Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3263/15.3T8OER.L1-2
Relator: JORGE LEAL
Descritores: SERVIDÃO DE PASSAGEM
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/01/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I.– Tendo a autora na petição inicial aduzido factos que, no seu entender, fundamentam pretensão indemnizatória, e tendo a final pedido a condenação dos réus no pagamento de indemnização a liquidar em execução de sentença, a petição não é inepta, se dúvidas não se suscitarem quanto aos danos a que o pedido se reporta.

II.– Se entre os danos invocados pela autora se contarem os custos tidos com uma lavra em terreno da autora, onde os réus procederam, posteriormente, e sem autorização da autora, a aplanamento de uma faixa em toda a extensão do aludido terreno, contém-se dentro do pedido a condenação do 1.º réu “no pagamento à A. da quantia ilíquida correspondente ao custo da lavra da faixa de terreno com três metros de largura e atravessando em toda a sua extensão o prédio rústico identificado, com o limite de € 35,00 por hora.

III.– Embora a servidão incida, em princípio, sobre o prédio serviente, considerado como um todo, o qual é, assim, o objeto da servidão, muitas vezes há que destrinçar o local do exercício da servidão, que pode ser uma parte limitada do prédio. Nesses casos, tudo se passa como se a servidão incidisse apenas sobre a parte do prédio sujeita ao seu exercício.

IV.– Tendo os réus invocado serem titulares de uma servidão de passagem, constituída por usucapião, que se exercia por um caminho que alegadamente atravessava o prédio da autora por um bem preciso e delimitado trajeto, que não se provou, antes se provando que existia um outro caminho, que era usado pelos réus e que passava pelo prédio da autora, deve a defesa dos réus e o consequente pedido reconvencional de reconhecimento da constituição da aludida servidão predial por usucapião improceder.

V.– A constituição de servidão legal de passagem, com base em encrave do prédio, constitui realidade jurídica diversa do reconhecimento de servidão de passagem emergente de usucapião.

VI.– A pretensão, deduzida na apelação, pelos apelantes/réus/reconvintes, de que o direito de servidão seja reconhecido também com base no encrave do seu prédio, constitui alteração da causa de pedir e do pedido (reconvencional), inadmissível, porquanto desacompanhado da concordância da contraparte.

VII.– Ainda que a existência de servidão legal de passagem (por encrave do prédio) pudesse ser conhecida, não como fundamento de pedido reconvencional (por não ter sido dessa forma deduzido), mas simplesmente como exceção deduzida contra a ação, teria de improceder, na medida em que in casu não foi alegada a sua prévia constituição por acordo, decisão judicial ou ato administrativo.


(Sumário elaborado pelo Relator)

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa.


RELATÓRIO:


Em 16.6.2015 C, Lda, intentou ação declarativa de condenação contra António e Maria.

A A. alegou, em síntese, ser dona e possuidora de um prédio rústico, que identificou, sito no concelho de Oeiras, o qual confronta com um prédio misto pertencente aos RR. Sucede que cerca de três meses atrás a A. teve conhecimento de que os RR. haviam aberto um portão sensivelmente a meio da cerca que separa os terrenos das partes. A A. lavrou o terreno, para obstar à passagem de veículos, mas os RR. aproveitaram para aplanar uma faixa de terreno com cerca de três metros de largura e fizeram uma estrada de acesso direto ao portão, atravessando a totalidade da propriedade da A., a meio, sem qualquer autorização ou título que o legitimasse. A A. teve custos a lavrar o terreno, a que acrescem, além do incómodo, o facto de os RR. deixarem com frequência na propriedade da A., junto ao portão, uma carrinha, perturbando a utilização de toda a área pertencente à A.. Os referidos custos ainda não estão quantificados e são passíveis de indemnização, a liquidar em execução de sentença.

A A. terminou pedindo que se reconhecesse a A. como legítima dona e possuidora da propriedade plena do prédio identificado na p.i., se condenasse os RR. a retirarem o portão que implantaram na vedação do prédio, repondo o estado em que se encontrava; se condenasse os RR. a absterem-se de qualquer ato que perturbasse a propriedade da A. e se condenasse o R. a indemnizar a A. em quantia a liquidar em execução de sentença.

O R. contestou a ação (tendo a R., posteriormente, ratificado o processado, constituído advogado e aderido à contestação), afirmando que o seu prédio é urbano e rústico, e o acesso à parte rústica só é possível através de um caminho, com três metros de largura, que atravessa o terreno da A., o qual é perfeitamente visível e sempre foi aproveitado pelo anterior proprietário para fazer chegar ao seu prédio veículos e alfaias agrícolas, sendo certo que os RR. continuaram a dar uso ao aludido caminho, de forma pública e convictos que tinham esse direito. Os RR. são, assim, titulares de uma servidão de passagem, constituída por usucapião. O R. concluiu pela improcedência da ação e consequente absolvição do pedido e peticionou, em reconvenção, que se declarasse constituída, por usucapião, uma servidão de passagem a pé, de veículo automóvel e de trator com três metros de largura, a favor do prédio dos reconvintes e que onera o prédio da reconvinda, em toda a extensão do referido prédio, devendo ainda a A. ser condenada a abster-se da prática de qualquer ato que impeça o acesso dos reconvintes à referida servidão.

A A. replicou, pugnando pela improcedência da reconvenção.

A reconvenção foi admitida, foi proferido saneador tabelar, identificado o objeto do litígio e enunciados os temas da prova.

Realizou-se audiência final e foi proferida sentença que culminou com o seguinte dispositivo:
Por todo o exposto julga-se a presente acção procedente por provada e, em consequência, no reconhecimento do direito de propriedade da A. sobre o prédio rústico descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Oeiras sob a ficha nº (…) da freguesia de Oeiras e S. Julião da Barra, condenam-se os RR. a retirar o portão melhor identificado no ponto 12. dos factos provados, repondo a vedação de rede no estado em que se encontrava, bem como a absterem-se de qualquer acto que perturbe a posse e a propriedade da A. sobre o prédio rústico identificado, mais se condenando o 1º R. no pagamento à A. da quantia ilíquida correspondente ao custo da lavra da faixa de terreno com três metros de largura e atravessando em toda a sua extensão o prédio rústico identificado, com o limite de € 35,00 por hora.
Mais se julga a reconvenção totalmente improcedente, por não provada, absolvendo-se a A. do pedido reconvencional.
Custas pelos RR.
Registe e notifique.

Os RR. apelaram da sentença, tendo apresentado alegações em que formularam as seguintes conclusões:

A:

I. O tribunal “a quo” não procedeu a um exame crítico da prova;
II. Através da Sentença proferida pelo tribunal “a quo” ficámos sem saber qual ou quais os factos que os depoimentos das testemunhas permitiram ao Tribunal dar como provados;
III. Ficámos, igualmente, sem perceber qual ou quais as testemunhas que mereceram ao tribunal mais credibilidade e porquê?
IV. Sendo certo que, existiram depoimentos, manifestamente contrários entre si, vejam-se a título de exemplo os depoimentos das testemunhas José e Carlos, a testemunha José disse que era regularmente contratado para semear e lavrar o terreno agora propriedade da Recorrida a testemunha Carlos refere que esse mesmo terreno não era semeado nem lavrado!!!
V. Não referindo o Tribunal “a quo”, em concreto qual a prova que se serviu para dar como provados os factos que assim considerou, os Recorrentes encontram-se impossibilitados de confirmar ou infirmar a referida prova;

VI. Como decidiu o Venerando Tribunal da Relação do Porto, no âmbito do processo n.º 9/14.7T3ILH.P1, proferido em 09/12/2015, disponível em www.dgsi.pt:
I A fundamentação, na sua projecção exterior, funciona como condição de legitimação externa da decisão pela possibilidade que permite da verificação dos pressupostos, critérios, juízos de racionalidade e de valor e motivos que determinaram a decisão, e na perspectiva intraprocessual, está ordenada à realização da finalidade de reapreciação das decisões dentro do sistema de recursos.
II– O exame crítico da prova consiste na enumeração das razões de ciência reveladas ou extraídas das provas administradas, a razão de determinada opção relevante por um ou outro dos meios de prova, os motivos da credibilidade dos depoimentos, o valor de documentos e exames, que o tribunal privilegiou na formação da convicção, em ordem a que os destinatários fiquem cientes da lógica do raciocínio seguido pelo tribunal e das razões da sua convicção.
III– A razão de ser da exigência da exposição, dos meios de prova, é não só permitir o exame do processo lógico ou racional que subjaz à formação da convicção do julgador, mas também assegurar a inexistência de violação do princípio da inadmissibilidade das proibições de prova.”

VII. A análise crítica impõe-se sobretudo relativamente a meios de prova oral porque é em relação a estes que, pela sua natureza e especificidade, se torna necessário explicitar a convicção.
VIII. Assim, entendem os Recorrentes que a Sentença proferida pelo tribunal “a quo”, encontra-se ferida de nulidade por falta de fundamentação, a qual desde já se argui para os devidos e legais efeitos;

B
IX. O Tribunal “a quo”, mesmo que a acção da sociedade Recorrida tivesse provimento, que não tem, como á frente melhor analisaremos, nunca poderia ter condenado o Recorrente:
“… no pagamento à A. da quantia ilíquida correspondente ao custo da lavra da faixa de terreno com três metros de largura e atravessando em toda a sua extensão o prédio rústico identificado, com o limite de €35,00 por hora.”
Pelo simples facto de que tal pedido nunca foi feito;
X. Em momento algum a recorrida peticiona a condenação do Recorrente “…no pagamento à A. da quantia ilíquida correspondente ao custo da lavra da faixa de terreno com três metros de largura e atravessando em toda a sua extensão o prédio rústico identificado, com o limite de €35,00 por hora.”
XI. O pedido indicado na alínea d) da petição inicial da Recorrida é manifestamente ininteligível e por isso nulo;
XII. A Sentença proferida pelo Tribunal “a quo” sempre seria nula na parte em que decidiu condenar o Recorrente “… no pagamento à A. da quantia ilíquida correspondente ao custo da lavra da faixa de terreno com três metros de largura e atravessando em toda a sua extensão o prédio rústico identificado, com o limite de €35,00 por hora.”
Nulidade que, por mero dever de patrocínio, se invoca.

