Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2027/17.4TXLSB-A.L1-5
Relator: ARTUR VARGUES
Descritores: CANCELAMENTO DE REGISTO CRIMINAL
AQUISIÇÃO DE NACIONALIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/11/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: – O cancelamento do registo criminal e a concessão da nacionalidade são duas questões que se colocam em momentos diferentes e perante entidades diversas. Uma precede a outra.

– Sendo a finalidade de aquisição da nacionalidade portuguesa legalmente admissível, “não é legítimo restringir a possibilidade de recurso ao processo de cancelamento das condenações no registo criminal quando o certificado se destina a obter a nacionalidade portuguesa, pois esse é um fim legalmente permitido para efeitos do disposto no art. 229º, nº 1, do Código de Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade”
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.


I–RELATÓRIO:


1.–Nos autos com o nº 2027/17.4TXLSB-A, do Tribunal de Execução das Penas de Lisboa – Juiz 2, foi proferida decisão, aos 07/05/2018, que determinou o cancelamento provisório do registo criminal, para o fim de requerer a obtenção da nacionalidade portuguesa, das sentenças proferidas nos Procs. nº 1268/02.3PCALM, do actual Juízo Local Criminal de Almada – Juiz 1 e 1553/08.0PAALM, do actual Juízo Local Criminal do Seixal – Juiz 2, em que foi condenado C. .


2.–O Ministério Público não se conformou com o teor da decisão e dela interpôs recurso, apresentando as seguintes conclusões (transcrição):

