Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
18584/19.8T8LSB.L1-8
Relator: MARIA DO CÉU SILVA
Descritores: CUMPRIMENTO DEFEITUOSO
VENDA DE COISA DEFEITUOSA
ELIMINAÇÃO DOS DEFEITOS
PROPOSITURA DE ACÇÃO JUDICIAL
GARANTIA DE BOM FUNCIONAMENTO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/27/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1 - Pode-se distinguir o cumprimento defeituoso da obrigação da venda de coisa defeituosa nos seguintes termos:
Naquele, o vendedor não realizou a prestação a que, por força do contrato, estava adstrito. Nesta a coisa objecto da transacção sofre dos vícios ou carece das qualidades referenciadas no art.º 913º, quer a coisa entregue corresponda, ou não, à prestação a que o vendedor se encontrava vinculado”.
2 - No caso dos autos, não há situação de urgência a permitir à A. eliminar os defeitos em substituição da R., uma vez que os factos provados não permitem afirmar a impossibilidade de recorrer em tempo útil aos meios legais.
3 - A A. deveria ter primeiro instaurado ação judicial a pedir a condenação da R. a eliminar o defeito e, só no caso de procedência da ação e de a R. não eliminar o defeito no prazo fixado pelo tribunal, podia pedir a eliminação do defeito por outrem à custa do devedor.
4 - A garantia assumida pela R. perante a A. é uma garantia contratual, pelo que pode ter carácter oneroso, isto é, pode ter encargos a suportar pelo comprador, tais como custos de transporte, de mão-de-obra e de material.
5 - Como a garantia do bom funcionamento visa reforçar a posição do comprador e não enfraquecê-la, não pode excluir ou limitar os direitos do comprador resultantes da lei.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa

Na presente ação declarativa que I… move contra L…, a A. interpôs recurso da sentença pela qual foi julgada a ação improcedente e, consequentemente, foi a R. absolvida dos pedidos contra si deduzidos, a saber:
- condenação no “pagamento do valor pago pela Autora pela primeira reparação da máquina secadora no montante de 1.522,39€ (…), acrescido dos danos causados pela imobilização do equipamento no valor de 3.700,00€ (…), perfazendo um montante global de 5.222,39€ (…), a que acresce o montante de 73,44€ de juros comerciais vencidos calculados à taxa legal em vigor e, bem assim, juros comerciais vincendos até integral pagamento”;
- condenação na “reparação e/ ou substituição da máquina avariada, o que deverá ser feito ao abrigo da garantia de bom funcionamento”;
- condenação no “pagamento do custo das interpelações via correio registado no valor de €29,25”.
Na alegação de recurso, a recorrente formulou as seguintes conclusões:
«a) Dá o douto Tribunal a quo como provado no ponto 30) que “A Autora aceitou as condições vertidas no referido “Manual do Parceiro”, fundamentando, para tanto, o Tribunal que “a convicção do Tribunal estribou-se na análise da troca de mensagens de correio electrónico de fls. 22 a 26, da qual emerge a aceitação da Autora às condições fixadas, tendo decidido prosseguir com o negócio nos termos indicados pela Ré.”
b) Ora, não pode a Recorrente concordar com tal facto provado, e muito menos com a fundamentação do Tribunal a quo, porquanto, a Autora, ora Recorrente, não aceitou as condições vertidas no “Manual do Parceiro”.
c) O que é possível verificar pelo Documento n.º 5 junto aos autos no qual a Autora e Recorrente em 28/06/2018, logo após a receção do “Manual do Parceiro” questiona as Rés Recorridas sobre o mesmo e demonstrando a sua discordância:
“Por curiosidade, após me disponibilizar o manual, e após leitura atenta como sua sugestão, questiono se o Sr. F... pode ter a gentileza de responder a uma mera curiosidade, sendo ela, como consegue a L… ter a capacidade de efectuar um serviço de garantia sem deslocação de um técnico ao local. Face ao supra indicado, e atendendo às suas capacidades, aguardo uma solução que desta vez seja coerente e de agrado para ambas as partes.”
d) Sendo certo que, o texto das condições de garantia constantes da proposta comercial inicial receccionada em 29/01/2018 é contrário ao “Manual do Parceiro” remetido em 28/06/2018:
e) “Oferecemos uma garantia de 2 anos e com possibilidade de extensão.”
f) “O cliente terá sempre o custo de deslocação e mão de obra do técnico, sendo o mesmo pago e faturado pelo mesmo.”
g) E que tal foi veemente contestado pela Autora no email de 28/06/2018.
h) Ora, é nosso entendimento que não deveria constar dos factos como provados:
«A Autora aceitou as condições vertidas no referido “Manual do Parceiro”»,
i) Mas sim a seguinte redação:
“30) A Autora após a receção do “Manual do Parceiro” no dia 28/06/2018, questionou por email as Rés quanto aos termos do mesmo demonstrando a sua discordância, email ao qual nunca obteve resposta”
j) Devendo igualmente ser acrescidos os seguintes factos aos factos provados:
k) “A proposta comercial designava tão só que: “Oferecemos uma garantia de 2 anos e com possibilidade de extensão.”
l) “O Manual do Parceiro apenas entregue após pagamento indicava que “O cliente terá sempre o custo de deslocação e mão de obra do técnico, sendo o mesmo pago e faturado pelo mesmo.”
m) Devendo ser assim revista a decisão sobre a matéria de facto tendo em conta os Documentos n.º 5 e 28 juntos com a Petição Inicial, e os quais não foram impugnados e foram aceites pelas partes.
II – Da Incorrecta Aplicação de Direito:
A) Do regime da venda de bens defeituosos e do cumprimento defeituoso
n) Vem o douto Tribunal a quo, na sua decisão, pronunciar-se pela improcedência da acção intentada pela ora Recorrente, concluindo que, e pese embora o seguimento da sua fundamentação de direito, é a factualidade apurada insuficiente para considerar que o secador sofre de vício que o desvaloriza ou que impede o fim a que se destina, sendo que também nada é alegado que permita concluir que não dispunha das qualidades asseguradas pelo vendedor.
o) O que, salvo o devido respeito, jamais poderá a ora Recorrente conceder ou aceitar a posição adoptada pelo douto Tribunal a quo, mais concretamente quanto à aplicação do direito atenta a factualidade apurada e dada como provada.
p) Vejamos,
q) Primeiramente, começa por referir o douto Tribunal a quo, e a nosso ver, bem:
“Não oferece quaisquer dúvidas que a Autora e a Ré L… celebraram um contrato de compra e venda tendo por objecto, além do mais, o secador T13/13G (artigos 874.º e 879.º do Código Civil). A espécie contratual em causa reveste a natureza de um contrato translativo, oneroso, bilateral ou sinalagmático perfeito, com reciprocidade de prestações.
r) Continuando o douto Tribunal a quo: “De acordo com a factualidade provada, o secador, entregue à Autora em 6 de Julho de 2018, no dia 3 de Novembro de 2018 sofreu uma avaria.” (…).
s) Dando inclusivamente como provado que:
«17) Na sequência da aludida deslocação, a empresa H… elaborou o relatório constante de fls. 44, para cujo teor se remete e aqui se dá por integralmente reproduzido, datado de 14 de Novembro de 2018, do qual consta designadamente o seguinte:
“Aquando da nossa presença foi detectado que em ambos os displays electrónicos e em apenas alguns segundos após o arranque dos secadores, que os avisadores de erro sinalizavam anomalia de funcionamento.
Para podermos saber qual eram as anomalias, entramos no menu técnico do aparelho e podemos constatar que tínhamos em memória o erro nº 7 o qual significa sobreaquecimento dos motores de tração, podemos também constatar que tanto o motor superior como o motor inferior estavam bastante quentes de tal modo que não era possível pôr a mão sobre as suas laterais, denotava-se também um forte cheiro a queimado proveniente do interior dos motores. Foram efectuadas medições à tensão de alimentação do secador e a medição dos condensadores de arranque dos motores foi efectuado também o despiste de problemas mecânicos quer no tambor ou polis de transmissão e de interligação do motor ao tambor não tendo sido encontrada qualquer anomalia.
Podemos concluir que o problema é dos motores devido a qualquer defeito de fabrico na sua construção.
Para resolução desta situação recomendamos a substituição de ambos os motores de tracção.”»
t) Mais afirmando o douto Tribunal que: “De resto, a alusão a que um defeito de fabrico se notaria logo após as primeiras utilizações revela-se muito pouco consistente à luz das regras da experiência comum e até contraditória com a existência de uma garantia de 2 anos precisamente para defeitos de fabrico, como resulta do “Manual do Parceiro” ser o caso da garantia prestada pela Ré.”
u) Discordando a ora Recorrente da interpretação efetuada pelo Tribunal quanto ao regime da venda de bens defeituosos, como adiante melhor se explanará.
v) Porquanto, entende o Tribunal a quo que:
“Ora, o vício ou falta de qualidades que se manifestem em momento posterior à entrega, como é o caso, rege-se pelo regime da venda de coisa defeituosa e não pelo não cumprimento das obrigações.”
(…)
“Por outro lado, não são alegados factos susceptíveis de enquadrar uma situação de urgência que legitimasse a imediata substituição da Autora à Ré na reparação do defeito denunciado, por via do artigo 335.º do Código Civil.”
(…)
“Sob outra perspectiva, não tem aplicação o regime do cumprimento defeituoso das obrigações, atento o disposto no artigo 918.º do Código Civil.
