Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
17807/15.7T8LSB.L1-4
Relator: ALBERTINA PEREIRA
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO
DIREITOS ADQUIRIDOS
EXPECTATIVA JURÍDICA
REMISSÃO ABDICATIVA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/08/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA
Sumário: I-A ré disponibilizava ao autor o veículo automóvel (da sua marca) que este pretendesse para seu uso durante o período de onze meses, findos os quais este poderia adquirir o referido veículo pelo preço acordado (abaixo do valor de mercado) ou poderia devolvê-lo à ré, sem qualquer custo adicional (viatura “a contento”).

II-Não tem qualquer expectativa jurídica ou direito adquirido de obter vitaliciamente uma viatura “a contento”, após a cessação do contrato de trabalho, em virtude de ter sido sujeito ao longo dos anos a um concreto regime de avaliação, o trabalhador que vem a fazer cessar por acordo com a ré o seu contrato de trabalho, numa altura em que a esta, ao contrário do que vinha sucedendo anteriormente, devido ao cenário de crise económica e de acentuada quebra de venda de veículos, se viu na contingência de levar a cabo um despedimento colectivo onde se incluiu o autor.

III-Por outro lado, a declaração negocial do autor (a renunciar a quaisquer eventuais créditos laborais que pudesse deter sobre a 1ª contratante devidos pela execução ou cessação do contrato de trabalho), aliada à declaração deste a renunciar à impugnação judicial do despedimento (que mais não significam do que prescindir definitivamente de vir futuramente interpor acção a reivindicar outros créditos decorrentes do contrato, numa perspectiva de pacificação e de “finalização” da relação laboral), equivale a uma remissão abdicativa, no sentido de renunciar “a quaisquer eventuais créditos laborais que pudesse deter” sobre a ré, “devidos pela execução ou cessação do contrato de trabalho”, entre os quais o (eventual) direito a viatura “a contento”, em termos vitalícios

(Sumário elaborado pela Relatora)

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa.


1-RELATÓRIO:


AAA, intentou a presente acção declarativa emergente de contrato individual de trabalho contra BBB, pedindo, seja declarado que:

a)Tem direito a usufruir, e a ré tem o dever de lhe proporcionar, carro “a contento” a título vitalício, como contrapartida de o autor se ter sujeitado ao longo da execução do contrato a política de aumento salarial numa base exclusivamente de mérito;
b)Tem direito sobre a ré de beneficiar das condições de compra de novos veículos vendidos pela ré em condições de empregado, em virtude de ter tido esta qualidade e de ter sido seu administrador.
Fundamenta a sua pretensão, alegando que em 17 de Fevereiro de 1999, celebrou com a ré um contrato de trabalho, que manteve todos os anteriores direitos nomeadamente antiguidade adquiridos ao abrigo de um contrato celebrado com a (…). Detinha a categoria LL6, tendo sido abrangido pelo regime de avaliação em vigor para os quadros superiores descritos no IRAM. Ao abrigo desse regime especial de avaliação o autor o autor adquiriu o direito de manter um veículo a contento a título vitalício, depois de cessar o seu contrato de trabalho com a ré. Em 27.08.2001, a ré concedeu o benefício de compra de carros da marca (…) a ex-membros da Administração, funções que o autor exerceu desde 28.03.2002 a 29.11.2013, data em que renunciou, sendo-lhe por isso aplicável tal prerrogativa. Acresce que a ré sempre concedeu vitaliciamente a todos os seus ex-quadros um carro a contento, sendo que nenhum deles terá atingido a idade legal da reforma a cada momento fixada. Também os ex-membros da Administração, em geral empregados, mantiveram esse benefício de compra de veículos da marca (…) em condições de empregado. Em 18 de Dezembro de 2013, o autor foi incluído num processo de despedimento colectivo que, após negociações, veio culminar com a assinatura de acordo de revogação do contrato de trabalho em 30 de Junho de 2014, negando-se a atribuir o veículo a contento assim como o benefício concedido a ex-administradores.

Regularmente citada e após a realização da audiência de partes a ré contestou a ré por excepção a remissão abdicativa.

Foi proferido despacho saneador que julgou verificada a validade da instância e dispensou, em face da simplicidade da causa, a fixação da matéria de facto.

Realizou-se audiência de discussão e julgamento no decurso da qual veio o autor requerer (fls. 168 a 176), que a ré juntasse aos autos documentos relativo à cessação dos contratos de trabalho de todos os ex-colaboradores que refere; informação sobre se tais trabalhadores mantêm o direito a carro “a contento” vitaliciamente, juntando aos autos todos os contratos que titulam tal direito a carro “a contento” desde a data da sua saída até ao presente; ficha de trabalhador de todos os ex-trabalhadores referidos, respectivos números de identificação fiscal e da Segurança Social, no sentido de esta esclarecer a idade dos mesmos e se após a sua saída da empresa beneficiaram imediatamente de reforma ou de pré-reforma. Após cumprida a junção por parte da ré de tais elementos, se digne oficiar à Segurança Social para que venha aos autos informar relativamente a todos os ex-trabalhadores, se na data da sua saída da ré, alguns deles passaram à situação de reforma ou pré-reforma, e se sim, quais e se não, quais. Assim se esclarecendo se a concessão vitalícia de viaturas “a contento” a ex-trabalhadores da ré, com igual nível do autor, se destinou a trabalhadores que quando cessaram os seus contratos de trabalho com a ré passaram à situação de reforma ou pré-reforma.

Notificada a ré, pronunciou-se a mesma no sentido do indeferimento do requerido.

O referido requerimento foi indeferido (fls. 196), pois, considerando a posição assumida na contestação de que o autor foi integrado num despedimento colectivo, e não rescindiu por acordo o seu contrato de trabalho, é irrelevante para a decisão o requerido pelo autor.

1.2.-Inconformado com tal decisão dela recorreu o autor (fls. 213 a 225), concluindo as suas alegações de recurso, em suma, do seguinte modo:
-o direito a uma viatura anual, vitalícia “a contento”, após a cessação do contrato de trabalho, não decorre de qualquer negociação para a cessação do contrato de trabalho, mas de um direito pré-existente, criado e solidificado pela ré na constância da relação laboral, pela forma como em determinado momento passou a ser avaliado e aumentado no seu salário, sendo tal direito uma contrapartida por tal.
-Ao contrário do que a ré alega em nenhum instrumento contratual que titulou o acordo de revogação do contrato de trabalho de nenhum dos trabalhadores com igual posição hierárquica na ré, quer seja no próprio acordo, quer seja num anexo, ao longo dos anos, surge qualquer referência a qualquer negociação ou concessão do veículo a contento após a cessação do contrato de trabalho.
-Ao contrário também do referido pela ré, nenhum dos directores que detinham igual nível hierárquico  que o autor e que beneficiaram ou beneficiam de veículo a contento da ré e que saíram da ré, pelo menos desde 1996, saíram da empresa ré para a reforma ou para algo similar, como uma situação de pré-reforma.
-Daí a necessidade das referidas diligências de prova.

A ré não contra-alegou.

1.3.-Proferida sentença foi a acção julgada parcialmente procedente e, em consequência decidiu-se: ter o autor direito a beneficiar das condições de compra de novos veículos vendidos pela ré em condições de empregado e absolvendo-se a mesma ré do demais peticionado.

1.4.-Inconformados com esta decisão dela recorre o autor, a título principal e a ré em termos subordinados.

1.4.1.-Concluiu o autor as suas alegações de recurso do seguinte modo:

