Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1212/14.5T8LSB.L1-7
Relator: ROQUE NOGUEIRA
Descritores: CONVENÇÃO ARBITRAL
CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA
PRETERIÇÃO DO TRIBUNAL ARBITRAL
INTERPRETAÇÃO DO CONTRATO
CONTRATO DE PERMUTA DE TAXAS DE JURO "INTEREST RATE SWAP"
PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/22/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I– Os tribunais judiciais só devem rejeitar a excepção dilatória de preterição do tribunal arbitral, deduzida por uma das partes, determinando o prosseguimento do processo perante a jurisdição estadual, quando seja manifesto e incontroverso que a convenção invocada é nula ou ineficaz ou que o litígio, de forma ostensiva, se não situa no respectivo âmbito de aplicação.
II– Ou seja, basta a plausibilidade de vinculação das partes à convenção de arbitragem, decorrente de um juízo perfunctório, para que, sem mais, cumpra devolver ao tribunal arbitral voluntário a prioritária apreciação da sua própria competência, nos termos do art.21º, nº1, da Lei da Arbitragem Voluntária (LAV) – Lei nº31/86, de 29/8, aplicável ao caso dos autos
III– A interpretação da convenção de arbitragem que, no caso, assume a natureza de cláusula compromissória, porque reportada a litígios eventuais e futuros decorrentes de uma concreta e específica relação contratual (cfr. o art.1º, nº2, da LAV), está submetida às regras de interpretação das declarações negociais, contidas nos arts.236º a 238º, do C.Civil.
IV– A convenção de arbitragem em questão abrange toda a conflitualidade prática e jurídica compromissória decorrente tanto do contrato quadro (master agreement), como das operações financeiras a estabelecer entre as partes no desenvolvimento e sob cobertura desse contrato quadro, nela se incluindo, nos termos contratuais, tanto as permutas financeiras (swaps) como de taxas de juros (Interest rate swaps).
V– Quer nos Tribunais Judiciais, quer nos Arbitrais, as pessoas colectivas com fins lucrativos terão que suportar os respectivos custos, pelo que a convenção de arbitragem será sempre oponível, sejam quais forem as circunstâncias económicas das partes.
VI– Da circunstância de a recorrente ter sido admitida a processo especial de revitalização (PER) não resulta, só por si, a impossibilidade de custear as despesas relativas à arbitragem.
(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:



1 – Relatório:


Na 1ª Secção Cível da Instância Central da Comarca de Lisboa, C., S. A., intentou acção declarativa de condenação, sob a forma comum, contra Banco R., S. A., concluindo nos seguintes termos:

« … deverá ser julgada procedente a presente acção e, independentemente da procedência dos fundamentos de invalidade ou resolução do Contrato Swap 2008 atrás invocados, deverá o Réu ser condenado a pagar à Autora, a título de indemnização, com fundamento na violação de deveres de informação, a quantia de € 867.933,21, acrescida das quantias que se venham a apurar nos termos dos arts.329º e 333º anteriores, e de juros legais à taxa de 4%, desde a citação até ao efectivo pagamento; ou
Assim não se entendendo, deverá o Contrato Swap 2008 ser declarado nulo por ser subsumível à categoria de jogo e aposta, com as legais consequências atrás descritas nos arts.249º a 251º.
Finalmente, quando assim não se julgue, deverá o mesmo contrato ser resolvido por alteração das circunstâncias, também com as legais consequências já mencionadas nos arts.291º a 294º».

A título de questão prévia, colocou a autora a questão da competência do tribunal, concluindo que, apesar da existência de uma cláusula de arbitragem voluntária (cláusula compromissória) no Contrato Quadro, é o foro judicial o competente para julgar a presente acção.

A ré contestou, invocando, além do mais, a excepção dilatória de preterição do tribunal arbitral, e concluindo, assim, desde logo, pela sua absolvição da instância.

Foi, então, proferida sentença que, conhecendo da invocada excepção, julgou a mesma procedente e, consequentemente, absolveu a ré da instância.

Inconformada, a autora interpôs recurso daquela sentença.

Produzidas as alegações e colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

2 – Fundamentos:

2.1. A recorrente remata as suas alegações com as seguintes conclusões:

I. O presente recurso vem interposto da sentença que julgou procedente a excepção dilatória de incompetência absoluta por preterição de tribunal arbitral e, consequentemente, absolveu a Ré da instância, nos termos do art. 577.º, alínea a) do CPC. Considerando para tal que a convenção de arbitragem estabelecida na cláusula 41.º do Contrato Quadro (Documento 1 da p.i.) abrange o objecto da lide; não é manifestamente nula, nem se tornou manifestamente ineficaz ou inexequível, sendo oponível à Recorrente.

II. Sem conceder quanto às questões referentes à validade da convenção, que não se discutirão nesta sede, procurará a Recorrente demonstrar apenas neste recurso que a (i) convenção de arbitragem não abrange o objecto da lide e, em qualquer caso, (ii) ser-lhe-ia inoponível em função da situação superveniente de insuficiência económica.

III. A questão objecto do recurso cinge-se, pois, em saber se a competência material para a presente acção cabe ao Tribunal “a quo” ou é da competência dos tribunais arbitrais, cumprindo, para tanto, apreciar os dois fundamentos enunciados atrás.

IV. Começando pelo âmbito da convenção de arbitragem apontada, ao considerar o objecto da lide incluído na cláusula arbitral o tribunal fez uma incorrecta interpretação da mesma, violando o art. 236.º, n.º 1 do CC, e, por consequência, interpretando e aplicando também erradamente os arts. 96.º, alínea b) e 99.º, n.º 1, do CPC, assim como o n.º 1 do art. 5.º da LAV.

V. A expressão “diferendos que possam surgir entre as Partes no âmbito do presente contrato” ínsita na dita cláusula 41.ª reporta-se tão só aos litígios decorrentes directamente do Contrato Quadro, autonomamente considerado, e, quando muito, numa interpretação ampla da convenção arbitral, também aos litígios decorrentes de operações financeiras em que se discutam matérias que integram a disciplina do Contrato Quadro igualmente aplicável a tais operações (maxime as vertidas nas cláusulas 5.ª a 17.ª).

