Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1994/17.2T8BRR.L1-4
Relator: PAULA SANTOS
Descritores: PRESCRIÇÃO
INTERRUPÇÃO
CITAÇÃO URGENTE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/11/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA
Sumário: I– O Autor não está obrigado a propor a acção em momento precedente ao 5º dia anterior ao prazo de prescrição atingir o seu termo, por forma a fazer funcionar o mecanismo da interrupção da prescrição constante do nº 2 do artigo 323.º do Código Civil. Deve fazê-lo por uma questão de cautela. Mas, não o fazendo, tal não significa que a citação do Réu não possa realizar-se ainda dentro do prazo prescricional em curso. Daí a pertinência da citação urgente.

II– Tendo o Autor instaurado a acção no antepenúltimo dia precedente ao prazo prescricional, às 18.39 horas, com pedido de citação urgente, que foi deferido no dia seguinte, e distribuído para cumprimento nesse dia, realizando-se a citação após o decurso do prazo prescricional, atendendo ao horário de funcionamento das Secretarias Judiciais, e ao horário de trabalho dos funcionários judiciais (cfr. art 2º nº1 da Lei 66/2013 de 29 de Agosto e despacho do Director Geral a propósito da referida Lei), o facto de a citação não ser levada a efeito na véspera do termo do prazo prescricional, não pode ser atribuído a negligência dos Serviços, antes da própria parte, que, acautelando-se, deveria ter instaurado a acção mais cedo, de preferência observando o prazo a que se refere o artigo 323º nº 2 do C. Civil, ou, pelo menos, com a antecedência mínima razoável para permitir a citação anterior à preclusão do prazo em curso.

(Sumário elaborado pela relatora)

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa.


I–Relatório:


AAA instaurou a presente acção declarativa de condenação, a seguir a forma de processo comum, contra BBB e CCC, pedindo o reconhecimento da existência de um contrato de trabalho entre eles, e a condenação dos Réus a pagarem-lhe a quantia de 4.870,34€, a título de créditos laborais e indemnização por ilicitude do despedimento, bem como 2.000€, a título de danos não patrimoniais e ainda as retribuições que deixou de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão que declare a ilicitude do despedimento.

Alega, em síntese, que foi contratado pelos Réus em 01-01-2014, com a categoria de empregado de mesa, no estabelecimento por eles explorado, tendo desempenhado ininterruptamente tais funções até ao dia 24 de Maio de 2016, data em que foi impedido de entrar no estabelecimento comercial onde desempenhava funções , o que consubstanciou um despedimento ilícito.

Pede seja realizada a citação urgente dos Réus.
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Foi ordenada a citação urgente no dia 25-05-2017 e a mesma foi realizada no dia 30-05-2017.
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Foi realizada audiência de partes, não sendo possível a sua conciliação.
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Os Réus contestaram, o que fizeram desde logo  invocando a excepção de prescrição dos créditos laborais peticionados, alegando que decorreu mais de um ano sobre a ocorrência dos factos e considerando a data em que foram citados.
Defende-se também por impugnação.
Concluem pela improcedência da acção.
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Foi proferido despacho saneador, que conheceu da excepção de prescrição, julgando-a verificada, e absolveu os Réus do pedido.