C
XIII. O Tribunal “a quo” julgou erroneamente os seguintes factos dados como provados, 13, 14 e 15:
13.- A A. lavrou o prédio rústico identificado em 1., como o vem fazendo pontualmente.
14.- A A. gastou € 35,00 por hora com a lavra do prédio rústico identificado em 1.
15.- Após a lavra do prédio rústico identificado em 1., e sem autorização da A., o 1º R. aplanou uma faixa de terreno do mesmo prédio, com cerca de três metros de largura e atravessando o mesmo em toda a sua extensão, destinada a servir de caminho de acesso ao portão referido em 12.

XIV. Em relação ao ponto 13 aquilo que o Tribunal “a quo” poderia ter dado como provado seria:
13.- “Antes da instauração da acção que deu origem aos presentes autos a A. lavrou o prédio rústico identificado em 1”
Em relação ao ponto 14 o mesmo deveria ser dado como não provado.

Em relação ao ponto 15, aquilo que o Tribunal “a quo” poderia dar como provado era que:
“Desde 1980, existe uma faixa de terreno no prédio da Recorrida, com cerca de três metros de largura e atravessando o mesmo em toda a sua extensão, destinada a servir de caminho de acesso ao portão referido em 12.
XV. Contudo, as provas que impunham resposta diversa conjugadas entre si eram os seguintes depoimentos gravados através do sistema integrado da gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal e cuja gravação foi facultada aos Recorrentes em CD único:
JOSÉ , amigo do sócio gerente da Recorrida há cerca de 20 anos, cujo depoimento se encontra gravado com início a 00:00:00 e termo a 00:26:09. – (Passagens 3:50 a 4:28; 22:00 a 22:50)
CARLOS, antigo proprietário do prédio actualmente propriedade da Recorrida, cujo depoimento se encontra gravado com início 00:00:00 e termo a 00:17:22. – (Passagens 0:30 a 1:30; 3:50 a 4:40; 11:29 a 12:10; 16:45 a 17:05; 14:10 a 15:20)
BALBINA, caseira do R., na casa da Estrada da Ribeira da Laje, desde 1998, cujo depoimento se encontra gravado com início a 00:00:00 e termo a 00:20:33 – (Passagens 1:42 a 3:40; 8:20 a 9:40)
MANUEL, caseiro do R., na casa da Estrada da Ribeira da Laje, desde 1998, cujo depoimento se encontra gravado através do sistema integrado da gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, com início a 00:00:00 e termo a 00:23:57 – (Passagens 10.05 a 10:25)
MARIA LUÍSA, vendeu o prédio aos Recorrentes, cujo depoimento se encontra gravado através do sistema integrado da gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, com início a 00:00:00 e termo a 00:34:47 – (Passagens 5.55 a 12:40)
FRANCISCO, foi caseiro dos réus entre 1986/1996. Mais disse ter vivido, nesse período, num anexo da moradia em causa nos autos, encontrando-se o seu depoimento gravado através do sistema integrado da gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, com início a 00:00:00 e termo a 00:24:49 – (Passagens 08:00 a 09:40; 11:50 a 12:40)
MARIA JOSÉ, disse ter sido caseira dos réus durante 10 anos, há cerca de 30 anos. Mais disse ter vivido, nesse período, num anexo da moradia em causa nos autos, encontrando-se o seu depoimento gravado através do sistema integrado da gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, com início a 00:00:00 e termo a 00:16:47.

XVI. Se atendermos às fotografias juntas pelos Recorrentes aos autos com a P.I., retiradas da internet Google Maps, datadas de novembro de 2009, facilmente se constata que existia uma faixa de terreno, perfeitamente visível e demarcada, com cerca de 3 metros, que atravessava o terreno da Recorrida para aceder ao terreno dos Recorrentes;
XVII. Do depoimento daquelas testemunhas fica clara, desde logo, a total impossibilidade que existia de aceder ao terreno ainda antes da construção da moradia;
XVIII. mas fica igualmente claro que o acesso à parte rústica sempre foi feito atravessando o terreno da Recorrida, sempre;

XIX. Para além disso os seguintes pontos considerados como não provados deveriam ter sido dados como provados:
Não é possível aceder à parte rústica do prédio misto identificado em 2. a partir da Estrada da Ribeira da Lage devido à elevada inclinação do mesmo;
Os RR. utilizavam o caminho referido em 7. para se deslocarem em veículos automóveis à parte rústica do prédio misto identificado em 2., nomeadamente com automóveis ligeiros de mercadorias para carregar e descarregar bens e equipamentos;
O caminho referido em 7. sempre se encontrou perfeitamente delimitado no solo, sendo a sua existência perceptível a qualquer pessoa, não sendo o seu piso lavrado, ao contrário do restante solo, e sendo visível a quem se encontrasse na Estrada da Ribeira da Lage;
O constante atravessamento de tractores e veículos ligeiros de mercadorias impediam que no caminho referido em 7. nascesse qualquer tipo de vegetação;
A passagem referida em 8. foi sempre feita pelos RR. sem oposição de ninguém e na convicção de que por ali tinham direito de passar, como passavam;
Ao efectuar a lavra referida em 13. a A. pretendeu ocultar as marcas visíveis e delimitadas no solo do caminho referido em 7.;
O traçado do caminho referido em 7. é o mesmo do traçado do caminho referido em 15.;
O caminho referido em 15. é o percurso mais acessível para os RR. acederem à parte rústica do prédio misto identificado em 2. e aí fazerem chegar bens e serviços destinados ao cultivo e tratamento da mesma.”

XX. A prova destes factos encontra o seu fundamento no depoimento das seguintes testemunhas:
JOSÉ, amigo do sócio gerente da Recorrida há cerca de 20 anos, cujo depoimento se encontra gravado com início a 00:00:00 e termo a 00:26:09.
CARLOS, antigo proprietário do prédio actualmente propriedade da Recorrida, cujo depoimento se encontra gravado com início 00:00:00 e termo a 00:17:22;
BALBINA, caseira do R., na casa da Estrada da Ribeira da Laje, desde 1998, cujo depoimento se encontra gravado com início a 00:00:00 e termo a 00:20:33;
MANUEL, caseiro do R., na casa da Estrada da Ribeira da Laje, desde 1998, cujo depoimento se encontra gravado através do sistema integrado da gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, com início a 00:00:00 e termo a 00:23:57;
MARIA LUÍSA, vendeu o prédio aos Recorrentes, cujo depoimento se encontra gravado através do sistema integrado da gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, com início a 00:00:00 e termo a 00:34:47.
FRANCISCO, foi caseiro dos réus entre 1986/1996. Mais disse ter vivido, nesse período, num anexo da moradia em causa nos autos, encontrando-se o seu depoimento gravado através do sistema integrado da gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, com início a 00:00:00 e termo a 00:24:49.
MARIA JOSÉ, disse ter sido caseira dos réus durante 10 anos, há cerca de 30 anos. Mais disse ter vivido, nesse período, num anexo da moradia em causa nos autos, encontrando-se o seu depoimento gravado através do sistema integrado da gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, com início a 00:00:00 e termo a 00:16:47.
Para não tornar mais aborrecido o presente Recurso do que efetivamente ele já é, os Recorrentes dão aqui integralmente reproduzidas as transcrições acima efetuadas;

XXI. As testemunhas Francisco e Maria José, ex-caseiros dos Recorrentes, foram perentórias em esclarecer o Tribunal que o caminho utilizado sempre foi o mesmo e único possível, que era perfeitamente visível e encontrava-se perfeitamente demarcado no solo;
XXII. Esclareceram, ainda, que todo o tipo de transporte de bens para o prédio eram efetuadas pelo caminho ali existente;

XXIII. Quanto ao ponto:
Não é possível aceder à parte rústica do prédio misto identificado em 2. a partir da Estrada da Ribeira da Lage devido à elevada inclinação do mesmo;
Este facto é notório e resultou da vária prova testemunhal produzida na audiência de discussão e julgamento, e que acima se fez referência nomeadamente:
JOSÉ, encontrando-se o seu depoimento gravado através do sistema integrado da gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, com início a 00:00:00 e termo a 00:26:09 – (Passagens 20:20 a 21:40)
MANUEL, encontrando-se o seu depoimento gravado através do sistema integrado da gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, com início a 00:00:00 e termo a 00:23:57 – (Passagens 12:20 a 13:10)
FRANCISCO, encontrando-se o seu depoimento gravado através do sistema integrado da gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, com início a 00:00:00 e termo a 00:24:49. – Passagens 4:00 a 4:30)

