Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
139552/18.5YIPRT.L1-2
Relator: PEDRO MARTINS
Descritores: QUOTAS DE AMORTIZAÇÃO
PRESCRIÇÃO
INÍCIO DO PRAZO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/09/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I–Alegando a autora que o contrato de crédito ao consumo foi incumprido definitivamente, a excepção peremptória de prescrição pode ser julgada procedente, como no caso foi, perante esta relação material controvertida tal como foi configurada pela autora.
II– O STJ tem entendido, de forma reiterada e uniforme, que “o acordo pelo qual se fracciona a obrigação de restituição do capital mutuado é um acordo de amortização e cada uma das prestações em que a obrigação de restituição se fracciona é uma quota de amortização e que, em consequência, cada uma das prestações mensais devidas pelo mutuário é uma quota de amortização do capital no sentido do artigo 310/-e do CC.”
III–E tem entendido, por quase unanimidade, que “a circunstância de o direito de crédito se vencer na sua totalidade, em resultado do incumprimento, não altera o seu enquadramento em termos da prescrição, sob pena de se poder verificar uma situação de insolvência, a qual, manifestamente, o legislador pretendeu evitar, quando consagrou o prazo comum da prescrição do art. 310/-e do CC.”
IV–Assim, neste caso, o prazo de prescrição de 5 anos deve contar-se, pelo menos, desde a data do pressuposto vencimento antecipado das outras prestações (01/06/2011) e não da data do vencimento programado (até Nov2017) de cada uma delas.

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo identificados:



Em 26/12/20218, a A entregou um requerimento de injunção pedindo que R e R1 fossem notificados para que lhe pagarem 4907,11€, mais 1469,18€ de juros à taxa de 4% ao ano, desde 01/06/2011, mais juros vincendos até integral e efectivo pagamento.

Alegou para tanto que (transcrevem-se todos as alegações de facto): em 04/12/2009, por documento particular, o Banco SA (depois Banco SA) celebrou com os requeridos um contrato destinado à obtenção de um crédito pessoal, ao qual foi atribuído o n.º 0000, comprometendo-se estes ao pagamento de prestações mensais e sucessivas, que deixaram de efectuar, pelo que, em 01/06/2011, verificou-se o incumprimento definitivo do contrato. O Banco, por contrato de cessão de créditos, cedeu esse crédito a ela, exequente, sendo que, à data da cessão, o valor em dívida ascendia ao capital pedido. A esta quantia acrescem juros à taxa de 4 % [ao ano], os quais à data do requerimento ascendem ao valor pedido; diz que a notificação do requerimento constitui meio idóneo para dar conhecimento aos requeridos da cessão de créditos, em termos idênticos à notificação prevista no art. 583 do Código Civil (cita, neste sentido, os acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 30/09/2009 e 03/02/2000, e do Supremo Tribunal de Justiça de 20/10/2009).

A 08/09/2020, os requeridos deduziram oposição, dizendo que decorre do requerimento de injunção que a requerente reclama ter sobre os requeridos um crédito […] por falta de pagamentos desde 01/06/2011. A exposição dos factos […] é claramente insuficiente. Os requeridos têm a certeza não ter recebido nenhuma carta de interpelação, resolução ou de cessão de créditos referente ao crédito pessoal, se não apenas a presente acção, sendo que residem na mesma morada há mais ou menos 17 anos; a requerente não junta, como lhe compete, o contrato que alegadamente serviu de base à presente injunção; só com a exibição do referido contrato se poderá verificar a legitimidade dos valores invocados, pois não chega como fundamento a invocação de um contrato apenas pelo seu número, este só por si não comprova a existência de dívidas, pelo que, desde já, requerem a junção aos autos de fotocópia do mesmo, até porque já decorreram mais de 11 anos desde a celebração do mesmo. Só através deste poderão confirmar ou não a alegada existência de vínculo da requerente aos requeridos. […] A suposta dívida poderá já ter prescrito, ou pelo menos parte dos valores que aqui estão a ser cobrados a título de juros de mora, uma vez que dispõe o artigo 310/-g do CC que quaisquer outras prestações periodicamente renováveis prescrevem no prazo de 5 anos. Dispõe o artigo 342 do CC, que “Àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado” Ora, tal não é o caso na presente acção […]. Nestes termos, deverão os requeridos serem absolvidos do pedido, quanto ao valor dos juros aqui cobrados, pelo decurso do prazo prescricional previsto no artigo 310/-g do CC. Nestes termos, requer se julgue improcedente, por não provada, a pretensão da requerente.

Face à oposição, os autos foram remetidos à distribuição como acção especial para o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato, de valor superior à alçada do tribunal de 1.ª instância.