Com efeito, a Autora cumpriu a obrigação de entrega do secador e da factualidade alegada não se extrai que, à data da entrega, o mesmo não tivesse as qualidades acordadas, de tal modo que mediaram cerca de quatro meses entre a entrega e a avaria denunciada.”
w) A questão aqui a interpretar e a sufragar é efetivamente qual o regime da venda de coisas defeituosas e qual a sua abrangência.
x) Conforme ensina o Prof. Antunes Varela, no seu douto Parecer, Cumprimento Imperfeito do Contrato de Compra e Venda (a excepção do contrato não cumprido), onde o mesmo escreveu: «Há venda de coisa defeituosa sempre que no contrato de compra e venda, tendo por objecto a transmissão da propriedade de uma coisa, a coisa vendida sofrer dos vícios ou carecer das qualidades abrangida no art.º 913,° do Código Civil, quer a coisa entregue corresponda, quer não, à prestação a que o vendedor se encontra vinculado.
O cumprimento defeituoso da obrigação verifica-se não apenas em relação à obrigação da entrega da coisa proveniente da compra e venda, mas quanto a toda e qualquer outra obrigação, proveniente de contrato ou qualquer outra fonte. E apenas se dá quando a prestação realizada pelo devedor não corresponde, pela falta de qualidades ou requisitos dela, ao objecto da obrigação a que ele estava adstrito» [Antunes Varela, Cumprimento Imperfeito do Contrato de Compra e Venda (a excepção do contrato não cumprido), Parecer publicado na Col. Jur., ano XII (1987), T. 4, pág. 30]
y) Neste sentido, a compra e venda de bens defeituosos não trata de vícios jurídicos que extravasam os limites normais de um determinado direito, mas de vícios ou faltas de qualidades materiais que o bem adquirido possa sofrer.
z) Tendo vindo a doutrina debater-se com a questão do fundamento da garantia edilícia plasmada no Código Civil, assumindo-se como uma vexata quaestio, em que toda a discussão se encontra centrada em dois polos opostos.
aa) De um lado, há autores que defendem a recondução do regime estabelecido pelos artigos 913.º e seguintes do Código Civil à figura do incumprimento contratual; por outro lado, existem vozes que defendem a aplicação do instituto do erro em sentido técnico-jurídico nos casos de compra e venda de bens defeituosos.
bb) Nessa medida, os partidários da teoria do incumprimento contratual constroem toda a sua argumentação partindo da consideração de que o núcleo de toda a controvérsia se encontra ancorado no problema do não cumprimento contratual, pois se a coisa vendida e entregue ao comprador não reveste as qualidades especificadas pelo mesmo, tendo estas inclusivamente sido vertidas no próprio conteúdo contratual, o vendedor não cumpre a obrigação de entrega a que estava adstrito, uma vez que devia prestar algo com determinadas qualidades.
cc) É patente que, o problema da compra e venda de coisas defeituosas deve ser analisado por referência à fase de execução do contrato e não à fase estipulativa, isto porque a vontade do comprador não se encontra viciada de erro em sentido técnico-jurídico inexistindo qualquer perturbação que tenha afetado a formação da vontade contratual.
dd) No entanto, realça-se que para esta teoria não se trata de um problema de prestação de uma coisa diferente da acordada, de um aluid pro alio, nem de uma representação de qualidades que se reportam a outro tipo de coisas, porquanto, o que está aqui em causa no regime da compra e venda de coisas defeituosas é uma situação sui generis de cumprimento defeituoso, o qual integra-se ao lado do incumprimento definitivo e da mora, no instituto do não cumprimento das obrigações.
ee) Por seu turno, a teoria do erro assume-se como diametralmente oposta à anteriormente referida, pois o vendedor quando entrega ao comprador a coisa acordada cumpre o contrato independentemente da existência de defeitos, ou seja, o vendedor tem apenas de prestar a coisa tal como ela é.
ff) O cerne desta teoria parte do pressuposto de que o erro referente às qualidades se situa na fase de formação do contrato, uma vez que o erro se baseia na «coisa-que-devia-ser» mas não na «coisa-como-é».
gg) Estamos, pois, em face de um problema de falta de base negocial, o erro do comprador apela a uma falsa representação da coisa, o negócio celebrado vale, sob ponto de vista normativo, com um sentido distinto daquele que foi querido pela parte, pelo que, o comprador pensa adquirir uma coisa com determinadas características e a ordem normativa instituída pelo negócio atribui-lhe uma coisa com certos vícios ou sem essas qualidades.
hh) Ora, no plano do direito constituído, a disciplina da compra e venda de coisas defeituosas consagrada no Código Civil Português é híbrida, pois resulta de uma comunhão de elementos característicos de ambas as teorias.
ii) Por um lado, deparamo-nos com uma consequência típica do erro em sentido técnico-jurídico, é o que ocorre com o direito de anulação fundado no erro ou no dolo que o artigo 913.º remete para o 905.º do Código Civil.
jj) Por outro lado, o direito de reparação ou substituição tem como pressuposto o cumprimento da obrigação de entrega da coisa com determinadas qualidades pactuadas.
kk) Assim, o artigo 913.º do Código Civil enuncia as hipóteses de defeitos que devem ser consideradas para efeitos de aplicação do regime da garantia edilícia, designadamente, vício que desvalorize o bem; falta de qualidades asseguradas pelo vendedor; falta de qualidades necessárias para a realização daquele fim e vício que impeça a realização do fim a que é destinado.
ll) Contudo, o nosso Código Civil não faz uma distinção entre o que seja vício e falta de qualidade, pelo que ambas as expressões devem reportar-se a uma realidade unitária, a de defeito.
mm) Pelo que, o defeito pode ser entendido através de dois prismas, o subjetivista e o objetivista: No primeiro, o defeito é aferido em função do fim a que o bem se destina, tendo este sido estabelecido contratualmente pelas partes, contudo o segundo repousa na consideração do fim normal a que os bens de uma determinada categoria se destinam, tal como se encontra preceituado no artigo 913º, n.º 2 do Código Civil.
nn) Assim, todo o regime dos bens defeituosos é erigido partindo de uma consideração bifronte de defeito, ou seja, se este for originário e respeitar a coisas específicas aplicar-se-ão os artigos 913.º e seguintes do Código Civil que, por sua vez, remetem para o regime dos bens onerados.
oo) Com efeito, se as qualidades da coisa objecto do contrato de compra e venda foram negociadas entre as partes, integrando o conteúdo normativo do contrato, e se, realizada a prestação, se averiguar que ela não possui as qualidades acordadas, daí decorre que o devedor não efectuou a prestação a que se encontrava adstrito.
pp) Por seu turno, se o defeito for superveniente ou se tratar de coisas futuras ou indeterminadas, as normas mobilizáveis serão as fundadas nas regras relativas ao não cumprimento das obrigações, conforme o que se encontra plasmado no artigo 918.º do Código Civil.
qq) Não obstante, conforme refere e bem o douto Tribunal a quo relativamente ao defeito do bem:
“O regime da venda de coisas defeituosas é tratado pelo Código Civil com base numa diferenciação dogmática: sendo a venda realizada com a imediata transmissão da propriedade da coisa para o comprador, e ela é já defeituosa ao tempo da celebração do contrato, estaremos perante uma situação de erro do comprador, que permite a anulação do contrato por erro nos termos gerais (artigos 913.º e 905.º); se o defeito ocorre depois da celebração do contrato e a coisa é entregue nessas condições estaremos perante uma situação de cumprimento defeituoso, se o defeito for imputável ao vendedor (artigo 918.º), ou de risco, em princípio a cargo do comprador (artigo 796.º).”
rr) Conquanto, entende a Recorrida, que um defeito de fabrico se notaria nas primeiras utilizações e avançando um diagnóstico de sobreaquecimento por excesso de peso, e, portanto, ser de excluir o regime previsto nos termos dos artigos 913.º e 905.º do Código Civil, referente à venda de coisa defeituosa.
ss) O que não nos parece fazer qualquer sentido, conforme aliás, se pronuncia o douto Tribunal a quo:
“De resto, a alusão a que um defeito de fabrico se notaria logo após as primeiras utilizações revela-se muito pouco consistente à luz das regras da experiência comum e até contraditória com a existência de uma garantia de 2 anos precisamente para defeitos de fabrico, como resulta do “Manual do Parceiro” ser o caso da garantia prestada pela Ré.”
tt) Aliás, resulta do relatório junto aos autos, e o qual admite e dá como provado o seu teor o douto Tribunal a quo:
“Podemos concluir que o problema é dos motores devido a qualquer defeito de fabrico na sua construção.” (…)
uu) Contudo, e em contradição com a sua própria fundamentação, pronuncia-se o douto Tribunal a quo, e no que sustentou a sua decisão:
“No caso, a factualidade apurada é, a nosso ver, insuficiente para concluir que o secador sofre de vício que o desvaloriza ou que impede o fim a que se destina, sendo que também nada é alegado que permita concluir que não dispunha das qualidades asseguradas pelo vendedor, não sendo de desconsiderar o hiato temporal de cerca de 10 meses que mediou entre a sua entrega e as “desconformidades” denunciadas.”
vv) Decisão esta com a qual, salvo o devido respeito, não podemos concordar.
ww) Porquanto, o douto Tribunal a quo pronuncia-se pela verificação de uma avaria no secador adquirido pela Recorrente, bem assim, dá como provado o teor do relatório técnico, o qual se pronuncia pelo defeito de fabrico (factos provados 9 e 17).
xx) Defeito/ avaria este que impedia a secagem de roupa – que é precisamente o fim ao qual se destinava o equipamento.
yy) Então, não pode vir posteriormente o douto Tribunal a quo pronunciar-se pela não verificação da afectação do destino visado pelo bem, e consequentemente a inobservância de “desconformidade”, uma vez que, evidente é, se o secador não seca, então não se encontra apto ao fim pretendido!!
