “tomar posse” do Conselho de Administração da 1.ª A. e da gestão da actividade da AA..
N) A conduta da R. sempre seria susceptível de configurar uma violação ou incumprimento do próprio Protocolo de Entendimento dos autos, porquanto, nos termos do mesmo, a R. apenas se encontrava autorizada a participar na gestão corrente das AA., e não a praticar actos de gestão extraordinária das mesmas, e com potencial impacto futuro na sua situação financeira, designadamente em momento posterior ao da eventual frustração das negociações.
O) Porque, face ao alegado pelas Partes nos seus articulados, e tendo em conta as várias soluções possíveis para o litígio e para a apreciação da matéria de facto e de direito relevante, o estado do processo não permitia, sem necessidade de mais diligências probatórias, designadamente a realização da audiência de julgamento, a cabal e integral apreciação dos pedidos deduzidos pelas AA., a Douta Decisão recorrida violou a alínea b) do n.º 1 do art. 595.º do CPC.
P) Porque analisou de forma parcelar e restritiva os factos alegados pelas Partes nos seus articulados e aplicou de forma redutora e desequilibrada os princípios e regras enformadoras do instituto da responsabilidade pré-contratual, a Douta Sentença Recorrida interpretou e aplicou incorrectamente o art. 227.º do Código Civil e violou as regras de interpretação da lei prescritas no art. 9.º do Código Civil.
Q) Ao considerar que os prejuízos alegadamente sofridos pela 2.ª A. no âmbito da exploração, e por incumbência da 1.ª A., de um empreendimento propriedade desta não são susceptíveis de se repercutir esfera patrimonial da sua sócia maioritária, a Douta Sentença recorrida interpretou e aplicou incorrectamente os arts. 227.º, n.º 1, 562.º, 563.º e 564.º do Código Civil.
R) Porque, ignorando facto notórios e que não carecem de alegação, bem como sem convidar as AA. a aperfeiçoar a sua P.I., designadamente no sentido de a 1.ª A. clarificar e concretizar os prejuízos que alegou ter sofrido, a Douta Sentença recorrida considerou, sem mais, que não foram alegados prejuízos bastantes para suportar o pedido deduzido, a mesma violou, por um lado, a alínea b) do n.º do art. 5.º e o n.º 2 do art. 412.º, ambos do CPC, e, por outro, a alínea b) do n.º 2 e os n.ºs 3 e 4, todos do art. 590.º do CPC.
Termos em que, sempre com o Douto suprimento de V. Exas., deve ser concedido provimento ao recurso e, em consequência:
a) Revogada a decisão relativa à ilegitimidade processual da 2.ª A.,
e a mesma declarada parte legítima do pleito; e,
b) Em qualquer caso, declarada nula a Decisão relativa ao mérito da causa, ou, em alternativa, revogada, determinando-se que o processo siga os seus ulteriores termos até final, designadamente, com a realização da audiência de julgamento, ou, caso se entenda necessário, o convite das AA. para procederem ao aperfeiçoamento da P.I., tudo com as legais e devidas consequências, e como é de lei e de justiça.
*
Com a alegação recursiva juntou três documentos.
*
A ré contra-alegou, defendendo a confirmação do julgado e pugnou pela inadmissibilidade dos documentos.
Mais requereu a ampliação do âmbito do recurso, formulando, nesta sede as seguintes conclusões:
37. Prevenindo uma eventual procedência das questões suscitadas pelas Recorrentes, no que respeita à revogação da decisão proferida -, vem a ora Recorrida, ao abrigo do disposto no n.º 2, do artigo 636.º do C.P.C., arguir a nulidade da douta sentença recorrida artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do C.P.C) por o Tribunal a quo não se ter pronunciado sobre uma questão que deveria, e podia, ter tomado conhecimento, designadamente, a prescrição do direito das Recorrentes.
38. As Autoras configuram a presente acção como sendo de responsabilidade civil pré-contratual ou de culpa in contrahendo.
39. Nos termos do disposto no artigo 227.º, n.º 2 do Código Civil: “A responsabilidade prescreve nos termos do artigo 498.º”, ou seja, no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete.
40. A decisão de pôr termo à negociação encetada com a 1.ª Recorrente foi comunicada pela Recorrida em 24.02.2014, não tendo as partes, ao contrário do sustentado pelas Recorrentes, continuado as negociações após tal data.