XXIV. Quanto aos pontos:
Os RR. utilizavam o caminho referido em 7. para se deslocarem em veículos automóveis à parte rústica do prédio misto identificado em 2., nomeadamente com automóveis ligeiros de mercadorias para carregar e descarregar bens e equipamentos;
O caminho referido em 7. sempre se encontrou perfeitamente delimitado no solo, sendo a sua existência perceptível a qualquer pessoa, não sendo o seu piso lavrado, ao contrário do restante solo, e sendo visível a quem se encontrasse na Estrada da Ribeira da Lage;
O constante atravessamento de tractores e veículos ligeiros de mercadorias impediam que no caminho referido em 7. nascesse qualquer tipo de vegetação;
A passagem referida em 8. foi sempre feita pelos RR. sem oposição de ninguém e na convicção de que por ali tinham direito de passar, como passavam;
O traçado do caminho referido em 7. é o mesmo do traçado do caminho referido em 15.;
O caminho referido em 15. é o percurso mais acessível para os RR. acederem à parte rústica do prédio misto identificado em 2. e aí fazerem chegar bens e serviços destinados ao cultivo e tratamento da mesma.”
A prova de tais factos resulta claramente da conjugação dos depoimentos das testemunhas acima referidas, cujos depoimentos, nos abstemos de transcrever novamente;

Sendo certo que sobre os pontos:
O caminho referido em 7. sempre se encontrou perfeitamente delimitado no solo, sendo a sua existência perceptível a qualquer pessoa, não sendo o seu piso lavrado, ao contrário do restante solo, e sendo visível a quem se encontrasse na Estrada da Ribeira da Lage;
O constante atravessamento de tractores e veículos ligeiros de mercadorias impediam que no caminho referido em 7. nascesse qualquer tipo de vegetação;
Se pronunciou a testemunha FRANCISCO Passagens 08:00 a 09:40; 11:50 a 12:40)

D
XXV. Os Professores Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, descrevem uma situação concreta que é exatamente a situação vivida pelos Recorrentes.
“Está no primeiro caso, por exemplo, o prédio confinante com uma estrada, em que a comunicação entre ambos, por virtude do desnível existente, implicasse uma despesa incomportável para a exploração do prédio. A comunicação é materialmente possível, mas economicamente impraticável. O segundo caso será o de haver uma passagem a pé, por terreno próprio ou por servidão, e a exploração do prédio exigir a passagem de carro.

XXVI. É o próprio Tribunal “a quo” a considerar que existe uma impossibilidade total de acesso à parte rústica do prédio por duas ordens de razões:
- na medida em que o edifício que compõe a sua parte urbana ocupa toda essa confrontação nascente;
- porque inexiste qualquer caminho que, a partir da referida Estrada da Ribeira da Lage, permita esse acesso de veículos ou máquinas agrícolas a tal parte rústica.

XXVII. Sendo certo que, conforme ficou amplamente demonstrado, devido ao elevado declive existente, mesmo que não existisse qualquer construção urbana nunca a partir da estrada da Lage seria possível aceder ao prédio através de veículo automóvel ou trator;
XXVIII. Está provado que “… o prédio misto sito na Lage, composto, na parte rústica, de terra de cultura arvense de sequeiro com a área de 5.000 m2, …”. O cultivo de uma área de 5.000 m2, carece de ser lavrado, estrumado e plantado e isso só é possível com a deslocação, nomeadamente, de um trator ao terreno, como sempre aconteceu;
XXIX. No caso Sub Júdice não estamos sequer a falar numa comunicação com a via pública através de obras cujo custo esteja em manifesta desproporção com os lucros prováveis da exploração do prédio ou com as vantagens que ele proporciona, estamos a falar de um prédio que claramente dispõe de uma comunicação insuficiente para as suas necessidades normais.
XXX. Pelo que, conforme referem Pires de Lima e Antunes Varela na obra citada, nestes casos não se coloca sequer a questão da existência ou não da desproporção dos custos com a realização de uma obra de acesso, não é sequer possível o acesso.
XXXI. O tribunal “a quo”, ao decidir como decidiu, quanto a esta matéria violou os artigos 1543º, 1547º, n.º2, e 1550º todos do Código Civil;
XXXII. Os Recorrentes tinham, como têm, um direito potestativo de criação de uma servidão de passagem para o seu terreno pelo terreno da Recorrida, único que permite esse acesso.
XXXIII. Estando claramente provado que o prédio do A., na sua parte rústica, com uma área de cultivo de 5.000m2 (cinco mil metros quadrados), se encontra encravado e que para ser cultivado necessita que os tratores e alfaias agrícolas se desloquem pelo terreno da Recorrida, deveria o Tribunal “a quo” ter reconhecido o direito de servidão dos Recorrentes;
XXXIV. Contudo, mesmo que assim não se tivesse entendido, sempre teria que se reconhecer que a referida servidão já se havia constituído por usucapião.
XXXV. O Tribunal “a quo” não teve dúvidas em reconhecer que desde 1980, primeiro o anterior proprietário, e posteriormente, a partir de 1986, os Recorrentes utilizaram o caminho existente no prédio da Recorrida para passarem com veículos e máquinas agrícolas;
XXXVI. Os Recorrentes utilizam o referido caminho há, pelo menos, 31 (trinta e um) anos, essa passagem sempre foi efetuada pelos Recorrentes à vista de toda a gente e de forma continuada.
XXXVII. Num caminho perfeitamente identificado e visível, demarcado no solo;
XXXVIII. O Tribunal “a quo” ao decidir que não se verificou uma usucapião de servidão, sempre com o devido respeito, violou os artigos 1547º, 1548º, 1287º, 1288º do C. Civil.
Os apelantes terminaram pedindo que a sentença fosse revogada e se declarasse improcedente a ação intentada pela recorrida e procedente por provado o pedido reconvencional deduzido pelos recorrentes.

A A. contra-alegou, pugnando pela improcedência da apelação e consequente manutenção da decisão recorrida.

Foram colhidos os vistos legais.

FUNDAMENTAÇÃO.
As questões que se suscitam nesta apelação são as seguintes: nulidades da sentença; modificação da matéria de facto; servidão de passagem.

Primeira questão (nulidades da sentença)
Os apelantes apontam à sentença recorrida as seguintes nulidades: falta de fundamentação, prevista na al. b) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC, e “excesso de pronúncia e ou condenação em objeto diverso do pedido”, para a qual (ou quais) invocam o previsto nos artigos 609.º n.º 1 e 3.º n.º 1 do CPC (alínea B) das alegações). A respeito deste(s) último(s) vício(s), os apelantes aduzem ainda que a A. deduziu pedido ininteligível e, por isso, nulo.

Vejamos.
Quanto à falta de fundamentação, decorre ela, segundo os apelantes, de falta de análise crítica da prova. Segundo os recorrentes, na sentença faz-se um resumo dos depoimentos das testemunhas, mas não se indica quais os factos em relação aos quais cada depoimento foi relevante, nem, face às contradições existentes entre os depoimentos, quais as testemunhas que mereceram maior credibilidade ou porquê.

Vejamos.
Nos termos do art.º 615.º n.º 1 al. b) do CPC, é nula a sentença que não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão. Tal preceito concatena-se com o disposto nos n.º s 3 e 4 do art.º 607.º do CPC, que determina que a sentença deve conter os respetivos fundamentos, com discriminação dos factos julgados provados e não provados.
Ora, a sentença sub judice contém a indicação, discriminada, dos factos julgados provados e não provados. Não se verifica, assim, a nulidade prevista na al. b) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC.
A omissão ou deficiência da análise crítica da prova não cabe na previsão do artigo mencionado pelos apelantes, mas está sujeita ao regime previsto no art.º 662.º, n.ºs 2, al. d) e 3, alíneas b) e d) do CPC, isto é, poderá determinar a realização de diligências tendo em vista a sanação da deficiência pelo julgador (neste sentido, vide José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil anotado, volume 2.º, 3.ª edição, Almedina, 2017, p. 736).
In casu, porém, não vemos que ocorra a aludida deficiência. Com efeito, na sentença recorrida o juiz a quo procedeu não só à súmula dos depoimentos, mas também à indicação da matéria de facto que de cada um dos depoimentos extraiu. As contradições que os apelantes apontam entre alguns dos depoimentos poderão fundar, com base na impugnação da decisão de facto deduzida pelos apelantes, a modificação da decisão de facto, mas não a sua anulação, certo que o tribunal a quo, no uso da livre apreciação da prova testemunhal, não descortinou, ou pelo menos não mencionou na decisão, contradições entre os depoimentos que julgasse relevantes.
Nesta parte, pois, a apelação improcede.
Quanto ao excesso de pronúncia e/ou em objeto diverso do pedidoNo petitório inicial a A. pede, sob a al. D), que o R. seja condenado “a indemnizar a A. em quantia a liquidar em execução de sentença”.
Os apelantes alegam que tal pedido é manifestamente ininteligível e por isso nulo, pois a recorrida não refere a que título pretende a condenação do recorrente a pagar-lhe uma indemnização.

A questão da ininteligibilidade do aludido pedido só agora é suscitada pelos RR. Assim, o eventual vício do mesmo, a existir, encontrar-se-ia sanado (artigos 186.º n.º 2 al. a), 198.º n.º 1 e 196.º, 1.ª parte, do CPC). De todo o modo, o aludido pedido decorre, claramente, do alegado nos artigos 5.º a 10.º da p.i.:

há cerca de três meses, a A. teve conhecimento que os RR abriram um portão, com cerca de 3 metros de largura, sem autorização, para o prédio da A, sensivelmente a meio do terreno da A e da cerca. (Doc nº 3),

A A., em face disso, lavrou o terreno para obstar a passagem de veículos.

Com o terreno do A. lavrado, os RR aproveitaram e aplanaram uma faixa de terreno com cerca de 3 m (três metros) de largura e fizeram uma estrada de acesso directo ao portão, atravessando a totalidade da propriedade da A, a meio, sem qualquer autorização ou título que os legitimasse. (Doc nº3)

Faixa de terreno aquela, feita a bel-prazer dos RR, à custa do terreno da A. e onde mais lhes aprouve.

