Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2718/19.5YRLSB-2
Relator: GABRIELA CUNHA RODRIGUES
Descritores: REVISÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA
BRASIL
UNIÃO ESTÁVEL
ESCRITURA DECLARATÓRIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/23/2020
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: REVISÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: A escritura pública lavrada em Tabelionato de Notas brasileiro, pela qual foi declarada a «União Estável» entre os Requerentes que nela outorgaram, é equiparada à decisão sobre direitos privados a que alude o artigo 978.º, n.º 1, do CPC, pelo pode ser objeto de processo de revisão e confirmação de sentença estrangeira.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa

I – Relatório
MM…, de nacionalidade brasileira e portuguesa, e LB…, de nacionalidade brasileira, residentes na rua …, …, bloco …, apto…., Tijuca, Rio de Janeiro, Brasil, intentaram a presente ação declarativa com processo especial, ao abrigo dos artigos 978.º a 985.º do Código de Processo Civil, pedindo a revisão e a confirmação da escritura pública pela qual foi declarada a união estável entre ambos, desde 30 de dezembro de 2006.
O Ministério Público, notificado nos termos e para os efeitos do artigo 982.º do mesmo Código, apresentou alegações com o seguinte teor:
«1. Pretendem os requerentes a revisão e confirmação de "Escritura Declaratória de União Estável" realizada em cartório notarial brasileiro.
2. Tem vindo a consolidar-se jurisprudência nos nossos tribunais superiores, designadamente no STJ, no sentido de considerar que os actos em causa não podem ser objecto de revisão e confirmação por não se reconduzirem a verdadeiras decisões, mesmo considerando o sentido mais amplo do conceito, por conterem, tão só, um mero “enunciado assertivo ou constatativo” limitando-se o notário a atestar o que lhe declaram os requerentes sem acrescentar qualquer actividade decisória ainda que meramente homologatória.
3. Não se vislumbrando razões de ordem doutrinal e/ou jurisprudencial que alicercem a discordância com tal entendimento forçoso é concluir que a pretensão dos requerentes não tem condições para obter vencimento».
Os Requerentes, notificados das alegações do Ministério Público, ao abrigo do artigo 3.º, n.º 3, do CPC, reiteraram o seu pedido, com a citação de jurisprudência e de um parecer do Ministério Público no sentido que propugnam.
*
II – Saneador
O tribunal é competente.
O processo não enferma de nulidades principais.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas.
Não existem nulidades, exceções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
*
III – Questão a decidir
A única questão a decidir consiste em verificar se estão demonstrados os requisitos legais de que depende a revisão e confirmação de «Escritura Pública de União Estável» outorgada no Brasil pelos ora Requerentes.
*
IV – Fundamentação
Fundamentação de facto
Encontra-se documentalmente provado nos autos, ao abrigo do disposto nos artigos 607.º, n.º 4, do CPC e 371.º do Código Civil, que:
1 – MM... nasceu no dia … de outubro de 1960, no Rio de Janeiro, Brasil, conforme o assento de nascimento n.º …, de 2016, do Consulado Geral de Portugal no Rio de Janeiro, Brasil (documento 13 da petição inicial).
2 – MB… nasceu no dia … de agosto de 2010, filha de MMo… e de LB…, conforme assento de nascimento n.º …, de 2018, da Conservatória dos Registos Centrais de Lisboa (documento 4 da petição inicial).
3 – No dia 21 de agosto de 2016, foi lavrada a fls. 122 do Livro 032 no Ofício de Notas e Registro de Contratos Marítimos, de AM…, Notário Público, Estado do Rio de Janeiro, Brasil, a «Escritura Pública de União Estável», pela qual foi formalizada a declaração da união estável entre ambos os Requerentes, que nela outorgaram, constando da referida escritura que, após terem sido reconhecidos e identificados como sendo os próprios, do que foi dada fé, pelos mesmos foi declarado:
«Que convivem em União Estável desde o dia 30 de dezembro de dois mil e seis, como se casados fossem, constituindo a entidade familiar prevista no art. 1723 do Código Civil, e que para todos os efeitos de direito e sucessório resolvem outorgar a presente escritura de forma que a(o) companheira(o) possa usar e gozar dos benefícios legalmente garantidos ao cônjuge ou incluindo mas não se limitando do plano de saúde odontológico ou previdenciário ou aposentadoria junto a órgãos estatais ou não; que a presente é outorgada livre de coação ou constrangimento, outorgam a presente escritura, em especial para fazer prova junto a qualquer entidade incluindo mas não se limitando de previdência, seja Instituto Nacional de Previdência Social, Marinha do Brasil ou Entidade privada, plano de saúde, podendo reciprocamente usarem, gozarem e usufruírem de todos os direitos, benefícios e privilégios decorrente da união estável ora reconhecida. Que eles outorgantes e reciprocamente obrigados pelo presente, resolvem que, na constância da União Estável, o regime de bens patrimonial dos Outorgantes/outorgados, será o da COMUNHÃO PARCIAL DE BENS. Que o património individual de cada um dos contraentes será administrado pelo seu titular. Que, por vontade deles Declarantes, passam a ser beneficiários de quaisquer pecúlios ou pensões, para os quais eles declarantes contribuam. A presente declaração tem por objetivo cumprir ou suprir determinações legais dos Tribunais no exame de qualquer dúvida decorrente da União Estável. Da presente farei enviar nota ao competente Distribuidor, no prazo da lei. (…) Assim o disseram, do que dou fé, e me pediram, este instrumento que lhe s li em voz alta, aceitam e assinam dispensando as testemunhas instrumentárias. Declaram mais, que se encontram em pleno exercício de suas personalidades e capacidade civil, não sofrendo as restrições previstas nos artigos 3º e 4º da lei (…)» (documentos 1 e 2 da petição inicial).