A.- COMPULSADA A SENTENÇA, VERIFICOU-SE QUE A MESMA ENFERMA DE NULIDADE POR OMISSÃO DE PRONÚNCIA NOS TERMOS ESTABELECIDOS NO ARTIGO 615.º, N.º 1, ALÍNEA D), DO CPC, NA MEDIDA EM QUE A DOUTA SENTENÇA DEIXOU DE SE PRONUNCIAR SOBRE QUESTÕES QUE DEVESSE APRECIAR.
B.- ESTIPULA O ARTIGO 641.º, N.º 1, DO CPC, QUE FINDOS OS PRAZOS CONCEDIDOS ÀS PARTES, NO ÂMBITO DA INTERPOSIÇÃO DE RECURSOS DE APELAÇÃO, O JUIZ APRECIA OS REQUERIMENTOS POR ESTAS APRESENTADOS.
C.- ASSIM, O AUTOR, ORA APELANTE, EM 12 DE JANEIRO DE 2016, REQUEREU AO DOUTO TRIBUNAL A QUO A PRODUÇÃO DE ELEMENTOS DE PROVA, O QUE FOI INDEFERIDO, TENDO O AUTOR DISCORDADO DE TAL DECISÃO, DA QUAL INTERPÔS RECURSO DE APELAÇÃO POR INDEFERIMENTO DE MEIOS DE PROVA, APRESENTANDO O REQUERIMENTO DE INTERPOSIÇÃO DE RECURSO E RESPETIVAS ALEGAÇÕES E CONCLUSÕES EM 15 DE FEVEREIRO DE 2016.
D.- O DOUTO TRIBUNAL A QUO, CONTUDO, NÃO SE PRONUNCIOU NOS AUTOS SOBRE O REQUERIMENTO DE INTERPOSIÇÃO DE RECURSO, NÃO O APRECIANDO O REQUERIMENTO AO CONTRÁRIO DO QUE RESULTA PREVISTO NO ARTIGO 641.º, N.º 1, DO CPC, NEM O FEZ NA DOUTA SENTENÇA ORA EM CRISE, ONDE, NO LIMITE, PODERIA FAZÊ-LO, ANTES DE ESGOTADO O PODER JURISDICIONAL.
E.- ASSIM, POR A SENTENÇA SER NULA, DEVERÁ SER SUBSTITUÍDA POR OUTRA QUE SE PRONUNCIE SOBRE O REQUERIMENTO DE INTERPOSIÇÃO DE RECURSO DE APELAÇÃO ACIMA REFERIDO E APRESENTADO NOS PRESENTES AUTOS, ADMITINDO O MESMO E ORDENANDO A SUA SUBIDA IMEDIATA, MAS EM SEPARADO, INSTRUÍDO COM AS PEÇAS PROCESSUAIS NELE MENCIONADAS.
F.- ENTENDENDO O TRIBUNAL A QUO MANTER A DECISÃO DE NÃO APRECIAÇÃO DE TAL REQUERIMENTO DE INTERPOSIÇÃO DE RECURSO, DEVERÁ O DOUTO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA ORDENAR A BAIXA DOS AUTOS DE VOLTA AO TRIBUNAL A QUO, POR FORMA A ESTE SE PRONUNCIAR SOBRE O REQUERIMENTO DE RECURSO E ALEGAÇÕES ACIMA REFERIDO E APRESENTADO PELO AUTOR DA DECISÃO DE INDEFERIMENTO DE MEIOS DE PROVA.
G.- NÃO SENDO CONSIDERADA TAL NULIDADE, DEVERÁ TAL IRREGULARIDADE SER SUPRIDA PELO TRIBUNAL A QUO, PRONUNCIANDO-SE SOBRE O REFERIDO REQUERIMENTO DE RECURSO APRESENTADO, MANDANDO SUBIR O MESMO, COM AS RESPETIVAS ALEGAÇÕES, EM SEPARADO, MAS COM SUBIDA IMEDIATA.
H.- A SENTENÇA ORA EM CRISE NÃO APRECIOU E JULGOU, COM A DEVIDA FUNDAMENTAÇÃO E ANÁLISE CRÍTICA, EM TODA A SUA PLENITUDE, A MATÉRIA DE FACTO E AS SUAS CONSEQUÊNCIAS NA APLICAÇÃO DO DIREITO TENDO EM CONTA A PROVA PRODUZIDA NOS PRESENTES AUTOS, NOMEADAMENTE PROVA GRAVADA, QUE IMPUNHAM DECISÃO DE FACTO E DE DIREITO DIVERSA.
I.- A DECISÃO ORA EM CRISE VIOLOU ASSIM O DISPOSTO NOS ARTIGOS 126.º E 323.º DO CÓDIGO DO TRABALHO E ARTIGO 236.º E 863.º, N.º 1 DO CÓDIGO CIVIL, NA MEDIDA EM QUE A MESMA NÃO APRECIOU DEVIDAMENTE A DECLARAÇÃO DO COMO CONTRAPARTIDA DAS PRESTAÇÕES/BENEFÍCIOS REFERIDOS NAS CLÁUSULAS ANTERIORES, O 2º CONTRATANTE DECLARA RENUNCIAR AO DIREITO DE IMPUGNAR JUDICIALMENTE O SEU DESPEDIMENTO BEM COMO A QUAISQUER EVENTUAIS CRÉDITOS LABORAIS QUE PUDESSE DETER SOBRE A 1ª CONTRATANTE DEVIDOS PELA EXECUÇÃO OU CESSAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO, QUER QUANTO AOS SEUS EFEITOS, À NATUREZA DO DIREITO VITALÍCIO A VIATURA A CONTENTO APÓS A CESSAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO, E AOS CIRCUNSTANCIALISMOS NA ASSINATURA DE DECLARAÇÃO COM O TEXTO ACIMA REFERIDO.
J.- ASSIM, DE ACORDO COM A PROVA TESTEMUNHAL PRODUZIDA EM JULGAMENTO, DEVERIAM AINDA TER SIDO CONSIDERADOS PROVADOS OS SEGUINTES FACTOS:
K.- O DIREITO A BENEFICIAR DE UMA VIATURA A CONTENTO POR PARTE DO AUTOR APÓS A CESSAÇÃO DA RELAÇÃO LABORAL COM A RÉ, RESULTOU DE FORMA COMO O MESMO FOI GERIDO POR ESTA AO LONGO DOS ANOS, IMPOSTO UNILATERALMENTE POR ESTA, SENDO UM DIREITO CRIADO EXCLUSIVAMENTE PARA SER EXERCIDO APÓS A CESSAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO, MAS ADQUIRIDO NA PENDÊNCIA DA RELAÇÃO LABORAL; ARTIGOS 6.º, 8.º A 11.º, 16.º, 17.º DA P.I., E ARTIGO 11.º, DA RESPOSTA À CONTESTAÇÃO
L.- NENHUM DOS EX-QUADROS QUE BENEFICIARAM E BENEFICIAM DE UMA VIATURA A CONTENTO VITALÍCIA DA RÉ, APÓS A CESSAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO FORAM PARA UMA SITUAÇÃO DE REFORMA OU FICARAM NUMA SITUAÇÃO DE PENDÊNCIA DA REFORMA; ARTIGO 22.º, 23.º, 27.º DA P.I.
M.- TODOS OS EX-QUADROS QUE BENEFICIARAM E BENEFICIAM DE UMA VIATURA A CONTENTO VITALÍCIA DA RÉ, APÓS A CESSAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO, RECEBERAM COMPENSAÇÕES PELA CESSAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO MUITO ACIMA DO MÍNIMO LEGAL, TAL COMO O AUTOR; ARTIGOS 22.º, 23.º E 24.º DA P.I, E ARTIGO 13.º DA RESPOSTA À CONTESTAÇÃO.
N.- TODOS OS EX-QUADROS QUE BENEFICIARAM E BENEFICIAM DE UMA VIATURA A CONTENTO VITALÍCIA DA RÉ, APÓS A CESSAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO, CELEBRARAM ACORDOS DE REVOGAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO COM CLÁUSULAS SIMILARES COMO CONTRAPARTIDA DAS PRESTAÇÕES/BENEFÍCIOS 33/43 REFERIDOS NAS CLÁUSULAS ANTERIORES, O 2º CONTRATANTE DECLARA RENUNCIAR AO DIREITO DE IMPUGNAR JUDICIALMENTE O SEU DESPEDIMENTO BEM COMO A QUAISQUER EVENTUAIS CRÉDITOS LABORAIS QUE PUDESSE DETER SOBRE A 1ª CONTRATANTE DEVIDOS PELA EXECUÇÃO OU CESSAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO - ARTIGO 36.º A 39.º, 41.º E 42.º DA RESPOSTA À CONTESTAÇÃO.
O.- NENHUM DOS EX-QUADROS QUE BENEFICIARAM E BENEFICIAM DE UMA VIATURA A CONTENTO VITALÍCIA DA RÉ, APÓS A CESSAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO NEGOCIARAM ESSE DIREITO AQUANDO DA CESSAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO, NÃO ESTANDO ESSE DIREITO VERTIDO EM NENHUM ACORDO DE REVOGAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO OU DOCUMENTO ANEXO - ARTIGO 36.º A 39.º, 41.º E 42.º DA RESPOSTA À CONTESTAÇÃO.
P.- TODOS OS EX-TRABALHADORES DA RÉ COM O MESMO NÍVEL INTERNO DENTRO DA ESTRUTURA DA RÉ, A SABER, LL6, BENEFICIARAM APÓS 1995, E AINDA BENEFICIAM, APÓS A CESSAÇÃO DO SEU CONTRATO DE TRABALHO, DE VIATURA A CONTENTO VITALÍCIA, COM EXCEÇÃO DO AUTOR E DEMAIS COLEGAS QUE CESSARAM O SEU CONTRATO DE TRABALHO EM 2014 - ARTIGO 57.ºDA P.I E ARTIGO 22.º DA RESPOSTA À CONTESTAÇÃO.
Q.- E TAL CONSIDERAÇÃO RESULTA DA PROVA GRAVADA NOS PRESENTES AUTOS COMO IDENTIFICADA NAS ALEGAÇÕES.
R.- ASSIM, E CONSEQUÊNCIA, IMPOR-SE-IA DIVERSA SOLUÇÃO DE DIREITO, NA MEDIDA EM QUE, O ACORDO QUE O AUTOR ORA APELANTE ASSINOU CONFIGUROU UM MERO RECIBO DE QUITAÇÃO DOS VALORES RECEBIDOS E NÃO UMA DECLARAÇÃO REMISSÓRIA ABDICATIVA, COMO CONSIDERADO PELO DOUTO TRIBUNAL A QUO.
S.- ATÉ PORQUE O AUTOR CONTINUOU A RECEBER, APÓS A CESSAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO, OUTROS CRÉDITOS LABORAIS, A SABER, SEGURO DE VIDA E DE SAÚDE, COMPLEMENTO DE REFORMA.
T.- TAL DIREITO A UMA VIATURA A CONTENTO VITALÍCIA APÓS A CESSAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO, NÃO TEM A NATUREZA DE CRÉDITO LABORAL PROPRIAMENTE DITO, NOS TERMOS DA QUITAÇÃO DADA PELO AUTOR, NA MEDIDA EM QUE TAL DIREITO EMERGE DE UMA COMPENSAÇÃO DECIDIDA UNILATERALMENTE PELA RÉ, EM 1995, A CONCEDER PÓS A CESSAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO, AO AUTOR E A OUTROS TRABALHADORES EM IGUAL SITUAÇÃO, DECORRENTE DO REGIME ESPECIAL DE AVALIAÇÃO DOS DIRETORES, COMO FOI CONSIDERADO PROVADO.
U.- SENDO TAL DIREITO A “MOEDA DE TROCA” DADA PELA RÉ, ORA APELADA, POR SUJEITAR O AUTOR E OS DEMAIS COLEGAS DE IGUAL NÍVEL INTERNO, AO REGIME ESPECIAL DE AVALIAÇÃO, DESDE 1995, NO QUAL, O MESMO DEIXOU DE TER AUMENTOS SALARIAIS GARANTIDOS EM VIRTUDE DO AUMENTO DA INFLAÇÃO, E PASSOU A TÊ-LOS DE ACORDO COM OS RESULTADOS DA RÉ E DO GRUPO ECONÓMICO MUNDIAL A QUE PERTENCE.
V.- PELO QUE, EM ALGUNS ANOS, TAL COMO OS SEUS COLEGAS, O AUTOR, ORA APELANTE, NÃO TEVE QUALQUER AUMENTO SALARIAL POR FORÇA DESSE REGIME DE AVALIAÇÃO.
W.- E TAL “MOEDA DE TROCA”, O DIREITO A UMA VIATURA A CONTENTO VITALÍCIO, DEVERIA SER EXERCIDO, EXCLUSIVAMENTE APÓS A CESSAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO DO AUTOR E DOS SEUS COLEGAS.
X.- O QUE ACONTECEU COM TODOS OS SEUS EX-COLEGAS QUE CESSARAM O CONTRATO DE TRABALHO ANTES DESTE COM A RÉ E QUE TINHAM IDÊNTICO NÍVEL HIERÁRQUICO NO SEIO DA RÉ.
Y.- QUE BENEFICIARAM ENTÃO E AINDA HOJE BENEFICIAM DE TAL VIATURA A CONTENTO VITALÍCIA.
Z.- E QUE, QUANDO CESSARAM O SEU CONTRATO DE TRABALHO, O FIZERAM EM CONDIÇÕES IDÊNTICAS À DO AUTOR, ORA APELANTE.

