Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
518/11.0TYLSB-H.L1-8
Relator: ISOLETA COSTA
Descritores: CADUCIDADE DA ACÇÃO
CONHECIMENTO OFICIOSO
VERIFICAÇÃO DE CRÉDITOS
DIREITOS INDISPONÍVEIS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/10/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: - Os direitos patrimoniais que estão em causa no âmbito do processo de insolvência são direitos disponíveis, livremente transigíveis entre as partes
- O prazo de caducidade a que alude o artigo 146ºnº 2 do CIRE não é de conhecimento oficioso uma vez que não estão em causa direitos indisponíveis, pelo que o seu conhecimento depende de arguição da parte conforme o artigo 333º nº 1 e 2 e 303º ambos do CC.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes da 8ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:

P , id. nos autos, interpôs a presente ação nos termos do art. 146º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, por apenso ao proc. nº 518/11.0TYLSB em que foi declarada a insolvência da sociedade T, Lda, requerendo seja verificado o crédito de € 35.217,98 relativo a créditos laborais.
Foi proferido despacho liminar de indeferimento, por intempestividade  cujo teor é essencialmente o seguinte:
 O art. 146º nº2 al. b) do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, na redação dada pela Lei nº 16/2012 de 20/04,  entrou em vigor em 20/05/2012  prescrevendo que a reclamação de novos créditos só pode ser feita no prazo de seis meses subsequentes ao trânsito em julgado da sentença de declaração de insolvência ou, sendo de constituição posterior (ao prazo de seis meses), no prazo de três meses subsequente à sua constituição.
Trata-se de um  prazo que não se suspendendo nas férias (cfr. arts. 328º nº1 do Código Civil e 144º nº1 do Código de Processo Civil).
O mesmo normativo na redacção em vigor à data da declaração da insolvência e à data do respetivo trânsito em julgado prescrevia para o mesmo efeito o prazo de um ano.
A sentença que decretou a insolvência  transitou em julgado no dia 16/02/12.
A presente ação deu entrada em juízo no dia 17 de Dezembro de 2012, ou seja, decorridos mais de seis meses a contar do trânsito em julgado da decisão que decretou a insolvência mas antes de um ano sobre a mesma data.
Nos termos do disposto no art. 297º nº1 do Código Civil a lei que estabelecer, para qualquer efeito, um prazo mais curto do que o fixado na lei anterior é também aplicável aos prazos que estiverem em curso, mas o prazo só se conta a partir da entrada em vigor da nova lei a não ser que, segundo a lei antiga, falte menos tempo para o prazo se completar.
Aplicando esta regra ao caso presente temos que a uma lei que fixava o prazo de um ano se sucedeu uma lei fixando um prazo de seis meses e que, à data da entrada em vigor da lei faltavam cerca de sete meses para o termo do prazo antigo. Assim sendo, nestes autos, a ação de verificação ulterior de créditos podia ser intentada até 20/11/12.
Por outro lado, como resulta do alegado, o crédito não é de constituição posterior a esse prazo.
Assim, quando a presente ação entrou em juízo já a A. tinha perdido o direito de intentar a ação.
Está em causa uma situação de caducidade de conhecimento oficioso nos termos do art. 333º nº1 do Código Civil, já que o processo de insolvência, após decretada a mesma é um processo em que os interesses em jogo ultrapassam os dos requerente e requeridos e que, consequentemente, respeitam a matéria excluída da disponibilidade das partes ( neste sentido Ac. STJ de 29 de Novembro de 2001, Agravo 3587/01, 7ª secção).
Deste despacho apelou o autor que lavrou as conclusões ao adiante:
A decisão recorrida merece reparo no que diz respeito ao prazo de caducidade, sem dúvidas que o prazo fixado no 146º, nº 2, al. b), do CIRE é um prazo de caducidade. E, como tal, está sujeito à aplicação do regime previsto no art.º 333º do Código Civil, que no seu n.º 2 refere que «se for estabelecida em matéria não excluída da disponibilidade das partes, é aplicável à caducidade o disposto no artigo 303º».