Fundamentação de Direito
a) O sistema português de revisão de sentença estrangeira inspira-se no chamado sistema de delibação, isto é, de revisão meramente formal, o que significa que o tribunal, em princípio, se limita a verificar se a sentença estrangeira satisfaz certos requisitos de forma, não conhecendo do fundo ou mérito da causa (cf. acórdão do STJ de 12.7.2011, p. 987/10.5YRLSB.S1, in www.dgsi.pt).
Estamos, assim, perante uma atividade de controlo da regularidade formal ou extrínseca da sentença estrangeira, que dispensa a apreciação dos seus fundamentos de facto e de direito.
Os requisitos necessários à revisão e confirmação de sentença estrangeira estão previstos no artigo 980.º do Código de Processo Civil.
Relativamente às condições indicadas nas alíneas a) e f), o artigo 984.º do Código de Processo Civil, determina que o tribunal verifique oficiosamente se as mesmas ocorrem, negando ainda a confirmação se dos autos se concluir que não estão preenchidos os requisitos das demais alíneas.
A alínea a) respeita à autenticidade do documento de que conste a sentença e à inteligência da decisão; a alínea f) à compatibilidade do seu conteúdo com os princípios da ordem pública internacional do Estado Português.
No que concerne à alínea a), a escritura pública revidenda não oferece dúvidas quanto à sua autenticidade e é claro o sentido que dela consta, a saber, a declaração pelos outorgantes da existência de uma situação de união estável entre ambos e a determinação do regime aplicável.
Relativamente à alínea f), é de registar que o sistema jurídico português prevê a união de facto na Lei n.º 7/2001, de 11.5, definindo-a como «a situação jurídica de duas pessoas que, independentemente do sexo, vivam em condições análogas às dos cônjuges há mais de dois anos» - artigo 1.º, n.º 2.
Porém, o Direito da União Europeia reconhece um instituto mais próximo do regime da união estável, o da parceria registada, e dispõe de diversos instrumentos legais que regulam o seu regime, como o Regulamento (UE) 2016/1104 do Conselho, de 24 de junho de 2016.
Da análise dos três institutos resulta que a união estável se edifica entre a união de facto portuguesa e a parceria registada do Regulamento, como se notou lapidarmente no acórdão do TRL de 21.11.2019 (p. 1899/19.2YRLSB-6, in www.dgsi.pt, nota 1).
Não se vislumbra, assim, que o reconhecimento envolva situação incompatível com os princípios da ordem pública internacional da República Portuguesa.
De igual modo, em face do exame do processo, não existem dados que indiciem que as declarações tenham sido tomadas por órgão cuja competência tenha sido provocada em fraude à lei, ou que esteja pendente ou já tenha sido proferida outra decisão sobre a mesma questão em Portugal – cf. requisitos enunciados nas alíneas b) a e) do artigo 980.º.
b) O caso em apreço tem a especialidade de se tratar de uma escritura pública de uma união estável, outorgada em Tabelionato de Notas do Rio de Janeiro, Brasil.
Cumpre indagar se o instrumento cuja revisão e confirmação são peticionadas se integra na previsão do artigo 978.º, n.º 1, do CPC, quando prevê a sua aplicação à decisão sobre direitos privados proferida por tribunal estrangeiro.
O Ministério Público sustenta que se encontra estabilizada jurisprudência nos nossos tribunais superiores, designadamente no Supremo Tribunal de Justiça, no sentido de a escritura pública de união estável não poder ser objeto de revisão e confirmação por não se reconduzir a verdadeira decisão, tratando-se apenas de um «enunciado assertivo ou constatativo», sem acrescentar qualquer atividade decisória ainda que homologatória.