1.O requerente C. , através do requerimento de fls. 2, veio requerer, para a finalidade de obtenção da nacionalidade portuguesa, o cancelamento das condenações que se mostram averbadas no seu certificado de registo criminal, a saber, no PCS n.º 1268/02.3PCALM e no PCS n.º 1553/08.0PAALM, nos quais foi condenado, respetivamente:
a)- por decisão judicial de 05/02/2009, transitada a 29/05/2009, pela prática, em 01/08/2002, de um crime de ofensa à integridade física, p. e p. pelo Art. 143º n.º 1 do C. Penal, na pena de 260 dias de multa.
b)- por decisão judicial de 19/10/2010, transitada a 18/11/2010, pela prática, em 25/11/2008, de um crime de ofensa à integridade física, p. e p. pelo Art. 143º n.º 1 do C. Penal, na pena de 90 dias de multa.
2.As penas referidas em 1. a) e b) foram declaradas extintas, em 29/05/2013 e em 09/04/2015.
3.Nos processos referidos em 1. não foi fixada obrigação de indemnizar.
4.De acordo com informação policial e relatório da DGRSP carreados para os Autos, nada desabona o requerente.
5.O Código de Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade, aprovado pela Lei n.º 115/2009, de 12/10, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 40/2010, define no seu Art. 229º, n.º 1 as situações em que pode ser requerido o cancelamento provisório do registo criminal.
6.Embora, não esteja na lei indicado, taxativamente, o caso de pedido de aquisição de nacionalidade, afigura-se-nos que tal pedido pode caber na expressão usada nesse preceito “…ou para quaisquer outros fins legalmente permitidos, ...”.
7.Impõe-se saber se, “in casu”, existem ou não obstáculos legais que impeçam a satisfação do requerido e deferido.
8.Afigura-se-nos que, sim, face à Lei da Nacionalidade – Lei n.º 37/81, de 03/10, com as alterações da Lei n.º 25/94, de 19/08, Decreto-Lei n.º 322-A/2001, de 14/12, Lei n.º 1/2004, de 15/01 e Lei n.º 2/2006, de 17/04 –.
9.Com efeito, a Lei da Nacionalidade no seu Art. 6º n.º 1 faz referência aos requisitos gerais que, cumulativamente, devem estar preenchidos para que a um estrangeiro possa ser concedida a nacionalidade portuguesa.
10.Entre esses requisitos sobressai para o caso, em apreço, o da al. d), do n.º 1 do dito Art. 6º o qual estipula: “Não terem sido condenados, com trânsito em julgado da sentença, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a 3 anos, segundo a lei portuguesa”.
11.Sucede que os crimes referidos em 1. são punidos, em abstrato, com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.
12.Desde logo, se verifica que os crimes, em referência, não são puníveis com pena de prisão inferior a 3 anos, patamar esse que, como veremos mais à frente, não constituirá impedimento a que a um cidadão estrangeiro, verificados os demais requisitos estabelecidos no Art. 6º da dita Lei, se coloque em condições de obter a nacionalidade, por naturalização, diferentemente do que sucede no patamar exigido pela referida al. d) n.º 1 do Art. 6º do citado diploma.
13.Estando suficientemente comprovada a falta, de um dos requisitos para que a um estrangeiro possa ser concedida a nacionalidade portuguesa, em momento, oportuno, a fls. 36- 37, exarámos parecer desfavorável ao pedido do requerente, de modo a evitar-se a prática de atos processuais reputados de inúteis.
14.Porém, os Autos prosseguiram, sendo que o tribunal “ a quo”, a fls. 38, estribando-se no entendimento de que, tendo presente os requisitos cumulativos exigidos pelo Art. 12º da Lei n.º 37/2015, de 05/05 – a saber: a) tenham sido declaradas extintas as penas aplicadas, b) bom comportamento do requerente com a sua readaptação à vida social e c) o cumprimento da obrigação de indemnizar o ofendido – conjugados com o nos n.ºs 5 e 6 do Art. 10º da citada lei, mormente, no segmento, “… para qualquer outra finalidade, …” essa qualquer outra finalidade inclui, também, a aquisição da nacionalidade.
15.Nesse trilho o tribunal “a quo” concluiu, ainda, que “dispondo a lei que o cancelamento pode ser decretado quando se trate de emitir um certificado para qualquer finalidade, não é legítimo restringir a possibilidade de cancelamento quando o certificado se destina a obter a nacionalidade portuguesa, pois esse é um fim legalmente permitido para efeitos do disposto no art. 229º, nº 1, do Código de Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade” (Sic e itálico nosso).
16.Afigura-se-nos que, salvo o devido respeito, que é muito, esta interpretação é precipitada e não consentânea lei.
17.Na verdade, se é certo que, face à factualidade referida de 1. a 4., o requerente preenche todos os requisitos previstos no Art. 12º da Lei n.º 37/2015, de 05/05, não é menos, que perante as condenações que sofreu nos PCS n.º 1268/02.3PCALM e PCS n.º 1553/08.0PAALM, pela prática de crimes puníveis com pena de prisão de máximo igual a 3 anos, inequivocamente, não preenche um dos requisitos para a aquisição da nacionalidade, o previsto na al. d), do n.º 1 do Art. 6º da Lei da Nacionalidade – Lei n.º 37/81, de 03/10, com as alterações da Lei 25/94, de 19/08, Decreto-Lei n.º 322-A/2001, de 14/12, Lei n.º 1/2004, de 15/01 e Lei n.º 2/2006, de 17/04 – razão pela qual o seu pedido deveria ter sido indeferido.
18.O tribunal “a quo”, na busca de encontrar diferençadas entre o regime antigo da Lei n.º 57/98, de 18/08, revogado pela Lei n.º 37/2015, de 05/05 – que, salvo melhor interpretação/entendimento, não permitem, as conclusões extraídas de que o texto legal hoje permite o cancelamento provisório, para outra finalidade incluindo, também, a aquisição da nacionalidade – não conciliou/articulou, como se lhe impunha, os pressupostos exigidos pelo Art. 12º da dita Lei e o restante ordenamento jurídico, mormente, com a al. d), do n.º 1 do Art. 6º da Lei da Nacionalidade, com a consequente violação de lei.