AA.- TENDO RECEBIDO, TAL COMO O AUTOR, COMPENSAÇÕES MUITO SUPERIORES ÀS LEGALMENTE PREVISTAS PARA A CESSAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO.
BB.- NÃO TENDO NEGOCIADO, TAL COMO O AUTOR, O DIREITO A TAL VIATURA A CONTENTO VITALÍCIA, AQUANDO DA CESSAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO, POIS QUE TAL QUESTÃO NÃO ESTAVA SEQUER EM CAUSA E ERA JÁ UM DIREITO ADQUIRIDO EM VIRTUDE DO TAL REGIME DE AVALIAÇÃO.
CC.- E TODOS ASSINARAM DOCUMENTOS RELATIVOS À CESSAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO ONDE SE INCLUÍAM CLÁUSULAS COM CONTEÚDO SEMELHANTE À QUE O AUTOR ASSINOU E QUE O DOUTO TRIBUNAL CONSIDEROU COMO DECLARAÇÃO REMISSÓRIA ABDICATIVA.
DD.- O QUE DETERMINA UMA ATITUDE DISCRIMINATÓRIA DA RÉ ORA APELADA, PERANTE O AUTOR, ORA APELANTE.
EE. PELO QUE O AUTOR ORA APELANTE, NUNCA EQUACIONOU SEQUER QUE, COM A ASSINATURA DE TAL DOCUMENTO COM A REFERIDA CLÁUSULA ESTIVESSE A ABDICAR DESSE SEU DIREITO PRÉ-ADQUIRIDO.
FF.- ATÉ PORQUE A RÉ SEMPRE APLICOU E INTERPRETOU O IRAM (MANUAL DE RELAÇÕES INDUSTRIAIS DA FORD LUSITANA, SA), APESAR DE ESTE REFERIR QUE TAL DIREITO A VIATURA A CONTENTO APENAS SERÁ ADQUIRIDO NA REFORMA OU NA PENDÊNCIA DA REFORMA, COMO UM DIREITO RESULTANTE DA CESSAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO DOS TRABALHADORES COM IDÊNTICO NÍVEL HIERÁRQUICO INTERNO DO AUTOR, ATÉ PORQUE NENHUM DOS TRABALHADORES QUE BENEFICIARAM E BENEFICIAM DESSE DIREITO VITALÍCIO APÓS A CESSAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO (E QUE NENHUM NEGOCIOU TAL DIREITO NA SUA SAÍDA), FOI PARA UMA SITUAÇÃO DE REFORMA OU FICOU NA PENDÊNCIA DA REFORMA, OU NUMA SITUAÇÃO DE PRÉ-REFORMA, APÓS A CESSAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO COM A RÉ.
GG.- NENHUM!
HH.- A DOUTA SENTENÇA ORA EM CRISE PERMITE, COM A SUA DECISÃO, QUE O AUTOR FIQUE DUPLAMENTE PREJUDICADO, OU SEJA, NEM TEVE AUMENTOS SALARIAIS TODOS OS ANOS DESDE 1995, NEM BENEFICIA DA CONTRAPARTIDA DEFINIDA UNILATERALMENTE PELA RÉ PARA TAL DE DIREITO A VIATURA A CONTENTO VITALÍCIA A SER EXERCIDO EXCLUSIVAMENTE APÓS A CESSAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO.
II.- PELO QUE FOI A FORMA QUE A RÉ, ATÉ AO DESPEDIMENTO DO AUTOR, INTERPRETOU O IRAM (MANUAL DE RELAÇÕES INDUSTRIAIS DA FORD LUSITANA, SA), INDEPENDENTEMENTE DE ESTE REFERIR QUE TAL DIREITO A VIATURA A CONTENTO APENAS SERÁ ADQUIRIDO NA REFORMA OU NA PENDÊNCIA DA REFORMA, COMO ACIMA ALEGADO.
JJ.- E DAÍ TER O AUTOR REQUERIDO QUE A RÉ JUNTASSE AOS AUTOS OS SEGUINTES DOCUMENTOS:
-DOCUMENTO RELATIVO À CESSAÇÃO DOS CONTRATOS DE TRABALHO DE TODOS OS EX-TRABALHADORES REFERIDOS NO QUADRO ACIMA;
-INFORMAÇÃO SOBRE SE TAIS EX-DIRETORES MANTÊM O DIREITO A CARRO A CONTENTO DE FORMA VITALÍCIA, JUNTANDO AOS AUTOS TODOS OS CONTRATOS QUE TITULAM TAL DIREITO A CARRO A CONTENTO DESDE A DATA DA SUA SAÍDA E ATÉ AO PRESENTE;
-FICHA DE TRABALHADOR DE TODOS OS EX-TRABALHADORES REFERIDOS NO QUADRO ACIMA PARA QUE SE POSSA TER ACESSO AO NOME COMPLETO DOS MESMOS E REFERIDOS NÚMEROS DE IDENTIFICAÇÃO FISCAL E DE SEGURANÇA SOCIAL NO SENTIDO DE PEDIR INFORMAÇÃO À SEGURANÇA SOCIAL NO SENTIDO DE ESTA ESCLARECER A IDADE DOS MESMOS E SE APÓS A SUA SAÍDA DA EMPRESA RÉ BENEFICIARAM IMEDIATAMENTE DE REFORMA OU DE PRÉ- REFORMA; ASSIM SE ESCLARECENDO AS DATAS DA CESSAÇÃO DOS CONTRATOS DE TRABALHO DESSES EX-TRABALHADORES, OS TERMOS DA NEGOCIAÇÃO DA SUA SAÍDA, E SE TODOS BENEFICIARAM E BENEFICIAM DE CARRO A CONTENTO APÓS A CESSAÇÃO DO SEU CONTRATO DE TRABALHO COM A RÉ.
KK.- TENDO SIDO REQUERIDO AINDA AO DOUTO TRIBUNAL QUE APÓS CUMPRIDO O PEDIDO DE JUNÇÃO DE DOCUMENTOS POR PARTE DA RÉ ACIMA FEITO, NOMEADAMENTE O ACESSO AO NOME COMPLETO E NÚMEROS DE IDENTIFICAÇÃO FISCAL E DE BENEFICIÁRIO DA SEGURANÇA SOCIAL DOS DIRETORES ACIMA REFERIDOS, SE DIGNE ORDENAR QUE SEJA OFICIADO O INSTITUTO DA SEGURANÇA SOCIAL, I.P., COM SEDE NA AVENIDA AFONSO COSTA, 6/8, 1949- 020 LISBOA, PARA QUE VENHA AOS AUTOS INFORMAR, RELATIVAMENTE A TODOS OS EX-TRABALHADORES, SE NA DATA DA SUA SAÍDA DA RÉ, ALGUM DELES PASSOU À SITUAÇÃO DE REFORMA OU PRÉ-REFORMA, E SE SIM QUAIS, E SE NÃO, QUAIS. - ASSIM SE ESCLARECENDO SE A CONCESSÃO VITALÍCIA DE VIATURAS A CONTENTO A EX-TRABALHADORES DA RÉ, COM IGUAL NÍVEL DO AUTOR, DESTINOU-SE A TRABALHADORES QUE QUANDO CESSARAM OS SEUS CONTRATOS DE TRABALHO COM A RÉ PASSARAM A SITUAÇÃO DE REFORMA OU PRÉ-REFORMA.
LL.- O QUE FOI INDEFERIDO, APESAR DE O AUTOR CONSIDERAR QUE OS MESMOS SÃO ESSENCIAIS PARA A DESCOBERTA DA VERDADE MATERIAL, E DAÍ TER RECORRIDO DE TAL DECISÃO, O QUE NÃO FOI OBJETO DE PRONÚNCIA E DETERMINOU A NULIDADE INVOCADA.
MM.- ADEMAIS, ATÉ PELA APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA DESCOBERTA DA VERDADE MATERIAL, O TRIBUNAL A QUO DEVERIA ELE PRÓPRIO PROCURADO ESCLARECER SE EFETIVAMENTE TODOS OS EX-COLEGAS DO AUTOR QUE SAÍRAM DA EMPRESA POR IMPOSIÇÃO DA RÉ, COM O MESMO NÍVEL HIERÁRQUICO, E QUE MANTÉM TAL VEÍCULO A CONTENTO ATÉ HOJE, SE NEGOCIARAM OU NÃO TAL VEÍCULO NA SUA SAÍDA, SE ASSINARAM OU NÃO DECLARAÇÕES DE QUITAÇÃO SEMELHANTES ÀS DO AUTOR, SE RECEBERAM OU NÃO COMPENSAÇÕES PELA CESSAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO SUPERIORES AO MÍNIMO LEGAL, PROCURANDO PERCEBER SE O AUTOR FOI ALVO DE UM TRATAMENTO DISCRIMINATÓRIO RELATIVAMENTE A TODOS OS EX-COLEGAS QUE CESSARAM O CONTRATO DE TRABALHO COM A RÉ E QUE AINDA HOJE MANTÉM O DIREITO A UMA VIATURA A CONTENTO POR ANO, E O PORQUÊ DESSE TRATAMENTO DISCRIMINATÓRIO.
NN.- ASSIM, ATENTO O CONTEXTO EM QUE FOI EMITIDO O DOCUMENTO E CONSIDERADO O SEU CONTEÚDO, O ELEMENTO HISTÓRICO NA CONCESSÃO DE TAL BENEFÍCIO PELA RÉ, ORA APELADA, A NATUREZA DA SUA CONCESSÃO, BEM COMO O FACTO DE O MESMO EXISTIR PARA SER EXERCIDO EXCLUSIVAMENTE APÓS A FINALIZAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO E NUNCA ANTES, COMO ACONTECEU COM OS SEUS COLEGAS ANTERIORMENTE, E QUE CELEBRARAM DOCUMENTOS DE CESSAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO SIMILARES AO DO AUTOR, COM UMA CLÁUSULA DE QUITAÇÃO SEMELHANTE, QUE RECEBERAM UMA COMPENSAÇÃO MUITO ACIMA DA COMPENSAÇÃO LEGAL PREVISTA PARA A CESSAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO TAL COMO O AUTOR, QUE NÃO NEGOCIARAM O DIREITO A VIATURA A CONTENTO NA CESSAÇÃO DO SEU CONTRATO DE TRABALHO, TAL COMO O AUTOR, POIS QUE TAL DIREITO DE VIATURA A CONTENTO APÓS A CESSAÇÃO DE CONTRATO ADVINHA DE UMA SITUAÇÃO PRÉ-EXISTENTE IMPOSTA PELA RÉ PELA FORMA COMO PASSOU, EM DETERMINANDO MOMENTO, A AVALIAR E A AUMENTAR OS SALÁRIOS DOS SEUS DIRETORES, TAL COMO O AUTOR, DEVERIA A SENTENÇA TER CONSIDERADO QUE TAL DECLARAÇÃO NÃO TIVESSE EM VISTA RENUNCIAR A TAL DIREITO NEM TÃO POUCO QUE ESTEJA PRESENTE QUALQUER INDÍCIO DESSA VONTADE POR PARTE DO AUTOR DE ABDICAR DAQUELE DIREITO. SUBSIDIARIAMENTE,
OO.- MESMO NÃO SENDO ADITADOS FACTOS AOS CONSIDERADOS PROVADOS NA SENTENÇA, COM OS FACTOS QUE RESULTARAM JÁ PROVADOS, IGUAL DECISÃO DE DIREITO ACIMA REFERIDA SE IMPORIA NA SENTENÇA E NÃO A TIDA PELA SENTENÇA ORA EM CRISE.
PP.- NA MEDIDA EM QUE FOI CONSIDERADO PROVADO NO PONTO 10 DOS FACTOS PROVADOS QUE O REGIME DE AVALIAÇÃO A QUE OS DIRETORES ESTÃO SUJEITOS IMPLICARIA A ATRIBUIÇÃO DE UMA VIATURA A CONTENTO POR OCASIÃO DA REFORMA OU NA PENDÊNCIA DA REFORMA, QUE COMO VIMOS, SEMPRE FOI INTERPRETADO PELA RÉ NO SENTIDO DE CONCEDER A MESMA A TODOS OS DIRETORES QUE CESSASSEM O SEU CONTRATO DE TRABALHO, O QUE SE SEMPRE SE VERIFICOU NA PRÁTICA ATÉ À CESSAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO COM O AUTOR.
QQ.- CONSIDERANDO AINDA O PONTO 11 DOS FACTOS PROVADOS QUE O AUTOR TINHA DIREITO, POR SE SUJEITAR A ESSE TIPO DE AVALIAÇÃO, A MANTER UM CARRO A CONTENTO.
RR.- O QUE IMPLICA QUE O TRIBUNAL DEU COMO PROVADO O DIREITO ADQUIRIDO DO AUTOR A ESSA VIATURA POR FORMA DA APLICAÇÃO DO MANUAL DE RELAÇÕES INDUSTRIAIS ELABORADO E APLICADO PELA RÉ.
SS.- E AINDA CONSIDERANDO NO PONTO 16, DOS FACTOS PROVADOS, QUE APÓS 1995, A RÉ CONCEDEU A ALGUNS EX-QUADROS EM NÚMERO NÃO ONCRETAMENTE APURADO QUE CESSARAM OS SEUS QUADROS POR ACORDO A ATRIBUIÇÃO DE UMA VIATURA A CONTENTO.
TT.- E NO PONTO 16, QUE A RÉ NÃO MANIFESTOU AOS TRABALHADORES QUE BENEFICIAM DA ATRIBUIÇÃO DA VIATURA A CONTENTO NO ÂMBITO DA CESSAÇÃO DOS SEUS CONTRATOS A INTENÇÃO DE FAZER CESSAR ESSAS CONDIÇÕES.
UU.- ORA, DAQUI RESULTA QUE A RÉ FACULTOU E FACULTA TAL DIREITO A EXDIRETORES QUE MANTÉM TAL DIREITO E IRÃO MANTER, AO CONTRÁRIO DO QUE A RÉ PRETENDE FAZER, INJUSTIFICADA E DISCRIMINATORIAMENTE, COM O AUTOR.
VV.- SENDO QUE EFETIVAMENTE, E COMO PROVADO EM 10, TAL DIREITO RESULTARIA DO SISTEMA DE AUMENTOS SALARIAIS QUE A RÉ IMPÔS AO AUTOR, QUE ESTE CUMPRIU DURANTE 20 ANOS, E QUE PRESSUPUNHA O DIREITO DESTE A USUFRUIR DE UMA VIATURA A CONTENTO ANUAL APÓS A CESSAÇÃO DA RELAÇÃO LABORAL, O QUE A RÉ INCUMPRIU.
WW.- OU SEJA, O AUTOR CUMPRIU, DURANTE 20 ANOS, E A RÉ NÃO CUMPRIU NO SINALAGMA DE TAL PRESTAÇÃO PELO AUTOR, E TAL DECLARAÇÃO NUNCA PODERIA TER A VIRTUALIDADE DE O AUTOR ABDICAR DE TAL DIREITO JÁ ADQUIRIDO, MAS SIM DAR QUITAÇÃO DOS VALORES RECEBIDOS.
XX.- PELO QUE, MESMO SEM ALTERAÇÃO DA PROVA GRAVADA, A SENTENÇA ORA EM CRISE DEVERÁ SER SUBSTITUÍDA POR OUTRA QUE DECLARE QUE O DIREITO A UMA VIATURA A CONTENTO POR PARTE DO AUTOR, VITALÍCIA, APÓS A CESSAÇÃO DA RELAÇÃO LABORAL, DECORRE DE UM DIREITO PRÉ-EXISTENTE, CRIADO E SOLIDIFICADO PELA RÉ NA CONSTÂNCIA DA RELAÇÃO LABORAL, PELA FORMA COMO EM DETERMINANDO MOMENTO PASSOU A SER AVALIADO E AUMENTADO NO SEU SALÁRIO PELA RÉ, SENDO TAL DIREITO UMA CONTRAPARTIDA POR TAL, E NÃO UM MERO CRÉDITO LABORAL E QUE NÃO FOI OBJETO DE QUALQUER DECLARAÇÃO REMISSÓRIA ABDICATIVA POR PARTE DO AUTOR RELATIVAMENTE A TAL DIREITO PRÉ-EXISTENTE, A SÓ PODER SER EXERCIDO APÓS A CESSAÇÃO DA RELAÇÃO LABORAL.

