Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3876/2006
Relator: VAZ GOMES
Descritores: SENTENÇA ESTRANGEIRA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/08/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: PROVIDO
Sumário: Para que se aponha a fórmula executória ao abrigo do disposto nos art.ºs 38, n.º 1 e 39, n.ºs 1 e 2 do Regulamento Comunitário 44/01, ao caso aplicável, é necessário que o/a requerente demonstre ter havido citação ou comunicação do acto que iniciou a instância no Tribunal onde foi proferida a decisão revidenda.
(V.G)
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 2.ª secção (Cível) do Tribunal da Relação de Lisboa

I – RELATÓRIO

AGRAVANTE E RÉU: G L (representado em juízo pelo ilustre advogada T V, com escritório no Funchal, conforme procuração de fls. 102 dos autos);
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AGRAVADA E AUTORA: M G L (representada em juízo pelo ilustres advogados M B, M B e J C, conforme procuração originalmente redigida na língua inglesa constante de fls. 16 e traduzida a fls. 15 dos autos).
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PEDIDO NA ACÇÃO: Aposição da fórmula executória (art.ºs 38, n.º 1, 39, n.ºs 1 e 2 do REG 44/2001 do Conselho de 22/12/2000) na sentença proferida pelo Tribunal de 1.ª instância de Halle, Alemanha, 4.ª Secção Civil, com data de 28/01/2003, da qual consta a condenação do Réu supra identificado no pagamento à Autora supra identificada da quantia de €133.577,50 acrescida de juros computados à taxa anual de 5% sobre esse montante desde 1/06/2002 até integral pagamento e despesas de montante de €203,58, sendo a acção retractada com o acto processual de 22/01/2003 no valor de €9.350,43.
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FUNDAMENTO: inexistência de causas de indeferimento do requerimento previstas nos art.ºs 34 e 35 ex vi art.º 41 do REG cit; inexistência de inconciliabilidade com outra decisão proferida quanto às mesmas partes em Portugal ou com decisão proferida noutro Estado-Membro.

Aos 07/06/05 é proferido saneador e decisão que declara a executoriedade da decisão proferida e constante de fls. 8/9 ao abrigo do art.º 41 do REG 44/01 DO Conselho.

Cumprida a notificação a que se refere o art.º 42, n.ºs 1 e 2 do REG citado veio o Réu acima identificado interpor recurso da decisão ao abrigo do disposto no art.º 43, n.ºs 1 e 2 do REG citado (fls. 73) recebido a fls. 106 como de agravo, subida imediata nos autos e efeito devolutivo, agravo esse onde o agravante conclui:
1. O recorrente vive em Portugal desde Julho de 2002, não tendo por isso sido citado para a acção cuja decisão foi ora declarada executória;
2. Em Julho de 2002 após chegara à Ilha da Madeira o requerente arrendou um imóvel para habitar com a sua família, conforme cópia do contrato junta como documento n.º 1;
3. Em Agosto de 2002 o recorrente começou a trabalhara para a empresa S C, Lda., com sede na Ilha da Madeira, conforme cópia do contrato de trabalho, de recibos de remuneração e da declaração anual de rendimentos que junta como documento n.º 2, 3, 4;
4. Em Outubro de 2002 a recorrente contratou serviços da Cabo TV para o imóvel onde habita com a sua família, conforme documentos que junta com os n.ºs 5 e 6;
5. Desde Agosto de 2002 que o recorrente efectua descontos para a Segurança Social, conforme extracto de remunerações que junta como documento n.º 7
6. O recorrente nunca foi citado para a supra referida acção pelo que não lhe foi disponibilizado qualquer meio de efectuar o contraditório;
7. A própria sentença no ponto 3, declara que se trata de uma decisão executória provisória;
8. Não foi assegurado nesse processo o contraditório, pelo que apesar de existir fundamento de oposição à mesma, o recorrente não pôde alegá-lo, uma vez que não vivia na Alemanha quando foi intentada a acção e nunca teve conhecimento de que estivesse em curso uma acção contra si.
9. Só quando foi citado nos presentes autos é que teve conhecimento da mesma;
10. Assim o recorrente não exerceu os seus direitos de defesa;
11. Desta forma, tendo em conta o disposto no n.º 2 do art.º 34 do Regulamento (CE) n.º 44/01 e 22/12 a decisão não deve ser reconhecida.

Em contra alegações a Autora, nas suas conclusões em suma diz que o oficial de justiça do Tribunal alemão citou o Réu na última morada conhecida em conformidade com as disposições legais aplicáveis e em 04/03/2003 a sentença foi entregue ao Réu mediante distribuição pública para que o mesmo exercesse oposição no prazo de duas semanas, não o tendo efectuado; a agravada requereu e juntou aos autos cópia autenticada e apostilhada nos termos do art.º 54 do Regulamento que certifica que o cato que determinou o início da instância ou um acto equivalente foi comunicado ou notificado à parte revel; o agravante foi citado no Tribunal de origem e não prova que não teve conhecimento do acto que determinou o início da instância no tribunal de origem, competindo-lhe a prova dos motivos da não concessão do exequatur.

Questão a resolver: Saber se ocorre o fundamento da revogação da decisão que concedeu a executoriedade, ou seja o previsto no art.º 34/2 do Regulamento Comunitário 44/01.