VI. O Contrato Quadro tem organização e sistematização próprias, sendo possível vislumbrar no mesmo uma certa segmentação ou divisão, procurando nuns segmentos regular-se os aspectos comuns ao Contrato Quadro e às chamadas operações financeiras (cláusulas 1.ª à 4.ª), noutros, apenas os aspectos específicos das operações financeiras (cláusulas 5.ª à 17.ª), e ainda noutros segmentos, os aspectos específicos do Contrato Quadro (cláusula 18.ª à 41.ª), entre os quais a escolha do foro competente para dirimir os “diferendos que possam surgir entre as Partes no âmbito do presente contrato” (leia-se o Contrato Quadro).

VII. O Contrato Quadro é, por tudo isto, autónomo das operações financeiras que visa enquadrar. Produz, como tal, efeitos directos e imediatos, independentemente da contratação de qualquer operação, e gera direitos accionáveis contenciosamente, se necessário.

VIII. Atendendo ao pedido e à causa de pedir formulados nos autos – entre os quais a declaração de invalidade do swap (nos termos do artigo 1245.º do CC ou noutros que o tribunal considere aplicáveis) e a imputação de responsabilidade da Ré (por violação de deveres de informação pré-contratuais), constata-se que a apreciação e decisão destas questões jurídicas, eminentemente de direito privado civil, convoca a aplicação de normas gerais do Código Civil que nada têm a ver com disciplina especial do Contrato Quadro – do qual a Recorrente não se pretende sequer aproveitar – e que são, salvo convenção em contrário, da exclusiva competência dos Tribunais Judiciais, nos termos do art. 64.º do CPC (cfr. citado Ac. TRG de 08/03/2012, proc. 1387/11.5TBBCL-B.G1).

IX. O objecto da presente lide – pelo menos na parte em que se joga a invalidade do contrato swap e se discute o aludido direito à indemnização da Autora, nos moldes configurados na acção – não está, clara e inequivocamente, coberto pela convenção de arbitragem assinalada.

X. Uma vez que a patente e manifesta inaplicabilidade da convenção de arbitragem é perceptível num juízo perfunctório, o tribunal judicial pode declará-la e, consequentemente, julgar improcedente a excepção de incompetência absoluta por preterição de tribunal arbitral, sem com isso pôr em causa o princípio da competência - competência 5.

XI. De resto, havendo incerteza quanto à vontade real das partes na celebração da convenção, sempre a cláusula respectiva deve ser interpretada à luz da teoria da impressão do destinatário (art. 236.º, n.º 1 do CPC), de acordo com a qual chega-se também a resultado idêntico: mesmo para um declaratário normal, na posição da Recorrente, os diferendos relacionados com a validade de operações financeiras futuras ou com a violação de deveres não plasmados no texto do Contrato Quadro estariam fora da convenção.

XII. Passemos agora a apreciar a questão da inoponibilidade da convenção em função da situação superveniente de insuficiência económica da Recorrente.

XIII. “Mostra-se posicionamento pacífico considerar que a superveniência de uma situação de insuficiência económica que impossibilite uma das partes de suportar as despesas com a constituição e funcionamento da arbitragem, constituirá causa legítima de incumprimento da convenção” e que “quando uma das partes, sem culpa sua, deixa de ter meios de custear as despesas relativas à arbitragem, não pode ficar impedida de ver satisfeito o seu direito de acesso à justiça para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, pois estar-se-ia a denegar justiça por insuficiência de meios económicos (o que a Lei Fundamental, como vimos, não permite), pelo que a obrigação de recorrer à arbitragem se extingue relativamente a ela – cfr. o Ac. STJ de 18/01/2000, proc. 99A1015, e o Ac. TRL de 02/11/2010, proc. 454/09.0TVLSB.L1-7, sublinhado nosso.

XIV. No caso dos autos, já depois de celebrar a convenção de arbitragem e pelos motivos descritos nos arts. 40.º a 52.º da p.i., a Recorrente viu-se a braços com uma degradação da sua situação económica, que não lhe é imputável, e que a impossibilita de custear as despesas de arbitragem. A situação agravou-se de tal forma que, por despacho judicial de 20/03/2005, foi admitida a PER (cfr. Documento 1 junto com este recurso), facto superveniente que a Relação não poderá deixar de ter em linha de conta na decisão que proferir.

XV. A admissão ao PER determinou uma alteração ope legis do estatuto jurídico da Recorrente, garantindo-lhe, para além do mais, de forma imediata e directa, a isenção total de custas judiciais no acesso aos tribunais (artigo do 4.º, n.º 1, alínea u), do RCP), situação de que já tirou proveito nesta apelação mas que, obviamente, não a poderá beneficiar na instância arbitral que, reconhecidamente e sem necessidade de comprovação adicional, será muito mais dispendiosa neste caso.

XVI.Os elementos fácticos evidenciados nos autos (designadamente os Documentos 3, 4, 5 e 6 da p.i., e o Documento 1 agora junto) espelham bem a débil realidade económica e financeira da Recorrente e permitem à Relação, por um lado, inferir, ao abrigo da prerrogativa que lhe assiste nos termos do art. 662.º do CPC, a concomitante incapacidade de esta suportar as despesas inerentes à via arbitral e, por outro, em consequência, julgar extinta a obrigação de recorrer à arbitragem ou – caso a Relação entenda que não dispõe ainda de elementos suficientes para fixar a matéria de facto caracterizadora da situação económica da Recorrente – anular a decisão recorrida e mandar baixar os autos à 1.ª instância para que aí sejam seleccionados os correspondentes factos, a constarem de base instrutória, e sobre eles produzida prova, tudo nos termos do art. 662.º, n.º 2 do CPC..
XVII. A impossibilidade de custear as despesas relativas à arbitragem acarreta, nos termos do art. 790.º, n.º 1, do CC, uma extinção da obrigação de recorrer à arbitragem, fundada na impossibilidade do seu cumprimento por causa não imputável ao devedor, o que permite julgar, desde logo, improcedente a excepção de preterição de tribunal arbitral, sem que para tal haja necessidade de desaplicar a norma contida no art. 577.º, alínea a) do CPC em função de um juízo de inconstitucionalidade sobre determinada dimensão interpretativa da mesma.

XVIII. Inconstitucionalidade que, à cautela, também se suscita já, quando a norma referida seja interpretada no sentido de a excepção de violação de convenção de arbitragem ser oponível à parte que, sem culpa, se encontre em situação superveniente de insuficiência económica que lhe confira o benefício de isenção de custas judiciais previsto no artigo 4.º, n.º 1, alínea u), do RCP, por de violação do art. 20.º da Constituição (acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional efectiva), não devendo, em conformidade, a mesma norma ser aplicada ao caso dos autos e julgando-se assim improcedente a excepção dilatória de incompetência absoluta do tribunal (cfr. neste sentido o Ac. TC n.º 311/08, de 30/05/2008, no proc. 753/07, já citado).