A verificação ulterior de créditos é  matéria de direitos disponíveis o que significa que o prazo  de caducidade da acção não é de conhecimento oficioso, não sendo de aplicação a disposição legal do n.º 1 do artigo 333º mas sim o n.º 2 do mesmo artigo do Código Civil, assim como os artigos 303º e 298º n.º 2 do Código Civil.
Acresce que a declaração da insolvência da T ora Apelada  transitou em julgado a 16 de fevereiro de 2012, data em que se, encontrava vigor o Decreto – Lei nº 53/04, de 18 Março com a alteração conferida pela Lei nº 185/2009, de 12 de Agosto, onde no seu artigo 146º, nº2 alínea b) se poderia ler que a acção de verificação ulterior de créditos “só pode ser feita no prazo de um ano subsequente ao trânsito em julgado da sentença da declaração de insolvência” o que permitia ao Apelante intentar a ação de verificação ulterior de créditos até 16 de fevereiro de 2013.
A nova lei ( Lei 16/2012) ao estabelecer na norma do artigo 146.º n.º2, um prazo mais curto (seis meses) não deve ser de aplicação imediata às situações jurídicos em curso,
Requer a revogação da decisão apelada.
Não houve resposta.
Objecto do processo:
São as  conclusões que delimitam o âmbito da matéria  conhecer sem prejuízo das questões  de conhecimento oficioso.
Nesta senda o recurso coloca duas questões:
Saber se a acção de verificação e ulterior reconhecimento de créditos é  matéria de direitos disponíveis contrariamente ao decidido pelo tribunal recorrido e como tal o prazo a que alude ao artigo 146º do CIRE não é de conhecimento oficioso, dependendo de arguição da parte artigo 333º nº 1 e 2 e 303º do CC.
Saber se estando em curso o prazo de um ano previsto no artigo 146 nº 2 do CIRE (red do dl 53/2004,  e faltando mais de seis meses para se completar o mesmo, deve ser aplicada a nova lei que reduziu o mesmo para seis meses ainda que o termo deste aconteça antes de decorrido aquele prazo de um ano mas considerando que à data da sua entrada em vigor ainda faltava sete meses para a conclusão do prazo em curso.
Fundamentação de facto:
Dão-se aqui por reproduzidos os factos constantes do relatório supra.
Fundamentação de direito:
a-
Quanto à natureza dos direitos em causa a acção a de verificação e ulterior reconhecimento de créditos a que alude ao artigo 146 do CIRE:
Indisponível” é o bem ou direito de que o respectivo titular não pode dispor, ou porque a lei determina que esse seja, temporária ou definitivamente, o seu regime, ou porque, por sua natureza, não é alienável – ut Ana Prata, Dicionário Jurídico, pg. 541.
Indisponíveis”, no sentido apontado, são as normas de interesse e ordem pública, posto que reguladoras de interesses gerais e considerados fundamentais da colectividade – são inderrogáveis por convenção das partes.
Não dispor de um direito é não poder transigir sobre ele, como é o caso, do direito ao divórcio, o direito à vida, e todos os direitos ligados à personalidade e filiação.
Nos autos estamos no domínio de direitos patrimoniais livremente disponíveis pelos titulares que podem transigir sobre os mesmos como melhor entenderem, ou não.
No caso não está em discussão qualquer interesse ou direito  fundamental da sociedade, situando-se a matéria no puro âmbito dos direitos patrimoniais.
Não acompanhamos,  pois, a sentença e a jurisprudência citada no sentido de que o prazo de caducidade da acção  a que alude o falado artigo 146º nº 2 do CIRE é de conhecimento oficioso por se tratar de direitos indisponíveis.
Deste modo e porque não foi alegada a caducidade do prazo acolhe-se aqui, a apelação.
Procedendo este fundamento fica desde logo prejudicada a apreciação do segundo  isto é a forma da contagem do prazo neste caso.

Segue deliberação:
Na procedência da apelação revoga-se o despacho de indeferimento liminar apelado que deve ser substituída por outra que receba a petição e ordene o normal prosseguimento da causa.
Custas a final pela massa
Lisboa, 10.01.2019

Isoleta Almeida Costa
Carla Mendes
Octávia Viegas