I I- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Está documentalmente provado:
1. O Tribunal de 1.ª instância de Halle, Alemanha, proferiu aos 28/01/2003 a sentença à revelia certificada no original a fls. 8/9 que se transcreve parcialmente nos seguintes termos: “Tribunal de 1.ª instância de Halle Gabinete de Administração n.º 4 o 400/02 Selo: Pronunciada mediante notificação ao Réu aos 4/03/03 Ao mandatário da Autora aos 31/01/03. (…) Autora (…), juiz do tribunal de 1.ª instância e pela snra. Juiz Haubold, administrou justiça no procedimento pré-contencioso por escrito de 28/01/2003: 1. O Réu é condenado a pagar à Autora 133.577,50 euros mais os juros no valor de 5 pontos percentuais sobre a taxa básica desde 1/06/2002 assim como outros 203,58 euros. A acção é retractada com o acto processual do 22/01/2003 no valor de 9.350,43 euros..2 As custas do litígio são impostas ao Réu. 3. Se trata de uma decisão executória provisória. 4 O prazo para oposição é fixado em duas semanas. (…);
2. A fls. 11 encontra-se a apostilha segundo a Convenção de Haia de 1961, a certidão autenticada aos 05/05/04 pelo Presidente do tribunal de 1.ª instância de Halle da referida sentença.
3. A fls. 149 encontra-se um documento com a designação “Anexo 1” que aqui se reproduz, com os seguintes dizeres no essencial: “ n.º do processo: 4 O 400/02 Por favor indicar sempre Halle, 26 de Novembro de 2002, Hansering 13, 06108 Halle (…) Procedimento de notificação pública artigo 186 do ZPO (Código do Processo Civil Alemão) no processo judicial foram hoje entregues às entidades judiciais para efeitos e notificação pública ao senhor H (de momento com paradeiro desconhecido) uma certidão de despacho de autorização de notificação pública do dia 21.11.2002; uma cópia da petição inicial do dia 01.10.2002 (…) Os documentos podem ser vistos na secretaria da 4 secção Cível, sala 182. A notificação pública dos documentos pode suscitar a contagem dos prazos, cujo decurso poderá implicar a perda de direitos. Tratando-se de um documento contendo uma citação, a não comparência ao acto para o qual é convocado poderá ter efeitos jurídicos adversos.”
4. A fls. 152 encontra-se um documento intitulado Anexo 2 que aqui se reproduz com os seguintes dizeres essenciais: “n.º de processo 4 O 400/02 Por favor indicar sempre Halle, 30 de Janeiro de 2003 Hansering 13, 06108 Halle (…) Procedimento de notificação pública, art.º 186 do ZPO (Código do Processo Civil Alemão) No processo judicial M L foram hoje entregues para efeitos de notificação pública ao Sr G L (…) despacho de sentença do julgamento realizado à revelia do réu no dia 28.01.2003 (…) para afixação na porta do tribunal pelo período de um mês. Os documentos podem ser vistos na Secretaria da 4. Secção Cível, sala 182(…)”
5. A fls. 164 consta devidamente traduzido o seguinte: “Execução da Notificação em Público § 186 ZPO. No litígio da Empresa ML contra L foi entregada no dia de hoje com efeito de notificação em público para o senhor G L actualmente com domicílio desconhecido) uma certidão da sentença à revelia do 28/01/2003 conforme código civil 78b, (…) com o fim de expô-la na porta do tribunal para o prazo de um mês. Os documentos podem ser consultados na sede da Secção cível n.º 4. Com a notificação em público dos documentos, prazos podem ser activados que depois da sua expiração podem trazer prescrições de um direito. No caso de que o documento contém uma citação em justiça, a falta desta citação pode ter como consequência prejuízos de direitos (…).
6. O Réu foi citado nestes autos no Funchal como decorre de fls. 71.
7. Aos 31/07/02º Réu e M A outorgaram o contrato de arrendamento para habitação daquele da fracção autónoma sita nos Apartamentos no concelho de Funchal, conforme documento de fls. 92/93 que aqui se reproduz;
8. O Réu e S celebraram em 01/08/02 o contrato de trabalho a termo pelo qual aquela admite este para exercer as suas funções com a categoria de técnico de segurança sob a autoridade e direcção daquela pelo período de 9 meses conforme documento de fls. 95 que aqui se reproduz.
9. S processou vencimentos conforme fls.96/97 que aqui se reproduzem.
10. Em 29/10/02 o Réu requisitou telefone à Cabo Madeirense para a residência referida em 7 conforme fls.98 que aqui e reproduz.

III – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

O Conselho da União Europeia, tendo em conta o Tratado que institui a Comunidade Europeia, nomeadamente os seus artigos 61/c e 67/1, adoptou o Regulamento 44/01 (doravante designado simplesmente de REG), tendo em vista a harmonização das regras de conflito de jurisdição em matéria civil e comercial, simplificação das formalidades com vista ao reconhecimento e à execução rápidos e simples da decisões proferidas nos Estados-Membros, em certas matérias dotando as regras relativas à competência judiciária e ao reconhecimento e execução das decisões por um instrumento jurídico comunitário vinculativo e directamente aplicável (cfr. considerandos 1 a 17); abrangidos pois todos os Estados-Membros da Comunidade à excepção da Dinamarca como dos considerandos resulta e ainda do Protocolo anexo aos Tratados da União Europeia e das Comunidades Europeias.