XIX. E não se diga que o princípio constitucional do acesso à justiça não passa por o Estado assegurar que entidades com fins lucrativos e em má situação económica têm a possibilidade de aceder aos tribunais. Embora seja verdade que a Lei nº 34/2004, de 29 de Julho, afastou a concessão de protecção jurídica às pessoas colectivas com fins lucrativos, o Estado, porém, não deixa de reconhecer uma isenção total de custas judiciais a tais pessoas colectivas, quando estejam em situação de falência ou em processo de recuperação de empresa, por conseguinte, em má situação económica (artigo 4.º, n.º 1, alínea u), do RCP).

XX. Dito isto, à Recorrente restam duas alternativas: ou consegue ver julgados na instância judicial os direitos invocados ou, caso contrário, terá que os deixar cair definitivamente por não ter condições económicas de suportar as despesas da arbitragem, ou seja, verá “ser-lhe denegada justiça por insuficiência de meios económicos”, resultado que a Constituição manifestamente impede (cfr. o Ac. TRL de 02/11/2010, já citado).

XXI. Em síntese, é manifesto e patente (na acepção acima mencionada) que a aludida cláusula compromissória é inoponível à Recorrente, por impossibilidade superveniente de esta, sem culpa sua, custear as despesas da arbitragem (art. 790.º do CC). E, em qualquer caso, sempre a oponibilidade da convenção de arbitragem violaria o direito de acesso à justiça e à tutela jurisdicional efectiva previstos no art. 20º, da CRP.

Termos em que deverá ser dado provimento à presente Apelação e, em consequência, revogada a sentença recorrida, e substituída por outra que julgue competente o tribunal a quo para apreciar e julgar a causa.

2.2. A recorrida contra-alegou, concluindo nos seguintes termos:

(i) Princípio da competência da competência:

A) A cláusula 41ª do contrato quadro contém uma cláusula compromissória em que as partes atribuíram competência a um tribunal arbitral para dirimir todos “os diferendos que possam surgir entre as Partes no âmbito do presente Contrato”.

B) Nos termos do artigo 5.º, n.º 1 da LAV, o tribunal judicial no qual seja proposta uma acção sobre questão abrangida por uma convenção de arbitragem deverá declarar-se incompetente e absolver o Réu da instância a menos que verifique que, manifestamente, a convenção de arbitragem é nula, ineficaz ou inexequível.

C) A manifesta nulidade, ineficácia ou inexequibilidade é aquela que é evidente, não carecendo de qualquer produção de prova para ser apreciada (cfr. Acs. do TRC de 19.12.2012 e do TRG de 30.01.2014).

D) A convenção de arbitragem em causa nos presentes autos não sofre de qualquer vício manifesto que possa ser apreciado e declarado pelo tribunal judicial (cfr. Acs. do STJ de 10.03.2011 e do TRL de 22.11.2012.

(ii) A cláusula compromissória não abrange o objecto da lide:

E) A cláusula 1ª do contrato-quadro declara (i) que se destina a regular as condições gerais a que estão sujeitas todas as operações financeiras a estabelecer doravante entre as partes, (ii) que, em tudo o que não resulte expressamente das respectivas condições particulares, as operações financeiras a realizar entre as partes ficam submetidas ao estabelecido naquele contrato (iii) e que este é parte integrante do enquadramento de cada umas operações financeiras a realizar entre as partes, (iv) que, entre as operações financeiras abrangidas, estão as permutas financeiras (swaps).

F) O “contrato de permuta de taxa de juro” e a “confirmação de contrato de permuta de taxa de juro” remetem para o contrato-quadro.

G) As condições gerais do contrato-quadro integram, pois, cada um dos contratos concluídos em sua execução, nomeadamente o contrato de swap em causa nos presentes autos.

H) O contrato de permuta de taxa de juro e a confirmação de contrato de permuta de taxa de juro não contêm quaisquer condições contrárias à convenção de arbitragem estabelecida no contrato-quadro, pelo que o contrato de swap ficou sujeito à convenção de arbitragem estabelecida na cláusula 41.ª das condições gerais (cfr. Ac. do TRP de 13.04.2015).

I) A convenção arbitral abrange todos os litígios decorrentes dessas operações financeiras, respeitem os mesmos ou não a matérias expressamente reguladas no contrato quadro.

J) Não se identifica no contrato quadro a segmentação referida pela Recorrente, que é aliás desde logo contrariada pelo teor das cláusulas 18ª, 21ª, 22ª, 23ª a 33ª e 35ª, as quais se referem quer ao contrato quadro, quer às operações financeiras realizadas ao abrigo do mesmo, sendo que a cláusula 35ª responsabiliza a parte que incumpra as obrigações derivadas do contrato quadro ou das operações financeiras por todas as despesas em que a parte não faltosa haja incorrido na defesa dos seus direitos, incluindo os custos incorridos com o tribunal arbitral.

K) As partes submeteram à arbitragem todos os diferendos, não tendo cingido o alcance da cláusula a apenas uma parte ou a certas questões relativas à relação contratual, como a sua interpretação, a sua validade ou execução; não o tendo feito, todas essas questões e quaisquer outras atinentes ao contrato estão abrangidas pela cláusula compromissória (cfr. LAV Comentada, Mário Esteves de Oliveira).

L) De todo o modo, são também “questões bancárias ou financeiras” as questões da validade ou invalidade de um contrato de swap de taxas de juro, da existência ou inexistência de razões para a sua resolução por alteração anormal das circunstâncias económicas subjacentes ou da pretensa responsabilidade do Banco por alegada violação de deveres de informação que sobre ele incidem por força das regras aplicáveis aos intermediários financeiros previstas no Código dos Valores Mobiliários, pelo que tais questões sempre estariam abrangidas pela cláusula compromissória (cfr. Ac. do TRP de 13.04.2015).

(iii) Situação superveniente de insuficiência económica da Recorrente:

M) No direito português, a mera dificuldade ou maior onerosidade da prestação não exime o devedor da obrigação de cumprir; somente a autêntica impossibilidade, quando não imputável ao devedor, o pode liberar da obrigação: a situação económica mais ou menos débil de uma sociedade comercial não pode ser razão para não cumprir a convenção de arbitragem (cfr. Ac. do STJ de 18.01.2000 e de 09.10.2003).