A 22/10/2020 foi proferido o seguinte despacho: Nos termos do artigo 595/1-b do Código de Processo Civil, […], afigurando-se que os autos reúnem elementos que permitem conhecer do mérito da causa, notifique a autora da oposição deduzida pela ré para, querendo, em dez dias, se pronunciar – artigo 3/3 do CPC.

A 13/12/2020, a autora apresentou então o contrato de crédito e outros documentos que vai referindo e disse:

I– Da falta de interpelação
1.-Alegam os requeridos que nunca foram interpelados para pagamento da dívida.
2.-A interpelação ao devedor pode não ocorrer aquando a data de incumprimento do contrato.
3.-A mesma pode ser deferida para a altura da citação, valendo esta como interpelação ao devedor.
4.-Os requeridos ao contestarem, foram citados, o que consubstancia a interpelação conducente à exigibilidade imediata da totalidade da dívida.
5.-Nesse entendimento veja-se o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, [de 27/05/2015,] processo 6659/12.9TBLRA-A.C1 […]
6.-Pelo que vai impugnado o vertido pelos requeridos na oposição.

II– Da cessão de créditos
7.-Ora, conforme a exequente já alegou aquando do requerimento injuntivo, o crédito em causa nestes autos resulta do incumprimento do contrato ao qual foi atribuído o n.º 0000, celebrado entre o requeridos e o Banco SA, actual Banco SA.
8.-Sendo que o Banco cedeu o crédito à aqui autora, que o aceitou, conforme contrato de cessão e respectivo anexo, que se junta como doc.2.

III–Da celebração do contrato de crédito
9.-Conforme se pode verificar pelo contrato que se junta sob doc.3, o mesmo tem aposta a assinatura dos requeridos [trata-se de um documento dito ‘contrato de crédito - condições particulares’ e tem data de 17/11/2009, sobreposto parcialmente a uma folha onde se pode, com esforço e boa vontade ler ‘contrato de crédito – condições gerais’ – parenteses deste TRL].
10.-Tal assinatura consta igualmente dos documentos de identificação que se junta enquanto doc.4.
11.-Os quais foram entregues ao Banco, aquando da celebração do contrato.
12.-Porquanto afigura-se estranho que os requeridos aleguem que desconhecem um contrato por si assinado e cujas assinaturas estão em conformidade com os elementos de identificação disponibilizados por aqueles.
13.-Efectivamente os requeridos assinaram o contrato em causa.
14.-O referido documento importa a constituição/reconhecimento de uma obrigação pecuniária, ou seja, o pagamento em prestações mensais, assim como a constituição da obrigação de pagar juros de mora e demais penalidades em caso de incumprimento – cfr. condições gerais do contrato.
15.-Acresce que, aquando da celebração do referido contrato, foi explicado todo o conteúdo aos requeridos, os quais nessa sequência apuseram a sua assinatura, após ter “Declarado ter tomado conhecimento e aceitar expressamente as condições gerais e particulares (…)” do mesmo.
16.-Assim, invocando os requeridos o desconhecimento das questões referidas, tal demonstra que os mesmos desconhecem o conteúdo dos documentos que assinam, relevando displicência e até negligência nas suas relações contratuais.
17.-Pelo que carece de fundamento o alegado pelos requeridos.

IV–Da prescrição
18.-Vem ainda o executado [sic] alegar a prescrição nos termos do artigo 310/-g do CC.
19.-Contudo, carece de fundamento legal a pretensão dos requeridos. Senão vejamos:
20.-O contrato em questão é um contrato de financiamento/mútuo, no qual o executado [sic] se comprometeu ao pagamento em prestações mensais e sucessivas.
21.-O executado [sic] vem alegar o prazo de prescrição de 5 anos, invocando, erradamente, a alínea g) do artigo 310 do CC.
22.-Dispõe o artigo 306/1 do CC que “O prazo da prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido; se, porém, o beneficiário da prescrição só estiver obrigado a cumprir decorrido certo tempo sobre a interpelação, só findo esse tempo se inicia o prazo da prescrição.”
23.-Para efeitos de contagem do prazo de prescrição da obrigação, dever-se-á considerar a data da resolução contratual, que no caso dos autos se reporta a 29/07/2003 - data do incumprimento [sic].
24.-A partir dessa data, não havendo interrupções, contar-se-á o prazo prescricional.
25.-Em conformidade com o disposto no art. 309 do CC, o prazo de prescrição apenas ocorre após o decurso de 20 anos.
26.-Neste entendimento, veja-se o acórdão do TRL [de 07/05/1998], processo 0016802 [o link foi colocado por este TRL; só consta o sumário] […]
27.-Conclui-se assim que a quantia em dívida terá um prazo de prescrição de 20 anos, e não de 5 anos, conforme alegado pelos requeridos.
28.-Sucede que não estando prescrito o capital devido, necessariamente também não estão os respectivos juros de mora.
29.-Mas ainda que assim não se entenda, o que se admite sem conceder, sempre serão devidos os juros vencidos nos cinco anos anteriores à entrada do requerimento de injunção.
30.-“A dívida de juros não é uma dívida a prestações, mas antes uma dívida que, periodicamente (ou dia a dia) renasce: no termo de cada período (ou dia) vence-se uma nova dívida ou obrigação” (F. Correia das Neves, Manual dos Juros, 3.ª ed., Coimbra, 1989, pág. 194).
31.-Com efeito “o prazo de cinco anos começa a contar-se, segundo a regra do artigo 306, a partir da exigibilidade da obrigação. Pode acontecer, nas dívidas de juros, que não haja prazo estabelecido para o seu pagamento. É o que acontece quanto aos juros legais. Neste caso, os juros vão-se vencendo dia a dia, pelo que devem considerar-se prescritos os que se tiverem vencido para além dos últimos cinco anos” (Pires de Lima e Antunes Varela, CC anotado, Vol. I, 4.ª ed., Coimbra, 1987).
32.-Deste modo, pelo menos os juros de mora vencidos cinco anos antes da entrada do requerimento de injunção nunca se encontrariam prescritos.
33.-Pelo que improcede igualmente o alegado pelos requeridos.
34.-Por mero dever de patrocínio, quanto à restante matéria alegada pelos requeridos e que não tenha sido anteriormente impugnada, a autora impugna a mesma e reitera integralmente o teor dos requerimentos de Injunção.