41. Entre a carta de 24.02.2014 e a carta de 11.03.2014 não se assistiu a qualquer continuação de negociações mas, antes, a uma mera manifestação de disponibilidade da Recorrida para, caso a 1.ª Recorrente lograsse ultrapassar o impasse alcançado quanto ao registo da acção popular, reponderar a decisão, consciente e fundamentadamente por si tomada quanto ao termo das negociações.
42. A ruptura das negociações entre a Recorrida e a 1.ª Recorrente, ao contrário do afirmado por esta, ocorreu no dia 24.02.2014, pelo que o prazo de 3 anos, decorrente dos artigos 227.º e 498.º do Código Civil, terminou no passado dia 24.02.2017.
43. Uma vez que a presente acção apenas foi intentada no dia 03.03.2017, já tal prazo havia decorrido, pelo que, ainda que as Recorrentes fossem titulares do direito de exigir à Recorrida uma qualquer indemnização – e não são –, sempre tal direito teria já prescrito.
Termos em que, e nos demais de direito que V. Exa. doutamente suprirá, deverá ser considerado totalmente improcedente o argumentário expendido pelas Recorrentes nas suas Alegações, negando-se, assim, provimento ao respectivo recurso e devendo ser mantida, nos seus precisos termos, a douta Sentença proferida pelo Tribunal a quo.
Assim não se entendendo, caso seja o recurso sob apreciação julgado procedente,
Sempre deverá então ser concedido integral provimento à ampliação do âmbito do recurso aduzida, nos termos dos fundamentos acima expostos.
Assim se fazendo a costumada justiça.
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Colhidos os vistos, cumpre decidir.
II - Questões a decidir
a) O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação das recorrentes, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso e da ampliação do âmbito do recurso, pelo que as questões a decidir são estas:
- se a 2ª autora é parte legítima
- se a sentença é nula (alegação da apelante e ampliação do âmbito do recurso)
- se prescreveu o alegado  direito das autoras
- se os autos devem prosseguir para produção de prova
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b) Como questão prévia, cabe decidir se são admissíveis os documentos juntos com a alegação das apelantes.
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III - Fundamentação
A) Na sentença recorrida vem dado com provado:
1 - Por documento escrito datado de 16 de Outubro de 2013, a A. Quinta do Lorde - Promoção, a R. e RS celebraram acordo que denominaram de “Protocolo de Entendimento”, do qual consta, entre outras, as seguintes cláusulas:
- “As Partes acordam negociar de boa-fé uma possível parceria de negócios e estabelecer no presente Protocolo os princípios que regerão aquelas negociações”.
- “RS e QdL declaram e garantem à UIP que:

(e) Não existem quaisquer litígios judiciais ou extrajudiciais, incluindo nomeadamente de natureza cível, criminal, contra-ordenacional, administrativa, laboral, fiscal e arbitral envolvendo a QdL e/ ou alguma das Sociedades Participadas ou as acções representativas dos respectivos capitais sociais, para além dos que constam elencados no Anexo VI”.
- “A parceria de negócios relativa à QdL visará a aquisição pela UIP, directa ou indirectamente, a RS de uma participação correspondente a 50,1% do capital social e dos direitos de voto da QdL («Transacção»)”.
- A UIP e RS desde já acordam que a conclusão da Transacção fica dependente da verificação cumulativa das seguintes condições («Condições Suspensivas»):

(c) Obtenção pela QdL de todas as licenças e autorizações necessárias à exploração, funcionamento e abertura do Empreendimento Quinta do Lorde”.
- “As partes acordam que as Condições Suspensivas terão de se verificar até ao dia 15 de Novembro de 2013 (ou até outra data conforme acordado entre a UIP e RS), salvo nos seguintes casos: a) A obtenção pela QdL das licenças e autorizações administrativas… deverá ocorrer até 31 de Outubro de 2013;”
- “Caso as Condições Suspensivas não se verifiquem dentro dos prazos previstos na presente Cláusula (ou noutras a acordar posteriormente entre a UIP e RS), a UIP poderá denunciar o presente Protocolo de imediato, não sendo devida qualquer indemnização ou compensação entre as Partes em resultado dessa cessação”.