Não podemos olvidar a vasta jurisprudência publicada nesse sentido, salientando-se, a título de exemplo, os acórdãos do STJ de 10.12.2019 (p. 249/18.0YPRT.S2), de 9.5.2019 (p. 828/18.5YRLSB.S1), de 21.3.2019 (p. 559/18.6YRLSB.S1) e de 28.2.2019 (p. 106/18.0YRCBR.S1), os acórdãos do TRL de 17.10.2019 (p. 1268/19.4YRLSB-8), de 26.9.2019 (p. 1777/19.5YRLSB-2), de 24.10.2019 (p. 1531/19.4YRLSB-2) e de 23.5.2019 (p. 247/19.6YRLSB) e do TRE de 7.11.2019 (proc. 84/19.8YREVR), todos consultáveis em www.dgsi.pt.
Porém, rejeitamos qualquer ideia de «cristalização» da jurisprudência, ante o perfilar com consistência da tese da admissibilidade da revisão e confirmação da «escritura pública de união estável».
Destacamos, pela sua acutilância e atualidade, o acórdão do STJ de 29.1.2019 (p. 896/18.0YRLSB.S1, in www.dgsi.pt), assim sumariado:
«I - A escritura pública, lavrada em cartório do registo civil situado no Brasil, que reconhece a “união estável e de endereço comum” entre uma pessoa com nacionalidade brasileira e outra com nacionalidade portuguesa, tem no ordenamento jurídico brasileiro força idêntica a uma sentença.
II - Verificados os requisitos previstos no art. 980 do CPC, e não relevando saber se a referida escritura é suficiente para atribuir nacionalidade portuguesa ao membro com nacionalidade brasileira, como pretendido, deve a mesma ser revista e confirmada por tribunal português.»
Lê-se no referido acórdão que:
Na verdade, o «critério a ter em conta para a sujeição ao processo de revisão assenta na natureza da decisão — importando avaliar se a "decisão" estrangeira produz efeitos idênticos ou equivalentes a uma decisão judicial propriamente dita —, mostrando-se não relevante o órgão de que emana, dado que cada Estado é livre em definir as matérias que cabem na competência dos tribunais, não se mostrando o respectivo critério uniforme em todos os Estados» (acórdão do TRL de 10/11/2009, proc. 1072/09.8YRLSB-7; também neste sentido, os acórdãos do STJ de 25/06/2013, proc. 623/12.5YRLSB.SI, e de 12/07/2005, proc. 05B1880).»
Alinhados no mesmo diapasão, outros arestos deste Tribunal da Relação de Lisboa têm sufragado este entendimento, cujos sumários transcrevemos:
. Acórdãos de 24.10.2019 e de 11.12.2019 (p. 2403/19.8YRLSB.L1-2 e p. 2778/19.9YRLSB, respetivamente), o primeiro publicado no www.dgsi.pt, com o seguinte sumário: «Uma escritura declaratória de união estável brasileira pode ser objecto de um processo de revisão e confirmação de sentença estrangeira dos arts. 980 e seguintes do CPC»;
. Acórdão de 21.11.2019 (p. 1899/19.2YRLSB-6, consultável em www.dgsi.pt):
«1. A evolução do entendimento do que seja decisão sobre direitos privados proferida por tribunal estrangeiro, implica já a ultrapassagem da dicotomia intervenção constativa ou performativa do oficial público, para exigir uma outra ordem de classificação: intervenção de oficial público com ou sem repercussão performativa na ordem jurídica em que é prevista e praticada.
2. No caso da escritura declaratória de união estável, a intervenção do oficial público prevista no sistema jurídico brasileiro autoriza, nomeadamente, o registo da situação de união de facto e a usufruição de direitos e privilégios atribuídos em razão dessa situação.
3. Envolvendo mais do que o mero reforço da força probatória, é susceptível de revisão por ser este o ponto específico que a revisão visa: produção de efeitos na ordem jurídica.
4. Mesmo a pressupor que a revisão solicitada tem como fito a inscrição em registo civil da situação de união de facto, entende-se que a atribuição de competência exclusiva visa apreciar a verificação dos requisitos de inscrição em registo, ao que se não destina a presente acção de revisão.»;
. Acórdão de 11.12.2019 (p. 1807/19.0YRLSB-7, publicado em www.dgsi.pt):
«I. Na ordem jurídica brasileira, a união estável é erigida à qualidade de entidade familiar, podendo ser constituída por escritura pública perante tabelião de notas, constituindo essa escritura um verdadeiro contrato, designadamente com disposições sobre as relações patrimoniais entre os companheiros. Esse contrato pode ser objeto de registo, colhendo então efeitos perante terceiros.
II. A lei processual brasileira equipara a extinção consensual da união estável aos casos de divórcio consensual, podendo efetuar-se todos por escritura pública, a qual não depende de homologação judicial.
III. À nossa ordem jurídica não é estranha a noção de um «órgão jurisdicional» que consista em profissional do direito que aja sob o controlo de um tribunal, desde que ofereça garantias no que respeita à sua imparcialidade e ao direito de todas as partes a serem ouvidas, e desde que as suas decisões nos termos da lei do Estado-Membro onde estão estabelecidos possam ser objeto de controlo por um tribunal e tenham força e efeitos equivalentes aos de uma decisão de um tribunal na mesma matéria (art. 3º, nº2, do Regulamento nº 2016/1104, do Conselho de 24.6.2016, atinente às parcerias registadas).