19.É pacífico, na jurisprudência, que o legislador, para efeitos de concessão de nacionalidade, por naturalização, estabeleceu como pressuposto a não condenação pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a 3 anos, desinteressando-se da pena, em concreto, aplicada/imposta.
20.Decorre da “ratio legis” do preceito que o legislador elegeu um patamar ou baliza de gravidade de infração penal, a partir do qual não ser de conceder o direito de naturalização.
21.Foi, precisamente, este patamar/baliza, ao arrepio da lei, que a decisão judicial objeto de recurso não considerou/atendeu e ignorou.
22.E não se diga, que “…não é legítimo restringir a possibilidade de cancelamento quando o certificado se destina a obter a nacionalidade portuguesa,…”, quando, na verdade, o legislador estabelece um patamar de gravidade de infração penal, que não oferece qualquer dúvida e não pode ser afastado, de todo, por via, de decisão judicial proferida em sede de cancelamento provisório do registo criminal.
23.Argumentar, pois, “in casu” com pretensa ilegítima restrição a possibilidade de cancelamento quando o certificado se destina a obter a nacionalidade portuguesa e ainda com pretensas dúvidas de conformidade constitucional – por o não deferimento do pedido formulado se traduzir em inadmissível entrave adicional à inserção social do cidadão que cumpriu a pena em que foi condenado – frise- se, salvo o devido respeito, que é muito, é pôr em causa a opção legislativa, em matéria de legislação sobre estrangeiros que, em boa verdade, não cabe ao julgador questionar e ainda pretender atribuir direitos que, manifestamente, o requerente não é titular e que a lei fundamental não tutela.
24.Aduza-se, ainda, que se o patamar for inferior a 3 anos de prisão, tal não constituirá impedimento a que a um cidadão estrangeiro, verificados os demais requisitos estabelecidos no Art. 6º da dita Lei, se coloque em condições de obter a nacionalidade, por naturalização e alcançará requerendo, eventual, cancelamento provisório, quando o certificado se destine a obter a nacionalidade.
25.Saliente-se, ainda, que tal baliza/patamar fixado pelo legislador não é caso único, em matéria de direito de estrangeiros.
26.Na verdade, no âmbito da Lei da Entrada, Permanência, Saída e Afastamento de Estrangeiros do Território Nacional - Lei n.º 23/2007, de 04/07 - aí, igualmente, se exige que, para efeitos de autorização de residência, a título temporário e renovação dessa mesma autorização, nos termos dos Art. 77º n.º 1 al. g) “Ausência de condenação por crime em Portugal punível com pena privativa de liberdade de duração superior a um ano” , Art. 78º n.º 2 al. d) “ Não tenham sido condenados em pena ou penas que, isolada ou cumulativamente, ultrapassem um ano de prisão, ainda que, no caso de condenação por crime doloso previsto na presente lei ou com ele conexo ou por crime de terrorismo, por criminalidade violenta ou por criminalidade especialmente violenta ou altamente organizada, a respetiva execução tenha sido suspensa.”
27.Também, aí, o legislador estabeleceu um patamar, desta feita, de 1 ano de prisão, que tem de ser observado pelo intérprete/julgador.
28.O direito à nacionalidade, o direito a autorização de residência e renovação dessa, a conferir a cidadãos estrangeiros, face ao ordenamento jurídico vigente, só pode ser alcançado se estes, entre outros requisitos legais, revelarem ausência de antecedentes criminais, no quadro dos patamares supras referidos.
29.E bem se compreende, face às necessidades de segurança interna, a que o cidadão anónimo e a sociedade, no seu todo, exigem que o legislador preserve.
30.Tais necessidades, à data de publicação da Lei da Nacionalidade e demais alterações, impunham-se, sendo que hoje estão na ordem do dia, face a eventos históricos de todos conhecidos, no espaço da União Europeia.
31.Com efeito, tais direitos conferem ao seu titular uma multiplicidade de direitos, por sua vez conexos a outros, inerentes à qualidade de cidadãos dos respetivos países onde se integram, por via da naturalização e autorização de residência.
32.A entender-se como o decidido, por via do cancelamento provisório de registo criminal, o julgador poderia pôr em causa necessidade de segurança interna que não são de todo o seu terreno de trabalho, o qual se deve cingir à salvaguarda dos direitos, liberdades e garantias de todos os cidadãos e defesa da lei.
33.O cancelamento provisório do registo criminal, de condenação como à do requerente, para efeitos de trabalho, face ao quadro legal vigente, desde que, observados os requisitos do Art. 12º da Lei n.º 37/2015, de 05/05, não constitui qualquer óbice, sendo que o mesmo poderá levar uma vida de normalidade, bem como a sua família, em plena integração na sociedade portuguesa, como tudo aponta que leva.
34.Distinta é a situação de pretender alcançar o direito à nacionalidade, por via da naturalização, através do cancelamento provisório do registo criminal, o qual lhe está vedado, pelo menos até ao cancelamento definitivo do registo criminal, nos termos do Art. 11º da Lei n.º 37/2015, de 05/05.
35.Pelo exposto, o tribunal “a quo” violou o disposto conjugado nos Arts. 9º n.ºs 1 e 3 do C. Civil, 229º, n.º 1, 230º n.º 2 do CEPMPL, 6º, n.º 1, al. d), da Lei da Nacionalidade – Lei n.º 37/81, de 03/10, com as alterações da Lei 25/94, de 19/08, Decreto- Lei n.º 322-A/2001, de 14/12, Lei n.º 1/2004, de 15/01 e Lei n.º 2/2006, de 17/04 – 10º, n.ºs 5, 6 e 12º da Lei n.º 37/2015, de 05/05.
36.A decisão judicial impugnada deve ser revogada e substituída por outra que indefira o cancelamento provisório do registo criminal, para fins de obtenção da nacionalidade portuguesa, das decisões judiciais condenatórias proferidas no PCS n.º 1268/02.3PCALM e no PCS n.º 1553/08.0PAALM.