- “RS e QdL comunicarão prontamente à UIP a ocorrência de quaisquer factos com especial relevo (positivo ou negativo) na actividade e/ ou negócios da QdL e/ ou das Sociedades Participadas, cabendo unicamente à UIP avaliar o impacto da verificação de tais factos no seu interesse na Transacção, pelo que será livre de fazer cessar o presente Protocolo com efeitos imediatos e sem que por esse motivo fique obrigada a indemnizar ou compensar RS e/ ou a QdL caso, em seu entender, deixem de subsistir os pressupostos com base nos quais as negociações foram e serão desenvolvidas”.
2 - Por carta datada de 24 de Fevereiro de 2014, a R. comunicou à A. Quinta do Lorde - Promoção e a RSo seguinte:
“Conforme é já do vosso conhecimento, as negociações que vinham a ser mantidas entre a UIP, a QdL e o Senhor RStendo em vista a aquisição, pela UIP, de uma participação maioritária na QdL (a «Transacção»), malograram, não tendo, pois, sido alcançado acordo quanto à concretização da projectada Transacção.
Os principais motivos que contribuíram para a não concretização da Transacção prendem-se com a não verificação das condições suspensivas acordadas entre a UIP, o Senhor RSe a QdL ao abrigo do Protocolo de Entendimento celebrado em 16 de Outubro de 2013 (…), bem como a ocorrência de factos supervenientes com especial relevo para a actividade e negócios da QdL e respectivas subsidiárias (em particular, a inscrição de uma acção popular no registo predial dos imóveis da QdL, sem prejuízo das demais contingências identificadas), que afectam negativamente a valorização dos activos do Grupo Quinta do Lorde, podendo, inclusivamente, obstar à sua venda.
Sem prejuízo de a UIP ter procurado sempre, no decurso das negociações, alcançar soluções de compromisso para ultrapassar os constrangimentos e contingências que entretanto foram surgindo ou sendo revelados, o impacto negativo inevitável de tais factos no Plano de Negócios delineado pela UIP para o Projecto QdL (que é do conhecimento da QdL e do Senhor RS) e, consequentemente, no interesse da UIP na Transacção é, nesta fase, inultrapassável. A UIP vê-se assim forçada, nos termos do Protocolo de Entendimento, a fazer cessar este acordo e terminar as negociações com a QdL e com o Senhor RS, uma vez que deixaram de subsistir os pressupostos que estiveram na génese do interesse na UIP no Projecto QdL.”
3 - As fracções do empreendimento denominado “Resort Quinta do Lorde” não se encontravam integralmente concluídas e/ ou licenciadas na data na qual a R. rompeu as negociações.
*
B) Da questão prévia.
As apelantes juntaram três documentos dizendo que se tornaram necessários em virtude do julgamento da 1ª instância para provarem que:
. contrariamente ao decidido, a apelada deu a transacção como concluída após o fim do prazo de verificação das condições suspensivas previstas no Protocolo de Entendimento e apesar do registo da acção popular;
. contrariamente ao decidido, a causa de pedir da acção não corresponde apenas ao rompimento das negociações e ao eventual carácter justificado ou injustificado do mesmo.
Identifica esses documentos como sendo:
1. Cópia da Licença de utilização do empreendimento das apelantes, emitida antes da interrupção das negociações (doc. 1 de fls. 262);
2. Cópia de e-mail enviado pelo representante da apelada e tradução legalizada, indicando a data estimada/desejada para a formalização do negócio acordado entre as partes (doc. 2 de fls. 262 v a 265);
3. Tradução certificada do doc. 32 junto com a petição inicial que corresponde a um e-mail do representante da apelada enviado enquanto membro do «Conselho de Administração da A., após o averbamento da acção popular relativa aos imóveis propriedade da 1ª A.» (doc. 3 de fls. 266/267) .
*
A apelada pugna pela inadmissibilidade dos documentos, dizendo que respeitam a factos novos que podiam ter sido alegados na petição inicial ou, em última análise, na audiência prévia ocorrida em 13/09/2017, não se tendo tornado necessária a sua junção em virtude do julgamento proferido na 1ª instância.
*
Apreciando.
Sobre a junção de documentos na fase do recurso, estabelece o art. 651º nº 1 do CPC (Código de Processo Civil):
«As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância.».
E os art. 423º e 425º estabelecem, respectivamente:
Art. 423º:
«1. Os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da ação ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes.