1.4.2.-A ré respondeu ao recurso, pugnando pelo seu não provimento.

1.4.3.-Tendo a ré concluído as suas alegações de recurso subordinado do seguinte modo:
a)Decidiu o Tribunal a quo condenar a R. no pedido de que fosse declarado que o A. tem direito a beneficiar das condições de compra de novos veículos vendidos pela R. em condição de empregado, pois tal putativo direito não emergia do contrato de trabalho, mas sim do mandato de administrador que o A. também exerceu, não estando abrangido pela remissão abdicativa que este assinou em sede de acordo de revogação de contrato de trabalho;
b)Sucede que o Tribunal a quo andou mal ao decidir dessa forma, pois não possui competência em razão da matéria para o fazer, devendo a decisão em apreço ser revogada e substituída por outra que absolva a R. da instância quanto ao pedido em questão;
c)Com efeito, na medida em que a questão em apreço emerge de uma relação de mandato (administrador), não tem natureza laboral, mas sim civil e, como tal, não se enquadra em nenhum dos casos previstos no 126.º da LOSJ (assim violado), não tendo consequentemente as secções do trabalho competência material para conhecer dessa questão;
d)E nesta sede não se diga que está em causa uma questão entre sujeitos de uma relação jurídica de trabalho emergente de relações conexas com a relação de trabalho, por acessoriedade, complementaridade ou dependência, e o pedido cumula-se com outro para o qual o juízo é directamente competente (artigo 126.º, n.º 1, alínea n) da LOSJ);
e)Com efeito, no presente caso é evidente que o pedido em que a R. foi condenada não é acessório nem dependente do pedido em que a R. foi absolvida (o único emergente do contrato de trabalho), pois vai buscar a respectiva causa de pedir na relação de mandato (de administrador) e, portanto, à margem de qualquer consideração da qualidade de trabalhador subordinado da R., estando assim em causa duas relações totalmente autónomas;
f)Por outro lado, também não existe qualquer relação de complementariedade entre os diferentes pedidos pois nenhuma das relações foi convertida, por vontade das partes, em complemento da outra;
Termos em que,
Com o douto suprimento de V. EXAS., deverá conceder-se provimento ao recurso subordinado interposto pela R., com a consequente revogação da decisão sub judice e substituição por outra que absolva a R. do pedido em que foi condenada, condenando-se ainda o A. em custas, procuradoria condigna e o que mais for de lei, como é de plena e inteira JUSTIÇA!

1.4.4.-O autor respondeu a este recurso no sentido da sua improcedência.
1.4.5.-Os recursos foram admitidos pelo tribunal recorrido, tendo-se ordenado a subida nos autos, e em simultâneo com o recurso da decisão final, do recurso do autor interposto quanto ao despacho que lhe indeferiu os meios de prova.
1.4.6.-Recebidos os autos nesta Relação foram tais recursos admitidos com a explicitação da indevida (e retardada) subida do primeiro recurso do autor em conjunto com o da decisão final. 
1.4.7.-Oportunamente foram colhidos os vistos legais.

2.-OBJECTO DO RECURSO.
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso - artigos 635.º, n.ºs 3 e 4, 639.º, n.º 1, 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, que não tenham sido apreciadas com trânsito em julgado.
Assim, as questões que os recorrentes colocam à apreciação deste tribunal são as seguintes:
Primeiro recurso do autor – Indeferimento do requerimento sobre de meios de prova
Segundo recurso do autor - Nulidade da sentença por omissão de pronúncia; impugnação da matéria de facto; indeferimento dos meios de prova requeridos e direito do autor beneficiar, vitaliciamente, de uma viatura “a contento” após a cessação do contrato de trabalho.  
Recurso subordinado da ré – Incompetência material do tribunal relativamente ao direito do autor de beneficiar das condições de compra de novos veículos vendidos pela ré em condições de empregado.

3.-FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.