IV. Sendo admissível a formalização da união estável no Brasil através de escritura pública perante tabelião, a intervenção e controle feitos pelo tabelião consubstanciam a intervenção de uma entidade administrativa que cauciona o ato, ao qual são atribuídos efeitos precípuos pela ordem jurídica brasileira.
V. A intervenção do notário/tabelião de notas, no âmbito da escritura da união estável, é ainda uma intervenção integrante de uma função pública transferida pelo Estado por meio de delegação administrativa sui generis, assumindo a intervenção do notário a natureza de caucionamento do ato em causa.
VI. A intervenção notarial permite que o ato despolete efeitos na ordem jurídica brasileira, tal como se tivesse sido objeto de declaração judicial em sentido estrito, estando mesmo a atividade notarial sujeito à fiscalização do Poder Judiciário. Em suma, a outorga da escritura de união estável perante o notário, a função deste e o controlo da atividade notarial pelos tribunais no Brasil são suscetíveis de equivaler aos requisitos de ato jurisdicional impostos pelo art. 3º, nº2, do Regulamento nº 2016/2014, do Conselho de 24.6.2016, tendo a intervenção de oficial público repercussão performativa na ordem jurídica em que é prevista e praticada.
VII. Por todas estas razões, deve admitir-se a revisão de escritura pública de união estável realizada no Brasil
Para além destes acórdãos, registamos as referências jurisprudenciais indicadas pelos Requerentes, como os acórdãos do TRG de 11.1.2019 (p. 230/18.9YRGMR), do TRL de 7.12.2018 (p. 2050/18.14RLSB), de 19.2.2019 (p. 2438/18.8YRLSB e p. 45.19/7YRLSB) e de 28.6.2018 (p. 1396/18.34RLSB), os quais não foram publicados na base de dados da DGSI/MJ, mas cujas cópias estão juntas aos autos.
Ainda neste périplo pela jurisprudência, há que salientar a relevância dos dois arestos evidenciados no citado acórdão do STJ de 29.1.2019, os quais desbravaram caminho, a propósito da escritura pública outorgada pelos cônjuges, segundo a lei brasileira, com vista ao divórcio consensual.
Assim, no acórdão do STJ de 22.5.2013 (p. 687/12.1YRLSB.S1), com sumário publicado no sítio do STJ na internet, escreveu-se o seguinte trecho (citado pelo acórdão seguinte):
«A interpretação do acórdão sob recurso do que seja uma decisão da autoridade administrativa estrangeira peca por demasiado restritiva.
O que interessa para a ordem jurídica portuguesa é mais o conteúdo do acto administrativo, ou seja, o modo como regula os ditos interesses privados.
Do ponto de vista formal apenas releva que o acto administrativo provenha efectivamente duma autoridade administrativa.
Se não ofende a ordem pública portuguesa, quanto à maneira como regulou esses interesses privados e provém duma autoridade administrativa, estão preenchidos os requisitos para a confirmação do seu conteúdo.
Não releva, portanto, o modo ou a via como se chegou à produção desse acto, ou seja, se através duma emissão formal da vontade da entidade administrativa responsável pelo acto, ainda que de carácter meramente homologatório, ou se de maneira mais «contratual» apenas através das declarações dos outorgantes. Por outras palavras, basta que se trate de um acto caucionado administrativamente pela ordem jurídica em que foi produzido (cfr. artigo 1º da Convenção de Haia Sobre o Reconhecimento dos Divórcios e Separação de Pessoas, de 01/06/1970).» (sublinhado nosso).
Lê-se no sumário do acórdão do STJ de 25.6.2013 (p. 623/12.5YRLSB.S1, www.dgsi.pt) que:
«I - As escrituras públicas previstas no art. 1.124-A do CPC Brasileiro (Lei 5.869, de 11/01/1973), através da qual se pode realizar a separação consensual dos cônjuges, e prevista no art. 1.580 do CC Brasileiro, através da qual passado um ano da separação se poderá converter o mesmo em divórcio», têm força igual à das sentenças que decretam a separação consensual ou a conversão da separação judicial dos cônjuges em divórcio, uma vez que foi proferida pela entidade brasileira legalmente competente para o efeito.
II - A decisão de uma autoridade administrativa estrangeira sobre direitos privados deve ser considerada como abrangida pela previsão do art. 1094/1 do CPC, carecendo de revisão para produzir efeitos em Portugal.
III - Na realidade, aquilo que releva para a ordem jurídica portuguesa é essencialmente o conteúdo do acto, isto é, o modo como se regulam os interesses privados.