3.– C. , requerente do cancelamento provisório do registo criminal das aludidas sentenças em que foi condenado, apresentou resposta à motivação de recurso, concluindo pela manutenção do decidido.

4.– Nesta Relação, a Exmª Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.

5.– Foi dado cumprimento ao disposto no artigo 417º, nº 2, do CPP, sendo apresentada resposta por Carlos Henriques Alberto em que reitera o já explicitado na resposta à motivação de recurso.

6.– Colhidos os vistos, foram os autos à conferência.

Cumpre apreciar e decidir.

II–FUNDAMENTAÇÃO.

1.– Âmbito do Recurso.

O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, havendo ainda que ponderar as questões de conhecimento oficioso – neste sentido, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 2ª edição, Editorial Verbo, pág. 335; Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª edição, Edições Rei dos Livros, pág. 103, Ac. do STJ de 28/04/1999, CJ/STJ, 1999, tomo 2, pág. 196 e Ac. do Pleno do STJ nº 7/95, de 19/10/1995, DR I Série A, de 28/12/1995.

No caso em apreço, atendendo às conclusões da motivação de recurso, a questão que se suscita é a de saber se existe fundamento legal para o deferimento pelo Juiz de Execução das Penas do pedido de cancelamento provisório do registo criminal efectuado por C. , para o fim de requerer a obtenção da nacionalidade portuguesa, das decisões judiciais condenatórias proferida nos NUIPC 1268/02.3PCALM e 1553/08.0PAALM.

2.– Elementos relevantes para a decisão

2.1- Aos 14/11/2017, impetrou C.  o cancelamento provisório do registo criminal das condenações que sofreu nos NUIPC 1268/02.3PCALM, do actual Juízo Local Criminal de Almada – Juiz 1 e 1553/08.0PAALM, do actual Juízo Local Criminal do Seixal – Juiz 2.

2.2- No Proc. nº 1268/02.3PCALM, do actual Juízo Local Criminal de Almada – Juiz 1, foi condenado, por sentença de 05/02/2009, transitada em julgado aos 29/05/2009, na pena de 260 dias de multa, à razão diária de 5,00 euros, pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo artigo 143º, nº 1, do Código Penal. A pena foi declarada extinta em 23/04/2014.

2.3- No Proc. nº 1553/08.0PAALM, do actual Juízo Local Criminal do Seixal – Juiz 2, foi condenado, por sentença de 19/10/2010, transitada em julgado aos 18/11/2010, na pena de 90 dias de multa, à razão diária de 5,00 euros, pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo artigo 143º, nº 1, do Código Penal. A pena foi declarada extinta em 11/06/2015.

2.4- Tem o seguinte teor a decisão recorrida (transcrição):

I–Relatório
C., nascido a 21.02.1983, na República Democrática do Congo, de nacionalidade angolana, filho de H. e de M. veio pedir o cancelamento provisório das decisões constantes do seu registo criminal, para efeitos de aquisição da nacionalidade portuguesa.
Juntou certificado de registo criminal e, a solicitação deste Tribunal, certidões das decisões condenatórias.
Foi requisitada cópia da ficha biográfica e elaborado relatório pelos serviços de reinserção social.
Solicitou-se às autoridades policiais da área de residência do requerente informação sobre o seu comportamento social e eventual prática de actos ilícitos.
Finda a instrução dos autos, o Ministério Público emitiu parecer desfavorável à pretensão do Requerente.