Na primeira instância foi considerada provada a seguinte factualidade:

1.-O autor foi admitido ao serviço da Autoeuropa, Automóveis, Lda. Em 01 de Novembro de 1994, sendo então  XXX detentora de 50% do capital social.
2.-Por causa dessa participação, em 17.02.1999, o autor cessou o contrato de trabalho com a empregadora Autoeuropa e celebrou um contrato de trabalho com a ora ré, BBB, junto a fls. 24-29 e cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido.
3.-A alteração da entidade empregadora foi acompanhada pela manutenção de todos os anteriores direitos, incluindo o da antiguidade.
4.-O autor continuou a exercer, no local da sede da ré, as funções inerentes à categoria de director de serviços responsável pela área de recursos humanos, como sejam as de recrutamento, selecção e gestão de todo o pessoal da empresa.
5.-O exercício das funções pelo autor era desempenhado sob as ordens da Administração da ré, integrando-se na sua organização, mais propriamente na categoria interna LL6 e mediante retribuição mensal ultimamente fixada a retribuição base de € 6.187,52 acrescida de isenção de horário de trabalho de € 1.597,00.
6.-Desde que iniciou o seu contrato, o autor ficou abrangido pelo regime de avaliação em vigor para os quadros superiores da empresa ré, descritos em documento designado por “Industrial Relations Manual”, junto com a respectiva tradução certificada a fls. 284-306 e, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido.
7.-Esta forma de avaliação era a mesma que tinha sido aplicada na Autoeuropa, desde 01 de Janeiro de 1995, a que o autor já se vinha submetendo.
8.-Desse plano resultava que os aumentos salariais dos quadros superiores da ré e, portanto, os aumentos salariais do autor, ficavam dependentes da avaliação do mérito que fosse feita do seu desempenho e dos resultados da sociedade ré.
9.-Por força dessa implementação, o autor deixou de ter aumentos salariais certos.

10.-Foram fixadas contrapartidas a esse regime de avaliação no “Manual de Relações Industriais”, cuja tradução faz fls. 288-296 e cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido, nomeadamente o seguinte: “  (…) Plano de pagamento por desempenho (…)
A.-Cobertura. Todos os funcionários no Nível de Liderança* 6 e superiores (* Nota de tradutor: N.T. = Nível de Liderança doravante terá a abreviatura NL)
B.-Disposições Gerais . Em 1993 e 1994, e além do Aumento Geral a receber por todos os funcionários, todos os trabalhadores de NL6 e superiores estarão elegíveis para a atribuição de um aumento na Bonificação de Mérito por Desempenho com base no desempenho laboral e na disponibilidade dos fundos de Mérito anuais.
Funcionários com desempenho inferior não devem esperar receber um aumento acima do Aumento Geral. Funcionários com bom desempenho receberão um Aumento por Mérito equivalente ao Aumento Geral enquanto os funcionários com Excelente desempenho deverão esperar receber Aumentos de Mérito mais elevados. 
Os aumentos na Bonificação de Mérito por Desempenho serão introduzidos ao mesmo tempo que o Aumento Geral.
Com efeito, a partir de 1 de Março de 1995, os funcionários do NL6 e superiores deixarão de ser elegíveis para o Aumento Geral e serão integralmente geridos sob o pagamento por desempenho com base na disponibilidade de fundos anuais.
Simultaneamente à implementação do pagamento por desempenhos, as seguintes melhorias nos planos de gestão de viaturas serão introduzidas: No NL6 – Uma viatura adicional em regime “A Contento”, ou seja, um total de duas viaturas “A Contento” A elegibilidade máxima irá permanecer em duas viaturas para todos os NL6 (incluindo qualquer viatura de serviço) No NL5 – A elegibilidade básica são duas viaturas; uma de serviço da empresa e outra “A Contento”. No NL4 – Igual ao NL5 mas com combustível gratuito somente na viatura de serviço da empresa No NL6+ - Uma viatura “A Contento” por ocasião da reforma ou na pendência da reforma. (…) Aquisição de viaturas novas (…)
I.-A empresa pode solicitar a verificação do registo de propriedade das viaturas dentro dos períodos de tempo referidos supra.
J.-Os familiares dos funcionários efectivos e reformados por esta directiva são: (…).
K.-Além disso, a directiva aplica-se aos médicos, advogados e antigos membros do Conselho de Administração da empresa.
Em todos estes casos, todas as condições oferecidas aos funcionários aplicam-se aos compradores individualmente.”

11.-O autor tinha direito, por se sujeitar a esse tipo de avaliação, a manter um carro “a contento”.
12.-A ré disponibilizava ao autor o veículo automóvel da marca Ford que este pretendesse para seu uso durante o período de onze meses, findos os quais o autor poderia adquirir o referido veículo pelo preço acordado (abaixo do valor de mercado) ou poderia devolvê-lo à ré, sem qualquer custo adicional.
13.-Em 01 de Março de 1999, ré e autor subscreveram o acordo escrito designado por “contrato de venda a contento”, junto por cópia a fls. 35-39 e, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido.
14.-Na pendência da relação entre ré e autor, estes subscreveram os acordos designados por “contrato de aluguer de viatura (…)”, juntos a fls. 40 a 58 e cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido.
15.-O autor foi administrador da ré, encontrando-se inscrita pela Ap. 177/20131212 a cessação de funções do autor como membro do Conselho de Administração por renúncia com data de 2013.11.29.
16.-Desde 1995, a ré concedeu vitaliciamente a alguns ex-quadros em número não concretamente apurado que cessaram os seus contratos por acordo a atribuição de uma viatura a contento.
16.a. A ré não manifestou aos trabalhadores que beneficiam da atribuição da viatura a contento no âmbito da cessação dos seus contratos a intenção de fazer cessar essas condições.
17.-Ex-membros da Administração mantiveram o benefício de compra de veículos da marca (…) em condições de empregado.
18.-Em 18 de Dezembro de 2013, por escrito junto a fls. 61 a ré comunicou ao autor “a intenção de proceder ao despedimento de V. Exa. pela via de um despedimento colectivo”.
19.-Por carta de 18 de Dezembro de 2013, remeteu ao autor um “Plano de Apoio” junto a fls. 97 e seguinte e cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido.
20.-Por declaração de 3 de Fevereiro de 2014 o autor, declarou a sua intenção de aderir nos termos que constam de fls. 99 e cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido.

21.-Em 30 de Junho de 2014, ré e autor subscreveram o “Acordo” junto a fls. 62 e seguinte e cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido, nomeadamente o seguinte: “Considerando que:
a)No dia 18 de Dezembro de 2013, a 1ª contratante iniciou um processo de despedimento colectivo que abrangeu o 2º contratante, tendo apresentado um Plano de Apoio com vista à atribuição de uma compensação adicional à compensação legal devida pelo despedimento, cuja execução ficaria dependente da aceitação, pelo 2º contratante, ilicitude do seu despedimento, visando-se, deste modo, garantir a paz social em todo o processo de desvinculação;
b)No âmbito das reuniões de negociação do despedimento colectivo, a 1ª contratante alterou, melhorando, as condições do Plano de Apoio;
c)O despedimento do 2º contratante teve lugar no dia 30 de Junho de 2014.

É acordado o seguinte:
1º-1. A 1ª contratante atribuiu ao 2ª contratante, que aceita, o pagamento de uma compensação adicional à compensação legal devida pelo despedimento colectivo no valor ilíquido de 156.500,28 €.
2.-O valor referido no n.º anterior será liquidado totalmente até dia 5 de Janeiro de 2015, sendo nesta data liquidado o montante de 68.255,02. O 2º contratante declara que se responsabiliza integralmente por eventuais custos ou despesas adicionais em que a 1ª contratante possa incorrer decorrentes da liquidação faseada da compensação adicional.
2º-A 1ª contratante obriga-se a incluir o 2º contratante num programa de outplacement.
3º-Para dar resposta ao ponto referente a seguros de saúde e vida acordado nas reuniões de negociação do despedimento colectivo a 1ª contratante obriga-se a transferir para o Grupo Desportivo da (…) a verba de 2.687,35 €.
4º-Como contrapartida das prestações/benefícios referidos nas cláusulas anteriores, o 2º contratante declara renunciar ao direito de impugnar judicialmente o seu despedimento bem como a quaisquer eventuais créditos laborais que pudesse deter sobre a 1ª contratante devidos pela execução ou cessação do contrato de trabalho, (…).”

22.-O autor é licenciado em Direito, foi director dos recursos humanos da ré, tendo participado no despedimento colectivo, participação esta que se consubstanciou numa ajuda na parte administrativa, fornecendo a identificação dos trabalhadores, como a realização de cálculos de acordo com os critérios da empresa.
23.-O contrato que ligava o autor à ré cessou no âmbito do referido despedimento colectivo levado a cabo pela ré.
24.-No âmbito da negociação do processo de despedimento colectivo da ré e no qual o autor foi integrado, na reunião de 24 de Janeiro de 2014 foi proposto, conforme acta de reunião a fls. 107-109, entre outros, “Seguro de Saúde – Atribuição de um valor equivalente ao custo da empresa, durante cinco anos, do benefício: 413,87 valor x 5 = € 2.069,35; Seguro de vida – Atribuição de um valor equivalente ao custo da empresa, durante 3 anos, do benefício: € 206 valor ano x 3 = €618. (…). Atribuição de um programa de outplacement”.
25.-No âmbito da negociação do processo de despedimento colectivo da ré e no qual o autor foi integrado, na reunião de 30 de Janeiro de 2014 foi proposto, conforme acta de reunião a fls. 111-114 condições que constituíam um aditamento ao Plano de B Apoio comunicado em 18 de Dezembro, entre outros, “Disponibilidade para atribuir aos trabalhadores com o nível LL6 mais, durante 2 anos após a cessação do contrato de trabalho do beneficio 2 lease car, podendo estes, no final dos 2 anos, exercer a opção de compra com redução de 10% sobre o valor residual.”
26.-Com a adesão/aceitação das propostas o autor beneficiou, entre outros benefícios, da utilização de uma viatura a contento durante 24 meses e recebeu uma compensação no valor de € 153.500,28, valor superior à compensação legal.
27.-Nas reuniões realizadas no âmbito do processo de despedimento colectivo os trabalhadores abrangidos por este estiveram representados por uma comissão. 

4.-FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.

4.1.-Primeiro recurso do autor
Requereu o mesmo autor, nos termos supra referidos, que a ré juntasse aos autos documentos relativos à cessação dos contratos de trabalho de todos os ex-colaboradores que refere; informação sobre se tais trabalhadores mantêm o direito a carro “a contento” vitaliciamente, juntando aos autos todos os contratos que titulam tal direito a carro “a contento” desde a data da sua saída até ao presente; ficha de trabalhador de todos os ex-trabalhadores referidos, respectivos números de identificação fiscal e da Segurança Social, no sentido de esta esclarecer a idade dos mesmos e se após a sua saída da empresa beneficiaram imediatamente de reforma ou de pré-reforma. E que, após cumprida a junção por parte da ré de tais elementos, se oficiasse à Segurança Social para que esta informasse, relativamente a todos os ex-trabalhadores referidos, se na data da sua saída da ré, alguns deles passaram à situação de reforma ou pré-reforma, e se sim, quais e se não, quais.
A ré opôs-se ao requerido.
O referido requerimento foi indeferido, como se viu, em virtude de o autor ter cessado o seu contrato de trabalho no âmbito de um despedimento colectivo.