N) É no mínimo duvidoso que se possa falar, relativamente a uma sociedade não insolvente, em impossibilidade de pagamento dos encargos com a arbitragem (Ac. do STJ de 09.10.2003 e Ac. do TC de 22.06.2009).

O) A Recorrente concluiu voluntariamente um contrato no qual se prevê uma cláusula arbitral, e não podia ignorar que o recurso à arbitragem envolve custos que teria de suportar.

P) Nada foi alegado na petição que permitisse concluir pela existência de qualquer impossibilidade de custeio dos encargos da arbitragem, designadamente no que respeita ao custo efectivo da arbitragem e aos encargos com o processo judicial (que, presente acção, em primeira instância, podia ascender a cerca de 27.000 €).

Q) Sendo que, no respeita à alegada inimputabilidade à Recorrente da alegada impossibilidade de custeio das despesas da arbitragem, a alegação constante da petição é manifestamente vaga, sem que da mesma tenha sido apresentada qualquer prova (cfr. José Miguel Júdice, ob cit.).

R) A alegação de que a Recorrida foi admitida a PER é irrelevante.

S) Estando em causa a (in)competência absoluta do tribunal judicial para apreciar o presente litígio, a mesma é fixada, nos termos do artigo 38º, nº 1 da Lei de Organização do Sistema Judiciário, de acordo com a realidade existente à data em que a acção foi intentada, pelo que a alegada modificação superveniente da situação económica da Recorrente, a ter ocorrido, não poderá ser considerada.

T) O facto de ter sido admitido o PER não demonstra por si só a impossibilidade económica da Recorrente de suportar os encargos da arbitragem: o PER pressupõe que a empresa se encontre ou em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente (estando por saber em que situação se encontra a Recorrente) e em todo caso que ainda seja susceptível de recuperação (cfr. José Miguel Júdice, ob. cit.).

U) Não é de todo líquido que o artigo 4º, n.º 1, alínea u), do Regulamento das Custas Processuais contemple as empresas que estejam em processo especial de revitalização, havendo decisões dos tribunais de 1ª instância em sentido contrário), nesse sentido apontado a redacção do artigo 4º, nº 4 do Regulamento das Custas.

V) De todo o modo, a isenção é condicional, dependendo a sua manutenção de os seus pressupostos se verificarem aquando do trânsito em julgado da sentença final (cfr. Salvador da Costa, ob. cit.).

W) A isenção terminaria uma vez encerrado o processo especial de revitalização (cfr. artigo 4º do Regulamento das Custas e artigo 17º-F, nº 7 do CIRE).

X) O PER tem uma duração de poucos meses, pelo que não se pode assumir (pelo contrário) que a Recorrente beneficiaria de qualquer isenção à data do trânsito em julgado da sentença que viesse a ser proferida pelo tribunal judicial sobre o mérito do litígio.

Y) O simples facto de a Recorrente poder beneficiar de uma qualquer isenção não permite que se conclua sem mais que se encontra impossibilitada de custear os encargos da arbitragem, em particular quando a atribuição dessa isenção dependa basicamente de um acto do próprio beneficiário, como é o caso (cfr. José Miguel Júdice, ob. cit.).

Z) Compete ao tribunal arbitral, em primeira linha, pronunciar-se sobre a eventual inaplicabilidade da convenção de arbitragem (artigo 5.º da LAV), pelo que deve improceder o requerido pela Recorrente no sentido de que ao autos baixem à 1ª instância para produção de prova.

Nestes termos e nos mais de direito aplicáveis deve o presente recurso ser julgado improcedente, mantendo-se na íntegra a sentença recorrida.

2.3. A única questão que importa apreciar no presente recurso consiste em saber se, no caso, se verifica a excepção dilatória de preterição do tribunal arbitral, como se entendeu na sentença recorrida, ou se tal excepção deveria ter sido julgada improcedente, como pretende a recorrente.

Dos fundamentos invocados nesse sentido na petição inicial e que foram julgados improcedentes na sentença recorrida, a recorrente apenas coloca, agora, em sede de recurso, dois deles.

Assim, por um lado, entende que a convenção de arbitragem não abrange o objecto da lide, e, por outro lado, que, em qualquer caso, lhe seria inoponível em função da situação superveniente de insuficiência económica.

Analisemos, então, os dois fundamentos enunciados.

2.3.1. Na sentença recorrida desenvolveu-se a seguinte argumentação:

«Na cláusula 1ª do “Contrato-quadro Para Operações Financeiras”, as partes estipularam:
“1-O presente contrato destina-se a regular as condições gerais a que estão sujeitas todas as operações financeiras a estabelecer doravante entra as partes, sejam elas do mesmo tipo ou natureza jurídica ou de tipo ou natureza diferente.
2-Cada uma das operações financeiras a realizar entre as partes reger-se-á pelos respectivos termos ou condições particulares, que serão estabelecidos de acordo com o que abaixo se indica.
3-Em tudo o que não resulte expressamente dos respectivos termos e condições particulares, as operações financeiras a realizar entre as partes ficarão sujeitas ao presente clausulado.
4- …o estabelecido no presente contrato constitui parte integrante do enquadramento de cada uma das operações financeiras a realizar entre as partes, salvo quando por escrito for por elas acordado o contrário.”

Na cláusula 41ª estipularam as partes:

“1-Os diferendos que possam surgir entre as partes no âmbito do presente contrato são dirimidos por um tribunal arbitral que julga segundo o direito estrito e de cuja decisão não há recurso para qualquer instância.”
Pois bem, daquela cláusula 1ª resulta que através do contrato-quadro, as partes assentaram um núcleo comum a todos os contratos que viessem a ser concluídos na sua sequência, estabelecendo as condições gerais a que todas as operações financeiras futuras ficariam, em princípio – com excepção das expressamente afastadas – sujeitas. De modo manifesto, as partes atribuíram, vincadamente, vocação normativa às cláusulas estipuladas por ocasião da celebração do contrato-quadro. Ou seja, vincularam-se, desde logo, por um conjunto de direitos e deveres mais ou menos extenso, por uma teia tendencialmente complexa de deveres secundários e laterais, sem necessidades de, a cada concretização de operação futura, voltarem a repetir esses vínculos já assumidamente assentes entre elas.
Neste conspecto, atenta a mencionada natureza jurídica do contrato-quadro e o teor dos vínculos assumidos através dele, somos a entender que a cláusula 41ª do Contrato-quadro Para Operações Financeiras, pela qual as partes atribuem competência a um tribunal arbitral para dirimir os litígios que entre elas surjam no seu âmbito, vincula-as.
2.1.2- Defende ainda a autora que a convenção de arbitragem deve especificar a relação jurídica a que o litígio respeita, conforme impõe o artº 2º nº 3 da Lei 31/86 e que, no caso dos autos, a convenção de arbitragem só especifica os litígios respeitantes ao contrato-quadro, sendo omissão quanto às operações financeiras, designadamente o swap.
Pois bem, o artº 2º nº 3 da Lei 31/86, reporta-se aos requisitos especiais das cláusulas compromissórias – é sabida a diferença entre cláusula compromissória e compromisso arbitral: explicada no artº 1º nº 2 da Lei 31/86.
Quando aquela norma exige que a cláusula compromissória deve especificar a relação jurídica a que os litígios respeitem, basta-se com a referência à fonte do litígio que possa surgir entre as partes; por exemplo com a menção a todos os litígios que possam surgir deste contrato. Desse modo, a interpretação da convenção leva a concluir que as partes a delimitaram aos litígios que possam resultar do contrato onde ela se insere. A intenção geral fará abranger todos os litígios que tenham ligação essencial com a sua fonte, incindindo sobre alguns dos elementos da relação jurídica estabelecida. (Cf. Raúl Ventura, Convenção de Arbitragem, ROA, ano 46, Setembro de 1986, pág. 357 e segs.).
Vimos que o contrato-quadro forma um grupo de contratos juntamente com os contratos de execução ou de aplicação celebrados nos termos por si preparados, de tal modo que, podemos dizer, estarmos perante uma espécie ou modalidade de união de contratos, ou perante contratos coligados. Ao mencionar-se, na cláusula compromissória, que “Os diferendos que possam surgir entre as partes no âmbito do presente contrato são dirimidos por um tribunal arbitral” é suficiente, por referência à fonte de vinculação, para considerar que a cláusula compromissória especifica a relação jurídica a que o litígio respeita.
Por conseguinte e concluindo: a convenção de arbitragem estipulada por ocasião do contrato-quadro aplica-se ao swap em causa nos autos».

Segundo a recorrente, o contrato quadro é autónomo das operações financeiras que visa enquadrar, produzindo, como tal, efeitos directos e imediatos, independentemente da contratação de qualquer operação, e gerando até direitos accionáveis contenciosamente.

Mais alega que o objecto da presente lide não está, clara e inequivocamente, coberto pela convenção de arbitragem assinalada.

Alega, ainda, que, sempre a respectiva cláusula deve ser interpretada à luz da teoria da impressão do destinatário (art.236º, nº1, do C.Civil), sendo que, mesmo para um declaratário normal, na posição da recorrente, os diferendos relacionados com a validade de operações financeiras futuras ou com a violação de deveres não plasmados no texto do contrato quadro estaria fora da convenção.

Conclui, assim, que, uma vez que a patente e manifesta inaplicabilidade da convenção de arbitragem é perceptível num juízo perfunctório, o tribunal judicial pode declará-la e, consequentemente, julgar improcedente a excepção de incompetência absoluta por preterição de tribunal arbitral.

Vejamos:

Começando por esta última conclusão, dir-se-á, desde logo, que, como se defendeu no Acórdão do STJ, de 10/3/11, disponível in www.dgsi.pt, face ao princípio ínsito no art.21º, nº1, da Lei da Arbitragem Voluntária (LAV) – Lei nº31/86, de 29/8, aplicável ao caso dos autos – segundo o qual incumbe prioritariamente ao tribunal arbitral pronunciar-se sobre a sua própria competência, apreciando para tal os pressupostos que a condicionam – validade, eficácia e aplicabilidade ao litígio da convenção de arbitragem – os tribunais judiciais só devem rejeitar a excepção dilatória de preterição do tribunal arbitral, deduzida por uma das partes, determinando o prosseguimento do processo perante a jurisdição estadual, quando seja manifesto e incontroverso que a convenção invocada é nula ou ineficaz ou que o litígio, de forma ostensiva, se não situa no respectivo âmbito de aplicação.

Ou seja, basta a plausibilidade de vinculação das partes à convenção de arbitragem, decorrente de um juízo perfunctório, para que, sem mais, cumpra devolver ao tribunal arbitral voluntário a prioritária apreciação da sua própria competência, nos termos do citado art.21º, nº1.

O que implica que, ao apreciar a aludida excepção dilatória, os tribunais judiciais devem actuar com reserva e contenção, de modo a reconhecer ao tribunal arbitral aquela prioritária apreciação, apenas lhe competindo fixar, de imediato e em primeira linha, a competência dos tribunais estaduais para a composição do litígio quando, mediante juízo perfunctório, for patente, manifesto e insusceptível de controvérsia séria a nulidade, ineficácia ou inaplicabilidade da convenção de arbitragem invocada.

Tem sido esta a orientação praticamente consensual da nossa jurisprudência, como é salientado no Acórdão do STJ, de 20/1/11, igualmente disponível in www.dgsi.pt.

É que, diz-se aí, vigora, entre nós o princípio lógico e jurídico da competência dos tribunais arbitrais para decidirem sobre a sua própria competência, designado em idioma germânico por Kompetenz – Kompetenz e que, na sua acepção negativa, impõe a prioridade do tribunal arbitral no julgamento da sua própria competência, obrigando os tribunais estaduais a absterem-se de decidir sobre essa matéria antes da decisão do tribunal arbitral (cfr., ainda, no mesmo sentido, os Acórdãos do STJ, de 28/5/15, 2/6/15 e 9/7/15, in www.dgsi.pt).

Na doutrina pode ver-se Raul Ventura, Convenção de Arbitragem, in ROA, ano 46, Setembro de 1986, pág. 380, quando refere que «a convenção de arbitragem produz um efeito negativo, a que também poderia chamar-se reflexo, pois constitui a outra face do elemento positivo. Uma vez que, com o beneplácito do Estado, os interessados criam, pela sua convenção, um tribunal para conhecimento de um certo ou de eventuais litígios, segue-se como consequência natural, que os tribunais do Estado devem ficar excluídos, temporária ou definitivamente, do conhecimento do mesmo litígio».

Por seu turno, João Luís Lopes dos Reis, A Excepção de Preterição do Tribunal Arbitral, in ROA, ano 58, Dezembro de 1998, pág.1122, referindo-se ao princípio Kompetenz – Kompetenz, escreve: «Todas estas cautelas da lei significam que ela quis que o tribunal judicial olhasse a convenção de arbitragem como um sinal de proibição: há convenção de arbitragem, é plausível que ela vincule as partes no litígio, então, quanto ao litígio entre elas, o tribunal judicial não pode intervir senão em sede de impugnação da decisão arbitral».