A A. teve custos a lavrar o terreno, a que acrescem, além do incómodo, o facto de os RR deixarem com frequência na propriedade da A., junto ao portão uma carrinha, pelo que não só fazem uso da propriedade alheia, como perturbam a utilização de toda a área pertencente à A.
10º
Custos esses que ainda não estão quantificados e que são passíveis de indemnização, a liquidar em execução de sentença.”
Na sua contestação os RR. não denotaram qualquer incompreensão em relação a tal pedido, que contestaram.
Não existe, pois, a ora invocada nulidade do pedido.

Relativamente à indemnização, na sentença exarou-se o seguinte:
Assim, não se verificando a existência de tal servidão, a actuação do 1º R. configura-se como um acto ilícito, porque perturbador da posse da A. enquanto proprietária do prédio rústico identificado em 1. dos factos provados, devendo assim haver lugar à condenação dos RR. a abster-se de tais actos perturbadores da posse da A., designadamente encerrando o portão que dá acesso ao prédio da A.
Do mesmo modo devem os RR. ser condenados a indemnizar o prejuízo causado à A. pela turbação em questão, na medida em que a mesma se configure como violadora do direito de propriedade da A. e da correspondente posse, por força do disposto no art.º 483º do Código Civil, e na medida em que os danos correspondentes estejam numa relação de causa e efeito com o acto violador do direito da A., face ao disposto no art.º 563º do Código Civil.
Relativamente ao apuramento da indemnização em questão, apurou-se apenas que com a lavra do seu prédio rústico a A. gastou € 35,00 por hora, sendo tal lavra que foi parcialmente inutilizada pelo 1º R., quando aplainou uma faixa de terreno com cerca de três metros de largura e atravessando toda a extensão do prédio rústico da A.
Mas desconhece-se quanto tempo demora a lavra dessa faixa de terreno. Pelo que a liquidação do montante indemnizatório devido à A. terá de ser relegada para momento posterior, ao abrigo do disposto no art.º 609º, nº 2, do Novo Código de Processo Civil.
Por outro lado, não há lugar à fixação de qualquer outro montante indemnizatório, na medida em que não resulta provada outra factualidade que consubstancie qualquer diminuição patrimonial da A., em consequência da actuação ilícita acima referida.”

E, no dispositivo, os RR. foram condenados nos termos já supra transcritos, transcrição (do primeiro parágrafo) que aqui se reitera:
Por todo o exposto julga-se a presente acção procedente por provada e, em consequência, no reconhecimento do direito de propriedade da A. sobre o prédio rústico descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Oeiras sob a ficha nº (…) da freguesia de Oeiras e S. Julião da Barra, condenam-se os RR. a retirar o portão melhor identificado no ponto 12. dos factos provados, repondo a vedação de rede no estado em que se encontrava, bem como a absterem-se de qualquer acto que perturbe a posse e a propriedade da A. sobre o prédio rústico identificado, mais se condenando o 1º R. no pagamento à A. da quantia ilíquida correspondente ao custo da lavra da faixa de terreno com três metros de largura e atravessando em toda a sua extensão o prédio rústico identificado, com o limite de € 35,00 por hora.
Nos termos do n.º 1 do art.º 609.º do CPC, “a sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pede.”
Nos termos do n.º 2 do mesmo artigo, “se não houver elementos para fixar o objeto ou a quantidade, o tribunal condena no que vier a ser liquidado, sem prejuízo de condenação imediata na parte que já seja líquida.

Tendo a A. deduzido pedido indemnizatório genérico, a liquidar em execução de sentença, decorrente da atuação dos RR. no aludido terreno, com cuja lavra a A. tinha tido custos, conclui-se que a condenação supra citada, em indemnização cingida ao custo com a dita lavra, na parte da faixa de terreno intervencionada pelos RR., e com fixação de um valor horário máximo, alegadamente decorrente do factualismo provado, se contém dentro do peticionado, não enfermando, assim, do vício que lhe é assacado pelos apelantes.

Nesta parte, pois, a apelação também é improcedente.

Segunda questão (impugnação da matéria de facto)

O tribunal a quo deu como provada a seguinte
Matéria de facto.
1. Pela apresentação nº 20, de 5/12/2008, mostra-se inscrita a favor da A. a aquisição, por compra a Carlos, do prédio rústico denominado “Lavandeira”, sito em Cacilhas, composto de cultura arvense de sequeiro, descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Oeiras sob a ficha nº (…) da freguesia de Oeiras e S. Julião da Barra.
2. Pela apresentação nº 48, de 7/3/1986, mostra-se inscrita a favor dos RR. a aquisição, por compra a Acácio e mulher, Maria Luísa, do prédio misto sito na Lage, composto, na parte rústica, de terra de cultura arvense de sequeiro com a área de 5.000 m2, e na parte urbana de cave, garagem e arrecadação, segunda e terceira caves para habitação, com a área coberta de 90 m2, e logradouro com a área de 390 m2, descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Oeiras sob a ficha nº (…) da freguesia de Oeiras e S. Julião da Barra.
3. O prédio misto identificado em 2. confronta de norte com o prédio rústico identificado em 1., de nascente com a Estrada da Ribeira da Lage, e de sul e de poente com outros prédios.
4. O edifício de três pisos que compõe a parte urbana do prédio misto identificado em 2. está construído na encosta da Estrada da Ribeira da Lage, desde pelo menos 1980, encontrando-se a garagem ao nível da via pública, no piso superior, e as dependências da habitação nos dois pisos inferiores.
5. O edifício de três pisos que compõe a parte urbana do prédio misto identificado em 2. ocupa toda a frente do mesmo que confronta com a Estrada da Ribeira da Lage.
6. A partir da Estrada da Ribeira da Lage não existe qualquer caminho que permita o acesso de veículos e máquinas agrícolas à parte rústica do prédio misto identificado em 2.
7. Desde pelo menos 1980 que a passagem de veículos e máquinas agrícolas necessários ao cultivo da parte rústica do prédio misto identificado em 2. era efectuada por Acácio através de um caminho que atravessava o prédio rústico identificado em 1.
8. Desde que adquiriram o prédio misto identificado em 2. os RR. continuaram a efectuar a passagem de veículos e máquinas agrícolas necessários ao cultivo da parte rústica do mesmo através de um caminho que atravessava o prédio rústico identificado em 1.
9. Tal passagem foi sempre feita pelos RR. à vista de toda a gente e de forma continuada.
10. O caminho referido em 7. servia igualmente para a passagem das máquinas necessárias à construção ou reparação das condutas instaladas junto da Ribeira da Lage, que corre a poente dos prédios identificados em 1. e 2.
11. Na sua parte rústica o prédio misto identificado em 2. encontra-se separado do prédio rústico identificado em 1. por uma cerca de rede, entretanto construída pelos RR.
12. Sensivelmente a meio dessa cerca de rede, na confrontação com o prédio rústico identificado em 1., os RR. abriram um portão com cerca de três metros de largura, sem autorização da A.
13. A A. lavrou o prédio rústico identificado em 1., como o vem fazendo pontualmente.
14. A A. gastou € 35,00 por hora com a lavra do prédio rústico identificado em 1.
15. Após a lavra do prédio rústico identificado em 1., e sem autorização da A., o 1º R. aplanou uma faixa de terreno do mesmo prédio, com cerca de três metros de largura e atravessando o mesmo em toda a sua extensão, destinada a servir de caminho de acesso ao portão referido em 12.

O tribunal a quo enunciou os seguintes
Factos não provados
(Que identificaremos por alíneas)
a)- Não é possível aceder à parte rústica do prédio misto identificado em 2. a partir da Estrada da Ribeira da Lage devido à elevada inclinação do mesmo;
b)- O Acácio utilizava o caminho referido em 7. para, no âmbito da sua actividade profissional de construtor civil, deslocar materiais e ferramentas com as carrinhas das obras para guardar no prédio misto identificado em 2.;
c)- O portão referido em 12. existe desde pelo menos 1986, dando acesso ao caminho referido em 7.;
d)- Os RR. utilizavam o caminho referido em 7. para se deslocarem em veículos automóveis à parte rústica do prédio misto identificado em 2., nomeadamente com automóveis ligeiros de mercadorias para carregar e descarregar bens e equipamentos;
e)- O caminho referido em 7. sempre se encontrou perfeitamente delimitado no solo, sendo a sua existência perceptível a qualquer pessoa, não sendo o seu piso lavrado, ao contrário do restante solo, e sendo visível a quem se encontrasse na Estrada da Ribeira da Lage;
f)- O constante atravessamento de tractores e veículos ligeiros de mercadorias impediam que no caminho referido em 7. nascesse qualquer tipo de vegetação;
g)- A passagem referida em 8. foi sempre feita pelos RR. sem oposição de ninguém e na convicção de que por ali tinham direito de passar, como passavam;
h)- A A. teve conhecimento da abertura do portão referido em 12. há cerca de três meses (por referência à data da propositura da acção);
i)- Ao efectuar a lavra referida em 13. a A. pretendeu ocultar as marcas visíveis e delimitadas no solo do caminho referido em 7.;
j)- No prédio rústico identificado em 1. os RR. deixam com frequência uma carrinha;
k)- A abertura do caminho referido em 15. perturba a utilização que a A. vem fazendo do prédio rústico identificado em 1.;
l)- O traçado do caminho referido em 7. é o mesmo do traçado do caminho referido em 15.;
m)- O caminho referido em 15. é o percurso mais acessível para os RR. acederem à parte rústica do prédio misto identificado em 2. e aí fazerem chegar bens e serviços destinados ao cultivo e tratamento da mesma.