IV - Assim estão verificados os requisitos necessários para a confirmação da decisão (nos termos estabelecidos nos arts. 1096 e 1101 do CPC) se (i) a dissolução do vínculo matrimonial tiver sido proferida pela entidade brasileira legalmente competente; (ii) não versar sobre matéria da exclusiva competência dos tribunais portugueses (art. 65-A do CPC); (iii) não lhe podendo ser opostas excepções de litispendência ou caso julgado, com fundamento em causa afecta a tribunal português; (iv) tiver sido proferida por acordo expresso dos então ainda cônjuges, e com observância dos princípios do contraditório e igualdade das partes; (v) e não for o seu reconhecimento susceptível de conduzir a um resultado manifestamente incompatível com os princípios da ordem pública internacional do Estado Português (art. 1096 do CPC).»
b) Analisemos o regime da união estável do Direito Brasileiro, o qual não saiu da pena do legislador do Código Civil de 2002, mas foi por este exponenciado.
Com a promulgação da Constituição de 1988, elevou-se a união estável ao status de entidade familiar. A própria terminologia mudou. Passou-se a utilizar a expressão «união estável», reservando a expressão «concubinato» para as relações entre duas pessoas impedidas de se casar.
Assim, estabelece o artigo 226.º da Constituição Federal Brasileira que «§ 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento (…).»
Esta figura foi regulada nas Leis Federais n.º 8.971/1994, de 29.1 e n.º 9.278/1996, de 10.5.
Entretanto, o Código Civil de 2002 (aprovado pela Lei n.º 10.406, de 10.1.2002), mantendo a definição da Lei Federal n.º 9.278/1996, estabeleceu regras sobre a união estável.
O artigo 1.723 reconhece como entidade familiar «a união entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.»
No seu parágrafo 1.º impõe que «a união estável não se constituirá se ocorrerem os impedimentos do art. 1.521; não se aplicando a incidência do inciso IV no caso de a pessoa casada se achar separada de fato ou judicialmente.» No parágrafo 2.º do referido artigo dispõe ainda que «as causas suspensivas do art. 1.523 não impedirão a caracterização da união estável
Como explica Ronan Cardoso Naves Neto, tendo como referência tais dispositivos legais, pode-se concluir que os elementos caracterizadores da união estável são a diversidade de sexo; estabilidade; continuidade; publicidade; ausência de impedimentos e, por fim, o animus familiae (in A União Estável nas Serventias Extrajudiciais, 2017,Universidade FUMEC, Faculdade de Ciências Humanas, Sociais e da Saúde – FCH p. 22, consulthttp://www.fumec.br/revistas/pdmd/article/view/5497/2766).
Entretanto, o requisito da diversidade de sexo foi superado pelo Supremo Tribunal Federal, que já reconheceu a «inexistência de hierarquia ou diferença de qualidade jurídica entre as duas formas de constituição de um novo e autonomizado núcleo doméstico», aplicando-se à união estável entre pessoas do mesmo sexo as mesmas regras e mesmas consequências da união estável heteroafetiva - ADI 131 (ação direta de inconstitucionalidade) e ADPF 4277 (arguição de descumprimento de preceito fundamental).
 O artigo 1.724 do Código Civil Brasileiro estabelece que «As relações pessoais entre os companheiros obedecerão aos deveres de lealdade, respeito e assistência, e de guarda, sustento e educação dos filhos.»
Segundo o artigo 1.725 do mesmo Código, «Na união estável, salvo contrato escrito entre os companheiros, aplica-se, às relações patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão parcial de bens.»
Emerge deste preceito que os conviventes podem estipular regras patrimoniais específicas para gerir os efeitos patrimoniais da relação, por meio de um contrato escrito, afastando-se, assim, o regime de comunhão parcial determinado por lei. Tal negócio jurídico é denominado contrato de convivência ou contrato particular de convívio conjugal.
O artigo 1.726 do referido diploma prevê que «A união estável poderá converter-se em casamento, mediante pedido dos companheiros ao juiz e assento no Registro Civil
Por último, o artigo 1.790 do Código em análise descreve as condições em que «A companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro.».
Resulta desta viagem ao regime da união estável que o progresso do instituto e da proteção que lhe é conferida está umbilicalmente ligada ao conceito e conceção de família.
A evolução do Direito de Família no Brasil ocorreu à luz de importantes princípios que orientaram a mudança de compreensão e a inclusão da união estável como entidade familiar, o que não pode de forma alguma ser escamoteado na análise do caso.
O Código de Processo Civil Brasileiro de 2015 (aprovado pela Lei n.º 13.105, de 16.3.2015) prescreve a forma e o procedimento da extinção consensual de união estável (artigos 731.º a 733.º), a qual pode ser realizada por escritura pública e não depende de homologação judicial.
Nos termos do artigo 215.º do Código Civil Brasileiro, a escritura pública lavrada em notas de tabelião, é documento dotado de fé pública, fazendo prova plena.