Segundo Mariana França Gouveia e Jorge Carvalho, in Convenção de Arbitragem em Contratos Múltiplos, Cadernos de Direito Privado, nº36, pág. 44, quando existirem dúvidas sobre a existência da convenção, o tribunal judicial deve optar pela procedência da excepção de preterição do tribunal arbitral.

Resta saber se, no caso dos autos, o objecto da lide não está, clara e inequivocamente, coberto pela convenção de arbitragem, como pretende a recorrente.

É certo que a interpretação da convenção de arbitragem que, no caso, assume a natureza de cláusula compromissória, porque reportada a litígios eventuais e futuros decorrentes de uma concreta e específica relação contratual (cfr. o art.1º, nº2, da LAV), está submetida às regras de interpretação das declarações negociais, contidas nos arts.236º a 238º, do C. Civil (cfr. os citados Acórdãos do STJ, de 10/3/11 e de 9/7/15, bem como M.P. Barroca, Manual de Arbitragem, Almedina, 2010, pág. 171).

O que vale por dizer que a convenção vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa razoavelmente deduzir do comportamento do declarante, devendo a interpretação adoptada ter, já que se trata de negócio formal, um mínimo de correspondência no texto do documento que o corporiza.

No caso sub judice a questão prende-se com a interpretação da cláusula 41ª, ponto 1., atrás transcrita, inserida no denominado contrato quadro.

Segundo a recorrente, o contrato quadro é autónomo das operações financeiras que visa enquadrar, produzindo, como tal, efeitos directos e imediatos, independentemente da contratação de qualquer operação.

Parte, assim, a recorrente do princípio de que o contrato que dá origem aos autos – contrato Swap 2008 – não inclui, ele próprio, uma convenção arbitral, a qual está inserida no contrato quadro e só ao mesmo se aplica.

Isto é, a convenção de arbitragem não se aplicaria aos diferendos que pudessem surgir em cada uma das operações financeiras celebradas no âmbito e desenvolvimento desse contrato quadro.

Mas não é assim, como nos parece evidente.

Dir-se-á, antes do mais, que os já citados Acórdãos do STJ, de 28/5/15, 2/6/15 e 9/7/15, se pronunciaram sobre convenção de arbitragem idêntica à dos presentes autos, tendo concluído que a mesma abrange toda a conflitualidade prática e jurídica compromissória decorrente tanto do contrato quadro (master agreement), como das operações financeiras a estabelecer entre as partes no desenvolvimento e sob cobertura desse contrato quadro, nela se incluindo, nos termos contratuais, tanto as permutas financeiras (Swaps) como de taxas de juros (Interest rate Swaps).

Na verdade, basta atentar no teor dos pontos 1, 3, 4 e 5 da cláusula 1ª do aludido contrato quadro, para tal concluir.

Relembremos, então, esse teor:

“1. O presente contrato destina-se a regular as condições gerais a que estão sujeitas todas as operações financeiras a estabelecer doravante entra as partes, sejam elas do mesmo tipo ou natureza jurídica ou de tipo ou natureza diferente.
3. Em tudo o que não resulte expressamente dos respectivos termos e condições particulares, as operações financeiras a realizar entre as partes ficarão sujeitas ao presente clausulado.
4. Para efeitos do determinado nos números anteriores, o estabelecido no presente contrato constitui parte integrante do enquadramento de cada uma das operações financeiras a realizar entre as partes, salvo quando por escrito for por elas acordado o contrário.
5. Sem prejuízo de outras, que, como tal, devem considerar-se em função do estabelecido, ficam abrangidas pelo presente contrato designadamente as seguintes operações: 5.1. Permutas Financeiras (Swaps): De taxas de juro (IRS – Interest Rate Swaps)».

Deste modo, tendo as partes celebrado um contrato quadro no âmbito do qual estipularam que o mesmo se destina a «regular as condições gerais a que estão sujeitas todas as operações financeiras a estabelecer doravante entre as partes, sejam elas do mesmo tipo ou natureza jurídica ou de tipo ou natureza diferente», não poderá deixar de se entender que visaram aplicar as cláusulas do referido contrato aos que celebraram mais tarde.

Tanto mais que também estipularam que «o estabelecido no presente contrato constitui parte integrante do enquadramento de cada uma das operações financeiras a realizar entre as partes, salvo quando por escrito for por elas acordado o contrário».

Assim sendo, tendo as partes estipulado na cláusula 41ª, ponto 1., que «Os diferendos que possam surgir entre as partes no âmbito do presente contrato são dirimidos por um tribunal arbitral que julga segundo o direito estrito e de cuja decisão não há recurso para qualquer instância», deverá interpretar-se a sua vontade no sentido de que visaram submeter à apreciação do tribunal arbitral as divergências emergentes do Contrato Swap 2008, invocado nos presentes autos.

É a interpretação que qualquer declaratário razoável retiraria desta última cláusula, tendo em consideração as demais cláusulas mencionadas e o natural encadeamento dos acordos.

Por conseguinte, essa interpretação de que a cláusula compromissória abrange os diferendos resultantes da conjugação do contrato quadro com as estipulações constantes do chamado Contrato Swap 2008, e não apenas os diferendos emergentes, tão só, do contrato quadro, conforma-se em absoluto com os critérios normativos definidos pelas citadas disposições da lei civil.

Consideramos, pois, que o conteúdo e alcance da cláusula em questão não pode, no caso, levantar qualquer dúvida, já que a mesma é absolutamente clara no sentido de a convenção de arbitragem abranger todos os contratos e operações financeiras a estabelecer de futuro entre as mesmas partes, no desenvolvimento e dentro da cobertura do aludido contrato quadro.

Como se diz no sumário do citado Acórdão do STJ, de 9/7/15, «A conexão funcional e económica entre um contrato-quadro e os contratos sucessivamente celebrados entre as partes sob cobertura daquele conduz a que, apesar da autonomia jurídico-formal dos contratos, a convenção de arbitragem estipulada no âmbito da primeira relação contratual quadro se encontre incluída na genérica «repristinação» dos efeitos desse primeiro contrato, operada aquando da celebração dos subsequentes».

Aliás, bastaria uma plausibilidade de vinculação das partes à convenção de arbitragem para que, sem mais, cumprisse devolver ao tribunal arbitral voluntário a apreciação da sua própria competência, nos termos do citado art.21º, nº1.