zz) Acresce que, se se conclui que a avaria no secador decorre de um defeito de fabrico (na sua construção) – conforme resulta do relatório aceite, admitido e dado como provado pelo douto Tribunal a quo -, então, concluir-se-á que o mesmo é pré-existente à celebração do contrato entre as partes, e, portanto, ser de aplicar o regime da venda de bens defeituosos, nos termos dos artigos 913.º e 905.º do Código Civil.
aaa) Ademais, sublinha-se que a prestação de garantia não afasta a aplicação do regime da venda de bem defeituoso, pois que é um mero complemento daquele, e, por isso, tendente a reforçar dos direitos do comprador.
bbb) Porquanto, repare-se que se insere o artigo 921.º n.º 1 do Código Civil sob epígrafe "Garantia de bom funcionamento" na Secção VI (“Venda de coisas defeituosas") do Capítulo I respectivo.
ccc) Nesse entendimento seguem os autores Pires de Lima e Antunes Varela, com um exemplo bem esclarecedor:
“Se o dono do hotel de luxo encomenda ao agricultor maçãs da “qualidade que costuma andar e o dono do pomar envia maçãs bichosas, de qualidade inadequada à categoria do hotel, não há na espécie nenhum erro do comprador na formulação do contrato: haverá apenas cumprimento defeituoso da obrigação do vendedor (art.º 918.º), que não deixa de estar sujeito ao regime da venda de coisas defeituosas pelo facto de também lhe serem aplicáveis as regras relativas ao não-cumprimento das obrigações.”
ddd) Assim, pese embora tenha sido prestada garantia de bom funcionamento pelo prazo de dois anos, sempre será de aplicar o regime previsto para a venda de coisas defeituosas, nos termos dos artigos 913.º e 905.º do Código Civil.
eee) Com efeito, aos compradores são facultados os seguintes meios de tutela de defesa do seu direito:
i. em primeiro lugar está o vendedor adstrito a eliminar o defeito da coisa (914.º do Código Civil);
ii. se essa eliminação não for possível ou se apresentar demasiado onerosa deverá substituir a coisa defeituosa (914.º do Código Civil);
iii. se tal não for possível pode o comprador exigir a redução do preço, verificados os pressupostos legais (911.º, aplicável por remissão do artigo 913.º, ambos do Código Civil);
iv. ou, não sendo tal possível cabe ao comprador pedir a resolução do contrato.
fff) Entendimento que também é sufragado pelo douto Tribunal a quo defendendo a sequenciação dos meios ao dispor do credor:
“Tais meios jurídicos facultados ao comprador, não podem, em nosso entender, ser exercidos em alternativa (cfr. neste sentido Romano Martinez, in ob. cit., pág. 140 e segs. e “Cumprimento Defeituoso”, pág. 437 e segs.).
Antes existe uma sequência lógica a que o comprador deverá lançar mão, exigindo em primeiro lugar a reparação ou a substituição, nos termos previstos artigo 914.º do Código Civil, ou aceitando as mesmas no caso do vendedor oferecer a eliminação dos defeitos ou a substituição da coisa defeituosa; só se essas pretensões se frustrarem é que o comprador poderá exigir a redução do preço nos termos do disposto no artigo 911.º, aplicável por remissão do artigo 913.º, ambos do Código Civil, ou não sendo tal possível deverá então o comprador pedir a resolução do contrato; sendo certo que cumulativamente com qualquer um dos referidos meios assiste ainda ao comprador o direito de peticionar uma indemnização, a qual se baseia na culpa do vendedor (artigo 908.º do Código Civil, aplicável por remissão do artigo 913.º do mesmo diploma), culpa esta (do vendedor), que estando, como estamos, no domínio da responsabilidade contratual, se presume (se a coisa entregue padecer de defeito presume-se a culpa do vendedor) (artigo 799.º do Código Civil).”
ggg) Assim, é nosso entendimento que ao presente caso seria aplicável não apenas o regime da venda de coisas defeituosas, como o regime legal para o cumprimento defeituoso das obrigações, conferindo o direito à Autora de ser ressarcida pelos danos sofridos.
hhh) Destarte, acrescenta o douto Tribunal a quo que apesar de ser de aplicar o regime de venda de coisas defeituosas tal regime não confere o direito a indemnização admitindo apenas a substituição do credor ao devedor em situações excecionais: “Donde, apenas seria, a nosso ver, de admitir que o comprador se substituísse ao devedor e repare imediatamente a coisa em situações de urgência ou após uma eventual interpelação admonitória, conferindo ao vendedor um prazo razoável para reparar o bem.”
iii) Quanto a este ponto, vejamos novamente o que se refere no relatório técnico junto aos autos, e admitido e dado como provado pelo douto Tribunal a quo:
“(...) Para podermos saber qual eram as anomalias, entramos no menu técnico do aparelho e podemos constatar que tínhamos em memória o erro nº 7 o qual significa sobreaquecimento dos motores de tração, podemos também constatar que tanto o motor superior como o motor inferior estavam bastante quentes de tal modo que não era possível pôr a mão sobre as suas laterais, denotava-se também um forte cheiro a queimado proveniente do interior dos motores. (...)”
jjj) Ora, uma vez que do relatório verifica-se que além de aquecer bastante, o secador emanava um cheiro forte a queimado, jamais poder-se-á desconsiderar tal facto bem assim admitir que, no entendimento e perceção de um homem médio, estes dois factores não configurem um perigo iminente da existência de incêndio.
kkk) Pelo que, outro não poderá ser o entendimento senão o da urgência da reparação do secador, por forma a evitar danos mais gravosos, assim, se justificando que, pese embora a Recorrente tenha interpelado as Recorridas para a reparação imediata do secador, na sua inércia, tenha-se substituído a Recorrente na obrigação que competia às Recorridas, e, por isso, ordenado a sua reparação imediata.
lll) Assim, ao admitir o douto Tribunal a quo a substituição das Recorridas em tal cenário, será de admitir que, perante a reparação às custas da Recorrente, caberá, por seu turno, a restituição de tal montante pelas Recorridas, nos termos do artigo 914.º do Código Civil.
mmm) Com efeito, andou mal o douto Tribunal a quo, em face dos factos por si dados como provados - nomeadamente o relatório técnico do qual consta um defeito de fabrico de construção -, ao ter-se pronunciado pela inobservância de desconformidade, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 913.º e 905.º do Código Civil.
nnn) Assim, devia o douto Tribunal ter concluído pela desconformidade do bem relativamente ao contratado, aplicando o regime da venda de coisas defeituosas por se entender que o defeito/ desconformidade é superveniente e determina a obrigação de reparação e/ ou substituição da coisa.
ooo) Uma vez que a existência de garantia não afasta o regime legal da venda de coisa defeituosas, e do qual, resulta o direito à reparação e ou substituição do bem - artigo 914.º do Código Civil.
ppp) E no limite determina que ao defeito superveniente seja aplicado o regime do não cumprimento contratual.
qqq) Obrigando assim ao dever de reparar os danos sofridos pela Recorrente.
rrr) Mais será de acrescentar que, pelo carácter urgente da sua reparação, e perante a inércia das Recorridas, terá de se admitir que o comprador (Recorrente) se substituísse ao devedor e reparasse imediatamente a coisa.
sss) Com efeito, deverá o presente recurso ser considerado procedente, bem assim, ser a douta decisão do Tribunal a quo revogada e substituída por outra que condene as Recorridas no montante global despendido pela Recorrente para reparação do secador que legalmente competia às Recorridas.
B) Do regime da Garantia dos Bens e do Abuso de Direito
ttt) Acresce que, no caso dos presentes autos, as Recorridas prestaram uma garantia de bom funcionamento, pelo prazo de dois anos, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 921.º, n.º 1 do Código Civil, que estatui:
“Se o vendedor estiver obrigado, por convenção das partes ou por força dos usos, a garantir o bom funcionamento da coisa vendida, cabe-lhe repará-la, ou substituí-la quando a substituição for necessária e a coisa tiver natureza fungível, independentemente de culpa sua ou de erro do comprador.”
uuu) Assim, atendendo ao sentido usual dos termos - bom funcionamento – a garantia aqui referida é principalmente uma garantia de duração, pelo que, esta garantia importa para o vendedor uma de duas obrigações em caso de mau funcionamento do bem: a de reparar a coisa ou, se a reparação não for possível e a coisa for fungível, a de a substituir.
vvv) Conforme refere Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, vol. III, 3ª ed., pág. 221, a garantia de bom funcionamento não exige a culpa do vendedor, nem se exige que o comprador esteja em erro, tratando-se antes do cumprimento de uma obrigação assumida no contrato.
www) Nesse entendimento, escreve também Pedro Romano Martinez in Direito das Obrigações (Parte Especial) Contratos, 2ª ed., pág. 141 que “se for dada garantia de bom funcionamento, nos termos do art.º 921º CC, estabeleceu-se uma responsabilidade sem culpa do vendedor. Assim, se o alienante vendeu o bem dando garantia de bom funcionamento, por força desta cláusula, sendo defeituosa a coisa, mesmo que o vendedor não tenha culpa, é responsável: trata-se de uma responsabilidade objectiva.”
xxx) Assim, a finalidade desta garantia é a de fixar um período de provação ou de “rodagem” da coisa durante o qual o vendedor se responsabiliza que na sua utilização normal e correta nenhum defeito de funcionamento ocorrerá, sem que, no entanto, para tanto, seja exigível ao comprador a identificação da causa do defeito, a anterioridade ou contemporaneidade do mesmo, nem a culpa do vendedor.