É a seguinte a fundamentação da decisão:
“(…)
No caso concreto, tendo em consideração a cessação do contrato, ocorrida no dia 24-05-2016, o prazo de um ano e um dia ocorre a 25-05-2017.
Os RR. foram citados em data posterior a esta data pelo que a prescrição não se interrompeu com a citação.
Mas será que tem aplicação o n.º 2 do mesmo artigo, devendo considerar-se interrompida a prescrição?
Diz o referido n.º 2 que assim acontece se a citação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente.
Deste normativo resulta que a citação urgente tem de ser requerida 5 (cinco) dias antes do decurso do prazo prescricional, com o objectivo de interromper a prescrição.
Como é referido no Ac. do STJ de 20-06-2012 (P. 347/10.8TTVNG.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt): “(…) Como já se disse, o efeito interruptivo estabelecido naquele nº2 do art. 323º pressupõe a concorrência de três requisitos:
- que o prazo prescricional ainda esteja a decorrer e assim se mantenha nos cinco dias posteriores à propositura da acção;
- que a citação não tenha sido realizada nesse prazo de cinco dias;
- que o retardamento na efectivação desse acto não seja imputável ao A.”.
No caso dos autos, falha desde logo a aplicação do primeiro requisito, pois o prazo prescricional não se manteve a decorrer nos 5 dias posteriores à propositura da acção, já que terminou no dia 25 de Maio de 2017, ou seja, um dia após a propositura da acção.
Por conseguinte, importa concluir que o n.º 2 do art. 323.º do CC não tem aplicação e que a prescrição não se interrompeu no dia 25 de Maio de 2017, tendo antes o prazo de prescrição ficado completo em tal data, ou seja prescreveu nesse dia o direito do autor de exigir os créditos de que se arroga na presente acção.
(…)
Assim sendo, mostrando-se completado o prazo de prescrição do direito invocado e sendo certo que se trata de uma prescrição extintiva, assiste aos RR., obrigados à satisfação dos direitos invocados, o direito de recusarem o cumprimento das prestações em relação às quais o autor pretendia, por via da presente acção, ver declarado o seu direito (a verificação da prescrição extintiva significa a conversão a obrigação civil em obrigação natural, com o devedor a poder recusar o cumprimento da prestação ou opor-se, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito).
Em face do exposto, e atendendo ao preceituado nos artigos 576º, 579º, e 595º do C.P.Civil, aplicáveis ex vi do art. 1º, n.º 2a) do C.P.Trabalho, julgo verificada a excepção de prescrição e consequentemente e absolvo os RR. E...A...L... e C...A...R...G... do pedido contra si formulado pelo Autor.
***

Inconformado, o Autor interpôs recurso, concluindo que
1.Foi, atempadamente, requerida pelo Recorrente a citação urgente dos RR. a ser efetuada por oficial de justiça;
2.O Tribunal proferiu despacho de admissão de citação urgente dos RR ainda no decurso do prazo prescricional, o qual apenas terminaria pelas 23:59:59 horas do dia 25 de Maio de 2017;
3.Ora, foi emitido mandado de citação por Oficial de Justiça igualmente no decurso do prazo prescricional.
4.Entendeu, no entanto, o Douto Tribunal a quo aplicar in casu o disposto no nº 2 do artigo 323º do Código Civil nos termos do qual “Se a citação ou notificação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias”, considerando que citação urgente teria que ser requerida cinco dias antes do termo do prazo prescricional.
5.Ora, fazer depender a interrupção da prescrição, requeira-se ou não a citação urgente, nos termos do n.º 2 do artigo 323.º do Código Civil, esvazia de utilidade jurídica a figura da citação urgente.
6.Cite-se o sumário do Acórdão da Relação de Évora, de 18/09/2007, no processo nº 1785/07-2, segundo o qual “I. A não efectivação da citação no prazo de cinco dias, após ter sido requerida, só se pode considerar imputável ao requerente se este infringir alguma obrigação legalmente imposta para a formulação do respectivo pedido. II. A lei, não exige ao requerente, uma diligência excepcional exigindo-lhe apenas que requeira a citação cinco dias antes do decurso do prazo prescricional e que cumpra as obrigações legalmente impostas para a formulação do respectivo pedido, pelo que não é exigível, nesta situação, que se utilize o mecanismo da citação urgente prevista no art. 478º do Código de Processo Civil. III. A citação urgente deve sim ser  utilizada, nos casos em que o Autor requeira a citação sem respeitar o prazo de cinco dias a que se refere o art. 323º nº2 do Código Civil.”
7.Pelo que, salvo melhor entendimento, ocorreu a interrupção da prescrição, não podendo ser imputável ao Recorrente o atraso dos serviços internos do Tribunal, devendo a sentença recorrida ser revogada.
Nestes termos e nos demais de Direito que, V. Exas. mui doutamente suprirão, deverá ser admitido o presente recurso, devendo ser revogada a sentença recorrida que decidiu pela prescrição dos créditos laborais. ASSIM DECIDINDO FARÃO A ACOSTUMADA JUSTIÇA!”
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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A Exma Procuradora-Geral Adjunta, junto deste Tribunal da Relação, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso, alegando que a interrupção do prazo de prescrição só se opera se acção tiver sido proposta cinco dias antes do términus do prazo e tiver sido requerida a citação urgente, o que não se verifica no caso concreto, em que o terminus do prazo ocorria e ocorreu no dia seguinte ao da entrada da petição, não se tendo interrompido o prazo prescricional.
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Os autos foram aos vistos aos Exmos Desembargadores Adjuntos.