O Direito.
Nos termos do n.º 1 do art.º 662.º do CPC “a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.”

Pretendendo o recorrente impugnar a decisão relativa à matéria de facto, deverá, nos termos do art.º 640.º do CPC, sob pena de rejeição, especificar os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes (n.º 2 alínea a) do art.º 640.º do CPC).
No caso dos autos, os apelantes insurgem-se contra os n.ºs 13, 14 e 15 dos factos dados como provados e contra as alíneas a), d), c), e), f), g), i), l), m) dos factos não provados. Invocam depoimentos e documentos.

Sob o n.º 13 o tribunal a quo deu como provado o seguinte:
A A. lavrou o prédio rústico identificado em 1., como o vem fazendo pontualmente.”

Os apelantes entendem que se provou o seguinte:
Antes da instauração da acção que deu origem aos presentes autos a A. lavrou o prédio rústico identificado em 1”.

Quanto à atuação da A. no que concerne à semeadura ou lavragem do seu prédio, referido em 1, o tribunal a quo refere o depoimento da testemunha José, que disse tê-lo lavrado.
Ouvido esse depoimento, constata-se que a testemunha referiu que num passado distante semeava e lavrava terrenos da zona, incluindo o da A.. Porém, tendo-lhe sido pedido para concretizar quando é que tinha lavrado o terreno da A., disse que a última vez tinha sido havia cerca de dois anos antes, e a vez anterior teria sido havia cerca de 10 anos. Ou seja, uma vez que o depoimento foi prestado em fevereiro de 2017, a testemunha, segundo o seu depoimento, lavrou o terreno da A. em inícios de 2015 e, antes disso, por volta de 2007. Ora, a A. adquiriu o prédio dos autos em finais de 2008 (n.º 1 da matéria de facto). Assim, apenas se mostra suficientemente indiciada, por iniciativa da A., uma única lavragem do terreno, ocorrida em inícios de 2015. O que é corroborado pela própria A., na petição inicial, onde afirmou que cerca de três meses antes da data da propositura da ação (a qual ocorreu em junho de 2015), tinha tido conhecimento que os RR. haviam aberto um portão, com cerca de três metros de largura, sensivelmente a meio do terreno da A. e da cerca que delimitava o seu terreno e o dos RR., pelo que, em face disso, a A. lavrou o terreno, para obstar à passagem de veículos (vide artigos 5.º e 6.º da p.i.).
Note-se que “lavrar” o terreno é diferente de “limpar” o terreno, ou “desbastar aquilo”, atividades que as testemunhas Mário (herdeiro de um terreno vizinho do da A.) e Manuel (caseiro dos RR., no prédio misto que lhes pertence) disseram que têm visto a A. a fazer de vez em quando.

Por conseguinte, afigura-se-nos mais curial dar como provado, sob o n.º 13, o seguinte:
Em inícios de 2015 a A. lavrou o prédio rústico identificado em 1.
Sob o n.º 14 o tribunal a quo deu como provado o seguinte:
A A. gastou € 35,00 por hora com a lavra do prédio rústico identificado em 1.”
Os RR. entendem que este facto não se provou.

Discordamos dos apelantes. Não há dúvidas de que a A. lavrou o prédio e não há razões para duvidar de que foi a testemunha José quem fez esse trabalho, na sua qualidade de empresário agrícola, como declarou. Ora, essa testemunha disse que o custo da utilização do trator, para aquele trabalho, era de € 35,00 por hora. Esse valor parece razoável. Assim, nesta parte mantém-se a decisão de facto.

Sob o n.º 15 o tribunal a quo deu como provado o seguinte:
Após a lavra do prédio rústico identificado em 1., e sem autorização da A., o 1º R. aplanou uma faixa de terreno do mesmo prédio, com cerca de três metros de largura e atravessando o mesmo em toda a sua extensão, destinada a servir de caminho de acesso ao portão referido em 12.”

Os apelantes entendem que o que o tribunal poderia ter dado como provado era o seguinte:
Desde 1980, existe uma faixa de terreno no prédio da Recorrida, com cerca de três metros de largura e atravessando o mesmo em toda a sua extensão, destinada a servir de caminho de acesso ao portão referido em 12.”

É manifesto que aquilo que os apelantes aqui entendem que se dê como provado exorbita do que é questionado no aludido ponto 15, que é o que fizeram os RR. após a dita lavra do prédio pela A., e não o que anteriormente existia no local. Aliás, está provado, no n.º 12 da matéria de facto, que não foi impugnado, que “Sensivelmente a meio dessa cerca de rede, na confrontação com o prédio rústico identificado em 1., os RR. abriram um portão com cerca de três metros de largura, sem autorização da A.”. Ora, uma vez que os RR. adquiriram o seu prédio em 1986 (n.º 2 da matéria de facto), o aludido portão não foi aberto antes dessa data, pelo que não se vê como se pode dar como provado que desde 1980 existia um caminho de acesso a esse portão. Quanto ao afirmado no ponto 15, o próprio R. declarou no seu depoimento de parte que após a A. ter lavrado o terreno, este ficou intransitável, pelo que o R., sem pedir autorização à A., usou uma máquina (não ele, mas alguém a seu mando) para aplanar o piso, para poder passar um carro. A testemunha José confirmou o teor do dito ponto 15, isto é, que os RR. haviam procedido ao dito aplanamento da referida faixa de terreno. Ninguém desmentiu estas afirmações.
Quanto aos caminhos que anteriormente existiam ou não, discutir-se-á essa questão mais adiante, no âmbito dos outros pontos da impugnação da matéria de facto.

Assim, mantém-se este ponto da matéria de facto.

Quanto aos factos que o tribunal a quo julgou não provados, e que os apelantes entendem que devem ser julgados provados.

Os apelantes defendem que deve ser dado como provado o teor das supra indicadas alíneas a), d), e), f), g), i), l) e m).

A alínea a) tem o seguinte teor:
Não é possível aceder à parte rústica do prédio misto identificado em 2. a partir da Estrada da Ribeira da Lage devido à elevada inclinação do mesmo”.
De notar que a este respeito foi julgada provada, e não impugnada, a seguinte matéria de facto:
4.-O edifício de três pisos que compõe a parte urbana do prédio misto identificado em 2. está construído na encosta da Estrada da Ribeira da Lage, desde pelo menos 1980, encontrando-se a garagem ao nível da via pública, no piso superior, e as dependências da habitação nos dois pisos inferiores.”
5.-O edifício de três pisos que compõe a parte urbana do prédio misto identificado em 2. ocupa toda a frente do mesmo que confronta com a Estrada da Ribeira da Lage.
6.-A partir da Estrada da Ribeira da Lage não existe qualquer caminho que permita o acesso de veículos e máquinas agrícolas à parte rústica do prédio misto identificado em 2.
Ou seja, quanto ao acesso de veículos e máquinas agrícolas à parte rústica do dito imóvel, a partir da Estrada da Ribeira da Lage, ele não é possível, porque não há qualquer caminho que permita tal acesso e, além disso, porque o edifício que compõe a parte urbana do prédio ocupa toda a frente do prédio que confronta com a Estrada e não comporta tal passagem. Face ao provado, não faz sentido dizer que a dita falta de acesso resulta da inclinação do prédio.
Nesta parte, por conseguinte, mantém-se a decisão recorrida.

A alínea d) tem o seguinte teor:
Os RR. utilizavam o caminho referido em 7. para se deslocarem em veículos automóveis à parte rústica do prédio misto identificado em 2., nomeadamente com automóveis ligeiros de mercadorias para carregar e descarregar bens e equipamentos.

O ponto 7 da matéria de facto provada, a que se refere a alínea d), tem a seguinte redação:
Desde pelo menos 1980 que a passagem de veículos e máquinas agrícolas necessários ao cultivo da parte rústica do prédio misto identificado em 2. era efectuada por Acácio através de um caminho que atravessava o prédio rústico identificado em 1.

No aludido ponto 7 menciona-se a utilização de um caminho, pelo anterior proprietário do prédio dos RR., que atravessava o prédio da A., traduzida na passagem de veículos e máquinas agrícolas necessários ao cultivo da parte rústica do dito prédio misto. Na alínea ora em análise fala-se na utilização do dito caminho, pelos RR., para a deslocação de veículos automóveis, nomeadamente automóveis ligeiros de mercadorias para carregar e descarregar bens e equipamentos. Ora, as testemunhas que se pronunciaram acerca da utilização pelos RR. do caminho que dava acesso à parte rústica do seu prédio (Balbina e Manuel, caseiros dos RR. desde 1998; Francisco e Maria, caseiros dos RR. desde 1986 a 1996) apenas se referiram ao acesso para fins agrícolas, nos termos dados como provados sob o n.º 8, não impugnado:
Desde que adquiriram o prédio misto identificado em 2. os RR. continuaram a efectuar a passagem de veículos e máquinas agrícolas necessários ao cultivo da parte rústica do mesmo através de um caminho que atravessava o prédio rústico identificado em 1.”

Daí que deve manter-se, também nesta parte, a decisão de facto.
As alíneas e) e f) têm a seguinte redação:
e)-O caminho referido em 7. sempre se encontrou perfeitamente delimitado no solo, sendo a sua existência perceptível a qualquer pessoa, não sendo o seu piso lavrado, ao contrário do restante solo, e sendo visível a quem se encontrasse na Estrada da Ribeira da Lage”;
f)-O constante atravessamento de tractores e veículos ligeiros de mercadorias impediam que no caminho referido em 7. nascesse qualquer tipo de vegetação.”