O REG entrou em vigor, conforme art.º 76 no dia 01/03/2002, vinculando pois Alemanha e Portugal que são Estados-Membros, sendo aplicáveis às acções judiciais intentadas posteriormente à sua entrada em vigor, e ainda às acções judicias anteriores desde que intentadas após a entrada em vigor da Convenção de Bruxelas ou e de Lugano quer no Estado-Membro de origem quer no Estado-Membro requerido, conforme art.º 66.

Dos autos resulta que a acção deu entrada em juízo em Outubro de 2002, e não é posta em causa, a aplicabilidade ao presente recurso do REG 44/01.

Dispõe o art.º 45/1 que o tribunal onde foi interposto recurso ao abrigo dos art.ºs 43 ou 44 apenas recusará ou revogará a declaração de executoriedade por um dos motivos especificados nos art.ºs 34 e 35, não havendo nunca revisão de mérito.

Estatui o art.º 34:
“ Uma decisão não será reconhecida:
1. Se o reconhecimento for manifestamente contrário à ordem pública do Estado-Membro requerido;
2. Se o acto que iniciou a instância, ou acto equivalente, não tiver sido comunicado ou notificado ao requerido revel, em tempo útil e de modo a permitir-lhe a defesa, amenos que o requerido não tenha interposto recurso contra a decisão embora tendo a possibilidade de o fazer;
3. Se for inconciliável com outra decisão proferida quanto às mesmas partes no Estado-Membro requerido;
4. Se for inconciliável com outra anteriormente proferida noutro Estado-Membro ou num Estado terceiro entre as mesmas partes, em acção com o mesmo pedido e a mesma causa de pedir, desde que a decisão proferida anteriormente reúna as condições necessárias para ser reconhecida no Estado-Membro requerido.”

O art.º 35 impõe que se respeitem as normas relativas à competência judiciária quanto a seguros, contratos celebrados por consumidores e competências exclusivas do art.º 22 que foram no caso observados.

Vale por dizer que observadas as regras de competência judiciária mencionadas os únicos fundamentos de recurso da decisão do reconhecimento são aqueles e apenas esses.

Ora em sede de recurso são as conclusões que delimitam o âmbito e cognoscibilidade, conforme art.ºs 660, 684, n.º 3 e 690, n.º 4 do CPC e jurisprudência uniforme do Supremo Tribunal de Justiça português.

Diz o recorrente que não teve conhecimento da decisão proferida pelo Tribunal alemão de que só teve conhecimento quando citada para esta nos termos e para os efeitos do art.º 42 do REG.

Resulta da decisão a reconhecer que o ora recorrente ali Réu foi revel, no sentido de que a sentença foi proferida à revelia do réu.

A violação da ordem pública do Estado-Membro requerido, como fundamento de não reconhecimento da decisão estrangeira pode ser de ordem material como de ordem processual, designadamente se tiver havido lesão grave do contraditório, da imparcialidade do juiz, falta de fundamentação da decisão. O juiz poderá suspender a instância nos termos do art.º 26 do REG enquanto não verificar que o requerido foi colocado em condições de se defender em tempo útil do acto que iniciou o processo, devendo dar-se observância ao disposto no art.º 19 do REG 1348/00.(1)

O requerente e recorrido teve a amabilidade de juntar tradução do teor dos artigos 276 e 331 do Código do Processo Civil Alemão. Aquele, epigrafado “Procedimentos preliminares”, contem a possibilidade da escolha do juiz no sentido de ordenar a realização prévia do julgamento ou ordenar a citação por escrito do réu do pedido para que o mesmo declare se pretende ou não contestar, o prazo de contestação (duas semanas), acrescido de mais duas semanas para a hipótese de o Réu querer contestar por escrito devendo o Réu ser advertido das consequências do incumprimento dos prazos; o segundo dos preceitos contem as consequências da não declaração pelo Réu no prazo das duas semanas de que pretende contestar a acção: decisão sem julgamento.

Os documentos juntos pelo recorrido e requerente sob o n.º 3 apenas certifica a decisão judicial para notificação pública do Réu. A citação deve conter como estatuem os artigos do Código do Processo Civil Alemão, para além da cópia da petição, dos prazos de contestação e das consequências da sua não observação. O acto de citação (não a ordem judicial que está efectivamente certificada) não se encontra certificado nos autos. Na verdade nos pontos 4 e 5 encontram-se a ordem de notificação pública e o procedimento de notificação pública da sentença à revelia.

O que interessa é a notificação ou a comunicação ao requerido revel do acto que iniciou a instância (cfr. art.º 34, n.º 2 do REG 44/01).

Não se pode esquecer que não tendo Portugal declarado querer fazer uso do disposto no art.º 19 n.º 2 do REG 1348/00 do Conselho relativo à notificação e citação dos actos judiciais e extrajudiciais em matéria civil e comercial nos Estado Membros, os juízes portugueses, caso o processo de origem fosse Portugal, não poderiam julgar se não tivesse recebido qualquer certidão comprovativa da citação ou da notificação ou da entrega da petição ou acto equivalente, muito embora o acto tivesse sido transmitido segundo uma das formas previstas pelo REG 1348, com decurso de prazo desde a remessa do acto pelo menos de seis meses sem que tivesse sido possível obter qualquer certidão ou certificado dessa citação apesar das diligências nesse sentido feitas. A Alemanha, conforme se pode ler das Comunicações ao abrigo do art.º 23 do REG 1348 também não fez a declaração a que se refere o art.º 19/2 citado.