Isto é, o tribunal judicial só poderia deixar de proferir a absolvição da instância se fosse manifesta e insusceptível de controvérsia séria e consistente a não aplicabilidade da convenção de arbitragem estipulada à relação contratual litigiosa.

Haverá, assim, que concluir que a convenção de arbitragem em questão abrange o objecto da presente lide.

2.3.2. Na sentença recorrida considerou-se o seguinte:

«Apreciando o terceiro argumento: a debilidade da situação económica da autora legítima a recusa de cumprimento da convenção de arbitragem.
Diz a autora que atravessa graves problemas financeiros, fruto da crise internacional, não tem condições para solver todos os seus compromissos, encontrando-se em pré-insolvência e, sem capacidade para custear as despesas da arbitragem, não lhe é oponível a excepção de preterição do tribunal arbitral.
A ré impugna a alegada dificuldade financeira da autora e, de todo o modo, põe em causa que seja fundamento para não cumprimento da convenção de arbitragem.
Analisemos.
Em primeiro lugar, convém relembrar que por força da consagração do chamado efeito negativo do Princípio da “Competência - Competência”, perante a invocação da excepção de preterição do tribunal arbitral, o tribunal estadual deverá remeter as partes para o processo arbitral - que tem primazia para conhecer da sua própria competência - a menos que verifique, de modo manifesto, sem necessidade de produção de qualquer prova, que a convenção arbitral é nula, é ou se tornou ineficaz ou é inexequível.
No caso, perante a impugnação, pela ré, da alegada incapacidade económica da autora em suportar os encargos com a constituição e funcionamento do tribunal arbitral, essa alegada causa de justificação de não cumprimento da convenção de arbitragem não poderia ser apreciada pelo tribunal estadual, de modo evidente e sem necessidade de produção de prova.
Só por aqui, cairia este argumento da autora.
Por outro lado, importa analisar se a impossibilidade económica (alegada) é causa (justificativa) de não cumprimento da convenção de arbitragem.
A autora fundamenta a pretendida dispensa de cumprimento na pretensa impossibilidade de suportar as despesas com o recurso à arbitragem. Cumpre saber se essa (alegada) impossibilidade releva para efeitos de não cumprimento (justificado) da convenção.
Pois bem, a convenção de arbitragem é um negócio jurídico, de cariz processual, pelo qual os contraentes estipulam um tribunal arbitral (voluntário) como competente para dirimir um determinado litígio.
Enquanto negócio jurídico está sujeito ao princípio da prioridade do cumprimento que, como é sabido, se confronta com o (contra-) princípio da impossibilidade, que determina que o credor não pode actuar o direito ao cumprimento quando a prestação seja impossível.
O conceito de impossibilidade designa qualquer impedimento à realização da prestação, seja da prestação compreendida no comportamento do devedor, seja na prestação compreendida no resultado do cumprimento do devedor. No primeiro caso – impossibilidade da prestação enquanto comportamento – quer-se significar que o devedor não pode adoptar um comportamento conforme ao contrato.
Discutia-se se o conceito de impossibilidade de prestação devia abranger a difficultas praestandi (ou impossibilidade relativa) ou se deveria restringir-se à impossibilidade absoluta. Na impossibilidade absoluta há um impedimento obstáculo que insuperavelmente impede o devedor de cumprir. Já na impossibilidade relativa ou difficultas praestandi verifica-se, apenas e só, um impedimento ou obstáculo que exige ao devedor esforços desproporcionados ou excessivos embora não, de todo, o impossibilite de cumprir.
Vaz Serra, no anteprojecto do Código, chegou a propor a equiparação da impossibilidade relativa à impossibilidade absoluta, somente nas situações em que a realização da prestação implicasse um sacrifício absolutamente desproporcionado, ou com graves riscos (Impossibilidade Superveniente por causa não imputável ao devedor e desaparecimento do interesse do credor, BMJ, 46, 19). Porém, a proposta do autor do Código não foi aceita e afastou-se as disposições do anteprojecto relativas às dificuldades extraordinárias da prestação.
O princípio da impossibilidade que releva é, portanto, o de só a impossibilidade absoluta pode exonerar o devedor. A doutrina mais autorizada é unânime neste aspecto. (Cf. Manuel Andrade, Teoria Geral das Obrigações, pág. 407; Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. II, 6ª edição, pág. 67; Almeida Costa, Direito das Obrigações, 5ª edição, pág. 915; Ribeiro de Faria, Direito das Obrigações, II, 346 e segs; Menezes Cordeiro, Direito das Obrigações, 2º vol., pág. 174 e seg.; Menezes Leitão, Direito das Obrigações, II vol. 6ª edição, pág. 118; Nuno Pinto de Oliveira, Princípios de Direito dos Contratos, pág.517 e segs.).
No caso, não vem, sequer, invocada uma impossibilidade absoluta da autora poder cumprir a prestação que resulta da convenção de arbitragem.
As dificuldades ou insuficiências económicas de uma pessoa colectiva com fins lucrativos não constitui, assim, causa (justificativa) de afastamento da convenção de arbitragem (Cf. Ac. Rel. Lisboa de 24/02/2015, Rosário Morgado; Ac. rel. Guimarães, de 25/09/2014, Jorge Teixeira, ambos em www.dgsi.pt)».

Segundo a recorrente, é manifesto e patente que a aludida cláusula compromissória é inoponível à recorrente, por impossibilidade superveniente de esta, sem culpa sua, custear as despesas da arbitragem (art.790º, do C.Civil).

Mais alega que, em qualquer caso, sempre a oponibilidade da convenção de arbitragem violaria o direito de acesso à justiça e à tutela jurisdicional efectiva, previstos no art.20º, da CRP.

Vejamos.

Como atrás já se referiu, aos tribunais judiciais apenas compete, de imediato e em primeira linha, fixar a sua competência para a composição do litígio quando, mediante juízo perfunctório, for patente, manifesta e insusceptível de controvérsia séria, designadamente, a inaplicabilidade da convenção de arbitragem invocada.

Ora, como se diz na sentença recorrida, no caso, a alegada causa de justificação de não cumprimento da convenção de arbitragem não poderia ser apreciada pelo tribunal estadual, de modo evidente e sem necessidade de produção de prova, uma vez que a ré impugnou a alegada incapacidade económica da autora em suportar os encargos com a constituição e funcionamento do tribunal arbitral.