O que significa que a escritura pública de união estável serve de prova pré-constituída da existência da união estável, uma vez que incide fé pública sobre a declaração dos companheiros no tocante à convivência pública, contínua, duradoura e com o objetivo de constituir família. Estamos perante instrumento apto a disciplinar as relações patrimoniais entre os conviventes (cf. Ronan Cardoso Naves Neto, obra citada, p. 74).
De modo a unificar o procedimento, o Conselho Nacional de Justiça, emitiu o Provimento n.º 37, de 7 de julho de 2014, dispondo sobre o registo da união estável no Livro “E”, por Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais.
Tal provimento prevê o registo facultativo da «sentença declaratória de reconhecimento e dissolução, ou extinção, bem como de escritura pública de contrato e distrato envolvendo união estável.» (artigos 1.º e 2.º).
Como explica Ronan Cardoso Naves Neto, «Não obstante a força probante da escritura pública declaratória de união estável, certo é que apenas o registro de tal documento no registro público é que operará efeitos em relação a terceiros e cognoscibilidade das demais pessoas acerca de tal relacionamento familiar. Repise-se que, embora destituído dos atributos dos documentos públicos, é possível que os conviventes formalizem seu relacionamento afetivo através de documento particular devidamente assinado. Todavia, imprescindível é que tais documentos tenham ingresso no registro público para que operem efeitos contra terceiros de boa-fé.» (obra citada, p. 75).
Decorre do exposto que a união estável, seja hétero ou homoafetiva, erigida à qualidade de entidade familiar, é uma situação de facto que dispensa qualquer formalidade legal.
É claro que esta «informalidade» pode dificultar aos conviventes ou companheiros o gozo de direitos advindos do relacionamento familiar, sobretudo em razão da dificuldade de se provar a existência ou mesmo o início da união estável.
Igualmente, a falta de cognoscibilidade por terceiros e a ausência de segurança no estabelecimento de relações jurídicas com os conviventes podem perturbar o gozo dos referidos direitos.
A solução passará certamente pela interseção da formalização da união estável com a sua inscrição no registo.
Ora, para além de a união estável poder ser objeto de uma ação meramente declaratória a intentar em tribunal brasileiro (artigos 19.º e 20.º do Código de Processo Civil brasileiro), esta situação de facto pode ser «formalizada», como vimos, por contrato de convivência ou contrato particular de convívio conjugal, o qual não tem eficácia erga omnes, mas pode ser levado a registo pelos contratantes para ter publicidade perante terceiros, ou por escritura pública de união estável, dotada de eficácia perante terceiros, também suscetível de ser publicitada por via do registo.
O que nos parece evidente é que este documento não pode deixar de ser equiparado a um decisão sobre direitos privados, à semelhança do que sucede com a escritura pública de divórcio lavrada em Tabelionato de Notas brasileiro, estando bem distante do valor da declaração da Junta de Freguesia prevista no artigo 2.º-A da Lei n.º 7/2001, de 11 de maio.
Em ambas as escrituras se verifica a intervenção de oficial público com repercussão performativa na ordem jurídica em que é prevista e praticada.
Assim, tal como sucede com a escritura de divórcio consensual, também na escritura declaratória de união estável a intervenção do oficial público prevista na ordem jurídica brasileira autoriza a inscrição no registo da situação de facto e os outorgantes podem definir regras específicas para gerir os efeitos patrimoniais da relação.
Neste ponto, manifestamos aqui a nossa concordância com o estudo desta temática, refletido no acórdão deste Tribunal da Relação de 24.10.2019, no qual se extraíram, entre outras, as seguintes conclusões:
«(A)
A expressão “decisões”, usada pelo art. 978/1 do CPC, vem sido entendida, desde há mais de 30 anos, como “acto caucionado administrativamente pela ordem jurídica em que foi produzido” (na expressão dos dois acórdãos do STJ de Maio e Junho de 2013). Esta conclusão é aceite pelos três recentes acórdãos do STJ e pelo ac. do TRL, todos de 2019. Ou seja, aceita-se que o divórcio, quando não seja decretado por uma sentença judicial, resulte de maneira contratual, através das declarações dos outorgantes, se isso for assim admitido na ordem jurídica competente. Basta que tenha havido uma qualquer intervenção no processo de uma entidade administrativa ou religiosa. O mesmo resultado é aceite no Brasil e em Espanha.
B)
É com base neste entendimento amplo da expressão que têm sido sistematicamente admitidas em Portugal, sem qualquer tipo de dúvida, as escrituras notariais de divórcio consensual.