2. Se não forem juntos com o articulado respectivo, os documentos podem ser apresentados até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, mas a parte é condenada em multa, exceto se provar que os não pôde oferecer com o articulado.
3. Apos o limite temporal previsto no número anterior, só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior.».
Art. 425º
«Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento.».
No caso presente não foi realizada audiência final.
Portanto, não podem as apelantes ficar impedidas de juntar documentos pelo facto de a acção ter sido decidida no saneador.
Porém, os documentos 1 e 2 são anteriores à data da instauração e não se mostra que tenha sido impossível a sua junção com a petição inicial, nem a se tornaram necessários em virtude de ocorrência posterior.
Repare-se que o doc. 1 se destina, até, a contrariar o que foi alegado na petição inicial, dando agora a apelante o dito pelo não dito. Na verdade, nos art. 70º e 71º está escrito:
«Cumpre referir que tanto quanto transmitiu à 1ª A., a estratégia comercial e financeira que a R. pretendia adoptar para o Empreendimento da primeira não passava pela (nem dependia) da venda e/ou comercialização imediata de quaisquer fracções imobiliárias do Empreendimento.» (70º),
«Que, aliás, não se encontravam integralmente concluídas e/ou licenciadas na data na qual a R. rompeu as negociações.» (71º).
O doc. 2 com data de 11/02/2014 também - que é tradução documento 32 junto com a petição inicial a fls 89 e v- respeita a matéria nela alegada, no sentido de estar concluída/garantida a transacção e de faltar apenas a sua formalização, designadamente nos art. 23º, 25º a 28º, onde se lê, além do mais:
«E concluiu [a ré], na posse de todos os elementos  relevantes e/ou por si solicitados, que estavam reunidas todas as condições para a conclusão/formalização da transacção.» (23º),
«Estando todas as partes firmemente convictas do sucesso da Transacção, em cumprimento do acordado entre a 1ª A-, RSe a R., em 20 de Dezembro de 2013 os accionistas da 1ª A., reunidos em assembleia geral deliberaram, por unanimidade, o seguinte:
(i) (…)
(ii) Eleger os novos membros sociais para o mandato de 2013/2016, passando o Conselho de Administração da 1ª A. a ser composto pelo Senhor TB, como Presidente, o Senhor RS, como Vice-Presidente e e o Senhor CL, como Administrador (…)
(…) cfr Acta da Assembleia Geral (…) de 20/12/2013, (…) » (25º),
«De seguida, em 30 de Janeiro de 2014, os accionistas da 1ª A., reunidos em assembleia geral, deliberaram, também por unanimidade:
(i) A realização de prestações acessórias voluntárias por parte dos accionistas actuais e pelo futuro novo accionista - a R - (…) (26º) (cfr Acta da Assembleia Geral de 30/01/2014 (…)»,
«Ou seja
No Final do ano de 2013, as Partes, e em especial a R. deram a Transacção como concluída/garantida» (27º),
«E, pelo menos a partir desse momento, a R. através dos seus representantes no Conselho de Administração da 1ª A., passou a intervir, de forma decisiva, na gestão desta». (28º),
Na verdade, esse documento 2 é cópia de um e-mail onde se lê, designadamente:
«CC: RS
Assunto: Fwd: Quinta do Lorde SA - KYC (…)
Olá, Richard
De modo a dar seguimento a este processo ,você já teve oportunidade de rever a Folha de Termo e quando é que estaria disponível para discutir a mesma para que possamos enviar uma minuta para Kempinsky.
Eles estão bastante ansiosos porque a fata acordada para eles estarem efectivamente na propriedade é Março (…)

(…)
Com os melhores cumprimentos CL
Início de mensagem encaminhada:
De: CL (…)
Enviado: 11 de Fevereiro de 2014 (…)
(…)
Cara Charlotte
Muito obrigada pelo seu email
(…)
Estamos em vias de conclusão da documentação para execução e registo na conservatória do registo comercial, o que deverá ter lugar no início da próxima semana. A parti desse momento a UIP passará efectivamente a deter 50,1% (…)
Por favor note que tanto o TB como eu próprio já estamos nomeados para o conselho de administração, (…)».
No que respeita ao doc.3 afirmam as apelantes que se trata de tradução de documento 32 que foi junto com a petição inicial.