Apreciando:

Como é sabido, “a instrução tem por objecto os temas da prova enunciados ou, quando não tenha de haver lugar a este enunciação, os factos necessitados de prova” (art.º 410.º do Código de Processo Civil).

Relembramos que o autor pretende obter a informação supra referida, para se poder concluir, segundo a sua tese, que o direito vitalício a viatura a “contento”, emerge como contrapartida da política de avaliação a que ele e os seus colegas, quadros superiores, foram sujeitos na ré e não das condições decorrentes da negociação da cessação dos respectivos contratos de trabalho, da reforma ou pré-reforma daqueles. Referindo ainda ocorrer discriminação, através da posição da ré relativamente a si, pois todos os seus colegas, ex-quadros superiores na ré (que refere), mantiveram o direito a viatura “a contento” sem que tal direito fosse referido nos acordos de cessação dos respectivos contratos de trabalho.

Ao referir-se a discriminação, o que autor verdadeiramente pretende é afirmar a violação do princípio da igualdade. Este princípio está contemplado no art.º 13.º da Constituição da República Portuguesa, e impõe que se dê tratamento igual ao que for essencialmente igual e que se trate diferentemente o que for essencialmente diferente, nos termos (repetidamente) afirmados pelo Tribunal Constitucional.

Ora, no presente caso, os colegas referidos (fls. 169 e 170), tendo cessado os respectivos contratos de trabalho (com excepção de dois que o fizeram em 2009), entre 1996 e 2004, fizeram-no num contexto social e económico muito diverso do que sucedeu com o autor, integrado que foi este, como adiante melhor se verá, num despedimento colectivo promovido pela ré em 2014 e decorrente da crise económica e financeira que varreu o nosso país, e afectou, como é notório, a indústria e o sector automóvel. Ou seja, as situações em que assentou a desvinculação contratual dos sujeitos em causa não são similares, não se podendo afirmar, face a tal quadro, que teria existido tratamento diferenciado do autor relativamente àqueles colegas que consubstancie tratamento discriminatório, sem fundamento material bastante ou arbitrário.

Sucede ainda que, pese embora o autor alegue traduzir-se a atribuição do carro “a contento” uma contrapartida pelo regime de avaliação a que o mesmo e os seus colegas estavam sujeitos, e que implicava não tivessem aumentos salariais certos (podendo, assim, tê-los ou não), o que é facto é que o autor tão pouco alegou se ele e os ditos colegas foram sempre avaliados de acordo com tal política de compensação, e se tiveram aumentos salariais ou não, não podendo, também, por isso, concluir-se no sentido de uma discriminação ilegítima relativamente àquele.

Em face disso, e porque, para além do mais, se apurou matéria relativa à atribuição de viatura “a contento” no referente a colegas do autor (pontos 16, 17 e 18, da matéria de facto), consideramos não pertinentes a realização das referidas diligências, termos em que improcede a presente questão. 

4.2.-Segundo recurso do autor.
 
4.2.1-Da nulidade da sentença por omissão de pronúncia.
Sustenta o autor que a sentença é nula, por omissão de pronúncia, em virtude de a mesma se não haver pronunciado sobre o requerimento de interposição do recurso que o mesmo deduziu por lhe ter sido indeferido o requerimento probatório acima referido.
É evidente a falta de razão do autor a este respeito. Na verdade, como é pacífico e resulta do art.º 615.º do Código de Processo Civil, as causas da nulidade da sentença, são as expressa e taxativamente previstas nesse dispositivo legal.
Não estando em causa a falta de apreciação de alguma das questões que o juiz devesse apreciar na sentença, em sintonia com o prescrito no art.º 608.º n.º 2, do mesmo diploma (subsumindo-se o caso a uma irregularidade processual), apenas nos resta indeferir a referida nulidade.

4.2.2.-Da impugnação da matéria de facto.
Pretende o autor que se altere a decisão da matéria de facto, dando-se como provado o constante das seguintes alíneas, das suas conclusões de recurso:

K.- O DIREITO A BENEFICIAR DE UMA VIATURA A CONTENTO POR PARTE DO AUTOR APÓS A CESSAÇÃO DA RELAÇÃO LABORAL COM A RÉ, RESULTOU DE FORMA COMO O MESMO FOI GERIDO POR ESTA AO LONGO DOS ANOS, IMPOSTO UNILATERALMENTE POR ESTA, SENDO UM DIREITO CRIADO EXCLUSIVAMENTE PARA SER EXERCIDO APÓS A CESSAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO, MAS ADQUIRIDO NA PENDÊNCIA DA RELAÇÃO LABORAL; ARTIGOS 6.º, 8.º A 11.º, 16.º, 17.º DA P.I., E ARTIGO 11.º, DA RESPOSTA À CONTESTAÇÃO
L.- NENHUM DOS EX-QUADROS QUE BENEFICIARAM E BENEFICIAM DE UMA VIATURA A CONTENTO VITALÍCIA DA RÉ, APÓS A CESSAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO FORAM PARA UMA SITUAÇÃO DE REFORMA OU FICARAM NUMA SITUAÇÃO DE PENDÊNCIA DA REFORMA; ARTIGO 22.º, 23.º, 27.º DA P.I.
M.- TODOS OS EX-QUADROS QUE BENEFICIARAM E BENEFICIAM DE UMA VIATURA A CONTENTO VITALÍCIA DA RÉ, APÓS A CESSAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO, RECEBERAM COMPENSAÇÕES PELA CESSAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO MUITO ACIMA DO MÍNIMO LEGAL, TAL COMO O AUTOR; ARTIGOS 22.º, 23.º E 24.º DA P.I, E ARTIGO 13.º DA RESPOSTA À CONTESTAÇÃO.
N.- TODOS OS EX-QUADROS QUE BENEFICIARAM E BENEFICIAM DE UMA VIATURA A CONTENTO VITALÍCIA DA RÉ, APÓS A CESSAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO, CELEBRARAM ACORDOS DE REVOGAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO COM CLÁUSULAS SIMILARES, COMO CONTRAPARTIDA DAS PRESTAÇÕES/BENEFÍCIOS REFERIDOS NAS CLÁUSULAS ANTERIORES, O 2º CONTRATANTE DECLARA RENUNCIAR AO DIREITO DE IMPUGNAR JUDICIALMENTE O SEU DESPEDIMENTO BEM COMO A QUAISQUER EVENTUAIS CRÉDITOS LABORAIS QUE PUDESSE DETER SOBRE A 1ª CONTRATANTE DEVIDOS PELA EXECUÇÃO OU CESSAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO - ARTIGO 36.º A 39.º, 41.º E 42.º DA RESPOSTA À CONTESTAÇÃO.
O.- NENHUM DOS EX-QUADROS QUE BENEFICIARAM E BENEFICIAM DE UMA VIATURA A CONTENTO VITALÍCIA DA RÉ, APÓS A CESSAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO NEGOCIARAM ESSE DIREITO AQUANDO DA CESSAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO, NÃO ESTANDO ESSE DIREITO VERTIDO EM NENHUM ACORDO DE REVOGAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO OU DOCUMENTO ANEXO - ARTIGO 36.º A 39.º, 41.º E 42.º DA RESPOSTA À CONTESTAÇÃO.
P.- TODOS OS EX-TRABALHADORES DA RÉ COM O MESMO NÍVEL INTERNO DENTRO DA ESTRUTURA DA RÉ, A SABER, LL6, BENEFICIARAM APÓS 1995, E AINDA BENEFICIAM, APÓS A CESSAÇÃO DO SEU CONTRATO DE TRABALHO, DE VIATURA A CONTENTO VITALÍCIA, COM EXCEÇÃO DO AUTOR E DEMAIS COLEGAS QUE CESSARAM O SEU CONTRATO DE TRABALHO EM 2014 - ARTIGO 57.ºDA P.I E ARTIGO 22.º DA RESPOSTA À CONTESTAÇÃO.

A propósito da presente questão importa salientar que o autor deu, no essencial, cumprimento ao art.º 640.º do Código de Processo Civil (ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto), à luz do entendimento que desse dispositivo legal faz a jurisprudência dos nossos tribunais superiores, na medida em que indicou os pontos de facto que impugna e enunciou a decisão alternativa pretendida (Vg. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 3.11.2016, processo n.º 342/14.8TTLSB.L1.S,  www.dgsi.pt).
Relativamente à matéria referente da conclusão K, a mesma assume cunho manifestamente conclusivo, a retirar ou não da demais factualidade apurada, não sendo, por isso, integrável, na matéria de facto.
O teor da conclusão L, para além de igualmente assumir contornos conclusivos, tão pouco resulta dos depoimentos prestados em audiência, referidos pelo autor. Tendo-se em conta os depoimentos das testemunhas inquiridas a tal respeito, em particular, o da testemunha (…), do mesmo não se retira um conteúdo tão abrangente e peremptório, como pretende o autor. Com efeito, tendo-se perguntado à referida testemunha se todos os directores da ré saíram para a reforma ou pré-reforma, a dita testemunha respondeu “não sei”, limitando-se a acrescentar que “penso que não saíram para reformas nem pré-reformas”. E, pelo contrário, do depoimento da testemunha (…), pode até retirar-se que alguns trabalhadores, com a categoria de director, terão saído da ré para uma situação de reforma, mantendo o direito a viatura a contento. A testemunha (…) por seu turno, a propósito desta matéria, de significativo, limitou-se a afirmar que “penso que ninguém foi para a pré-reforma directamente.”
Assim, perante a vacuidade da prova produzida, deve manter-se como não provada a sobredita matéria.
Quanto à matéria da conclusão M, tão pouco resulta a mesma da prova realizada. Pois, se é verdade ter sido afirmado que foram recebidas compensações acima das legais (como referiu a testemunha (…) ), não pode concluir-se, com segurança, da globalidade de prova produzida a tal respeito, que tais compensações atingiram valores muito acima do mínimo legal e relativamente a todos os ex-quadros da ré.
O mesmo tipo de considerações se pode fazer da conclusão N, já que da prova produzida (o depoimento da dita testemunha (…) a este respeito foi muito genérico e impreciso, tendo-se referido quando perguntado a tal questão, que “devo ter dado quitação…”), não resulta firme que tenham sido similares as cláusulas integrantes dos acordos de revogação do contrato de trabalho, de todos os trabalhadores que mantiveram uma viatura a contento.
Igual conclusão se retira da prova produzida relativamente à conclusão O e P, pois da mesma não pode concluir-se, em termos tão peremptórios e afirmativos, como pretende o autor.
Improcede, assim, a presente questão.