Na fotografia tirada do Google, junta a fls 35 dos autos, vê-se o que parece ser um caminho, que atravessa o terreno da A., de norte para sul, em direção ao terreno dos RR., e que pouco antes de alcançar o prédio dos RR. flete para poente. Também parece existir um caminho, de norte para sul, localizado na estrema poente do prédio da A., que vai ter até à estrema poente do prédio dos RR.. De todo o modo, cabe notar que tal documento apenas demonstra o estado das coisas na data em que a foto foi colhida (sendo certo que as imagens da street view, a fls 33 e 34, datam de novembro de 2009). Sendo certo que na carta cadastral, datada de 12.12.1988, cuja cópia consta a fls 106, não se lobriga tal caminho, mas, conforme refere o tribunal na sentença recorrida, um caminho de pé posto (ou vereda), marcado a tracejado, que atravessa o terreno da A. e o dos RR., por um percurso mais a nascente em relação aos caminhos supra referidos.

Quanto à prova testemunhal:
José, já supra referido, afirmou que o terreno da A. era percorrido por máquinas para semear, e depois para apanhar.Quando foram feitas obras de um esgoto de ligação de Cascais para Oeiras as máquinas passaram para fazer a conduta de esgoto e depois “acabou”, continuando apenas a fazer-se passagem para semear e lavrar. Agora existe um caminho por baixo, por onde circulam jipes e motos-quatro.

Carlos, que vendeu o prédio em causa à A., afirmou que não existia nenhuma servidão de passagem, sobre o terreno, em benefício do terreno dos RR. Disse que nas cartas de serviço cartográfico do exército está assinalado um caminho de pé posto, porque as pessoas atravessavam para cultivar e depois, na época da colheita, atravessavam para colher. Havia um caminho de pé posto ao longo daqueles terrenos, nada mais. Garantiu que aquele terreno nunca deu serventia a ninguém. Apenas referiu ter visto sulcos deixados por umas moto-quatro, que iam para lá.

Balbina, já acima mencionada, caseira dos RR. desde 1998, disse que há um caminho que dá acesso ao terreno dos RR., por baixo, que usam, por exemplo, quando é necessário levar estrume, o que acontece uma vez por ano.

Perguntada, pelo mandatário dos RR., se o caminho é visível, de forma que qualquer pessoa vê por onde passam os carros, responde:
Não passam muitos carros.”
Advogado: “É visível ? É o que eu pergunto…”
Testemunha: “Sim, tá um bocadinho visível.”
Advogado: “O que é para si um bocadinho visível?
Testemunha: “Nota-se, porque quando andam os tratores, ou qualquer coisa, ou quando andaram lá a tratar dos esgotos.”
Advogado: “E a terra é diferente da dos outros lados, ou não?
Testemunha: “Quando há muita erva, não se nota. Às vezes está tudo mesmo coberto.
Advogado: “Esse caminho, com que frequência é que se passa lá, para o terreno do, do…
Testemunha: “É com pouca frequência.”
Advogado: “Mas é para outras pessoas também?
Testemunha: “Para outras pessoas não tenho conhecimento, além da altura em que andavam a tratar dos esgotos, isso é que tinha bastante movimento. Usavam esse caminho, tinham que usar mesmo, não há outro.”

A testemunha esclareceu também que têm um pequeno trator, que está no interior do terreno, que era usado na lavra do mesmo, por um outro senhor que lá trabalhava.

Manuel, marido da testemunha anterior e caseiro no prédio dos RR., afirmou que raramente usava o tal caminho que atravessava a propriedade da A. e ia até ao terreno dos RR. Disse que era um caminho “abatido”, que tinha rodados. “É um sítio onde a erva não cresce”. Acrescentou que agora está lá um estradão(termo usado pelo mandatário da A. e que a testemunha repetiu), que foi feito na propriedade da A. por uma empresa que usou uma escavadora e andou lá a pôr estrume. Também referiu a passagem pelo terreno, no passado, para a instalação de esgotos.

Maria Luísa, primeira proprietária do prédio dos RR., disse que havia um caminho que dava acesso à parte rústica do seu prédio, por baixo, que usaram, por exemplo, quando uma máquina lá foi abrir valas para fazerem uma vinha e quando passou uma máquina para lá abrir um poço. Contou que um dia, junto a uma casa logo à entrada, estava uma corrente a impedir a passagem pelo caminho e que o marido falou com o proprietário do terreno, dizendo-lhe que não valia a pena pôr a corrente, porque ele a tirava, pois o outro senhor bem sabia que ele tinha direito a passar, ao que o outro respondeu “pois sei”,“pois sei”,e não voltou a pôr a corrente. O caminho era de terra batida e tinha hortas de um lado e do outro. Não havia nada a delimitar o caminho. Estava marcado pelo andamento dos carros.

Francisco, a supra mencionada testemunha que foi caseiro no prédio dos RR. desde 1986 a 1996, disse que para se aceder ao terreno ia-se pela parte de baixo, por uma estrada de terra batida, que se notava bem, pois estavam lá os rastos dos carros, até porque havia vários terrenos a que o caminho dava acesso. Era uma estrada estreita, que dava para pouco mais do que um carro. “Via-se que já haviam passado ali centenas de carros.” Usava o caminho sobretudo para levar comida aos animais, pois tinha lá porcos.

Também Maria José, mulher da testemunha anterior, referiu a existência do aludido acesso, que era uma estrada de terra, que tinha as marcas dos carros.

Atento o teor conjugado dos aludidos depoimentos, pensamos que não se poderá dizer que o dito caminho era constantemente atravessadopor tratores e veículos ligeiros de mercadoriasnem que estava perfeitamente delimitado no solo.

Mas é seguro que era um caminho de terra batida, marcado pelos rodados das viaturas que nele passavam, perfeitamente percetível a qualquer pessoa.

Assim, deverá aditar-se à matéria de facto o seguinte n.º 16:
O caminho referido em 7 era um caminho de terra batida, marcado pelos rodados das viaturas que nele passavam, perfeitamente percetível a qualquer pessoa.”
“Saltando”, por conveniência lógica, as alíneas g) e i), analisemos agora a alínea l), que tem a seguinte redação:
O traçado do caminho referido em 7. é o mesmo do traçado do caminho referido em 15.”
O n.º 7 da matéria de facto, referido nesta alínea, tem a seguinte redação:
Desde pelo menos 1980 que a passagem de veículos e máquinas agrícolas necessários ao cultivo da parte rústica do prédio misto identificado em 2. era efectuada por Acácio através de um caminho que atravessava o prédio rústico identificado em 1.”
E o n.º 15 da matéria de facto, também referido nesta alínea, tem a seguinte redação:
Após a lavra do prédio rústico identificado em 1., e sem autorização da A., o 1º R. aplanou uma faixa de terreno do mesmo prédio, com cerca de três metros de largura e atravessando o mesmo em toda a sua extensão, destinada a servir de caminho de acesso ao portão referido em 12.”

Portanto, o que se questiona na al. l) é se a faixa de terreno que os RR. aplanaram no prédio da A., com cerca de três metros de largura, atravessando o prédio da A. em toda a sua extensão e dando acesso ao portão que os RR. abriram na cerca virada a norte para o terreno da A., mais ou menos a meio dessa cerca, foi feita sobre o traçado do caminho que os RR. e os seus antecessores percorriam, atravessando o prédio da A., para alcançarem, por veículo ou máquina agrícola, a parte rústica do seu prédio. Na tese dos RR., a resposta é positiva, tendo-se os RR. limitado a repor o caminho que existia e que a A., ao proceder à lavragem do seu terreno, referida no n.º 13, havia destruído. O tribunal a quo, com o aplauso da recorrida, não considerou provada tal afirmação.

Na verdade, os depoimentos prestados não permitem dar essa asserção como provada. Na foto de Google, acima referida, o caminho que se vê passando a meio do prédio da A. não chega a alcançar o prédio dos RR., infletindo para poente. Por outro lado, como já disse supra, nessa foto parece existir um caminho, de norte para sul, localizado na estrema poente do prédio da A., que vai ter até à estrema poente do prédio dos RR.. E a própria , no seu depoimento de parte, afirmou, como se realça na sentença recorrida, que o caminho que os RR. percorriam terminava junto ao poço que havia no seu prédio, o qual fica no limite poente do prédio dos RR. O próprio portão, referido no n.º 12 da matéria de facto provada, a que, na tese dos apelantes, o aludido caminho daria acesso, foi instalado, segundo o depoimento da testemunha Manuel (caseiro dos RR. desde 1998), “no ano passado”.

Nesta parte, pois, mantém-se a decisão recorrida.

Assim sendo, não é possível dar como provado o teor da alínea i), em que se afirma que a intenção da A., ao efetuar a lavra referida em 13, era “ocultar as marcas visíveis e delimitadas no solo do caminho referido em 7.”

A alínea g) tem a seguinte redação:
A passagem referida em 8. foi sempre feita pelos RR. sem oposição de ninguém e na convicção de que por ali tinham direito de passar, como passavam.”
O n.º 8 da matéria de facto provada, a que se refere a alínea, tem a seguinte redação:
Desde que adquiriram o prédio misto identificado em 2. os RR. continuaram a efectuar a passagem de veículos e máquinas agrícolas necessários ao cultivo da parte rústica do mesmo através de um caminho que atravessava o prédio rústico identificado em 1.”