yyy) Contudo, para o exercício de tal direito, as Recorridas oneraram a Recorrente nas despesas inerentes à deslocação e mão de obra de técnico para a sua reparação.
zzz) Situação esta que entendemos ser um absurdo e algo bizarro, uma vez que, não só agem as Recorridas em violação do imperativo legal, bem como, em violação do princípio da confiança e da boa-fé, e, por isso, em claro abuso de direito, na modalidade venire contra factum proprium, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 334.º do Código Civil.
aaaa) Razão pela qual, invocou a Recorrente a invalidade de tal cláusula aposta no “Manual do Parceiro”, no entanto, nega o douto Tribunal a quo procedência à alegada invalidade, para tanto, pronunciando-se o douto Tribunal a quo:
“Tendo a Autora aceite tais condições, que, de resto, se encontravam bem explícitas no “Manual do Parceiro”, sendo certo que estamos perante uma garantia convencional voluntária e que nenhum vício é assacado à celebração do contrato, não se vislumbra em que medida é que a actuação da Ré se pode considerar contrária ao princípio da boa fé, designadamente na modalidade de “venire contra factum proprium”.”
bbbb) E, por isso, conclui por não se poder deixar de se considerar lícito o comportamento das Recorridas, pois que apenas naquelas circunstâncias estavam obrigadas a fazer deslocar um técnico ao local para averiguar a situação.
cccc) Acontece que, e contrariamente ao que refere o douto Tribunal a quo, em momento algum aceitou a Recorrente tal condição, porquanto em 29/01/2018, aquando do envio da proposta, em momento algum fazem recair as ora Recorridas o pagamento referente aos custos de deslocação e de mão de obra do técnico sob o comprador. (Documentos n.º 1 e 2)
dddd) Constando do mesmo tão só:
“Oferecemos uma garantia de 2 anos e com possibilidade de extensão.”
eeee) Pelo que, tão só no momento em que obteve a Recorrente em sua posse o mencionado “Manual do Parceiro” é que teve a mesma conhecimento de tal facto, e o qual não aceitou!!
ffff) Aliás, na realidade, de imediato, questionou a ora Recorrente pela validade de tal cláusula, em e-mail datado de 28/06/2018, e o qual nem sequer mereceu resposta por parte das Recorridas (Documento n.º 5):
“Por curiosidade, após me disponibilizar o manual, e após leitura atenta como sua sugestão, questiono se o Sr. F... pode ter a gentileza de responder a uma mera curiosidade, sendo ela, como consegue a L… ter a capacidade de efectuar um serviço de garantia sem a deslocação de um técnico ao local.”
gggg) Ora, parece-nos evidente que, actuam as Recorridas, não apenas contra a Lei, mas em contradição com as suas próprias declarações, ao fixarem posteriormente a imputação de tais custos ao comprador, e, portanto, em abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium, por violação do princípio da confiança e boa-fé!!
hhhh) Pelo que, questiona-se como não se vislumbra em que medida a actuação das Recorridas não se pode considerar contrária ao princípio da boa fé, quando na formação do contrato apresenta uma proposta diversa àquela que, posteriormente, consta das cláusulas contratuais.
iiii) Face ao exposto, outro não poderá ser o entendimento senão o da nulidade da referida cláusula, por manifesto abuso de direito, nos termos e para os efeitos do artigo 334.º do Código Civil.
jjjj) Na medida em que actuaram as Recorridas em contradição com as suas próprias declarações.
kkkk) Com efeito, andou mal o douto Tribunal a quo ao pronunciar-se pela inobservância de abuso de direito, em violação do princípio da confiança e da boa fé, na medida em que em nada espelha a proposta inicial - muito pelo contrário - as cláusulas apostas no aludido “Manual do Parceiro”, e as quais foram aceites pela Recorrente.
llll) Pelo que, atendendo às negociações que levaram à outorga do contrato aqui sub judice em confronto com as cláusulas (posteriormente) apostas no referido Manual, deveria o douto Tribunal a quo ter-se pronunciado, isso sim, por um evidente abuso de direito, na modalidade venire contra factum proprium, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 334.º do Código Civil.
mmmm) E, consequentemente, pronunciar-se pela invalidade da cláusula constante do “Manual do Parceiro”, referente às custas inerentes à reparação e/ ou substituição do bem defeituoso.
nnnn) Determinando a indemnização da Autora, ora Recorrente, pelos danos sofridos com os defeitos do bem vendido pelas Rés ora Recorridas, nomeadamente, a sua reparação e os lucros cessantes por cada dia de paragem dos bens.»
A R. respondeu à alegação da recorrente, pugnando pela manutenção da sentença recorrida, tendo formulado as seguintes conclusões:
1. Em todos os aspectos postos em crise pelo recurso da Recorrente, a Mma. Juiz a quo decidiu bem, de forma sustentada e no único sentido possível, pelo que à aqui Recorrida bastaria oferecer o merecimento dos autos.
2. Todavia, a Recorrida não poderá deixar de apontar alguns aspectos que considera relevantes para a apreciação do presente recurso e que demonstram cabalmente que não assiste qualquer razão à Recorrente no que concerne às pretensões de (i) alteração a matéria de facto dada como provada e de (ii) aplicação divergente da lei.
Da matéria de facto impugnada
3. Decorre das conclusões a) a i) que a Recorrente pretenderia alterar o facto provado 30) da Sentença (“A Autora aceitou as condições vertidas no referido “Manual do Parceiro”), de modo a fazer constar uma redacção que transmitisse a ideia que aquela não teria aceite essas condições.
4. Não assiste qualquer razão à Recorrente, desde logo porque esta parte de um pressuposto errado e que emerge de uma notória contradição relativamente a uma anterior posição por si manifestada nos presentes autos.
5. No artigo 6.º da Alegações de Recurso, a Recorrente escreve o seguinte: “Acresce que, o “Manual do Parceiro” foi remetido à Autora ora Recorrente via email no dia 28/06/2018.”.
6. No entanto, a verdade é que o “Manual do Parceiro” foi remetido à Recorrente, por uma primeira vez, bem antes do dia 28.06.2018 (em concreto no dia 23.02.2018).
7. Factos que são confessados pelo própria Recorrente nos artigos 6.º e 7.º da sua P.I. e que se encontram dados como factos provados 5) – facto não impugnado.
8. Acresce que a Recorrente concordou com as condições constantes do “Manual do Parceiro L…” - junto como Doc. 28 e 29 da P.I. - por exemplo, em 23.02.2018 (cfr. Correspondência eletrónica de 23.02.2018 pelas 11:32 remetida ao representante da Recorrente M… – Doc. 4 da P.I.), ou seja, bem antes de 28.06.2018, data em que o Manual foi enviada pela segunda vez!
9. No próprio dia 23.02.2018 a Recorrente procedeu ao pagamento do sinal (cfr. artigo 6.º da própria P.I. da Autora), sendo que não pôs em causa, directa ou indirectamente, o conteúdo do “Manual do Parceiro L…” que lhe foi enviado.
10. Acresce que, conforme se retira da correspondência junta como Doc. 5 da P.I., em momento algum do dia 28.06.2018 (ou a posteriori), a Recorrente tem alguma manifestação de discordância quanto ao conteúdo do “Manual do Parceiro L…” no que diz respeito à abrangência da garantia ou à necessidade de ter que suportar dos custos do técnico a enviar, em caso de avaria, sendo que inclusive, para resposta às outras questões que foram levantadas, é remetido à Recorrente, novamente, o “Manual do Parceiro L…” para sua consulta, acompanhado de uma comunicação a informar que “As regras são feitas pela L… (…) não são alteráveis” (cfr. correspondência eletrónica de 28.06.2018 pelas 18:27 – Doc. 5 da P.I.).
11. E, após receber, uma vez mais, o referido o “Manual do Parceiro L…”, a Recorrente reiterou a sua concordância com as condições estipuladas, tanto assim é que, posteriormente, pagou o preço remanescente, como é confessado pela própria no artigo 9.º da P.I.
12. O conteúdo do “Manual do Parceiro L…”, seja antes ou após 28.06.2018, jamais foi alterado pela Recorrida, tendo a Recorrente prosseguido sempre com o negócio, inclusive com o pagamento do preço acordado, aceitando na íntegra as condições que se encontram estipuladas naquele Manual.
13. Motivo pelo qual o Tribunal a quo conclui que: “Quanto à factualidade vertida em 30), a convicção do Tribunal estribou-se na análise da troca de mensagens de correio electrónico de fls. 22 a 26, da qual emerge a aceitação da Autora às condições fixadas, tendo decidido prosseguir com o negócio nos termos indicados pela Ré.” (Em consequência, não existe qualquer evidência que pudesse fundamentar uma hipotética alteração da redacção do ponto 30) da matéria de facto provada, muito menos nos termos pretendidos pela Recorrente).
14. Nas alíneas j) a l) das Conclusões do recurso a Recorrente pretende, por outro lado, que sejam aditados dois novos factos à matéria provada, sendo que também esta pretensão não encontra nenhuma sustentação na prova carreada para os autos.
15. Desde o momento em que foram remetidas à Recorrente todas as condições negociais - ou seja, antes da concretização da compra e venda de todo o material - aquela tinha o pleno conhecimento de que (i) a garantia somente abrangeria as avarias nas peças resultantes de defeitos de fabrico e (ii) que competia à Recorrente o pagamento dos custos de mão de obra e deslocação dos técnicos.
16. Tudo conforme resulta, a título exemplificativo, do Facto Provado 29), o qual transcreve o Manual de Parceiro L… (Doc. 28 da P.I.) e que não foi posto em crise pela Recorrente.