4.2.3.-Do indeferimento dos meios de prova requeridos pelo autor
A presente matéria foi já apreciada e alvo de decisão no âmbito do primeiro recurso do autor, encontrando-se, assim, prejudicada a sua análise.

4.2.4.-Do direito do autor a beneficiar vitaliciamente de uma viatura “a contento” após a cessação do contrato de trabalho
A fim de se aquilatar do pretendido pelo autor este propósito, convém rememorizar a pertinente factualidade provada.
E que é a seguinte:
-O autor exerceu na ré as funções de director de serviços responsável pela área dos recursos humanos, tendo celebrado com aquela contrato de trabalho em 17.02.1999 (fls. 24-29).
-Desde o início foi o autor abrangido pelo regime de avaliação em vigor para os quadros superiores da ré (Industrial Relations Manual, fls. 284-306), por força do qual os aumentos salariais ficavam dependentes da avaliação do mérito que fosse feita ao desempenho do trabalhador e dos resultados da sociedade ré, tendo o autor, por via disso, deixado de ter aumentos salariais certos.
Foram fixadas contrapartidas a esse regime de avaliação no “Manual de Relações Industriais”, com tradução a fls. 288-296, e onde consta, nomeadamente que:
 “ (…)
Plano de pagamento por desempenho
(…)
A.-Cobertura. Todos os funcionários no Nível de Liderança* 6 e superiores (* Nota de tradutor: N.T. = Nível de Liderança doravante terá a abreviatura NL)
B.-Disposições Gerais. Em 1993 e 1994, e além do Aumento Geral a receber por todos os funcionários, todos os trabalhadores de NL6 e superiores estarão elegíveis para a atribuição de um aumento na Bonificação de Mérito por Desempenho com base no desempenho laboral e na disponibilidade dos fundos de Mérito anuais.
Funcionários com desempenho inferior não devem esperar receber um aumento acima do Aumento Geral. Funcionários com bom desempenho receberão um Aumento por Mérito equivalente ao Aumento Geral enquanto os funcionários com Excelente desempenho deverão esperar receber Aumentos de Mérito mais elevados. 
Os aumentos na Bonificação de Mérito por Desempenho serão introduzidos ao mesmo tempo que o Aumento Geral.
Com efeito, a partir de 1 de Março de 1995, os funcionários do NL6 e superiores deixarão de ser elegíveis para o Aumento Geral e serão integralmente geridos sob o pagamento por desempenho com base na disponibilidade de fundos anuais.
Simultaneamente à implementação do pagamento por desempenhos, as seguintes melhorias nos planos de gestão de viaturas serão introduzidas: No NL6 – Uma viatura adicional em regime “A Contento”, ou seja, um total de duas viaturas “A Contento” A elegibilidade máxima irá permanecer em duas viaturas para todos os NL6 (incluindo qualquer viatura de serviço) No NL5 – A elegibilidade básica são duas viaturas; uma de serviço da empresa e outra “A Contento”. No NL4 – Igual ao NL5 mas com combustível gratuito somente na viatura de serviço da empresa No NL6+ - Uma viatura “A Contento” por ocasião da reforma ou na pendência da reforma. (…) Aquisição de viaturas novas (…)
I.-A empresa pode solicitar a verificação do registo de propriedade das viaturas dentro dos períodos de tempo referidos supra.
J.-Os familiares dos funcionários efectivos e reformados por esta directiva são: (…).
K.-Além disso, a directiva aplica-se aos médicos, advogados e antigos membros do Conselho de Administração da empresa.
Em todos estes casos, todas as condições oferecidas aos funcionários aplicam-se aos compradores individualmente.”
-A ré disponibilizava ao autor o veículo automóvel da marca (…) que este pretendesse para seu uso durante o período de onze meses, findos os quais o autor poderia adquirir o referido veículo pelo preço acordado (abaixo do valor de mercado) ou poderia devolvê-lo à ré, sem qualquer custo adicional (veículo a contento).
-A ré levou a cabo um despedimento colectivo, no qual o autor foi abrangido, e em cujo processo teve lugar a fase de negociação.

-O autor e a ré celebraram o “ACORDO” de fls. 62 e 63, onde, entre o mais, se consignou:
“Considerando que:
a)No dia 18 de Dezembro de 2013, a 1ª contratante iniciou um processo de despedimento colectivo que abrangeu o 2º contratante, tendo apresentado um Plano de Apoio com vista à atribuição de uma compensação adicional à compensação legal devida pelo despedimento, cuja execução ficaria dependente da aceitação, pelo 2º contratante, ilicitude do seu despedimento, visando-se, deste modo, garantir a paz social em todo o processo de desvinculação; b) No âmbito das reuniões de negociação do despedimento colectivo, a 1ª contratante alterou, melhorando, as condições do Plano de Apoio;
c)O despedimento do 2º contratante teve lugar no dia 30 de Junho de 2014.
É acordado o seguinte:
1º-
A 1ª contratante atribuiu ao 2ªcontratante, que aceita, o pagamento de uma compensação adicional à compensação legal devida pelo despedimento colectivo no valor ilíquido de 156.500,28 €.
2. O valor referido no n.º anterior será liquidado totalmente até dia 5 de Janeiro de 2015, sendo nesta data liquidado o montante de 68.255,02. O 2º contratante declara que se responsabiliza integralmente por eventuais custos ou despesas adicionais em que a 1ª contratante possa incorrer decorrentes da liquidação faseada da compensação adicional.
2º-
A 1ª contratante obriga-se a incluir o 2º contratante num programa de outplacement.
3º-
Para dar resposta ao ponto referente a seguros de saúde e vida acordado nas reuniões de negociação do despedimento colectivo a 1ª contratante obriga-se a transferir para o Grupo Desportivo da (…) a verba de 2.687,35 €.
4º-
Como contrapartida das prestações/benefícios referidos nas cláusulas anteriores, o 2º contratante declara renunciar ao direito de impugnar judicialmente o seu despedimento bem como a quaisquer eventuais créditos laborais que pudesse deter sobre a 1ª contratante devidos pela execução ou cessação do contrato de trabalho, (…).
Lisboa, 30 de Junho de 2014
(…) ”
-No âmbito da negociação do processo de despedimento colectivo da ré, na reunião de 24 de Janeiro de 2014 foi proposto, conforme acta de reunião a fls. 107-109, entre outros, “Seguro de Saúde – Atribuição de um valor equivalente ao custo da empresa, durante cinco anos, do benefício: 413,87 valor x 5 = € 2.069,35; Seguro de vida – Atribuição de um valor equivalente ao custo da empresa, durante 3 anos, do benefício: € 206 valor ano x 3 = €618.
(…).
Atribuição de um programa de outplacement”.
-No âmbito da negociação do processo de despedimento colectivo da ré e no qual o autor foi integrado, na reunião de 30 de Janeiro de 2014 foi proposto, conforme acta de reunião a fls. 111-114 condições que constituíam um aditamento ao Plano de B Apoio comunicado em 18 de Dezembro, entre outros, “Disponibilidade para atribuir aos trabalhadores com o nível LL6 mais, durante 2 anos após a cessação do contrato de trabalho do beneficio 2 lease car, podendo estes, no final dos 2 anos, exercer a opção de compra com redução de 10% sobre o valor residual.”
(Itálicos e negritos da nossa responsabilidade).
-Com a adesão/aceitação das propostas o autor beneficiou, entre outros benefícios, da utilização de uma viatura a contento durante 24 meses e recebeu uma compensação no valor de € 153.500,28, para além da legal.
*

O autor sustenta ter direito a viatura “a contento”, vitaliciamente, após a cessão do seu contrato de trabalho com a ré. Refere que tal direito lhe adveio como compensação pelo facto de, enquanto quadro superior, ter sido sujeito desde 1995 a um regime de avaliação na ré que implicava não ter aumentos salariais garantidos todos os anos. Na altura da cessação do seu contrato de trabalho esse direito não foi negociado, em virtude de o mesmo ser já um “direito adquirido”, decorrente do regime de avaliação a que se sujeitou o autor.

Refira-se, desde já, que se nos afigura não assistir razão autor, em qualquer das perspectivas em que, a nosso ver, a questão pode ser analisada.

Com efeito,
O “Industrial Relations Manual”, onde o autor alicerça a sua pretensão, apenas prevê a atribuição de viatura “a contento” para os NL6 (onde aquele se integrava) por ocasião da reforma ou na pendencia da reforma (cfr. fls. 287), o que não foi o caso do autor, o qual, como adiante se verá, fez cessar o seu contrato de trabalho com a ré por acordo.

Para além disso, não se tendo apurado quais os termos e condições em que os colegas de trabalho do autor, em data anterior, fizerem cessar (também) por acordo os seus contratos de trabalho com a ré e beneficiaram de viatura “a contento”, nada nos permite concluir que aquela atribuição, se traduzisse num uso ou prática corrente na empresa, com a qual o autor legitimamente pudesse contar em termos de lhe vir a ser atribuída uma viatura a “contento”, em termos vitalícios.

Acresce ainda que, consoante tem sido assinalado, o princípio da irredutibilidade dos direitos adquiridos deve ser aferido em função das regras respeitantes ao favor laboratoris e no domínio da ressalva dos contratos individuais de trabalho face a novas leis ou novas convenções colectivas de trabalho, ou da ressalva destas perante novas leis, mas, ainda assim, “desde que esses direitos possam considerar-se como integrando o estatuto contratual do trabalhador e, como tal, não possam ser inutilizados pela nova regulamentação legal ou colectiva” (Carlos Fernandes Cadilha “Direitos adquiridos na relação laboral pública e privada”, pág. 7, www.stj.pt). O que manifestamente também não é o caso.

Em face do referido e à luz da factualidade apurada, é igualmente de excluir a frustração de qualquer expectativa jurídica (legítima) do autor – sabido traduzir-se esta num “processo de formação sucessiva, gradual, entre dois ou mais factos situados em momentos distintos, mas que todos concorrem conjunta e articuladamente, para a produção do efeito final. É preciso esperar que o dito processo termine; que o facto jurídico, de estrutura complexa, constituído como é por dois ou mais factos simples, percorra todo o seu ciclo, chegue ao termo do seu iter; só então o direito nasce ou é adquirido pela pessoa a quem se destina” (Inocêncio Galvão Telles, “A Expectativa Jurídica, Algumas Notas”, O Direito, Ano 90, págs. 3 e 4), enquadrável na violação do princípio da confiança, já que, perante a factualidade provada, nem todo o “percurso” ficou concluído, nem se pode afirmar que a ré tenha tido comportamento susceptível de frustrar a confiança, justificadamente criada pelo autor, e baseada em conduta anterior daquela.