De todo o modo, como também se diz na sentença recorrida, só a impossibilidade absoluta pode exonerar o devedor e, no caso, não vem, sequer, invocada uma impossibilidade absoluta da autora (cfr. o art.790º, nº1, do C.Civil).

Como referem Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil, Anotado, vol.II, 2ª ed., pág.38, não deve confundir-se a impossibilidade da prestação com a alteração das circunstâncias que a torne excessivamente onerosa, como a difficultas praestandi ou difficultas agendi.

Acrescentando, ob. e loc. cits., que desde que não haja impossibilidade, a obrigação não se extingue nos termos do art.790º, embora o devedor possa obter a resolução do contrato ou a modificação dele, segundo juízos de equidade, caso se verifiquem os demais requisitos exigidos no art.437º.

Todavia, há que ter em consideração o disposto no art.7º, nº3, da Lei nº34/2004, de 29/7, na redacção que lhe foi dada pela Lei nº47/2007, de 28/8, nos termos da qual: «As pessoas colectivas com fins lucrativos e os estabelecimentos individuais de responsabilidade limitada não têm direito a protecção jurídica».

Ter-se-á, pois, entendido que a protecção jurídica de pessoas colectivas com fim lucrativo corresponderia a uma opção de proteger a litigância de sociedades comerciais sem condições de assegurar a sua actividade económica (cfr. o Acórdão do Tribunal Constitucional nº216/2010, in D.R., 2ª série, nº129, de 6/7/2010).

Partiu-se, assim, da ideia de que as pessoas colectivas que tenham sido instituídas por particulares para a realização de uma actividade económica destinada à obtenção de lucros, devem encontrar-se dotadas de uma estrutura organizativa e financeira capaz de fazer face aos custos previsíveis da sua actividade, incluindo os que resultem da litigiosidade normal que a gestão comercial frequentemente implica (cfr. o Acórdão do Tribunal Constitucional nº308/2009, de 22/6).

Assim sendo, quer nos Tribunais Judiciais, quer nos Arbitrais, as pessoas colectivas com fins lucrativos terão que suportar os respectivos custos.

Dir-se-á, a propósito, que esses custos acabam por se aproximar muito com o aumento do valor da causa, sendo que, quando os valores são muito elevados, os custos das Arbitragens poderão ser menos significativos que os custos dos tribunais judiciais.

Mas, então, como refere Pedro Metello de Nápoles, in Efeitos da Insolvência na Convenção de Arbitragem, V Congresso do Centro de Arbitragem da Câmara do Comércio e Indústria, págs. 155 e 156, há uma importante ilação que pode ser trazida para o campo da arbitragem: «é que, se para o próprio Estado, o princípio do acesso à justiça não passa por assegurar que sociedades em má situação económica tenham a possibilidade de aceder aos tribunais, então a eficácia da convenção de arbitragem deixa de poder ser posta em causa através da alegação de insuficiência económica (pelo menos com base em suposta inconstitucionalidade)».

Deixa, portanto, de haver razão, acrescenta, no que respeita a pessoas colectivas «para discutir se as circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de celebrar a convenção de arbitragem se alteraram ou não. A convenção de arbitragem será sempre oponível, sejam quais forem as circunstâncias económicas das partes».

E a mesma ideia é defendida por Joaquim Sherman de Macedo, Sobre a qualificação civil da incapacidade de suportar os custos do processo arbitral por uma das partes, in Themis, ano IX, nº16, 2009, pág. 240, nota 36, quando diz «Decorrendo do actual regime jurídico do apoio judiciário a não concessão de protecção jurídica às pessoas colectivas com fins lucrativos entendemos (…) que as mesmas não podem invocar a existência de conflito de direitos e consequente alteração das circunstâncias com vista à resolução ou modificação da convenção de arbitragem».

Resultando dos citados Acórdãos do Tribunal Constitucional, entre outros, que aquele Tribunal aceita que as sociedades que se mostrem incapazes de suportar os custos normais da sua actividade económica, incluindo-se aí o acesso à justiça, não devem prosseguir a sua actividade, por se terem tornado inviáveis, haverá que concluir que não há, actualmente, qualquer fundamento para defender, face à Constituição, a ineficácia de convenções de arbitragem celebradas por pessoas colectivas que se tornaram incapazes de suportar os custos do processo.

O que implica, segundo Pedro Metello de Nápoles, ob.cit., pág.158, um dever de os tribunais arbitrais estarem mais atentos à situação processual das partes que efectivamente não têm como custear a sua defesa, devendo tendencialmente ser evitadas soluções que, pura e simplesmente, neguem a possibilidade de participar no processo.

Não se diga, pois, que a oponibilidade da convenção de arbitragem viola o direito de acesso à justiça e à tutela jurisdicional efectiva, previstos no art.20º, da CRP.

É certo que, nos termos do art.4º, nº1, al. u), do Regulamento das Custas Processuais, as sociedades civis ou comerciais, as cooperativas e os estabelecimentos individuais de responsabilidade limitada que estejam em situação de insolvência ou em processo de recuperação de empresa, nos termos da lei, estão isentos de custas, salvo no que respeita às acções que tenham por objecto litígios relativos ao direito do trabalho.

É igualmente certo que, por despacho judicial de 20/3/15, a recorrente foi admitida a processo especial de revitalização (PER), conforme documento junto pela recorrente com as suas alegações de recurso.

Porém, daí não resulta que essa circunstância, só por si, implique a impossibilidade de custear as despesas relativas à arbitragem.

Assim, desde logo, atenta a finalidade e natureza do PER, que pressupõe a susceptibilidade de recuperação do devedor (cfr. o art.17º-A, nº1, do CIRE).

Por outro lado, como refere Salvador da Costa, in Regulamento das Custas Processuais, Anotado, 2013-5ª ed., a isenção de custas prevista no citado art.4º não é absoluta, dependendo, designadamente, de os seus pressupostos ainda ocorrerem ao tempo do trânsito em julgado da sentença final ou do êxito total das pretensões que foram formuladas.

Haverá, assim, que concluir que, no caso, se verifica a excepção dilatória de preterição do tribunal arbitral, como se entendeu na sentença recorrida.

Improcedem, deste modo, as conclusões da alegação da recorrente, não merecendo, pois, censura aquela sentença.

3 – Decisão:

Pelo exposto, nega-se provimento ao recurso, confirmando-se a sentença apelada.
Custas pela apelante.


Lisboa, 22/09/15


Roque Nogueira
Maria do Rosário Morgado
Rosa Ribeiro Coelho