Cumpre apreciar e decidir
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II–Objecto
A única questão a decidir, considerando as conclusões
apresentadas, é a de saber se se verifica a prescrição dos créditos reclamados pelo Autor na presente acção.
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III–Fundamentação de Facto.
São os seguintes os factos considerados provados pela primeira instância, considerando ainda este Tribunal os dados fornecidos a fls 17, 18 e 21 dos autos, para aditar os factos 4.A e 4.B e a hora a que entrou a presente acção, no facto descrito sob o nº4:
1.– O Autor celebrou com os Réus acordo verbal para prestação das funções de empregado de mesa, no estabelecimento comercial explorado pelos Réus, com início em 01- 01-2014.
2.– No dia 24-05-2016 os Réus procederam à cessação do acordo indicado em 1).
3.– O Autor intentou a presente acção em 24-05-2017 às 18.39 horas, pedindo a condenação dos Réus a pagarem-lhe a quantia de €6.870,34, correspondendo a quantia de €4.870,34 a créditos laborais e indemnização por ilicitude do despedimento, e a quantia de €2.000,00 de indemnização por danos não patrimoniais.
4.– O Autor pediu a citação urgente dos Réus  e que a mesma fosse realizada por oficial de justiça.
4.– A. Foi proferido despacho a ordenar a citação prévia no dia 25-05-2017. Aditado conforme despacho supra
4.– B. O expediente para cumprimento do despacho referido em 4.A deu entrada na Secção Central às 16.01 horas do dia 25-05-2017. Aditado conforme despacho supra
5.– Os RR. foram citados em 30-05-2017.
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IV–Apreciação do Recurso.
O Autor, em abono da tese de que não ocorreu a prescrição dos créditos laborais  que reclama na presente acção, defende que, ainda no decurso do prazo prescricional, foi proferido despacho de admissão da citação urgente, e que o tribunal a quo, ao fazer depender a interrupção da prescrição, requeira-se ou não a citação urgente, dos termos do nº 2 do artigo 323º do C.Civil, esvazia de utilidade jurídica esta figura da citação urgente, sendo certo que o atraso dos serviços internos do tribunal não lhe pode ser imputável.

Vejamos.

Nos termos do artigo 337º nº1 do CT “O crédito de empregador ou de trabalhador emergente de contrato de trabalho, da sua violação ou cessação prescreve decorrido um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho.” (sic)

A prescrição é uma forma de extinção da obrigação, provocada pelo decurso do tempo sobre os direitos subjectivos. Faz cessar a exercitabilidade destes direitos.

Os créditos laborais são imprescritíveis na vigência da relação de trabalho, fixando a lei como termo inicial do prazo prescritivo o dia seguinte à data em que cessou o contrato de trabalho.

Dado que o contrato de trabalho a que se referem os autos cessou em 24-05-2016, por aplicação da referida norma legal, o prazo prescricional de um ano iniciou-se no dia 25-05-2016, o que significa que terminou às 24 horas do dia 25-05-2017, considerando-se os créditos prescritos às 00.00 horas do dia 26-05-2017.

O Autor instaurou a presente acção no dia 24-05-2017 às 18.39 horas e requereu a citação urgente da Ré, face à iminência da prescrição dos créditos que reclama[1].

O tribunal ordenou, a 25-05-2017, a citação urgente, a qual foi levada a efeito no dia 30-05-2017.

O art. 323º nº1 do C.Civil, que se refere à interrupção da prescrição promovida por qualquer titular[2], determina que “A prescrição interrompe-se pela citação ou notificação de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente.
2- Se a citação ou notificação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias.” (sic)

Daqui resulta que o prazo prescricional apenas pode ser interrompido pela citação ou notificação do devedor.

Por outro lado, este preceito apenas tem aplicação às situações em que não decorreu ainda o prazo prescricional, e não àquelas em que a prescrição já se verifica, pois não pode ser interrompido um prazo já esgotado.

Os Réus vieram a ser citados em 30-05-2017 quando o prazo prescricional já decorrera.

Vejamos se a propositura da acção cumpriu os requisitos que subjazem à interrupção da prescrição, face ao disposto no art. 323º nº2 do C.Civil, ou seja, se guardou cinco dias a partir dessa data da propositura da acção e antes de perfazer o prazo prescricional.