Mas, mesmo que pudéssemos considerar que o autor, teria direito  a viatura “a contento”, ainda assim, a nosso ver, sempre seria de rejeitar a sua pretensão. E isto por força dos termos do acordo de revogação do contrato celebrado entre as partes e das circunstâncias que rodearam a sua celebração. Como acima já se deixou assinalado e adiante melhor se verá, a situação económica-financeira desafogada da ré, patenteada no aludido Industrial Relations Manual, veio a alterar-se, tendo a cessação do contrato de trabalho do autor ocorrido, por acordo (fls. 62), mas no âmbito de um despedimento colectivo promovido por aquela.

Nesse acordo foi consignado que:
Como contrapartida das prestações/benefícios referidos nas cláusulas anteriores, o 2º contratante (o ora autor) declara renunciar ao direito de impugnar judicialmente o seu despedimento bem como a quaisquer eventuais créditos laborais que pudesse deter sobre a 1ª contratante devidos pela execução ou cessação do contrato de trabalho, (…)”.

Ou seja, o autor por contraponto e face às “prestações” e “benefícios” referidos nas cláusulas anteriores (compensação legal e adicional pela cessação do contrato de trabalho, inclusão do autor em programa de outplacement e comparticipação da ré em termos de seguros de doença e de vida), declarou renunciar ao direito de interpor acção judicial contra a ré a impugnar o despedimento, bem como renunciar a quaisquer eventuais créditos laborais que pudesse deter sobre a 1ª contratante devidos pela execução ou cessação do contrato de trabalho.

Face à posição assumida pelas partes relativamente à presente situação, sustentando a ré ocorrer uma remissão abdicativa do autor, posição a que se opõe o autor, importa proceder à interpretação do referido acordo, com base no preceituado nos artigos 236.º a 238.º do Código Civil, devendo previamente assinalar-se que, constituindo a remissão abdicativa uma das causas de extinção das obrigações, a mesma traduz-se na renúncia do credor ao direito de exigir a prestação que lhe é devida, feita com a anuência da parte contrária, assumindo, por isso, a natureza de contrato, nos termos do n.º 1 do citado artigo 863.º do Código Civil, onde se prescreve que «o credor pode remitir a dívida por contrato com o devedor».

Saliente-se, ainda, que tal contrato é perfeitamente admissível na presente situação, pois encontrando-se extinto o contrato de trabalho, e desse modo, cessada já a situação de dependência e subordinação do trabalhador perante o empregador, retomou aquele a sua autonomia contratual, sendo legítima a renúncia aos créditos decorrentes do contrato de trabalho.

Por força do citado art.º 236.º do Código Civil «a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele».

Consagra este normativo, como é sabido, a teoria da “impressão do destinatário” que, pelo seu carácter eminentemente objectivista, se entende ser aquela que dá tutela plena à legítima confiança da pessoa em face de quem é emitida a declaração. O objectivo desta solução legal é proteger o declaratário,  conferindo à declaração o sentido que seria razoável presumir em face do comportamento do declarante e não o sentido que este lhe quis efectivamente atribuir (Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil Anotado”, Vol. I, 4.ª Edição Revista, Coimbra, pág. 223).

Como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 31.10.2007, processo 884/07.1TTSTB.S1,www.dgsi.pt, “este critério objectivista da interpretação é, no entanto, temperado por uma salutar restrição de inspiração subjectivista: é o que sucede quando o declaratário conheça a vontade real do declarante, caso em que a declaração valerá de acordo com essa vontade (artigo 236.º, n.º 2, do Código Civil).

Não destacando a lei quais as circunstâncias atendíveis para a interpretação, deverão ser havidas como tal todas aquelas que um declaratário medianamente instruído, diligente e sagaz teria efectivamente considerado. Entre elas, salienta VAZ SERRA, «os termos do negócio, os interesses nele compreendidos, o seu mais razoável tratamento, o objectivo do declarante, as negociações preliminares e os usos» (RLJ, Ano 111.º, p. 120)”.

Pois bem

Se é verdade, consoante a factualidade provada, que o autor ficou sujeito ao dito sistema de avaliação para os quadros superiores da ré (por via do qual ficavam os aumentos salariais dependentes da avaliação do desempenho e dos resultados da empresa, tendo o mesmo deixado de ter aumentos salariais certos e, em contrapartida, beneficiado de 2 viaturas “a contento”), e que aquele sistema se estendeu ao longo do tempo, reportando-se o seu início aos anos de 1993/94 e 1995, a situação da ré veio, posteriormente a essa época, a sofrer significativa alteração, e a tal ponto que a mesma se viu na contingência de promover o despedimento colectivo de vários dos seus colaboradores, em cujo processo o autor foi também incluído.

Nesse âmbito, a ré emitiu um comunicado dando conta do cenário de crise internacional associado às dificuldades económicas e financeiras de Portugal, que se reflecte “numa acentuada quebra de vendas de veículos, bem como da sua preocupação primordial em disponibilizar a todos os trabalhadores abrangidos uma compensação pela cessação dos contratos superior à legal”, referindo ainda que “a actual situação económica e financeira da Empresa não possibilita a manutenção dos critérios de compensação que foram utlizados no passado” (fls. 96), tendo enviado aos trabalhadores abrangidos por aquele despedimento colectivo o “plano de apoio”(fls. 97),cujas condições foram melhoradas relativamente ao que fora oferecido pela ré nas reuniões de negociação no âmbito do respectivo procedimento de despedimento colectivo, que tiveram lugar nos dias 24 e 30 de Janeiro, a que o autor declarou aderir e serem do seu integral conhecimento, nos termos constantes de fls. 99.

Por via daquela adesão/aceitação das propostas da ré, o autor beneficiou, entre os outros benefícios acima assinalados, da utilização de uma viatura a contento durante 24 meses e recebeu uma compensação adicional, à compensação legal no valor de € 153.500,28.

Foi, pois, nesse contexto particular de negociação, no âmbito de um despedimento colectivo, no qual o autor se incluiu e onde também participou como responsável pelos recursos humanos, que o mesmo subscreveu com a ré o referido acordo de revogação do contrato de trabalho.

Atenta as qualidades em que interveio em todo esse processo e a longa antiguidade que o ligava à ré nas ditas funções de responsável pelos recursos humanos, permitem-nos concluir que o mesmo era conhecedor das circunstâncias em que se encontrava a ré, do contexto em que se desenrolou o dito processo negocial, e do que estava a aceitar e a prescindir aquando da cessação do seu contrato de trabalho. E que se traduziu em receber condições (claramente) melhoradas do que as resultantes da lei, mas inferiores às anteriormente praticadas pela empresa em tempos anteriores à crise, como esta havia expresso no dito comunicado e nas reuniões da negociação.

A dita declaração negocial do autor (a renunciar a quaisquer eventuais créditos laborais que pudesse deter sobre a 1ª contratante devidos pela execução ou cessação do contrato de trabalho), aliada à declaração deste a renunciar à impugnação judicial do despedimento (que mais não significa do que renunciar a vir futuramente interpor acção a reivindicar outros créditos decorrentes do contrato, numa perspectiva de pacificação e de “finalização” da relação laboral), equivale a uma remissão abdicativa, no sentido de renunciar “a quaisquer eventuais créditos laborais que pudesse deter” sobre a ré, “devidos pela execução ou cessação do contrato de trabalho”, entre os quais o (eventual) direito a viatura “a contento” em termos vitalícios.

Aliás, se assim não fosse -  face à posição funcional do autor e ao concreto circunstancialismo que envolveu a cessação do seu contrato de trabalho - não se compreende porque razão não teria o mesmo, aquando das negociações e ao emitir declaração aceitando as (melhoradas) condições da empresa para fazer cessar o seu contrato de trabalho, feito ressalva quanto à manutenção do alegado direito de beneficiar de uma (outra) viatura a “contento”, em termos vitalícios, após a cessação do contrato de trabalho, tanto mais que é jurista e lhe foi atribuído pela ré, naquele contexto, e em termos inovatórios relativamente ao praticado anteriormente,  enquanto NL6, durante 2 anos após a cessação do contrato de trabalho o benefício 2 lease car, podendo estes, no final dos 2 anos, exercer a opção de compra com redução de 10% sobre o valor residual.

Desta feita, também por estas razões, não assistiria direito ao autor a beneficiar da viatura “a contento” em termos vitalícios, após a cessação do seu contrato de trabalho, concluindo-se, assim, pela improcedência da presente questão.

4.3-Do recurso da ré.
Da incompetência material do tribunal relativamente ao direito do autor beneficiar das condições de compra de novos veículos vendidos pela ré em condições de empregado.

Na sentença recorrida foi decidido ter o autor direito a beneficiar das condições de compra de novos veículos vendidos pela ré em condições de empregado em virtude de ter esta qualidade e de ter sido seu administrador.

Resultou efectivamente provado que o autor foi administrador da ré, tendo cessado funções como membro do Conselho de Administração, por renúncia, em 2013.11.29 e que os ex-membros da Administração da ré mantiveram o benefício de compra de veículos em condições de empregado.

A ré sustenta que se verifica a incompetência material do tribunal, na medida em que a questão em apreço emerge do mandato de administrador, que não tem natureza laboral, mas sim civil, não se enquadrando em nenhum dos casos do art.º 126.º da Lei 62/2013, de 26 de Agosto (Lei da Organização do Sistema Judiciário).

Salvo o devido respeito, a ré não tem razão. Com efeito, a atribuição do referido beneficio ao autor, enquanto ex-administrador da ré, não decorre da sua qualidade de administrador, mas do facto de ser empregado e de ter sido administrador da ré. O autor desempenhou aquele cargo, retomando as funções de trabalhador em 29.11.2013, tendo sido nessa qualidade que veio a fazer cessar, por acordo, o seu contrato de trabalho e foi incluído no despedimento colectivo. Não é, pois, por ser administrador que deve beneficiar daquele direito, mas pela circunstância de o ter sido e de ter a condição de (ex-)empregado, que beneficia das condições de compra de veículos que assistem aos empregados.

A situação não deixa, assim, de ser enquadrável no dito art.º 126.º n.º 1 alínea b), da Lei 62/2013, improcedendo, por conseguinte, a presente questão.

5.-DECISÃO:
Em face do exposto, nega-se provimento ao primeiro recurso do autor. Nega-se, igualmente, provimento ao segundo recurso do autor e ao recurso subordinado da ré, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pelo autor e ré na proporção.



Lisboa, 2017.02.08



Albertina Pereira
Leopoldo Soares
Eduardo Sapateiro