17. De facto, o aludido Manual é deveras claro no seu teor quanto ao que a garantia diz respeito:
“A garantia apenas cobre avarias nas peças por defeitos de fabrico” (…) “Tenho as máquinas na garantia e tenho uma avaria, tenho custos de reparação? Sim, terá que pagar os custos de mão de obra e deslocação de técnicos”.
Da aplicação do direito
18. Também aqui cremos que a decisão da 1ª Instância, para além de ser isenta de reparos nas suas premissas e conclusões, procede a um adequado enquadramento jurídico à factualidade dada como provada quanto aos dois diferentes “vícios” alegados pela Recorrente na sua Petição Inicial, ou seja:
1) A avaria do secador detectada em 3 de Novembro de 2018; e
2) Defeitos denunciados em 16 de Maio de 2019, relativos aos sinais de ferrugem e à perda de tinta do secador.
Do regime da venda de bens defeituosos e do cumprimento defeituoso
19. Quanto a este ponto, o qual ocupa as alíneas n) a sss) das Conclusões da Recorrente, verifica-se que a discordância relativamente à Douta Sentença centra-se, apenas, nos supostos defeitos denunciados em 16 de Maio de 2019 (sinais de ferrugem e à perda de tinta do secador), tal como se retira da alínea uu) daquelas Conclusões, no qual é transcrita uma passagem da Douto Sentença que versa, em concreto, sobre estes defeitos.
20. No entanto, para alicerçar a sua discordância relativamente ao enquadramento jurídico efectuado pelo Tribunal a quo quanto aos defeitos denunciados a 16 de Maio de 2019, a Recorrente invoca matéria de facto provada referente, não a esses vícios, mas sim à avaria reportada pela Recorrente em 3 de Novembro de 2018, tal como se retira, de forma clara, do teor das alíneas vv) e ww) das conclusões da Recorrente, as quais remetem para os factos provados 9) e 17) (que, por sua vez, se reportam a factos ocorridos em Novembro de 2018);
21. Ao impugnar o enquadramento jurídico efectuado pelo Tribunal quanto aos supostos vícios alegados 16 de Maio de 2019, a Recorrente acaba por aludir à matéria de facto provada quanto à denúncia da avaria de Novembro de 2018, sendo que esta “troca” seria susceptível de confundir um receptor menos atento, mas jamais passaria o crivo dos Venerandos Desembargadores.
22. Encontrando-se a premissa, desde logo, incorrecta, pouco mais haveria que dizer do que remeter, quanto a este ponto, para tudo aquilo do que consta da Douta Sentença, máxime quanto à explicação e aplicação do regime de venda de coisas defeituosas.
23. O artigo 913.º e seguintes do Código Civil estabelecem que o comprador de coisa defeituosa goza do direito de exigir do vendedor a reparação da coisa; de anulação do contrato, do direito de redução do preço e também do direito à indemnização do interesse contratual negativo, mas que estes “não podem ser exercidos de forma aleatória ou discricionária; os mesmos acham-se estruturados de forma sequencial e escalonada” (como bem resume o Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra, proc. n.º 92/11.7T2SVV.C1 e supra identificado).
24. Partindo destes pressupostos legais, verifica-se in casu o seguinte:
• A Recorrente não acionou, quanto aos alegados defeitos de 16.05.2019, a garantia convencionada entre as partes, razão pela qual teria sempre que provar os pressupostos do artigo 913.º do Código Civil (n.º 1 do artigo 342.º do Código Civil);
• Em segundo lugar, a Recorrente não demonstra que, aquando da sua entrega, a máquina padecia de sinais de ferrugem e de perda de tinta do secador (ou vício equivalente), ainda que se tivessem manifestado a posteriori.
• Em terceiro lugar, da factualidade provada não resulta que a máquina secadora sofra de vício que a desvalorize ou impeça o fim a que se destina, muito menos é demonstrado, ou sequer alegado, que não disporia das qualidades asseguradas pelo vendedor;
• Em quarto lugar, a Recorrente nem sequer teria pedido a condenação da Recorrida a alguma das consequências legais que teria ao seu dispor na hipótese de venda de coisa defeituosa, limitando-se a peticionar, directamente, uma indemnização emergente de supostos danos, sem retirar qualquer outra consequência.
25. Não se verifica qualquer eventual incumprimento contratual ou cumprimento defeituoso da Recorrida, a qual, na qualidade de vendedora, entregou, em espécie e qualidade, a mercadoria acordada com Recorrente e encomendada por esta.
– Do regime da Garantia dos Bens e do Abuso de Direito
26. Dizendo respeito, agora sim, à pretensão da Recorrente emergente da avaria de 3 de Novembro de 2018, aquela põe também em crise a decisão da 1ª instância no que concerne à interpretação da garantia convencional que lhe foi atribuída e quanto à aplicação do instituto do abuso de direito.
27. Os n.ºs 3 e 4 do artigo 921.º do Código Civil, a qual respeita à “garantia de bom funcionamento” prevêem que o direito de acção caduca logo que finde o tempo para a denúncia sem o comprador a ter feito, ou passados seis meses sobre a data em que a denúncia foi efectuada, devendo esta ser efectuada, junto do vendedor, dentro do prazo da garantia e, salvo estipulação em contrário, até trinta dias depois de conhecida.
28. É por demais evidente que ao abrigo do regime da “garantia de bom funcionamento” o direito de acção já teria caducada quando a Recorrente interpôs a presente acção, tendo sido essa a conclusão deste Tribunal, conforme se retira da seguinte passagem da Sentença que sumariza o percurso temporal:“ No caso vertente, a avaria do secador detectada em 3 de Novembro de 2018 foi denunciada à Ré em 5 de Novembro de 2018 – cfr. facto 13) – e a acção foi intentada em 17 de Setembro de 2019. Ou seja, volvidos mais de seis meses sobre a denúncia. Donde, é manifesto que o direito da Autora de ver reconhecido o direito que invoca ao abrigo da garantia de bom funcionamento, por reporte à avaria de 3 de Novembro de 2018, se encontra extinto por caducidade.”
29. No entanto, segundo o entendimento do Tribunal a quo, a Recorrente teria estruturado a sua pretensão na garantia convencional prestada pela Recorrida (ao invés de invocar directamente o regime da garantia de bom funcionamento).
30. Ainda que assim seja, a Recorrente também não accionou devidamente a garantia acordada entre as duas partes e fê-lo de forma consciente, tudo conforme decidido na Douta Sentença e concluído supra.
31. Para accionar a garantia convencional a Recorrente teria que cumprir as respectivas cláusulas ou pressupostos, nomeadamente - no que interessa para a presente decisão - a Recorrente teria que suportar os custos de deslocação e de mão-de-obra do técnico indicado para aferir da avaria, nos termos que acima abordámos e que resultam do teor do “Manual do Parceiro” (cfr. Facto Provado 9)), cujo teor aquela aceitou por mais que uma vez.
32. Sucede que a Recorrente recusou-se a cumprir com estes pressupostos, não apresentando qualquer justificação plausível para esse comportamento (factos provados 14) a 21))
33. Se os pressupostos subjacentes ao desencadeamento da garantia convencional não foram observados pela Recorrente, jamais poderia ser atribuída à Recorrida qualquer responsabilidade contratual, pois todo o comportamento desta afigura-se como lícito, tal como se retira das adequadas palavras da Douta Sentença que doravante se transcrevem:
“Pelo que, tendo a Autora recusado suportar os custos de deslocação e de mão-de-obra do técnico indicado pela Ré, não pode deixar de se considerar lícito o comportamento da Ré, pois que apenas naquelas circunstâncias estava obrigada a fazer deslocar um técnico ao local para averiguar a situação e, sendo caso disso, accionar a garantia. Assim, nenhuma violação do dever contratual decorrente da garantia prestada pode ser assacada à Ré, pelo que soçobra o primeiro pressuposto da responsabilidade contratual: a ilicitude do facto.”.
34. Improcede a alegação de abuso de direito, visto que a Recorrida actuou sempre de acordo com os ditames da boa-fé, não subsistindo dúvidas de que foi a própria Recorrente quem incumpriu com as condições que permitiram accionar a garantia convencionada.
35. Em acréscimo, não existe qualquer vício na celebração do contrato, tanto assim é que este foi concluído com êxito através do pagamento do preço final pela Recorrente e a entrega dos bens pela Recorrida, factos que ocorreram mesmo depois de, por duas vezes, ter sido remetido à Recorrente o “Manual do Parceiro” e lhe terem sido prestados esclarecimentos.
36. Também quanto a este ponto da Sentença recorrida é totalmente inatacável, impondo-se, salvo melhor opinião, que essa decisão deverá ser confirmada, sendo improcedente a pretensão da Recorrente decorrente da avaria de 3 de Novembro de 2018 e o mesmo raciocínio aplicável mutatis mutandis aos alegados defeitos de 16 de Maio de 2019.»
São as seguintes as questões a decidir:
- da impugnação da decisão sobre a matéria de facto;
- do regime jurídico aplicável - o do incumprimento defeituoso, o da venda de coisa defeituosa ou o da garantia do bom funcionamento;
- da urgência da reparação; e
- do abuso do direito.
*
Na sentença, foram dados como provados os seguintes factos:
«1) Em Janeiro de 2018, a Autora contactou a Ré L…, tendo em vista a abertura de uma lavandaria self-service.