Tudo indica que o Tribunal de Halle desconhecia o paradeiro do ora recorrente, dai ter ordenado a sua notificação pública ordem essa que se encontra certificada nos autos.

O que não está certificado minimamente nos autos é o próprio acto de citação (ou da notificação pública), e este tem de conter como resulta do ZPO alemão para além do mais o prazo para contestar e as consequências da sua não contestação. Apesar das insistências, o recorrido requerente não juntou a certidão de citação em conformidade com o que acima decorre do ora recorrente.

A propósito da interpretação do art.º 34/2 do REG 44/01 já o Tribunal de Justiça das Comunidades teve o ensejo de proferir o seguinte acórdão que se transcreve:

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

14 de Dezembro de 2006 (*)

«Competência judiciária, reconhecimento e execução de decisões em matéria civil e comercial – Regulamento (CE) n.º 44/2001 – Reconhecimento e execução – Artigo 34.°, n.º 2 – Decisão proferida à revelia – Motivo de recusa – Conceito de requerido revel que tem ‘a possibilidade’ de interpor recurso da decisão – Falta de comunicação e de notificação da decisão»

No processo C-283/05,

que tem por objecto um pedido de decisão prejudicial nos termos dos artigos 68.° CE e 234.° CE, apresentado pelo Oberster Gerichtshof (Áustria), por decisão de 30 de Junho de 2005, entrado no Tribunal de Justiça em 14 de Julho de 2005, no processo

ASML Netherlands BV

contra

Semiconductor Industry Services GmbH (SEMIS),

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

composto por: P. Jann, presidente de secção, K. Lenaerts (relator), J. N. Cunha Rodrigues, M. Ilešič e E. Levits, juízes,

advogado-geral: P. Léger,

secretário: B. Fülöp, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 6 de Julho de 2006,

vistas as observações apresentadas:

– em representação da ASML Netherlands BV, por J. Leon, Rechtsanwalt,

– em representação do Governo austríaco, por C. Pesendorfer, na qualidade de agente,

– em representação do Governo alemão, por M. Lumma, na qualidade de agente,

– em representação do Governo neerlandês, por H. G. Sevenster, C. ten Dam e M. de Grave, na qualidade de agentes,

– em representação do Governo polaco, por T. Nowakowski, na qualidade de agente,

– em representação do Governo do Reino Unido, por T. Harris, na qualidade de agente, assistida por K. Bacon, barrister,

– em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por A.-M. Rouchaud-Joët, W. Bogensberger e M. Wilderspin, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado-geral na audiência de 28 de Setembro de 2006,

profere o presente

Acórdão

1 O pedido de decisão prejudicial tem por objecto a interpretação do artigo 34.°, n.° 2, do Regulamento (CE) n.° 44/2001 do Conselho, de 22 de Dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial (JO 2001, L 12, p. 1).

2 Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio entre a ASML Netherlands BV (a seguir «ASML»), sociedade com sede em Veldhoven (Países Baixos), e a Semiconductor Industry Services GmbH (a seguir «SEMIS»), sociedade com sede em Feistritz-Drau (Áustria), a propósito da execução, na Áustria, de uma sentença proferida à revelia pelo Rechtbank ’s-Hertogenbosch (Países Baixos) que condenou a SEMIS a pagar à ASML o montante de 219 918,60 EUR, bem como os respectivos juros e as custas do processo.

Quadro jurídico

Regulamento n.° 44/2001

3 O artigo 26.°, n.os 1 e 2, do Regulamento n.° 44/2001 dispõe:

«1. Quando o requerido domiciliado no território de um Estado-Membro for demandado perante um tribunal de outro Estado-Membro e não compareça, o juiz declarar-se-á oficiosamente incompetente se a sua competência não resultar das disposições do presente regulamento.

2. O juiz deve suspender a instância, enquanto não se verificar que a esse requerido foi dada a oportunidade de receber o acto que iniciou a instância, ou acto equivalente, em tempo útil para apresentar a sua defesa, ou enquanto não se verificar que para o efeito foram efectuadas todas as diligências.»

4 Nos termos do artigo 26.°, n.° 3, do referido regulamento, será aplicável, em vez do disposto no n.° 2, o artigo 19.° do Regulamento (CE) n.° 1348/2000 do Conselho, de 29 de Maio de 2000, relativo à citação e à notificação dos actos judiciais e extrajudiciais em matéria civil e comercial nos Estados-Membros (JO L 160, p. 37), se o acto que iniciou a instância tiver sido transmitido por um Estado-Membro a outro em execução desse regulamento.

5 Nos termos do artigo 33.°, n.° 1, do Regulamento n.° 44/2001, «[a]s decisões proferidas num Estado-Membro são reconhecidas nos outros Estados-Membros, sem necessidade de recurso a qualquer processo».

6 Todavia, o artigo 34.°, n.° 2, do referido regulamento dispõe que uma decisão não será reconhecida «se o acto que iniciou a instância, ou acto equivalente, não tiver sido comunicado ou notificado ao requerido revel, em tempo útil e de modo a permitir-lhe a defesa, a menos que o requerido não tenha interposto recurso contra a decisão embora tendo a possibilidade de o fazer».