Também o doc. 3 junto a fls 266/267, com data de 10 de Janeiro de 2014 respeita à matéria alegada na petição inicial no sentido de estar já concluída/garantida a transacção, pois nele se lê, além do mais:
«De: CL (…)
(…)
Nesta fase temos a data de fecho marcada para 30 de Janeiro e TB fez marcações para assistir à AG e estra presente para assinar os documentos finais, por isso sugiro que aceleremos este processo pois preferia não ter que adiar o fecho ou fazer com que TB faça uma viagem falhada ao Funchal.
(…)».
Portanto, por terem pertinência devem ser admitidos os três documentos, mas devem ser as apelantes condenadas em multa que se fixa em 1 (uma) UC (art. 423º nº 2 do CPC e art. 27º nº 1 e 3 do Regulamento das Custas Processuais).
*
C) Se a 2ª autora é parte legítima.
Na decisão recorrida julgou-se a 2ª autora parte ilegítima, com esta fundamentação:
«As AA. invocaram o instituto da responsabilidade contratual, alegando que a A. Quinta do Lorde - Promoção e a R. negociaram, tendo celebrado um protocolo de entendimento.
Atenta a versão das AA., a A. Quinta do Lorde - Gestão não negociou com a R. nem foi parte do invocado protocolo de entendimento, pelo que não é titular da relação controvertida.».
Não é de acolher esta decisão.
O art. 30º do CPC estatui:
«1. (…); o réu é parte legítima quando tem interesse direto em contradizer.
2. O interesse em demandar exprime-se pela utilidade derivada da procedência da ação e o interesse em contradizer pelo prejuízo que dessa procedência advenha.
3. Na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor.».
Ora, na petição inicial são invocados prejuízos da 2ª alegadamente decorrentes da gestão levada a cabo pela ré, designadamente nos art. 150º onde consta: «(…) não fora a interferência da R. nessa exploração hoteleira, no ano de 2014 a 2ª A. poderia (e teria) certamente registado uma facturação de (…)» e 159º «Correspondente aos danos emergentes e aos lucros cessantes que as AA, e, em especial, a 2ª A., não teriam sofrido caso não tivessem estabelecido negociações com a R., e esta não tivesse intervindo activamente na gestão da primeira, antecipando o resultado das negociações que veio a interromper abruptamente.».
Portanto, tal como é configurada a relação material controvertida, a 2ª autora tem interesse directo em demandar a ré e esta tem interesse directo em contradizer a sua pretensão indemnizatória. Se a 2ª autora é efectivamente titular do direito de ser indemnizada por estar alegadamente prejudicada com a invocada actuação da ré, é questão que se prende unicamente com o mérito da causa e não de legitimidade adjectiva.
Assim, tem de proceder o recurso nesta parte, julgando-se a 2ª autora parte legítima.
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D) Se a sentença é nula (alegação da apelante e ampliação do âmbito do recurso).
1. Sustenta, as apelantes que a sentença é nula nos termos do art. 615º nº 1 al. b) do CPC porque «não foram apreciados, nem poderiam ter sido, todos os factos que integram a causa de pedir.», «Tendo o Tribunal de 1ª instância proferido uma Decisão precipitada, parcelar, insuficientemente fundamentada e, como tal, manifestamente nula.»
Diz o art. 615º nº 1 al b) do CPC que é nula a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.
Porém, na sentença recorrida estão expostos os factos e as razões de direito que na perspectiva da 1ª instância impõem o julgamento de improcedência da acção.
Se esses factos não são ainda bastantes para proferir decisão de mérito, justificando-se a realização de audiência final, tal não configura causa de nulidade da sentença, mas sim de anulação em ordem a que os autos prossigam para ampliação a matéria de facto. Por outro lado, se os fundamentos de direito estiverem incorrectos, tal não é causa de nulidade da sentença mas sim da sua revogação por erro de julgamento.
Improcede, pois, esta arguição de nulidade.
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2. Sustenta a apelada, em sede de ampliação do âmbito do recurso, que a sentença é nula por não ter sido conhecida a excepção de prescrição.
Realmente, essa excepção não foi conhecida pela 1ª instância, apesar de ter sido invocada na contestação.
Porém, no caso concreto, o conhecimento da excepção de prescrição depende da produção de prova sobre factos alegados nos articulados.