2) A Ré L… respondeu a esse contacto por e-mail datado de 29 de Janeiro de 2018, cuja cópia consta de fls. 16 e 17 dos presentes autos e cujo teor aqui se dá por reproduzido, esclarecendo que disponibiliza aos seus clientes negócios “chave na mão”, à medida das necessidades de cada cliente, com recurso a máquinas industriais de lavandaria da marca P…
3) Mais consta do aludido e-mail que remetido pela Ré à Autora que “oferecemos uma garantia de 2 anos e com possibilidade de extensão”.
4) Por e-mail datado de 19 de Fevereiro de 2018, cuja cópia consta de fls. 18 dos suporte físico e aqui se dá por reproduzido, a Autora, representada por M…, comunicou que aceitava a proposta apresentada pela 1.ª Ré.
5) No dia 23 de Fevereiro, F…, em nome de B…, remeteu, por e-mail, cuja cópia se encontra junta a fls. 22, ao referido M… os “Manuais L…”, entre os quais o denominado “Manual do Parceiro”,  que se encontra junto de fls. 105 a 112 do processo físico, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
6) Em 6 de Julho de 2018, a Ré L… entregou nas instalações da Autora, sitas na…, em Almada, os seguintes equipamentos:
a) 1 lavadora FX105;
b) 1 lavadora FX135;
c) 1 secador T13/13G;
d) 4 monedero eléctrico;
e) 1 máquina de câmbio portuguesa.
7) Pelos referidos equipamentos a Autora pagou o valor de € 17.840,00, tendo a Ré L… emitido em 17 de Julho de 2018 a correspondente factura, junta a fls. 27 do suporte físico dos autos.
8) A 24 de Agosto de 2018, a Autora, por intermédio de M…, comunicou por e-mail à sociedade B… a abertura da Lavandaria…, com envio de fotografias da fachada da mesma, com publicidade à L…
9) No dia 3 de Novembro de 2018, o secador T13/13 G começou a apresentar problemas no aquecimento e acendeu uma luz de aviso.
10) Nesse mesmo dia, a Autora, por intermédio de M…, remeteu e-mail, cuja cópia consta de fls. 38 e 39 do processo físico, para a B… e para J…, técnico que em data anterior lhe havia sido indicado pela Ré L…, a reportar a situação, solicitando contacto “na primeira hora de segunda feira, para que se possa solucionar a situação o quanto antes, pois o secador está inutilizado, representando um grande transtorno”.
11) No dia 5 de Novembro de 2018, J… remeteu e-mail de resposta, designadamente com o seguinte teor:
“Bom dia. Obrigado pelo contacto. A assistência técnica para as lavandarias L… devem ser pedidas a:
assistencia@...com
Deve enviar foto da chapa de características do equipamento avariado. No entanto o seu secador deve ter a saída do ar entupida, ou a turbina do ventilador suja com cutão. Se for esse o caso e necessitar dos nossos serviços, o custo da intervenção corresponde ao tempo ida e volta; Carnaxide/ Cova da Piedade + - 1 hora e deslocação Valor 45.00€ + IVA. Se for mais tempo, o valor aumenta, valor esse a ser pago ao técnico no final da intervenção”.
12) Ainda no mesmo dia, M… e J… trocaram os e-mails cuja cópia consta de fls. 33 a 36, para cujo teor se remete e aqui se dá por integralmente reproduzido, onde o primeiro reiterou que o equipamento estava inoperacional e que pretendia que o mesmo fosse reparado ao abrigo da garantia, o que este rejeitou, dizendo que se a Autora não quisesse pagar, a questão teria de ser tratada directamente com a Ré L…
13) No mesmo dia, a Autora, por intermédio de M…, contactou por correio electrónico os serviços de assistência da Ré L…, reportando a situação, conforme e-mails constantes de fls. 32-verso e 33, para cujo teor se remete e se dá por reproduzido.
14) Os serviços de assistência da Ré responderam ao aludido contacto, dizendo, designadamente, o seguinte:
“Deve ser enviado e-mail a informar o número de série da máquina e avaria apresentada para assistencia@...com.
Após o recebimento do e-mail pela L…, o técnico é autorizado, entra em contacto com o cliente para a agendar a visita e solucionar o problema.
Apenas as peças por defeito de fabrico dentro do período de garantia são suportadas pela L… Mão de obra e deslocação não fazem parte da mesma e podem variar dependendo da distância e tempo.”.
15) Com data de 6 de Novembro de 2018, a Autora enviou à Ré L… carta registada com aviso de recepção, com o teor constante de fls. 40 e 41 do processo físico, designadamente o seguinte:
“1- Venho por este meio informar que um dos secadores que vos comprei está avariado desde dia 03.11.2018 (sábado), assunto que já é do vosso conhecimento.
2- A informação que consta da chapa traseira da máquina é: 13TD004853KF.
3- A máquina tem vários problemas: funciona sem a porta estar fechada, permite a alteração de temperatura a qualquer altura, não funciona quando o procedimento de utilização é totalmente cumprido, por vezes não aquece, por vezes não roda, led vermelho constantemente ligado, paragem com som abrupto, entre outros que poderão ser confirmados no local.
(…)
13- A paralisação total do equipamento provoca transtornos aos clientes da lavandaria e prejuízo, pelo que o valor diário a considerar por cada dia de paralisação têm um valor estimado de 50€, que vos poderá ser imputado.
(…)
15- É meu direito ter a reposição do equipamento avariado em período de garantia.
Por falta de disponibilidade e resposta ágil de reparação da vossa organização irei pedir a restituição do valor monetário, assim que oportuno.
(…).”
16) A solicitação da Autora, a empresa H…, em 8 de Novembro de 2018, fez deslocar um técnico às instalações da lavandaria da primeira para intervenção ao secador.
17) Na sequência da aludida deslocação, a empresa H… elaborou o relatório constante de fls. 44, para cujo teor se remete e aqui se dá por integralmente reproduzido, datado de 14 de Novembro de 2018, do qual consta designadamente o seguinte:
“Aquando da nossa presença foi detectado que em ambos os displays electrónicos e em apenas alguns segundos após o arranque dos secadores, que os avisadores de erro sinalizavam anomalia de funcionamento.
Para podermos saber qual eram as anomalias, entramos no menu técnico do aparelho e podemos constatar que tínhamos em memória o erro nº 7 o qual significa sobreaquecimento dos motores de tração, podemos também constatar que tanto o motor superior como o motor inferior estavam bastante quentes de tal modo que não era possível pôr a mão sobre as suas laterais, denotava-se também um forte cheiro a queimado proveniente do interior dos motores.
Foram efectuadas medições à tensão de alimentação do secador e a medição dos condensadores de arranque dos motores foi efectuado também o despiste de problemas mecânicos quer no tambor ou polis de transmissão e de interligação do motor ao tambor não tendo sido encontrada qualquer anomalia.
Podemos concluir que o problema é dos motores devido a qualquer defeito de fabrico na sua construção.
Para resolução desta situação recomendamos a substituição de ambos os motores de tracção.”
18) Pela intervenção descrita em 16) e 17), a Autora pagou à empresa H… o valor de €144,95.
19) Não tendo obtido resposta à missiva referida em 15), a Autora enviou à Ré L… carta registada com aviso de recepção, datada de 23 de Novembro de 2018, com o teor constante de fls. 46, para que se remete e aqui se dá por reproduzido, designadamente o seguinte:
“(…)
2- Esta carta é enviada por falta de resposta da B…” e receção da “L…” à anterior comunicação, datada de 07 de Novembro de 2018, por correio registado;
3- Findou o prazo de resposta da comunicação efetuada por essa mesma carta;
(…)
6- Irei proceder à ordem de reparação por um técnico credenciado, uma vez que não se opuseram a esta resolução e evitando o encerramento do estabelecimento (entenda-se mais custos de paralisação);
7- Vou remeter os custos para me devolverem o valor da reparação e da imobilização das máquinas, através da via judicial, uma vez que existe falta de comunicação e aceitabilidade da vossa parte.
(…)”.
20) A Autora não obteve resposta às cartas a que se alude em 15) e em 19).
21) Em 13 de Dezembro de 2018 a Autora deu ordem de reparação da secadora à empresa H…, a que esta procedeu.
22) O valor da aludida reparação foi de €1.377,44.
23) Em 15 de Abril de 2019, a Autora, por intermédio da sua mandatária, remeteu à Ré L… e a B… o e-mail constante de fls. 49, para cujo teor se remete e aqui se dá por integralmente reproduzido, a solicitar o pagamento da quantia de €1.522,33, referente a custos de reparação, acrescida do montante diário de €100,00 a título de penalização pelo tempo em que o secador esteve parado, num total de 37 dias.
24) Em Maio de 2019, o mesmo secador começou a apresentar sinais de ferrugem e a deixar cair tinta.
25) Em 16 de Maio de 2019, a Autora, por intermédio da sua mandatária, remeteu à Ré L… e a B… carta registada com aviso de recepção com o teor constante de 58/59 e 60, que aqui se dá por integralmente reproduzido, a reportar a situação e a solicitar “um técnico para averiguar a situação de modo a proceder à reparação ou substituição do secador”.
26) Em 30 de Maio de 2019, a Ré L… respondeu à aludida carta nos termos constantes de fls. 61, para cujo teor se remete e aqui se dá por integralmente reproduzido, comunicando a necessidade de uma averiguação técnica – que implica deslocação – a cargo da Autora.
27) B… intermediou a venda das máquinas descritas em 6) pela Ré L… à Autora.
28) A Autora despendeu €9,75 com o envio das cartas a que se alude em 25).
29) Do “Manual do Parceiro”, a que se alude no ponto 5), consta designadamente o seguinte:
“Garantia das máquinas
A garantia das máquinas será o tempo acordado pela L…, sendo para o setor industrial de 1 ano mínimo pelo fabricante e os anos seguintes acordados na fatura proforma pela L… e segundo as suas condições (ver capítulo Condições).