Regulamento n.° 1348/2000

7 O artigo 19.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1348/2000 tem a seguinte redacção:

«Se uma petição inicial ou um acto equivalente foi transmitido para outro Estado-Membro para citação ou notificação, segundo as disposições do presente regulamento, e o demandado não compareceu, o juiz sobrestará no julgamento, enquanto não for determinado:

a) Ou que o acto foi objecto de citação ou de notificação segundo a forma prescrita pela legislação do Estado-Membro requerido para citação ou para notificação dos actos emitidos neste país e dirigidos a pessoas que se encontrem no seu território;

b) Ou que o acto foi efectivamente entregue ao demandado ou na sua residência, segundo um outro processo previsto pelo presente regulamento,

e que, em cada um destes casos, quer a citação ou notificação, quer a entrega foi feita em tempo útil para que o demandado tenha podido defender-se.»

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

8 Por sentença de 16 de Junho de 2004, o Rechtbank ’s-Hertogenbosch condenou a SEMIS à revelia a pagar à ASML o montante de 219 918,60 EUR, acrescido de juros e das custas do processo (a seguir «sentença proferida à revelia»).

9 Resulta da decisão de reenvio que, por um lado, a notificação para comparecer na audiência no Rechtbank ’s-Hertogenbosch, por este marcada para o dia 19 de Maio de 2004, só foi comunicada à SEMIS no dia 25 de Maio de 2004 e, por outro, que a SEMIS não foi notificada da sentença proferida à revelia.

10 A pedido da ASML, a força executiva da sentença proferida à revelia foi reconhecida por despacho de 20 de Dezembro de 2004 do Bezirksgericht Villach (Áustria), tribunal de primeira instância do Estado-Membro requerido, com base numa certidão emitida pelo Rechtbank ’s-Hertogenbosch em 6 de Julho de 2004, que declarou essa sentença «executiva a título provisório». O referido tribunal ordenou igualmente a execução dessa sentença.

11 Foi notificada à SEMIS uma cópia desse despacho. A sentença proferida à revelia não foi junta a essa notificação.

12 Tendo a SEMIS interposto recurso do referido despacho, o Landesgericht Klagenfurt (Áustria) recusou o pedido de execução da sentença proferida à revelia pelo facto de a «possibilidade de interpor recurso» de uma decisão proferida à revelia, na acepção do artigo 34.°, n.° 2, do Regulamento n.° 44/2001, pressupor uma comunicação ou uma notificação dessa decisão ao requerido revel. Esse tribunal rejeitou a argumentação da ASML, segundo a qual a excepção ao não reconhecimento prevista no referido artigo 34.°, n.° 2, era aplicável porque a SEMIS teve conhecimento, por um lado, da acção que foi intentada contra ela nos Países Baixos ao ter sido notificada em 25 de Maio de 2004 para comparecer e, por outro, da existência da referida sentença proferida à revelia na sequência da notificação do despacho do Bezirksgericht Villach, de 20 de Dezembro de 2004, que reconheceu força executiva a essa sentença.

13 Pronunciando-se no âmbito do recurso de revista interposto pela ASML, o Oberster Gerichtshof refere que, no caso em apreço, o acto que iniciou a instância, ou acto equivalente, não foi comunicado ou notificado à SEMIS em tempo útil de modo a permitir-lhe defender-se, uma vez que só foi notificada para comparecer na audiência no Rechtbank ’s-Hertogenbosch depois da data em que essa audiência teve lugar. Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, o motivo da recusa de reconhecimento e execução enunciado no artigo 34.°, n.° 2, do Regulamento n.° 44/2001 é, por conseguinte, aplicável ao caso em apreço, salvo se estiverem preenchidos os requisitos da excepção, ou seja, se se verificar, nos termos do artigo 34.°, n.° 2, in fine, que a SEMIS «não [interpôs] recurso contra a decisão embora tendo a possibilidade de o fazer».

14 Considerando que é necessário proceder à interpretação do artigo 34.°, n.° 2, do Regulamento n.° 44/2001 para dirimir o litígio nele pendente, o Oberster Gerichtshof suspendeu a instância e submeteu à apreciação do Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1) A expressão ‘a menos que o requerido não tenha interposto recurso contra a decisão embora tendo a possibilidade de o fazer’, constante do artigo 34.°, n.° 2, do Regulamento [...] n.° 44/2001 [...], deve ser interpretada no sentido de que esta ‘possibilidade’ pressupõe sempre a remessa ao requerido, regularmente efectuada segundo as disposições aplicáveis em matéria de notificações, de uma cópia da sentença condenatória proferida à sua revelia num Estado-Membro?