II–Fundamentação
2.1.Os factos
Atentos os documentos juntos aos autos e as informações recolhidas, consideram-se demonstrados os seguintes factos:
2.1.1.-O ora Requerente foi condenado por decisão de 05.02.2009, transitada em julgado a 29.05.2009, proferida no processo nº 1268/02.3PCALM, do actual Juízo Local Criminal de Almada, pela prática, em 01.08.2002, de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo art. 143º, nº 1, do Código Penal, na pena de 260 dias de multa (fls. 4 e 34).
2.1.2.-Por despacho de 23.04.2014, foi declarada extinta a pena identificada em 2.1.1. (fls. 5, 2º boletim).
2.1.3.-Por decisão de 19.10.2010, transitada em julgado a 18.11.2010, proferida no processo nº 1553/08.0PAALM, do actual Juízo Local Criminal do Seixal, o Requerente foi condenado pela prática, em 25.11.2008, de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo art. 143º, nº 1, do Código Penal, na pena de 90 dias de multa (fls. 6 e 20).
2.1.4.-Por despacho de 11.06.2015, foi declarada extinta a pena referida em2.1.3. (fls. 7).
2.1.5.-Segundo os serviços de Reinserção Social, o Requerente viveu em Angola, junto do progenitor e respectiva família paterna, até aos 13 anos de idade, onde frequentou a escola até ao 6º ano de escolaridade; emigrou para Portugal na companhia de uma familiar, instalando-se no Laranjeiro, localidade onde tinha outros familiares anteriormente emigrados; ingressou no sistema regular de ensino, prosseguindo os estudos até ao 11º ano de escolaridade e concluindo um curso de formação de electricidade; iniciou a primeira relação de namoro e, face a uma gravidez não planeada, deixou de estudar para iniciar actividade laboral, sendo pai aos 19 anos de idade; a descrita relação amorosa perdurou até 2008 e teve outra filha; de dois outros relacionamentos não consistentes teve dois outros filhos.
2.1.6.-Começou por trabalhar na construção civil; posteriormente trabalhou numa empresa de preparação de viaturas, na área das lavagens, actividade que manteve nos anos seguintes; vive com a namorada, laboralmente activa, e o filho mais velho, presentemente com 16 anos de idade, estudante; reside em habitação social que lhe foi atribuída pelo Município de Almada e trabalha há 5 anos na C., é descrito como um trabalhador responsável e prestativo, encontrando-se em situação de efectividade; ocupa parte do tempo livre com colegas de trabalho, com os quais pratica futebol; o restante tempo livre é passado com a família e outros amigos.
2.1.7.-Segundo os aludidos serviços, as condenações não se afiguram demonstrativas de uma trajectória criminal, antes parecendo constituir incidentes isolados, alegando o Requerente que os factos ocorreram em período caracterizado por certa imaturidade e inconstância comportamental da sua parte.