Nestas escrituras notariais de divórcio não há qualquer decisão do notário/tabelião, para além da sua participação na elaboração da escritura. Ele não homologa nada e a escritura do divórcio serve para o registo civil do acto como se fosse uma sentença. Neste ponto concreto não se concorda com este pequeno argumento muito subsidiário dos dois acórdãos do STJ de 2013 quando sugerem que há homologação da escritura pelo notário. Mas, sendo assim, se realmente não há homologação nestes casos, não se pode dizer, como fazem os acórdãos do STJ de 28/02, 21/03 e 09/05/2019 que há essa diferença específica com o caso dos autos que justifique a reviravolta operada por eles. No caso das escrituras das uniões não há homologação, mas também nos casos dos divórcios em escrituras não há homologação (administrativa ou judicial). E qualquer simples leitura dessas escrituras confirma que assim é. O notário limita-se a tomar nota das declarações dos cônjuges, não profere uma decisão, não as homologa (…). [negrito e sublinhado nossos]
Também destacamos aqui o raciocínio certeiro do acórdão do STJ de 29.1.2019, por nós sufragado.
Assim, verificando que, «em maio de 2011, o Supremo Tribunal Federal reconheceu, por unanimidade, a união estável entre casais do mesmo sexo como entidade familiar, equiparando as denominadas “relações homoafetivas” às uniões estáveis entre homens e mulheres», o acórdão alerta também para o facto de, em 2013, na sequência dessa decisão, o Conselho Nacional de Justiça ter deliberado a obrigatoriedade de os cartórios de todo o país celebrarem o casamento civil e converterem a «união estável homoafetiva» em casamento em função de divergências de interpretação acerca do tema.
O que significa que, uma escritura pública emitida por uma autoridade administrativa brasileira legalmente competente para o efeito tem, no ordenamento jurídico do Brasil, força igual à de uma sentença que reconheça uma «união estável homoafetiva», concluindo o douto aresto que, assim, «deve ser considerada como uma decisão sobre direitos privados abrangida pela previsão do artigo 978.º, n.º 1, do CPC, carecendo de revisão para produzir efeitos em Portugal
c) Os acórdãos desta Relação de 21.11.2019 e de 11.12.2019 (p. 1807/19.0YRLSB-7) invocam o Regulamento n.º 2016/1104, do Conselho de 24.6.2016, relativo às parcerias registadas, contribuindo para a densificação da corrente jurisprudencial que defende a equiparação entre a escritura pública de união estável e a sentença.
Ainda que não seja aplicável diretamente ao caso, este Regulamento não deixa de fazer parte integrante do nosso ordenamento jurídico (artigo 8.º da CRP), sendo nesta sede relevante como elemento de interpretação.
Ressalta com clareza da análise do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento que não é de todo estranha à nossa ordem jurídica a noção de um «órgão jurisdicional» que consista em profissional do direito que aja sob o controlo de um tribunal, desde que ofereça garantias no que respeita à sua imparcialidade e ao direito de todas as partes a serem ouvidas, e desde que as suas decisões nos termos da lei do Estado-Membro onde estão estabelecidos possam ser objeto de controlo por um tribunal e tenham força e efeitos equivalentes aos de uma decisão de um tribunal na mesma matéria (cf. ponto III do sumário do acórdão de 11.12.2019).
Sem dúvida que a intervenção e o controle do tabelião ao lavrar a escritura de união estável provêm de uma entidade administrativa que cauciona o ato, ao qual são atribuídos efeitos relevantes pela ordem jurídica brasileira.
Qual a natureza desta intervenção?
A resposta a esta questão passa pela análise da natureza dos serviços notariais e registrais do Brasil.
A propósito, esclarece Ronan Cardoso Naves Neto que «os serviços notariais e registrais são delegados exclusivamente às pessoas físicas aprovadas em concurso público de provas e títulos, e são fiscalizados pelo Poder Judiciário através das Corregedorias dos Tribunais de Justiça dos estados e do Conselho Nacional de Justiça, tudo de acordo com o artigo 236 da Constituição da República.» (obra citada, p. 51).
Mais observa o Autor que a atuação do agente delegado, seja oficial de registro seja o tabelião, é limitada pelo poder delegante, que é o Estado. E elucida com clareza que as atividades notariais e de registro integram uma função pública, transferidas ao particular pelo Estado através de um ato de delegação administrativa (obra e p. citadas).
Nesta senda, o acórdão desta Relação de 11.12.2019 (p. 1807/19.0YRLSB-7) conclui mesmo que a outorga da escritura de união estável perante o notário, a função deste e o controlo da atividade notarial pelos tribunais no Brasil são suscetíveis de equivaler aos requisitos de ato jurisdicional impostos pelo artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento nº 2016/2014, do Conselho de 24.6.2016,
d) Flui de todo o exposto, que a escritura pública em causa é equiparável ao conceito de uma decisão sobre direitos privados para efeitos do artigo 978.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, estando sujeita a revisão.
Conclui-se, assim, pela revisão e confirmação da escritura pública de união estável outorgada pelos Requerentes, para que a mesma passe a ter plena eficácia na ordem jurídica portuguesa.
*
O valor da presente ação é de 30.001,00 €, em conformidade com o disposto nos artigos 303.º, n.º 1, e 306.º, n.º 1 e 2, do CPC.