2) Caso a resposta à primeira questão seja negativa:

Deve entender-se que a mera notificação de uma cópia da decisão relativa ao pedido de reconhecimento da força executória, na Áustria, da sentença proferida à revelia pelo Rechtbank ’s-Hertogenbosch em 16 de Junho de 2004 e de que fosse ordenada a respectiva execução por força do título executivo estrangeiro cuja força executória foi reconhecida deveria, por si só, ter levado a requerida e executada […] a verificar, por um lado, a existência dessa sentença e, por outro, a existência de uma (eventual) possibilidade de recorrer dessa sentença no ordenamento jurídico do Estado em que foi proferida a sentença, a fim de se determinar se teve a possibilidade de interpor recurso, que é requisito essencial da aplicação da excepção ao impedimento do reconhecimento de uma decisão judicial prevista no artigo 34.°, n.° 2, do Regulamento n.° 44/2001

Quanto às questões prejudiciais

15 Nas duas questões, que há que analisar conjuntamente, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se o artigo 34.°, n.° 2, do Regulamento n.° 44/2001 deve ser interpretado no sentido de que a «possibilidade», na acepção dessa disposição, de interpor recurso da decisão proferida à revelia e cuja execução se pede pressupõe que essa decisão tenha sido regularmente notificada ao requerido revel, ou se basta que este último tenha tido conhecimento da sua existência na fase do processo de execução no Estado requerido.

16 A este respeito, refira-se desde já que a redacção do artigo 34.°, n.° 2, do Regulamento n.° 44/2001 não permite, por si só, responder às questões colocadas.

17 Com efeito, a referida disposição enuncia um requisito expresso de comunicação ou notificação ao requerido revel apenas em relação ao acto que iniciou a instância ou acto equivalente, e não em relação à decisão proferida à revelia.

18 Em seguida, há que observar que a redacção do artigo 34.°, n.° 2, do Regulamento n.° 44/2001 difere sensivelmente das disposições equivalentes da Convenção de 27 de Setembro de 1968 relativa à competência judiciária e à execução de decisões em matéria civil e comercial (JO 1972, L 299, p. 32; EE 01 F1 p. 186), com as alterações introduzidas pela Convenção de 9 de Outubro de 1978 relativa à adesão do Reino da Dinamarca, da Irlanda e do Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte (JO L 304, p. 1 e – texto modificado – p. 77; EE 01 F2 p. 131 e – texto modificado – p. 207), pela Convenção de 25 de Outubro de 1982 relativa à adesão da República Helénica (JO L 388, p. 1; EE 01 F3 p. 234), pela Convenção de 26 de Maio de 1989 relativa à adesão do Reino de Espanha e da República Portuguesa (JO L 285, p. 1) e pela Convenção de 29 de Novembro de 1996, relativa à adesão da República da Áustria, da República da Finlândia e do Reino da Suécia (JO 1997, C 15, p. 1, a seguir «Convenção de Bruxelas»).

19 Com efeito, o artigo 27.°, n.° 2, da Convenção de Bruxelas dispõe que as decisões não são reconhecidas «se o acto que determinou o início da instância, ou acto equivalente, não tiver sido comunicado ou notificado ao requerido revel, regularmente e em tempo útil, por forma a permitir-lhe a defesa».

20 Ao invés, o artigo 34.°, n.° 2, do Regulamento n.° 44/2001 não pressupõe necessariamente a regularidade da comunicação ou notificação do acto que determinou o início da instância, mas sim a efectiva observância dos direitos de defesa.

21 Por último, o referido artigo 34.°, n.° 2, prevê uma excepção à recusa de reconhecimento e execução da decisão, concretamente, o caso em que o requerido revel não tenha interposto recurso dessa decisão embora tendo a possibilidade de o fazer.

22 Assim, há que interpretar o artigo 34.°, n.° 2, do Regulamento n.° 44/2001 à luz dos seus objectivos e da sua sistemática.

23 No que diz respeito, em primeiro lugar, aos objectivos do referido regulamento, resulta dos seus considerandos segundo, sexto, décimo sexto e décimo sétimo que o mesmo pretende alcançar o objectivo da livre circulação das decisões dos Estados-Membros em matéria civil e comercial, simplificando as formalidades para que o respectivo reconhecimento e execução sejam rápidos e simples.

24 Esse objectivo não pode, todavia, ser alcançado à custa de um enfraquecimento, seja qual for a forma que assuma, dos direitos de defesa, como o Tribunal de Justiça decidiu a propósito do artigo 27.°, n.° 2, da Convenção de Bruxelas (v., nomeadamente, acórdãos de 11 de Junho de 1985, Debaecker e Plouvier, 49/84, Recueil, p. 1779, n.° 10; de 13 de Outubro de 2005, Scania Finance France, C522/03, Colect., p. I8639, n.° 15; e de 16 de Fevereiro de 2006, Verdoliva, C3/05, Colect., p. I1579, n.° 26).

25 Esta mesma exigência resulta do décimo oitavo considerando do Regulamento n.° 44/2001, nos termos do qual o respeito pelos direitos de defesa impõe, todavia, que o requerido possa interpor recurso, examinado de forma contraditória, contra a declaração de executoriedade de uma decisão, se entender que é aplicável qualquer fundamento para a não execução.

26 Segundo jurisprudência assente, os direitos fundamentais são efectivamente parte integrante dos princípios gerais de direito cujo respeito é assegurado pelo Tribunal de Justiça (v., nomeadamente, parecer 2/94, de 28 de Março de 1996, Colect., p. I1759, n.° 33). Para este efeito, o Tribunal de Justiça inspirase nas tradições constitucionais comuns aos EstadosMembros, bem como nas indicações fornecidas pelos instrumentos internacionais relativos à protecção dos direitos do Homem em que os EstadosMembros colaboraram ou a que aderiram. A Convenção Europeia de Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais (a seguir «CEDH») revestese, neste contexto, de um significado particular (v., nomeadamente, acórdãos de 15 de Maio de 1986, Johnston, 222/84, Colect., p. 1651, n.° 18, e de 28 de Março de 2000, Krombach, C7/98, Colect., p. I1935, n.° 25).