A garantia apenas cobre avaria nas peças por defeitos de fabrico
Não está coberto pela garantia danos por vandalismo, roubos, desgastes mecânicos devido ao uso, avarias por falta de manutenção, avarias causadas pelas obras, fornecedores de detergentes, borrachas e vidros das portas, puxadores e botões, corrosão metálica devido ao uso, intervenções não autorizadas.
Tenho as máquinas na garantia e tenho uma avaria, tenho custos de reparação?
Sim, terá que pagar os custos de mão de obra e deslocação de técnicos.
O fabricante não cobre despesas de técnicos, custo a suportar pelo cliente”.
30) A Autora aceitou as condições vertidas no referido “Manual do Parceiro”.
Mais resulta dos autos que:
31) A presente acção deu entrada em juízo em 17 de Setembro de 2019.»
*
Na sentença, foram dados como não provados os seguintes factos:
«A) A Autora suportou despesas de correio de montante superior ao mencionado em 28) do elenco de factos provados.
B) O sobreaquecimento dos motores do secador, a que se alude no relatório referido em 17) da matéria de facto provada, resulta do excesso de peso aquando da sua utilização, a qual provoca uma sobrecarga nos motores.»
*
Nas conclusões recursivas, a recorrente especificou o ponto 30 da matéria de facto provada como incorretamente julgado pelo tribunal recorrido.
Tal ponto é do seguinte teor:
«A Autora aceitou as condições vertidas no referido “Manual do Parceiro”.»
No entender da recorrente, o tribunal recorrido deveria antes ter dado como provado que «a Autora após a receção do “Manual do Parceiro” no dia 28/06/2018, questionou por email as Rés quanto aos termos do mesmo demonstrando a sua discordância, email ao qual nunca obteve resposta».
Na fundamentação da decisão sobre a matéria de facto constante da sentença recorrida, pode ler-se:
“Quanto à factualidade vertida em 30), a convicção do Tribunal estribou-se na análise da troca de mensagens de correio electrónico de fls. 22 a 26, da qual emerge a aceitação da Autora às condições fixadas, tendo decidido prosseguir com o negócio nos termos indicados pela Ré.”
“… o nosso regime de sindicância da decisão de facto pela 2.ª instância tem em vista não um segundo julgamento latitudinário da causa, mas sim a reapreciação dos juízos de facto parcelares impugnados, na perspetiva de erros de julgamento específicos, o que requer, por banda do impugnante, uma argumentação probatória que, no limite, os configure” (www.dgsi.pt Acórdão do STJ de 7 de setembro de 2017, processo 959/09.2TVLSB.L1.S1).
A argumentação probatória da recorrente é a seguinte: no «Documento n.º 5 junto aos autos no qual a Autora e Recorrente em 28/06/2018, logo após a receção do “Manual do Parceiro” questiona as Rés Recorridas sobre o mesmo e demonstrando a sua discordância:
“Por curiosidade, após me disponibilizar o manual, e após leitura atenta como sua sugestão, questiono se o Sr. F... pode ter a gentileza de responder a uma mera curiosidade, sendo ela, como consegue a L… ter a capacidade de efectuar um serviço de garantia sem deslocação de um técnico ao local…”»
Contudo, do “Doc. 4” junto com a petição inicial resulta que o Manual do Parceiro foi enviado à A., por mail, a 23 de fevereiro de 2018.
Isso mesmo consta do ponto 5 da matéria de facto provada, ponto esse do seguinte teor:
«No dia 23 de Fevereiro, F…, em nome de B…, remeteu, por e-mail, cuja cópia se encontra junta a fls. 22, ao referido M… os “Manuais L…”, entre os quais o denominado “Manual do Parceiro”, que se encontra junto de fls. 105 a 112 do processo físico, que aqui se dá por integralmente reproduzido.»
Nas conclusões recursivas, este ponto não foi especificado pela recorrente como incorretamente julgado.
Do mail enviado às 18h27 do dia 28 de junho de 2018 e que faz parte da troca de mails que constitui o “Doc. 5” junto com a petição inicial, pode ler-se:
“Envio o Manual novamente em anexo…
As regras são feitas pela L… e não por nosso escritório em Portugal, portanto não são alteráveis, o que também não seria justo com as mais de 170 lojas que já estão abertas e seguiram as regras.”
Conforme resulta do “Doc. 5” junto com a petição inicial, a A. procedeu ao pagamento do preço após a troca de mails do dia 28 de junho de 2018. 
É, pois, de manter a redação do ponto 30 da matéria de facto provada.
Nas conclusões recursivas, pode ler-se:
«Devendo igualmente ser acrescidos os seguintes factos aos factos provados:
k) “A proposta comercial designava tão só que: “Oferecemos uma garantia de 2 anos e com possibilidade de extensão.”
l) “O Manual do Parceiro apenas entregue após pagamento indicava que “O cliente terá sempre o custo de deslocação e mão de obra do técnico, sendo o mesmo pago e faturado pelo mesmo.”»
O facto que a recorrente pretende que seja aditado à matéria de facto provada como alínea k) já consta do ponto 3 da matéria de facto provada, no qual se pode ler:
«Mais consta do aludido e-mail que remetido pela Ré à Autora que “oferecemos uma garantia de 2 anos e com possibilidade de extensão”.»
Quanto ao facto que a recorrente pretende que seja aditado à matéria de facto provada como alínea l), resulta dos documentos nºs 3 a 6 juntos com a petição inicial que o Manual do Parceiro foi enviado depois do pagamento do sinal no valor de € 500,00, mas antes do pagamento do preço.
Assim, improcede a impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
*
O cumprimento defeituoso é mencionado no art.º 799º nº 1 do C.C., norma esta que dispõe o seguinte:
“Incumbe ao devedor provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua.”
“O problema do cumprimento defeituoso da obrigação, que em parte vem tratado em termos paradigmáticos (cf. art.º 939.º) no capítulo da compra e venda (na secção VI, consagrada à venda de coisas defeituosas: art.ºs 913.º e segs.), reveste verdadeira autonomia (dogmática), em face da mora e do não cumprimento, quando a prestação efectuada não coincide, por falta das qualidades que a coisa devia possuir, com a prestação efectivamente devida” (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, anotação ao art.º 799º).
Nos termos do art.º 913º nº 1 do C.C., “se a coisa vendida sofrer de vício que a desvalorize ou impeça a realização do fim a que é destinada, ou não tiver as qualidades asseguradas pelo vendedor ou necessárias para a realização daquele fim, observar-se-á, com as devidas adaptações, o prescrito na secção precedente, em tudo quanto não seja modificado pelas disposições dos artigos seguintes”.
“São estas conotações de carácter objectivo - mais do que o erro do comprador ou o acordo negocial das partes - que servem de real fundamento aos direitos especiais concedidos pela lei ao comprador e que justificam, pela especial perturbação causada na economia do contrato, os desvios contidos nesta secção ao regime comum do erro sobre as qualidades da coisa.
Não se trata, por conseguinte, de garantir o estrito cumprimento dos deveres de prestação contraídos pelas partes. As soluções da lei mergulham as suas raízes mais fundas no princípio da justiça comutativa subjacente a todos os contratos onerosos, em geral, e à compra e venda, em especial.”
“O actual sucedâneo da garantia edilícia não se reduz, por conseguinte, ao efeito anulatório próprio do erro, embora o compreenda na área mais ampla das suas consequências. Mas também não se identifica com a acção creditória ou com a acção de cumprimento do contrato, porque as suas raízes mergulham diretamente mais na lei do que no acordo negocial (mais nas considerações objectivas de justiça, equidade e razoabilidade de que é feito o tecido normativo do que nas injunções resultantes da autonomia privada para cada contrato singular) (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, anotação ao art.º 913º).
Pode-se distinguir o cumprimento defeituoso da obrigação da venda de coisa defeituosa nos seguintes termos:
“Naquele, o vendedor não realizou a prestação a que, por força do contrato, estava adstrito. Nesta a coisa objecto da transacção sofre dos vícios ou carece das qualidades referenciadas no art.º 913º, quer a coisa entregue corresponda, ou não, à prestação a que o vendedor se encontrava vinculado” (www.dgsi.pt Acórdão do STJ proferido a 9 de março de 2010, no processo 4467/06.5TBVLG.P1.S1).
Nos termos do art.º 921º nº 1 do C.C., “se o vendedor estiver obrigado, por convenção das partes ou por força dos usos, a garantir o bom funcionamento da coisa vendida, cabe-lhe repará-la, ou substituí-la quando a substituição for necessária e a coisa tiver natureza fungível, independentemente de culpa sua ou de erro do comprador”.
«Mediante a concessão da “garantia” o vendedor assegura, pelo período da sua duração, o bom funcionamento da coisa, assumindo a responsabilidade pela sanação das avarias, anomalias ou quaisquer deficiências de funcionamento verificadas em circunstâncias de normal utilização do bem.
Como, nestes casos, o vendedor assume a “garantia de um resultado” bastará ao comprador provar o mau funcionamento durante o período de duração da mesma, sem necessidade de identificar a respectiva causa ou demonstrar a respectiva existência no momento da entrega, cabendo ao vendedor que pretenda subtrair-se à responsabilidade (obrigação de reparação, troca, indemnização) opor-lhe e provar que a concreta causa de mau funcionamento é posterior à entrega da coisa (afastando a presunção de existência do defeito ao tempo da entrega que justifica e caracteriza a garantia de bom estado e funcionamento) e imputável a acto do comprador, de terceiro ou devida a caso fortuito» (www.dgsi.pt Acórdãos do STJ proferidos a 6 de setembro de 2011, no processo 4757/05.4TVLSB.L1.S1, e a 10 de dezembro de 2019, no processo 4184/16.8T8VCT.G1.S1).