2.2.O Direito
2.2.1.- Do teor do certificado de registo criminal resulta que as penas referidas em 2.1. se mostram extintas.
O Requerente não praticou novos factos com relevo criminal e nada indicia que não se mostre inserido na sociedade, sendo que o relatório social conclui no sentido de ser razoável supor que se encontra readaptado.
Não foi fixada obrigação de indemnizar.
Por isso, mostram-se reunidos os requisitos legais necessários ao deferimento do requerido.
2.2.2.- Sucede que o Digno Magistrado do Ministério Público emitiu parecer desfavorável ao pretendido cancelamento provisório do registo, em virtude do pedido ser instrumental da aquisição da nacionalidade portuguesa.
No entender do Ministério Público, falta um dos requisitos para que um estrangeiro possa adquirir a nacionalidade portuguesa, por a al. d) do nº 1 do art. 6º da Lei nº 37/81, de 3/10, exigir a não condenação, com trânsito em julgado, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a 3 anos, segundo a lei portuguesa.
Efectivamente, a Lei nº 37/81, de 3/10, veda a aquisição da nacionalidade portuguesa ao cidadão estrangeiro que tenha sido condenado, por sentença transitada em julgado, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a três anos, segundo a lei portuguesa.
Tal disposição dirige-se tanto ao cidadão requerente como à entidade competente para a concessão da nacionalidade, que não é este Tribunal.
Sucede que o processo de cancelamento provisório do registo criminal visa precisamente reabilitar o cidadão, seja ele nacional ou estrangeiro, que foi condenado pela prática de um crime.
A finalidade do processo é o cancelamento do registo referente a essa condenação.
Se se deferir a respectiva pretensão, do registo já não constará a condenação.
Portanto, o cancelamento do registo criminal e a concessão da nacionalidade são duas questões que se colocam em momentos diferentes e perante entidades diversas. Uma precede a outra.
No caso dos autos, o que releva é apenas o primeiro momento: em sede de processo judicial no TEP, perante um concreto pedido deduzido para uma certa finalidade (que tem de ser indicada no requerimento inicial), tem de se apurar se é admissível o cancelamento provisório do registo da condenação para aquela finalidade. Repare-se que o TEP não é o destinatário do certificado do registo criminal, designadamente não é a entidade que tem de apreciar se existem inibições, interdições ou incapacidades em virtude da prática de crime, as quais vedam o acesso a actividades, profissões, funções, estatutos, etc. Na fase em que o TEP intervém o certificado do registo criminal contém sempre a menção à condenação cujo cancelamento se pretende.
O que o TEP tem de apurar, nessa fase, é se existe alguma disposição que impeça o requerente de recorrer (sublinha-se a expressão recorrer) ao processo de cancelamento provisório do registo criminal para a concreta finalidade indicada no requerimento inicial.
Ora, salvo o devido respeito, que é muito, não se vislumbra que actualmente exista qualquer obstáculo legal ao requerido cancelamento.
Com efeito, no âmbito da Lei nº 57/98, de 18/8, era permitido, em princípio, o cancelamento do registo criminal para qualquer fim, mas o art. 16º, nº 1, ressalvava “sem prejuízo do disposto nos nºs 2 e 3 do artigo 11º”. Significava isto que nos casos previstos nos nºs 2 e 3 do artigo 11º não era admissível o cancelamento do registo criminal, existindo portanto um obstáculo legal à formulação de um pedido de cancelamento “nos casos em que, por força de lei, exija ausência de quaisquer antecedentes criminais ou apenas de alguns para o exercício de determinada profissão ou actividade”.
Porém, a Lei nº 57/98, de 18/8, foi revogada pelo art. 46º, nº 1, da Lei nº 37/2015, de 5 de Maio, e actualmente não existe qualquer obstáculo legal a que seja pedido o cancelamento para qualquer finalidade, sem prejuízo do disposto na Lei nº 113/2009, de 17/9 (medidas de protecção de menores). Nos casos previstos na Lei nº 113/2009 é que existem obstáculos legais ao acesso/recurso ao processo de cancelamento provisório do registo criminal, mas não é esse o circunstancialismo que está em causa nestes autos.
Isso mesmo resulta expressamente do art. 12º da Lei nº 37/2015, de 5 de Maio, ao dispor que o tribunal de execução de penas pode determinar o cancelamento, total ou parcial, das decisões que dele deveriam constar, “estando em causa qualquer dos fins a que se destina o certificado requerido nos termos do nºs 5 e 6 do artigo 10º”, onde se descriminam as seguintes finalidades:
a)-Fins de emprego, público ou privado;
b)-Exercício de profissão ou actividade em Portugal;
c)-Exercício de qualquer profissão ou actividade para cujo exercício seja legalmente exigida a ausência, total ou parcial, de antecedentes criminais ou a avaliação da idoneidade da pessoa;
d)-Qualquer outra finalidade.
Portanto, dispondo a lei que o cancelamento pode ser decretado quando se trate de emitir um certificado para qualquer finalidade, não é legítimo restringir a possibilidade de recurso ao processo de cancelamento quando o certificado se destina a obter a nacionalidade portuguesa, pois esse é um fim legalmente permitido para efeitos do disposto no art. 229º, nº 1, do Código de Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade (enfatiza-se que o normal é o efeito da condenação se extinguir com o cumprimento da pena; o registo é um efeito da condenação que se prolonga para além do termo da pena e que tem na sua origem, no essencial, uma função de combate ao fenómeno da reincidência; é verdade que se foi alargando o leque das interdições e incapacidades a vigorar para o período posterior à extinção  da pena, mas não pode deixar de se ter em conta a excepcionalidade da situação, enquanto reminiscência do ferrete com que em outros tempos eram marcados no corpo, para sempre, os condenados).
III–Decisão
Assim, nos termos e pelos fundamentos expostos, defiro o requerido e determino o cancelamento provisório do registo criminal, para efeitos de requerer a aquisição da nacionalidade portuguesa, das decisões proferidas nos seguintes processos:
- 1268/02.3PCALM, do actual Juízo Local Criminal de Almada;
- 1553/08.0PAALM, do actual Juízo Local Criminal do Seixal.
Custas a suportar pelo Requerente, fixando-se a taxa de justiça em uma UC. Proceda-se ao pagamento do custo devido pela elaboração do relatório.
Registe, notifique e comunique.