27 Ora, resulta da CEDH, tal como interpretada pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, que os direitos de defesa, que decorrem do direito a um processo equitativo consagrado no artigo 6.° dessa Convenção, impõem uma protecção concreta e eficaz, adequada a garantir o exercício efectivo dos direitos do demandado (v. TEDH, acórdãos Artico e Itália de 13 de Maio de 1980, série A, n.° 37, § 33, e T. e Itália de 12 de Outubro de 1992, série A, n.° 245 C, § 28).

28 Como referiu o advogadogeral no n.° 105 das suas conclusões, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem também decidiu, embora em matéria penal, que o desconhecimento pelo arguido dos fundamentos do acórdão do tribunal de recurso, dentro do prazo fixado para recorrer desse acórdão para o tribunal superior, constitui uma violação do disposto no n.° 1, em conjugação com o n.° 3, ambos do artigo 6.° da CEDH, pois o interessado ficou impossibilitado de interpor recurso de forma útil e efectiva (v. TEDH, acórdão Hadjianastassiou e Grécia de 16 de Dezembro de 1992, série A, n.° 252, §§ 29 a 37).

29 Em segundo lugar, no que diz respeito ao sistema instituído pelo Regulamento n.° 44/2001 em matéria de reconhecimento e execução, importa referir, como fez o advogadogeral no n.° 112 das suas conclusões, que o respeito pelos direitos do requerido revel é garantido por uma dupla fiscalização.

30 No processo inicial no Estado de origem, resulta efectivamente da aplicação conjugada dos artigos 26.°, n.° 2, do Regulamento n.° 44/2001 e 19.°, n. 1, do Regulamento n.° 1348/2000 que o juiz deve sobrestar na decisão enquanto não se verificar que o requerido revel teve oportunidade de receber o acto que determinou o início da instância ou acto equivalente em tempo útil para apresentar a sua defesa ou que foram feitas todas as diligências nesse sentido.

31 No processo de reconhecimento e execução no Estado requerido, se o requerido interpuser recurso da decisão que confere força executiva à decisão proferida no Estado de origem, o tribunal que decide esse recurso pode ter que examinar um motivo de recusa de reconhecimento ou de execução como o previsto no artigo 34.°, n.° 2, do Regulamento n.° 44/2001.

32 É à luz destas considerações que há que determinar se, no caso de notificação inexistente ou irregular de uma decisão proferida à revelia, o simples conhecimento da existência dessa decisão na fase do processo de execução pela pessoa contra quem a execução é requerida é suficiente para considerar que essa pessoa tinha a possibilidade, na acepção do artigo 34.°, n.° 2, do Regulamento n.° 44/2001, de interpor recurso da referida decisão.

33 No processo principal, está assente que a sentença proferida à revelia não foi comunicada nem notificada ao requerido revel, de modo que este não teve conhecimento do conteúdo dessa decisão.

34 Ora, como correctamente alegaram os Governos austríaco, alemão, neerlandês e polaco, bem como a Comissão das Comunidades Europeias nas observações que apresentaram no Tribunal de Justiça, só é possível interpor recurso de uma decisão se tiver sido dada ao recorrente a oportunidade de tomar conhecimento do conteúdo dessa decisão, não sendo suficiente, para esse efeito, o mero conhecimento da existência dessa decisão.

35 Com efeito, a efectiva possibilidade de o requerido interpor um recurso que lhe permita fazer valer os seus direitos, na acepção da jurisprudência recordada nos n.os 27 e 28 do presente acórdão, pressupõe que possa tomar conhecimento dos fundamentos da decisão proferida à revelia, para que possa contestálos eficazmente.

36 Por conseguinte, só o conhecimento do conteúdo da decisão proferida à revelia pelo requerido revel permite garantir, em conformidade com as exigências de observância e efectivo exercício dos direitos de defesa, que esse requerido tenha a possibilidade, na acepção do artigo 34.°, n.° 2, do Regulamento n.° 44/2001, de interpor recurso dessa decisão no tribunal do Estado de origem.

37 Esta conclusão não é susceptível de pôr em causa o efeito útil das alterações introduzidas no artigo 34.°, n.° 2, do Regulamento n.° 44/2001 em relação às disposições equivalentes do artigo 27.°, n.° 2, da Convenção de Bruxelas.

38 Com efeito, como observou o advogadogeral nos n.os 58 e 60 das suas conclusões, o artigo 34.°, n.° 2, do Regulamento n.° 44/2001 destinase, nomeadamente, a impedir que o requerido revel aguarde o processo de reconhecimento e execução no Estado requerido para invocar a violação dos direitos de defesa quando teve a possibilidade de invocar os seus direitos interpondo recurso da decisão em causa no Estado de origem.

39 O artigo 34.°, n.° 2, do Regulamento n.° 44/2001 não implica, no entanto, que o requerido deva tomar novas iniciativas, para além de uma diligência normal, na defesa dos seus direitos, como informarse do conteúdo de uma decisão proferida noutro EstadoMembro.