A acção deu entrada em juízo em 24-05-2017 às 18.39 horas.
A lei – art. 279º b) do C.Civil – determina que “[N]a contagem de qualquer prazo não se inclui o dia, nem a hora, se o prazo for de horas, em que ocorrer o evento a partir do qual o prazo começa a correr,” (sic)

E assim sendo, e dado que a lei considera a prescrição interrompida logo que decorram os cinco dias, apenas às 24.00 horas do 5º dia se dá a interrupção.

No presente caso, tendo a acção entrado em juízo no dia 24-05-2017, iniciando-se o prazo dos cinco dias apenas no dia 25-05-2017, esses cinco dias decorreram às 24 horas do dia 29-05-2017, quando a prescrição já ocorrera.

Contudo, cumpre atentar que o Autor, aquando da apresentação da sua p.i., requereu a citação prévia.

Na verdade, o Autor não estava obrigado a propor a presente acção em momento precedente ao 5º dia anterior ao prazo de prescrição atingir o seu termo, por forma a fazer funcionar o mecanismo da interrupção da prescrição constante do nº 2 do artigo 323.º do Código Civil. É claro que a parte deve fazê-lo por uma questão de cautela. Mas, não o fazendo, tal não significa que a citação do Réu não possa realizar-se ainda dentro do prazo prescricional em curso. Daí a pertinência da citação urgente, que aliás foi ordenada. Como se assinala do acórdão desta Relação e Secção de 18-11-2015[3], “[S]e assim fosse … a figura da citação urgente, ou seja, prévia à distribuição dos autos (ainda que tal regra, com a distribuição eletrónica e processamento eletrónico dos processos, possa ter perdido grande parte da sua razão de ser) e com a tramitação prevista nos artigos 137.º, n.ºs 1 e 2, 138.º, n.º 1, 156.º, n.ºs 1 e 3 e 162.º, n.º 1, 226.º, 561.º e 562.º do NCPC, deixaria de ter conteúdo útil ou apenas muito residual, propósito que seguramente não esteve na mente do legislador quanto criou tal instituto processual (cfr. artigo 9.º, n.º 3 do Código Civil).” (sic)

A realização da citação prévia assume carácter urgente. No entanto, o Autor peticionou a realização de tal acto às 18.39 horas do dia 24 de Maio de 2017, portanto, quando o Tribunal já encerrara os seus serviços, quando é certo que a prescrição ocorreria às 00.00 horas do dia 26 desse mês e o Autor não desconhecia que o processo teria de ir a despacho ao juiz e depois ser encaminhado para cumprimento do ordenado. Assim foi: foi despachado no dia 25 de Maio e logo encaminhado para cumprimento, dando entrada na Secção Central, para o efeito, às 16.01 horas desse mesmo dia.

Atendendo ao horário de funcionamento das Secretarias Judiciais, e ao horário de trabalho dos funcionários judiciais (cfr. art 2º nº1 da Lei 66/2013 de 29 de Agosto e despacho do Director Geral a propósito da referida Lei), o facto de a citação não ser levada a efeito nesse mesmo dia 25 de Maio não pode ser atribuído a negligência dos Serviços, antes da própria parte, que, acautelando-se, deveria ter instaurado a acção mais cedo, de preferência observando o prazo a que se refere o artigo 323º nº 2 do C. Civil, ou, pelo menos, com a antecedência mínima razoável para permitir a citação anterior à preclusão do prazo em curso.
Em face do exposto, cumpre concluir ter ocorrido a excepção peremptória de prescrição invocada pelos Réus.
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V–Decisão
Face a todo o exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente o recurso interposto por AAA, e, em consequência, mantêm a sentença recorrida.
Custas a cargo do recorrente.



Lisboa, 11.04.2018



(Paula de Jesus Jorge dos Santos)
(1ª adjunta – Paula Sá Fernandes)
(2º adjunto – José Feteira)
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[1]Artigo 561º do CPC “Citação urgente
1.O juiz pode, a requerimento do autor, e caso o considere justificado, determinar que a citação seja urgente.
2.A citação declarada urgente tem prioridade sobre as restantes, nomeadamente no que respeita à realização de diligências realizadas pela secretaria nos termos do artigo seguinte” (sic)
[2]Inutilizando o tempo anteriormente decorrido e começando a correr novo prazo – cfr. art. 326º do CC.
[3]Processo 1361/14.0T8LSB.L1-4.