Conforme resulta da matéria de facto provada, a 6 de julho de 2018, a R. entregou nas instalações da A. vários equipamentos, entre os quais um secador T13/13G; no dia 3 de novembro de 2018, o secador começou a apresentar problemas no aquecimento e acendeu uma luz de aviso; e, em maio de 2019, o secador começou a apresentar sinais de ferrugem e a deixar cair tinta.
Resulta da matéria de facto provada que a A. solicitou à R. a reparação ou substituição do secador ao abrigo da garantia.
Na fundamentação da sentença recorrida, pode ler-se:
“De acordo com o regime da garantia de bom funcionamento - que, como referimos, é mais favorável à Autora, pois que a dispensa de identificar a causa da avaria ou demonstrar a respectiva existência no momento da entrega, transferindo para o vendedor que pretenda subtrair-se à responsabilidade o ónus de provar que a concreta causa de mau funcionamento é posterior à entrega da coisa - o defeito de funcionamento deve ser denunciado ao vendedor dentro do prazo da garantia e, salvo estipulação em contrário, até trinta dias depois de conhecido (cfr. n.º 3), caducando a acção logo que finde o tempo para a denúncia sem o comprador a ter feito, ou passados seis meses sobre a data em que a denúncia foi efectuada (cfr. n.º 4).
No caso vertente, a avaria do secador detectada em 3 de Novembro de 2018 foi denunciada à Ré em 5 de Novembro de 2018 - cfr. facto 13) - e a acção foi intentada em 17 de Setembro de 2019.
Ou seja, volvidos mais de seis meses sobre a denúncia.
Donde, é manifesto que o direito da Autora de ver reconhecido o direito que invoca ao abrigo da garantia de bom funcionamento, por reporte à avaria de 3 de Novembro de 2018, se encontra extinto por caducidade.”
Na sua alegação, a recorrente nada disse em contrário a tal fundamentação, não sendo a caducidade questão a decidir pelo tribunal de recurso.
Resulta da matéria de facto provada que a empresa H… elaborou relatório no qual concluiu que os problemas no aquecimento são devidos a defeito de fabrico na construção dos motores.
Provar que a empresa H… concluiu que os problemas de aquecimento são devidos a defeito de fabrico não significa provar que tal conclusão corresponde à realidade, isto é, que os problemas de aquecimento são efetivamente devidos a defeito de fabrico.
No entanto, o tribunal recorrido implicitamente considerou verificada a existência de defeito de fabrico, pois apreciou o pedido de indemnização deduzido pela A. ao abrigo do regime da venda de coisa defeituosa.
Conforme resulta do disposto no art.º 914º do C.C., “o comprador tem o direito de exigir do vendedor a reparação da coisa”.
O direito a exigir a eliminação dos defeitos tem prioridade em relação aos demais direitos conferidos ao comprador.
“… há, efectivamente, uma sequência lógica de momentos ou fases na tutela do comprador por via dos defeitos na coisa vendida – eliminação dos defeitos ou substituição da prestação, redução do preço ou resolução do contrato, apenas podendo o comprador reclamar a indemnização, se não houver uma daquelas possibilidades alternativas aptas a satisfazer, numa perspectiva objectiva, os interesses do mesmo” (www.dgsi.pt Acórdão do STJ proferido a 25 de outubro de 2012, no processo 3362/05.TBVCT.G1.S1).
“… para a eliminação dos defeitos, ao comprador, após a devida denúncia ao vendedor, cabem os seguintes e sucessivos direitos, …: - o direito de exigir do vendedor a eliminação dos defeitos; no caso de não poderem ser eliminados, o direito de exigir do vendedor a substituição da prestação; no caso de poderem ser eliminados, o recurso à via judicial para obter a condenação do vendedor se ele não proceder voluntariamente à eliminação; recurso à acção executiva para cumprimento da sentença, com recurso à execução específica, por via judicial, nos termos do art.º 818º do C.C., caso em que o comprador, como credor, requer a prestação de facto por terceiro, à custa do vendedor.
Porém, deixa de existir do lado do vendedor o direito de eliminar os defeitos quando se coloca em mora, quanto ao dever de os eliminar e dada a urgência, é o comprador quem a tal procede” (www.dgsi.pt acórdão do STJ proferido a 28 de setembro de 2006, no processo 06B2127).
Na fundamentação da sentença recorrida, pode ler-se:
“… não são alegados factos susceptíveis de enquadrar uma situação de urgência que legitimasse a imediata substituição da Autora à Ré na reparação do defeito denunciado, por via do artigo 335.º do Código Civil.”
Certamente por lapso, o tribunal recorrido invocou o art.º 335º do C.C.
O artigo pertinente é o art.º 336º do C.C., sob a epígrafe “ação direta”, que dispõe o seguinte:
“1. É lícito o recurso à força com o fim de realizar ou assegurar o próprio direito, quando a ação direta for indispensável, pela impossibilidade de recorrer em tempo útil aos meios coercivos normais, para evitar a inutilização prática desse direito, contanto que o agente não exceda o que for necessário para evitar o prejuízo.
2. A ação direta pode consistir na apropriação, destruição ou deterioração de uma coisa, na eliminação da resistência irregularmente oposta ao exercício do direito, ou noutro ato análogo.
3. A ação direta não é lícita, quando sacrifique interesses superiores aos que o agente visa realizar ou assegurar.”
No caso dos autos, não há situação de urgência a permitir à A. eliminar os defeitos em substituição da R., uma vez que os factos provados não permitem afirmar a impossibilidade de recorrer em tempo útil aos meios legais, sendo certo que, não sendo utilizado o secador, não há seguramente risco de incêndio por sobreaquecimento dos motores.
A A. deveria ter primeiro instaurado ação judicial a pedir a condenação da R. a eliminar o defeito e, só no caso de procedência da ação e de a R. não eliminar o defeito no prazo fixado pelo tribunal, podia pedir a eliminação do defeito por outrem à custa do devedor.
Nas conclusões recursivas, pode ler-se: “é nosso entendimento que ao presente caso seria aplicável não apenas o regime da venda de coisas defeituosas, como o regime legal para o cumprimento defeituoso das obrigações, conferindo o direito à Autora de ser ressarcida pelos danos sofridos.”
Discordamos. O regime do cumprimento defeituoso não é aplicável, uma vez que o vendedor realizou a prestação a que, por força do contrato de compra e venda, estava adstrito.
No que toca à anomalia de maio de 2019, a A. pediu a condenação da R. na “reparação e/ ou substituição da máquina avariada, o que deverá ser feito ao abrigo da garantia de bom funcionamento”.
Na fundamentação da sentença recorrida, pode ler-se:
“Quanto à garantia convencional, atendendo ao âmbito da garantia contratualmente fixado, entende-se, pelas razões acima expendidas, para as quais se remete, que nenhum comportamento ilícito pode ser assacado à Ré, ao fazer depender o respectivo acionamento do pagamento, pela Autora, dos custos de deslocação e de mão-de-obra do técnico.”
Nas conclusões recursivas, a recorrente afirmou o seguinte:
“yyy) Contudo, para o exercício de tal direito, as Recorridas oneraram a Recorrente nas despesas inerentes à deslocação e mão de obra de técnico para a sua reparação.
zzz) Situação esta que entendemos ser um absurdo e algo bizarro, uma vez que, não só agem as Recorridas em violação do imperativo legal, bem como, em violação do princípio da confiança e da boa-fé, e, por isso, em claro abuso de direito, na modalidade venire contra factum proprium, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 334.º do Código Civil.”
A garantia assumida pela R. perante a A. é uma garantia contratual, pelo que pode ter carácter oneroso, isto é, pode ter encargos a suportar pelo comprador, tais como custos de transporte, de mão-de-obra e de material.
Como a garantia do bom funcionamento visa reforçar a posição do comprador e não enfraquecê-la, não pode excluir ou limitar os direitos do comprador resultantes da lei.
Assim, se o funcionamento deficiente da coisa ou o seu não funcionamento proviesse de vício ou de falta de qualidades compreendidos no art.º 913º do C.P.C., ter o comprador de suportar os custos de transporte e de mão de obra seria limitar os seus direitos.
Da fundamentação da sentença recorrida consta o seguinte:
«a factualidade apurada é, a nosso ver, insuficiente para concluir que o secador sofre de vício que o desvaloriza ou que impede o fim a que se destina, sendo que também nada é alegado que permita concluir que não dispunha das qualidades asseguradas pelo vendedor, não sendo de desconsiderar o hiato temporal de cerca de 10 meses que mediou entre a sua entrega e as “desconformidades” denunciadas.»
A recorrente discordou de tal fundamentação, afirmando que, “se o secador não seca, então não se encontra apto ao fim pretendido”.
Contudo, aquela parte da fundamentação da sentença recorrida diz respeito à anomalia de maio de 2019, isto é, aos sinais de ferrugem e ao deixar cair tinta e, quanto a tal anomalia, efetivamente não resulta da matéria de facto provada que provém de vício ou de falta de qualidades compreendidos no art.º 913º do C.P.C.
No que toca à questão do abuso do direito suscitada pela recorrente, a mesma ficou prejudicada pela improcedência da impugnação da decisão sobre a matéria de facto provada.
*
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, mantendo a sentença recorrida.
Custas da apelação pela recorrente.

Lisboa, 27 de abril de 2023
Maria do Céu Silva
Teresa Sandiães
Octávio Diogo