Resulta da matéria de facto que os RR. passavam por um trajeto diverso daquele que invocam nesta ação. Ou seja, o elemento subjetivo, a convicção do seu direito, que os RR. alegaram na ação, reporta-se a um trajeto ou caminho diverso daquele que se provou e a que se reporta a al. g). O corpus invocado, que poderia suportar a presunção prevista no n.º 2 do art.º 1252.º do CC (cfr. acórdão de uniformização de jurisprudência do STJ, de 14.5.1996, publicado no Diário da República, II série, n.º 144, de 24.6.1996; idem, acórdão do STJ, de 12.5.2016, processo 9950/11.8TBVNG.P1.S1., publicado na base de dados do IGFEJ), é outro que não o provado, dado o supra exposto sobre a diversidade entre o caminho alegado e o que a esse respeito se provou. Daí que se considere razoável a não prova desta alínea, tanto mais que a prova testemunhal não é, a este respeito, concludente. É certo que o supra descrito relato da testemunha Maria Luísa (recorde-se, vendedora, em 1986, do prédio aos RR.), acerca da reação do seu marido quando se lhe deparou uma corrente no caminho, posta pelo proprietário de um terreno não identificado, poderá indiciar animus possidendi por parte daquele. Mas coisa diversa ocorre no que concerne aos RR., pois os seus próprios caseiros, Balbina e Manuel, que o são desde 1998, depuseram no sentido de que pouco recorriam a tal caminho, conforme supra relatado.

Por último, a alínea m) tem a seguinte redação:
O caminho referido em 15. é o percurso mais acessível para os RR. acederem à parte rústica do prédio misto identificado em 2. e aí fazerem chegar bens e serviços destinados ao cultivo e tratamento da mesma.”
Atendendo à configuração da parte rústica do prédio dos apelantes, afigura-se-nos que o acesso tanto pode ser feito, com igual facilidade, pelo seu lado norte como seu lado poente. O acesso pelo lado norte será mais rápido se se atravessar o terreno da A., no sentido norte – sul, pelo meio do terreno, num percurso como o traçado pelos RR. conforme referido em 15. Mas o acesso pelo lado poente do terreno dos RR. será mais fácil se for realizado pelo caminho aparentemente existente ao longo da estrema poente do terreno da A., já referido supra.
Assim, também nesta parte se deve manter a decisão recorrida.
A impugnação da matéria de facto é, assim, parcialmente procedente.

Desta forma, a matéria de facto fica assim organizada:
Factos provados
1. Pela apresentação nº 20, de 5/12/2008, mostra-se inscrita a favor da A. a aquisição, por compra a Carlos, do prédio rústico denominado “Lavandeira”, sito em Cacilhas, composto de cultura arvense de sequeiro, descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Oeiras sob a ficha nº (…) da freguesia de Oeiras e S. Julião da Barra.
2. Pela apresentação nº 48, de 7/3/1986, mostra-se inscrita a favor dos RR. a aquisição, por compra a Acácio e mulher, Maria Luísa, do prédio misto sito na Lage, composto, na parte rústica, de terra de cultura arvense de sequeiro com a área de 5.000 m2, e na parte urbana de cave, garagem e arrecadação, segunda e terceira caves para habitação, com a área coberta de 90 m2, e logradouro com a área de 390 m2, descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Oeiras sob a ficha nº (…) da freguesia de Oeiras e S. Julião da Barra.
3. O prédio misto identificado em 2. confronta de norte com o prédio rústico identificado em 1., de nascente com a Estrada da Ribeira da Lage, e de sul e de poente com outros prédios.
4. O edifício de três pisos que compõe a parte urbana do prédio misto identificado em 2. está construído na encosta da Estrada da Ribeira da Lage, desde pelo menos 1980, encontrando-se a garagem ao nível da via pública, no piso superior, e as dependências da habitação nos dois pisos inferiores.
5. O edifício de três pisos que compõe a parte urbana do prédio misto identificado em 2. ocupa toda a frente do mesmo que confronta com a Estrada da Ribeira da Lage.
6. A partir da Estrada da Ribeira da Lage não existe qualquer caminho que permita o acesso de veículos e máquinas agrícolas à parte rústica do prédio misto identificado em 2.
7. Desde pelo menos 1980 que a passagem de veículos e máquinas agrícolas necessários ao cultivo da parte rústica do prédio misto identificado em 2. era efectuada por Acácio (…) através de um caminho que atravessava o prédio rústico identificado em 1.
8. Desde que adquiriram o prédio misto identificado em 2. os RR. continuaram a efectuar a passagem de veículos e máquinas agrícolas necessários ao cultivo da parte rústica do mesmo através de um caminho que atravessava o prédio rústico identificado em 1.
9. Tal passagem foi sempre feita pelos RR. à vista de toda a gente e de forma continuada.
10. O caminho referido em 7. servia igualmente para a passagem das máquinas necessárias à construção ou reparação das condutas instaladas junto da Ribeira da Lage, que corre a poente dos prédios identificados em 1. e 2.
11. Na sua parte rústica o prédio misto identificado em 2. encontra-se separado do prédio rústico identificado em 1. por uma cerca de rede, entretanto construída pelos RR.
12. Sensivelmente a meio dessa cerca de rede, na confrontação com o prédio rústico identificado em 1., os RR. abriram um portão com cerca de três metros de largura, sem autorização da A.
13. A A. lavrou o prédio rústico identificado em 1.
14. A A. gastou € 35,00 por hora com a lavra do prédio rústico identificado em 1.
15. Após a lavra do prédio rústico identificado em 1., e sem autorização da A., o 1º R. aplanou uma faixa de terreno do mesmo prédio, com cerca de três metros de largura e atravessando o mesmo em toda a sua extensão, destinada a servir de caminho de acesso ao portão referido em 12.
16. O caminho referido em 7 era um caminho de terra batida, marcado pelos rodados das viaturas que nele passavam, perfeitamente percetível a qualquer pessoa.

Factos não provados
a)- Não é possível aceder à parte rústica do prédio misto identificado em 2. a partir da Estrada da Ribeira da Lage devido à elevada inclinação do mesmo;
b)- O Acácio Carvalho utilizava o caminho referido em 7. para, no âmbito da sua actividade profissional de construtor civil, deslocar materiais e ferramentas com as carrinhas das obras para guardar no prédio misto identificado em 2.;
c)- O portão referido em 12. existe desde pelo menos 1986, dando acesso ao caminho referido em 7.;
d)- Os RR. utilizavam o caminho referido em 7. para se deslocarem em veículos automóveis à parte rústica do prédio misto identificado em 2., nomeadamente com automóveis ligeiros de mercadorias para carregar e descarregar bens e equipamentos;
e)- A passagem referida em 8. foi sempre feita pelos RR. sem oposição de ninguém e na convicção de que por ali tinham direito de passar, como passavam;
f)- A A. teve conhecimento da abertura do portão referido em 12. há cerca de três meses (por referência à data da propositura da acção);
g)- Ao efectuar a lavra referida em 13. a A. pretendeu ocultar as marcas visíveis e delimitadas no solo do caminho referido em 7.;
h)- No prédio rústico identificado em 1. os RR. deixam com frequência uma carrinha;
i)- A abertura do caminho referido em 15. perturba a utilização que a A. vem fazendo do prédio rústico identificado em 1.;
j)- O traçado do caminho referido em 7. é o mesmo do traçado do caminho referido em 15.;
k)- O caminho referido em 15. é o percurso mais acessível para os RR. acederem à parte rústica do prédio misto identificado em 2. e aí fazerem chegar bens e serviços destinados ao cultivo e tratamento da mesma.

Terceira questão (servidão de passagem)
Como bem se refere na sentença recorrida, o proprietário e possuidor da coisa pode obter a condenação de outrem, enquanto perturbador da correspondente posse, na abstenção desses atos perturbadores da mesma posse relativamente ao objeto de tal direito de propriedade e bem assim no pagamento de indemnização pelos prejuízos causados por tal turbação (artigos 1276.º, 1311.º, 1284.º, todos do Código Civil). São meios de reação contra ofensas ao conteúdo do direito de propriedade, cujo titular, o proprietário, “goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem, dentro dos limites da lei e com observância das restrições por ela impostos” (art.º 1305.º do CC).

In casu, a A. queixa-se de que os RR., proprietários de um prédio misto que confronta com o prédio rústico de que a A. é proprietária, e que está separado do terreno dos RR. por uma cerca que estes construíram, abriram um portão, com três metros de largura, sensivelmente a meio da cerca e do terreno da A.. Tendo a A. lavrado o terreno para obstar à passagem de veículos, os RR. aplanaram uma faixa de terreno com cerca de três metros de largura e fizeram uma estrada de acesso direto ao portão, atravessando a totalidade da propriedade da A., sem qualquer título ou autorização que o legitimasse. Pedem, por isso, que os RR. sejam condenados a retirarem o portão, repondo a vedação como estava, e que sejam condenados a absterem-se de qualquer ato que perturbe a propriedade da A. e bem assim a indemnizar a A. pelos prejuízos causados.

Os RR. alegam que têm título para o que fizeram, pois o seu prédio goza de servidão de passagem sobre o prédio da A., para acesso à parte rústica do seu prédio, nomeadamente de alfaias agrícolas e outros veículos. Tal acesso fazia-se por um caminho que aí existia, bem visível, que os RR. utilizavam havia pelo menos 29 anos, e que a A. destruiu. Segundo os RR., essa servidão de passagem constituiu-se por usucapião. Consequentemente, os RR. não só concluíram pela sua absolvição do pedido, como deduziram reconvenção, peticionando que fosse declarada constituída, por usucapião, uma servidão de passagem a pé, de veículo automóvel e de trator, com três metros de largura, a favor do prédio dos reconvintes e que onera o prédio da reconvinda, em toda a extensão do referido prédio.