*
Os Requerentes são responsáveis pelo pagamento das custas, atento o proveito que retiram da procedência da ação (artigos 527.º, 529.º e 607.º, n.º 6, do CPC).
*
V – Decisão
Nestes termos, acordam os Juízes da 2.ª Secção deste Tribunal da Relação de Lisboa em julgar procedente a presente ação e, em consequência, conceder a revisão e confirmar a escritura pública de união estável lavrada em 21 de agosto de 2016, no Ofício de Notas e Registro de Contratos Marítimos, de AM…, Notário Público, do Estado do Rio de Janeiro, Brasil, pela qual foi formalizada a declaração da união estável dos Requerentes, aí outorgantes, MM… e LB…, que assim passará a ter eficácia na ordem jurídica portuguesa.     
Mais se decide condenar os Requerentes no pagamento das custas.
*
Fixa-se o valor da ação em 30 000,01 €.
*
Lisboa, 23.1.2020
Gabriela Cunha Rodrigues
Arlindo Crua (vencido, conforme declaração de voto)
Carlos Castelo Branco
______________________________________________________________________________________________________________    
Declaração de voto de vencido [1]:

Contrariamente à solução que obteve vencimento, perfilhamos o entendimento por nós expresso em aresto desta Secção e Relação de 23/05/2019 - Revisão de Sentença Estrangeira nº. 247/19.6YRLSB -, onde citámos o douto Acórdão do STJ de 28/02/2019 - Relator: Nuno Pinto Oliveira, Processo nº. 106/18.0YRCBR.S1, in www.dgsi.pt -, no qual se referenciou que “o teor do art. 978.º, n.º 2, do Código de Processo deixa claro que a confirmação/revisão da escritura declaratória de união estável não é necessária para que tenha eficácia em Portugal.
Independentemente de ser ou não confirmada/revista, a escritura declaratória de união estável prevista pelo direito brasileiro sempre será um simples meio de prova, sujeito à apreciação de quem haja de decidir sobre o reconhecimento de direitos constituídos pela união de facto”, pois, “em princípio, a prova da união de facto pode ser feita «por qualquer meio legalmente admissível»”, conforme decorre do art. 2.º-A, n.º 1, da Lei n.º 7/2001, na redacção da Lei n.º 23/2010.
Acrescenta, então, o mesmo douto aresto, que, “esclarecido que a confirmação ou revisão não é necessária, deve determinar-se se é ou não possível — se a escritura pública pode ou não pode ser confirmada ou revista.
O alcance do termo decisão relevante para efeitos do art. 978.º foi apreciado, designadamente, pelos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 22 de Maio de 2013, no processo n.º 687/12.1YRLSB.S1, e de 25 de Junho de 2013, no processo n.º 623/12.5YRLSB.S1, concluindo-se em cada um dos acórdãos que abrange casos de “emissão formal da vontade da entidade administrativa responsável pelo acto, ainda que de carácter meramente homologatório”, e casos em que não há exactamente uma emissão formal de vontade — em que há, tão-só, “um acto caucionado administrativamente pela ordem jurídica em que foi produzido”.
Ora nem a declaração da junta de freguesia prevista pelo direito português nem (muito menos) a escritura declaratória de união estável prevista pela lei brasileira fazem com que o acto composto pelas declarações dos Requerentes seja “caucionado administrativamente pela ordem jurídica em que foi produzido” — com a consequência de que a escritura declaratória de união estável apresentada pelos Requerentes não pode ser confirmada / revista”.
Apesar dos argumentos sufragados em sentido contrário, doutamente expostos, na decisão maioritária, mantemos, todavia, o entendimento que na escritura pública cuja revisão ora se pretende inexiste qualquer emissão formal de vontade da entidade administrativa, in casu do Tabelião, ainda que de natureza ou carácter meramente homologatório, ou mesmo que as declarações dos Requerentes, ali Declarantes, tenham sido caucionadas administrativamente pela ordem jurídica em que foram produzidas [2] [3].
Donde, sempre ajuizaríamos pela impossibilidade de concluir pela existência de uma decisão susceptível de revisão e consequente confirmação, o que determinaria juízo de total improcedência do presente processo especial.
*
Lisboa, 23/01/2020
O Desembargador Adjunto  
Arlindo José Colaço Crua
_______________________________________________________
[1] A presente pronúncia é elaborada conforme a grafia anterior ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, salvaguardando-se, nas transcrições efectuadas, a grafia do texto original.
[2] Efectivamente, a escritura “prova que os interessados fizeram perante o funcionário a afirmação de que conviviam maritalmente desde certa data, mas não prova que seja verdadeira a afirmação”.
[3] Em idêntico sentido, o recente douto Acórdão do STJ de 10/12/2019 – Relator: Ilídio Sacarrão Martins, Processo nº. 249/18.0YPRT.S2, in www.dgsi.pt .