Apreciemos.

No entender do recorrente, Ministério Público, estava vedado ao Tribunal de Execução das Penas conceder o impetrado cancelamento provisório do registo criminal, para o fim de obtenção da nacionalidade portuguesa, das decisão condenatórias retro mencionadas.

Aduz, em favor do seu entendimento, no essencial, que o impedia o estabelecido no artigo 6º, nº 1, da Lei da Nacionalidade – Lei nº 37/81, de 03/10 – que estabelece os requisitos gerais que devem estar preenchidos para que a nacionalidade portuguesa possa ser concedida a um estrangeiro, onde se inclui a não condenação, com trânsito em julgado da sentença, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a 3 anos, segundo a lei portuguesa, sendo certo que o requerente C. foi condenado pelo cometimento de crime punível com moldura penal máxima de 3 anos de prisão ou pena de multa.

Ora, como acertadamente se assinala na decisão revidenda “o cancelamento do registo criminal e a concessão da nacionalidade são duas questões que se colocam em momentos diferentes e perante entidades diversas. Uma precede a outra”.

Com efeito, conforme resulta do estabelecido no artigo 12º em conjugação com o consagrado nos nºs 5 e 6, do artigo 10º, da Lei nº 37/2015, de 05/05, é admissível o cancelamento provisório das decisões que deveriam constar do certificado de registo criminal requerido por pessoas singulares para o exercício de qualquer profissão ou actividade para cujo exercício seja legalmente exigida a ausência, total ou parcial, de antecedentes criminais ou a avaliação da idoneidade da pessoa, ou que sejam requeridos para qualquer outra finalidade, desde que tenham sido já declaradas extintas as penas aplicadas, o interessado se tiver comportado de forma que seja razoável supor encontrar-se readaptado e haja cumprido a obrigação de indemnizar o ofendido, justificado a sua extinção por qualquer meio legal ou provado a impossibilidade do seu cumprimento.

Quer dizer, o que se tem de apurar – o Tribunal da Execução das Penas, a quem compete a decisão - face ao pedido formulado de cancelamento é qual a finalidade pretendida e se estão preenchidos cumulativamente os enunciados requisitos, não constando do diploma legal mencionado a previsão de qualquer circunstância liminarmente impeditiva do requerimento de cancelamento provisório das decisões que deveriam constar do registo criminal.

E, nem na invocada Lei da Nacionalidade – Lei nº 37/81, de 03/10, na sua versão actualizada – se consagram quaisquer impedimentos a esse pedido, ao contrário do que entendeu o legislador estabelecer no artigo 4º, da Lei nº 113/2009, de 17/09 (medidas de protecção de menores), pois, como bem alumia o Sr. Juiz a quo, “nos casos previstos na Lei no 113/2009 é que existem obstáculos legais ao acesso/recurso ao processo de cancelamento provisório do registo criminal, mas não é esse o circunstancialismo que está em causa nestes autos.”

Ora, sendo a finalidade de aquisição da nacionalidade portuguesa legalmente admissível, “não é legítimo restringir a possibilidade de recurso ao processo de cancelamento quando o certificado se destina a obter a nacionalidade portuguesa, pois esse é um fim legalmente permitido para efeitos do disposto no art. 229º, nº 1, do Código de Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade”, como correctamente se entendeu na decisão revidenda.

Termos em que, cumpre negar provimento ao recurso.

III–DISPOSITIVO.

Nestes termos, acordam os Juízes da 5ª Secção desta Relação de Lisboa em negar provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público e confirmar a decisão recorrida.

Sem tributação.


Lisboa, 11 de Setembro de 2018

                                  
(Artur Vargues) – (Consigna-se que o presente acórdão foi elaborado e integralmente revisto pelo primeiro signatário – artigo 94º, nº 2, do CPP)
                                  
(Jorge Gonçalves)