Vejamos.
Nos termos do art.º 1543.º do CC, “servidão predial é o encargo imposto num prédio em proveito exclusivo de outro prédio pertencente a dono diferente; diz-se serviente o prédio sujeito à servidão e dominante o que dela beneficia.”
Podem ser objecto da servidão quaisquer utilidades, ainda que futuras ou eventuais, susceptíveis de ser gozadas por intermédio do prédio dominante, mesmo que não aumentem o seu valor” (art.º 1544.º).
As servidões prediais podem ser constituídas por contrato, testamento, usucapião ou destinação do pai de família” (n.º 1 do art.º 1545.º).
As servidões não aparentes não podem ser constituídas por usucapião” (n.º 1 do art.º 1548.º; vide, também, al. b) do art.º 1293.º).
Consideram-se não aparentes as servidões que não se revelam por sinais visíveis e permanentes” (n.º 2 do art.º 1548.º).

Embora a servidão incida, em princípio, sobre o prédio serviente, considerado como um todo, o qual é, assim, o objeto da servidão, muitas vezes há que destrinçar o local do exercício da servidão, que pode ser uma parte limitada do prédio. Nesses casos, tudo se passa como se a servidão incidisse apenas sobre a parte do prédio sujeita ao seu exercício (vide Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil anotado, volume III, Coimbra Editora, anotação ao art.º 1543.º). É, frequentemente, o caso das servidões de passagem: o locus servitutis, o lugar preciso em que a servidão pode exercitar-se, a parte do prédio em que, sem implicar a sujeição a tal exercício do prédio inteiro, a servidão praticamente se localiza, é o sítio onde a passagem se realiza (cfr. Mário Tavarela Lobo, Mudança e alteração de servidão, Coimbra Editora, 1984, p. 93).

No caso dos autos, os RR. invocaram serem titulares de uma servidão de passagem, constituída por usucapião, que se localizava na parte do prédio da A. onde abriram o portão e onde aplanaram o terreno (da A.).

Como se viu, a aquisição da servidão por meio de usucapião exige a visibilidade e permanência dos sinais que demonstrem a sua existência. Assim se satisfaz o requisito da publicidade da posse (artigos 1262.º e 1297.º do CC; cfr. Luís Carvalho Fernandes, Lições de direitos reais, Quid Juris, 5.ª edição, 2007, p. 238).

Os RR. invocaram a existência de tais sinais, que se traduziriam num caminho visível e delimitado, que atravessaria o prédio da A., dividindo-o a meio, e desembocaria no local onde se situava a cancela, aberta a meio da vedação que confronta, a norte, com o terreno da A. (vide artigos 10.º, 11.º, 13.º, 16.º, 17.º, 26.º, 32.º da contestação). Isto é, tratava-se de uma servidão que se exercia, não indiferentemente sobre a totalidade do prédio da A., mas num percurso preciso e delimitado.

Ora, não se demonstrou a existência do caminho invocado pelos RR..

Apenas se demonstrou a existência de um outro caminho, que não o alegado pelos RR. (cfr. n.ºs 7 a 10 dos factos provados e alíneas c) e i) dos factos não provados).

A existir servidão de passagem, ela não se exercia na parte do prédio da A. junto à qual os RR. instalaram a dita cancela, nem no trajeto desenhado pelo aplanamento indicado no n.º 15 da matéria de facto.

Assim, os RR. não têm o alegado título (servidão predial de passagem, constituída por usucapião) que legitime a sua passagem pelo meio do terreno da A., nos termos por si pretendidos.

Na sua alegação de recurso, os apelantes invocam também, como fundamento para o reconhecimento do seu direito de servidão, o encrave do seu prédio (vide conclusões XXXI a XXXIII).

Nos termos do art.º 1550.º do Código Civil, “os proprietários de prédios que não tenham comunicação com a via pública, nem condições que permitam estabelecê-la sem excessivo incómodo ou dispêndio, têm a faculdade de exigir a constituição de servidões de passagem sobre os prédios rústicos vizinhos” (n.º 1). “De igual faculdade goza o proprietário que tenha comunicação insuficiente com a via pública, por terreno seu ou alheio” (n.º 2 do mesmo preceito).

Trata-se de um meio forçado ou coativo de constituição de servidão de passagem, que se traduz no exercício de um direito potestativo (vide José Alberto Vieira, Direitos Reais, Coimbra Editora, 2008, pp. 843 e 844). Emerge de situações de encrave, ou seja, de falta de acesso próprio do prédio à via pública, ou de relevante insuficiência do mesmo, não ultrapassável sem excessivo incómodo ou dispêndio, que justifica a imposição do encargo de permissão de passagem ao titular de prédio alheio.

A constituição da servidão implicará a determinação do prédio ou prédios servientes e a fixação do modo e lugar do exercício da servidão através do prédio ou prédios servientes, sempre à luz do critério do menor prejuízo e inconveniência para o prédio ou prédios afetados (art.º 1553.º do CC). Pela constituição da servidão será devida a indemnização correspondente ao prejuízo sofrido (art.º 1554.º do CC).

A constituição de servidão legal de passagem, com base em encrave do prédio, constitui realidade jurídica diversa do reconhecimento de servidão de passagem emergente de usucapião. Os respetivos pressupostos de facto e de direito são distintos, conforme supra exposto. Ora, na sua contestação e reconvenção, os RR. invocaram, tão só, a titularidade do direito de servidão predial sobre o prédio da A., com base na usucapião. É certo que na contestação os RR. alegam que a moradia do seu prédio está construída na encosta da Estrada da Ribeira da Lage e que, devido à inclinação do solo e à inexistência de caminho que permita o acesso ao terreno dos RR. pela dita estrada, o acesso à zona rústica do seu prédio tem de fazer-se pelo caminho que invocaram (artigos 4.º a 9.º). Mas tal factualismo foi articulado para reforçar, tornando-a plausível, a alegação da reiterada, constante e prolongada utilização do dito caminho, através do terreno da A., pelos RR., com a convicção de a isso terem direito, para acederem à parte rústica do seu prédio. Os fundamentos fácticos e jurídicos da defesa dos RR., consubstanciadores da exceção perentória alegada para rechaçarem a pretensão da A., assim como para fundarem o decorrente pedido reconvencional, foram vazados no molde da realidade dinâmica que caracteriza a usucapião, não no da perspetiva estática própria do enfoque na situação de encrave do prédio. Daí que a causa de pedir da pretensão reconvencional, assente na usucapião, tenha culminado no pedido do reconhecimento da constituição da servidão de passagem por usucapião. Ou seja, não foi deduzido o pedido de constituição de servidão de passagem decorrente de encrave do prédio, o qual desencadearia, na economia da ação, a questão do apuramento do melhor local para o exercício da servidão a constituir e a determinação de eventual indemnização a favor do proprietário do prédio serviente.

Conclui-se, assim, que a pretensão ora aduzida pelos apelantes consubstancia alteração da causa de pedir e do pedido (reconvencionais), à qual não foi dado acordo pela A., pelo que é inadmissível (artigos 260.º, 264.º e 265.º do CPC).

É certo que na sentença recorrida o tribunal a quo teceu considerações acerca da verificação, ou não, de servidão legal de passagem (por encrave do prédio) no caso dos autos, concluindo que não estava demonstrada a existência dos respetivos requisitos (vide páginas 116 e v.º dos autos). Mas tal juízo não pode significar uma verdadeira apreciação de mérito negativa acerca da ocorrência dessa realidade jurídica, na medida em que, como se disse, ela não constituía objeto da lide. De resto, logo de seguida (último parágrafo da pág. 116 v.º e pág. 117 dos autos), na sentença, após se exarar que a servidão de passagem se pode constituir também por usucapião, se salientou que era com esse fundamento (usucapião) “que os RR. pretendem ver judicialmente reconhecido o direito de passarem para a parte rústica do seu prédio, através do caminho identificado em 15. dos factos provados, o qual atravessa em toda a sua extensão o prédio rústico da A. e dá acesso ao portão colocado na vedação que separa o prédio dos RR. do prédio da A..

Ou seja, o único e verdadeiro fundamento da estratégia defensiva dos RR., mesmo à luz da sentença, era a aquisição de servidão de passagem através de usucapião.

E, ainda que a existência de servidão legal de passagem (por encrave do prédio) pudesse ser conhecida, não como fundamento de pedido reconvencional (por não ter sido dessa forma deduzido), mas simplesmente como exceção deduzida contra a ação, teria de improceder, na medida em que não foi alegada a sua prévia constituição, por acordo, decisão judicial ou ato administrativo (vide Pires de Lima e Antunes Varela, ob. cit., anotação ao artigo 1550.º).

No que concerne à condenação dos RR. no pagamento de indemnização a liquidar em execução de sentença, constante do dispositivo recorrido, já se analisou supra a sua regularidade formal. Quanto ao seu mérito, não foi diretamente questionado pelos apelantes, sendo certo que se alicerça no disposto nos artigos 1305.º, 483.º, 1284.º, 562.º a 564.º e 566.º, todos do Código Civil.

Em suma, a sentença recorrida deve ser confirmada, tanto quanto à procedência da ação, quer quanto à improcedência da reconvenção.

DECISÃO.
Pelo exposto, julga-se a apelação improcedente e consequentemente mantém-se a decisão recorrida.
As custas da apelação são a cargo dos apelantes, que nela decaíram (art.º 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC).



Lisboa, 01.3.2018



Jorge Leal
Ondina Carmo Alves
Pedro Martins