40 Por conseguinte, para que se possa considerar que o requerido revel teve a possibilidade, na acepção do artigo 34.°, n.° 2, do Regulamento n.° 44/2001, de interpor recurso de uma decisão condenatória proferida à revelia, tem que ter tido conhecimento do conteúdo dessa decisão, o que pressupõe que a mesma lhe tenha sido comunicada ou notificada.

41 Todavia, há que esclarecer, como observam os Governos austríaco, alemão e do Reino Unido nas observações que apresentaram no Tribunal de Justiça, que a comunicação ou notificação regular da decisão proferida à revelia, ou seja, o cumprimento de todas as regras aplicáveis a essas formalidades, não é um requisito necessário para que se considere que o requerido teve a possibilidade de interpor recurso.

42 Como referiu o advogadogeral no n.° 65 das suas conclusões, o artigo 34.°, n.° 2, do Regulamento n.° 44/2001 leva necessariamente a estabelecer um paralelo entre o acto que determinou o início da instância e a decisão proferida à revelia.

43 Com efeito, a comunicação ou a notificação do acto que determinou o início da instância e da decisão proferida à revelia, efectuadas em tempo útil e de modo a permitir ao requerido defenderse, dãolhe a possibilidade de assegurar o respeito pelos seus direitos por parte do tribunal do Estado de origem na mesma medida.

44 Por conseguinte, a economia do Regulamento n.° 44/2001 não impõe a sujeição da comunicação ou da notificação de uma decisão proferida à revelia a requisitos mais estritos do que os previstos no artigo 34.°, n.° 2, desse regulamento no que diz respeito à comunicação ou à notificação de um acto que determina o início da instância.

45 Ora, no que diz respeito ao acto que determina o início da instância ou acto equivalente, o artigo 34.°, n.° 2, do Regulamento n.° 44/2001 eliminou o requisito necessário de regularidade formal enunciado no artigo 27.°, n.° 2, da Convenção de Bruxelas, como foi recordado no n.° 20 do presente acórdão.

46 O requisito da exclusão do motivo justificativo do não reconhecimento e da não execução, enunciado na referida disposição, não é, assim, necessariamente uma comunicação ou uma notificação regular em todos os aspectos, mas, pelo menos, um conhecimento do conteúdo da decisão em tempo útil de modo a permitir ao requerido exercer a sua defesa.

47 Consequentemente, como observou o advogadogeral no n.° 69 das suas conclusões, as exigências formais dessa comunicação ou notificação devem ser equivalentes às previstas pelo legislador comunitário no artigo 34.°, n.° 2, do Regulamento n.° 44/2001 relativamente aos actos que determinam o início da instância, de modo que uma mera irregularidade formal, que não prejudique os direitos de defesa, não deve ser suficiente para afastar a aplicação da excepção ao motivo justificativo do não reconhecimento ou da não execução.

48 Por conseguinte, para que se considere que o requerido teve a «possibilidade», na acepção do artigo 34.°, n.° 2, do Regulamento n.° 44/2001, de interpor recurso de uma decisão condenatória proferida à revelia, este deve ter tido conhecimento do respectivo conteúdo, de modo a que, em tempo útil, tenha podido fazer valer os seus direitos de maneira eficaz no tribunal do Estado de origem.

49 Tendo em conta as considerações precedentes, há que responder às questões colocadas que o artigo 34.°, n.° 2, do Regulamento n.° 44/2001 deve ser interpretado no sentido de que o requerido só tem a «possibilidade» de interpor recurso de uma decisão condenatória proferida à revelia se tiver tido efectivamente conhecimento do seu conteúdo, através de comunicação ou notificação efectuada em tempo útil para lhe permitir defenderse no tribunal do Estado de origem.

Quanto às despesas

50 Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) declara:

O artigo 34.°, n.° 2, do Regulamento (CE) n.° 44/2001 do Conselho, de 22 de Dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, deve ser interpretado no sentido de que o requerido só tem a «possibilidade» de interpor recurso de uma decisão condenatória proferida à revelia se tiver tido efectivamente conhecimento do seu conteúdo, através de comunicação ou notificação efectuada em tempo útil para lhe permitir defenderse no tribunal do Estado de origem.

Assinaturas


* Língua do processo: alemão.

Pelo exposto, não se sabe quando foi feita e em que termos foi feita a citação do ora recorrente para a acção que correu termos na Alemanha. Tais elementos são essenciais à concessão do exequatur e a sua junção aos autos constitui ónus da Sociedade requerente pois só com a sua junção será possível aferir da existência de do próprio acto que iniciou a instância.
O ora recorrente não logrou trazer aos autos esse elemento, pelo que se terá de concluir que o acto que iniciou a instância não foi sequer comunicado ao ora recorrente.

IV – DECISÃO

Tudo visto acorda-se em conceder provimento ao agravo e consequentemente, revogar-se a sentença recorrida, não sendo, assim, concedida executoriedade à decisão proferida em 28/01/03 pelo Tribunal de 1.ª instância de Halle, Alemanha.
Custas pelo agravado.
Lxa. / /07

João Miguel Mourão Vaz Gomes


Jorge Manuel Leitão Leal


Américo Joaquim Marcelino

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Anotação ao art.º 34 pelo ilustre Conselheiro, já falecido, Neves Ribeiro em Processo Civil da União Europeia, Coimbra Editora, 2002, pág. 108.