Assim, na contestação vem alegado que o prazo de prescrição de três anos consagrado nos art. 227º nº 2 e 498º do Código Civil já tinha decorrido quando foi instaurada a acção, pois, diz a ré, a decisão de encerramento da negociação foi definitivamente tomada e comunicada à 1ª autora em 24/02/2014.
Na verdade, a acção foi instaurada em 03/03/2017 e a ré foi citada em 08/03/2017.
Porém, na petição inicial vem alegado que depois da carta datada de 24/02/2014, em que a ré informou a 1ª autora que pretendia cessar as negociações e o vínculo que mantinha com esta, as partes continuaram as negociações e empreenderam esforços no sentido de concretização/conclusão a transacção, e que a “cessação/resolução do contrato” só ocorreu por carta datada de 11/03/2014, recebida pela 1ª autora em 18/03/2014 (cfr art. 30º a 35º da p.i.).
Portanto, como a ré foi citada antes de decorridos 3 anos sobre a data em que alegadamente ocorreu a ruptura das negociações, o conhecimento da excepção depende da produção de prova.
Mas percebe-se que na perspectiva da 1ª instância os factos que foram dados como provados na sentença permitiam julgar desde logo improcedente a acção e por isso, seria inútil deixar os autos prosseguirem com produção de prova que conduziria ao mesmo resultado, visto que a prescrição conduz à absolvição do pedido (art. 304º nº 1 do Código Civil e 576º nº 3 do CPC).
Em suma, na lógica do decidido pela 1ª instância - pois consignou que «Não faz sentido fazer prosseguir a ação com selecção da matéria de facto controvertida, uma vez que o êxito da presente ação está irremediavelmente comprometido» - o prosseguimento dos autos para produção de prova seria um acto inútil, proibido atentos os princípios decorrentes do art. 6º nº 1 e 608º nº 2 do CPC.
Daí que a omissão de pronúncia sobre a excepção de prescrição não importe, no caso concreto, nulidade da sentença nos termos do art. 615º nº 1 al. d) do CPC.
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E) Se prescreveu o alegado direito das autoras.
Face ao que se explanou em D) não contêm os autos, neste momento, todos os elementos necessários para conhecer da questão da prescrição.
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F) Se se os autos devem prosseguir para produção de prova.
O art. 595º nº 1 al. b) do CPC prescreve que o despacho saneador destina-se a conhecer imediatamente do mérito da causa sempre que o estado do processo permitir, sem necessidade de mais provas, a apreciação, total ou parcial, do ou dos pedidos deduzidos ou de alguma excepção peremptória.
Na sentença recorrida ponderou-se, nomeadamente:
«(…)
A A. Quinta do Lorde - Promoção invocou o instituto da responsabilidade pré-contratual
(…)
Estando a A. Quinta do Lorde - Promoção, a R. e RSainda em fase de negociações, celebraram um Protocolo de Entendimento pelo qual estipularam que a conclusão do negócio estava dependente da verificação de determinadas condições.
Sem a verificação dessas condições, a A. Quinta do Lorde - Promoção não podia fundadamente confiar na conclusão do negócio.
Uma dessas condições era a obtenção pela A. Quinta do Lorde - Promoção de todas as licenças e autorizações necessárias à exploração, funcionamento e abertura do Empreendimento Quinta do Lorde até 31 de Outubro de 2013.
Resulta da matéria de facto provada que as fracções do empreendimento denominado “resort Quinta do Lorde” não se encontravam integralmente concluídas e/ou licenciadas na data na qual a R. rompeu as negociações.
A Quinta do Lorde - Promoção, em sede de audiência prévia, afirmou que o prazo de 31 de outubro de 2013 podia ser prorrogado pelas partes e que, tendo as negociações continuado após 31 de outubro de 2013, há que considerar que aquele prazo foi tacitamente prorrogado.
Consta do Protocolo de Entendimento que, “caso as Condições Suspensivas não se verifiquem dentro dos prazos previstos na presente Cláusula (ou noutras a acordar posteriormente entre a UIP e RS), a UIP poderá denunciar o presente Protocolo de imediato, não sendo devida qualquer indemnização ou compensação entre as Partes em resultado dessa cessação.
A prorrogação tácita do prazo não tem apoio no texto da estipulação acabada de reproduzir.
Da continuação das negociações após 31 de outubro de 2013 apenas de pode extrair a abertura da R. para acordar com RS novo prazo.».
Porém, o documento 1 junto com a alegação recursiva das apelantes vem, alegadamente, infirmar a sua alegação vertida na petição inicial sobre o licenciamento do empreendimento e o facto 3 dado como provado.
Por outro lado, a interpretação feita pela 1ª instância sobre a finalidade da continuação das negociações após 31/10/2013 pode não ser a única segundo as várias soluções plausíveis de direito.
Além disso, vem sendo entendido que a prova por testemunhas tendo por objecto convenções contrárias ou adicionais ao conteúdo de documento particular que faça prova plena é admissível quando seja acompanhada de circunstâncias objectivas contrárias ao documento, ou no caso de existir um começo de prova por escrito que a prova testemunhal visa completar (neste sentido v. Ac do STJ de 29/11/2005 - P. 05A3283 in www.dgsi.pt, Ac do STJ de 07/02/2008 - in CJ XVI, 1, pág.77 e Ac do STJ de 23/02/2010 - in CJ XVIII, 1, pág. 71).
Ora, na sentença recorrida, não é feita menção à carta datada de 11/03/2014, invocada no art. 35º da p.i, - e que, segundo as autoras, marca a data em que cessaram definitivamente as negociações -, sendo certo que vem alegado no art. 33º desse articulado que, na sequência das comunicações de 24/02/2014 e 28/02/2014, as partes continuaram as negociações e empreenderam esforços no sentido da concretização/conclusão da transacção, e nos art. 28º e 29º - e depois concretizado noutros artigos - que pelo menos a partir do final do ano de 2013 a ré, através dos seus representantes no Conselho de Administração da primeira autora passou a intervir de forma decisiva na gestão desta.
Importa ainda ter em consideração que as apelantes alegaram prejuízos decorrentes de alegada má gestão de representantes da apelada no conselho de administração da primeira autora.
É certo que na sentença recorrida se discreteou:
«A A. Quinta do Lorde - Promoção, em sede de audiência prévia, invocou a nulidade da renúncia antecipada à indemnização pelo rompimento das negociações.
Nos termos do art. 809º do C.C. “é nula a cláusula penal pela qual o credor renuncia antecipadamente a qualquer dos direitos que lhe são facultados nas divisões anteriores nos casos de não cumprimento ou mora do devedor, salvo o disposto no artigo 800º”.
No caso dos autos, não estamos perante incumprimento ou mora do devedor, mas rompimento de negociações.
Acresce dizer que, no caso dos autos, não há uma renúncia antecipada ao direito de indemnização pelo rompimento das negociações, mas sim o clarificar o ponto em que se encontram as negociações e a medida em que a A. Quinta do Lorde - Promoções e RS podem ou não confiar na conclusão do negócio.».
Mas, segundo as várias soluções plausíveis de direito, esse alegados prejuízos poderão ser ou não enquadrados na responsabilidade pré-contratual consagrada no art. 227º do Código Civil.
Além disso, não só a interpretação da referida cláusula também poderá ser diferente e conduzir a resultado diferente segundo as várias soluções plausíveis de direito, como também os prejuízos invocados na petição inicial poderão não ser enquadrados naquele instituto, pois na petição inicial as autoras imputaram à ré uma gestão danosa.
Assim, visto que o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação de direito, a conclusão que se impõe é a da necessidade de prosseguimento dos autos para produção de prova por não conterem ainda os elementos necessários para a apreciação dos pedidos e da excepção de prescrição.
*
IV - Decisão
Pelo exposto, decide-se:
a) autorizar a junção dos três documentos de fls. 262 a 267,
b) condenar as apelantes na multa de 1 (uma) UC pela junção desses documentos;
c) revogar a decisão na parte em que julgou ilegítima a autora Quinta do Lorde - Gestão e Exploração Hoteleira, Lda e julgar esta parte legítima;
d) anular a decisão que conheceu do mérito da causa e ordenar o prosseguimento dos autos em ordem a ser identificado o objecto do litígio e serem enunciados os termas da prova, e demais termos subsequentes para que, após realização de audiência final, seja proferida sentença.
Custas pela parte vencida a final.
Lisboa, 17 de Maio de 2018


Anabela Calafate


António Manuel Fernandes dos Santos       


Eduardo Petersen Silva