Os réus foram notificados desta resposta pela autora e não impugnaram os documentos apresentados.
Foi então proferido um saneador sentença, que julgou procedente a excepção de prescrição e absolveu os réus do pedido.
A autora recorre desta sentença - para seja revogada e a acção seja julgada procedente -, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:

A)-A autora intentou, em 26/12/2018, contra os réus uma injunção, no âmbito da qual alegou o incumprimento, por parte dos réus, do contrato de crédito em conta corrente com o n.º 0000.
B)-A ré deixou de liquidar as mensalidades acordadas e a autora considerou o incumprimento definitivo do contrato em 01/06/2011.
C.-Ora, o tribunal a quo entendeu que o valor peticionado na presente acção, porque decorrente do valor de um crédito em conta corrente, englobando não só [o] valor de capital a reembolsar, como [o valor] de juros, beneficia do prazo de prescrição de 5 anos, previsto no artigo 310/-d-e do CC.
D.-Com o que não se pode concordar; vejamos,
E.-Para efeitos de contagem do prazo de prescrição da obrigação, dever-se-á considerar a data da resolução contratual, que no caso dos autos se reporta a 09/08/2006 [sic] - data do incumprimento.
F.-O artigo 310 do CC, consagra um prazo especial de 5 anos, mais curto, justificado pelo facto de se encontrarem em causa direitos que têm, em geral, por objecto prestações periódicas.
G.-Já os juros – convencionais ou legais – são uma das hipóteses expressamente abrangidas pelo referido curto prazo de prescrição de 5 anos, por força do artigo 310/-e do CC.
H.-No caso, resulta dos factos provados, que o montante em dívida reclamado pela autora é proveniente de um contrato de financiamento de crédito pessoal.
I.-O montante financiado deveria ser restituído em prestações mensais e sucessivas, que incluíam juros vencidos, prémio de seguro, impostos e encargos e capital em dívida.
J.-Tendo, assim, por pressuposto a mencionada factualidade provada, o débito concretiza-se numa quota de amortização mensal e enquadra-se na previsão legal do disposto no artigo 310/-c do CC, porquanto engloba capital e juros, tendo-se convertido em várias prestações periódicas, mensais, de uma quantia global que foi fraccionada.
K.-Assim, fácil é concluir que o prazo de prescrição aplicável é efectivamente o previsto no artigo 310/-e do CC.
L.-Porém, no caso dos autos, resulta também provado que a ré deixou de pagar as prestações mensais, em data não apurada, pelo que, a 01/06/2011 o banco resolveu o contrato.
M.-Ora, a resolução operada importa, nos termos do disposto no artigo 781 do CC, o vencimento imediato das prestações restantes.
N.-Pelo que, o plano de pagamento em prestações acordado deixa de estar em vigor, ocorrendo uma perda do benefício do prazo de pagamento contido em cada uma das prestações.
O.-Pelo que, desfeito o plano de amortização da dívida inicialmente acordado, os valores em dívida voltam a assumir a sua natureza original de capital e de juros.
P.-Desta forma, uma vez que a ré deixou de efectuar o pagamento das prestações devidas em data não apurada, mas anterior a 01/06/2011, altura em que foi resolvido o contrato por incumprimento contratual.
Q.-Ora, verificado o incumprimento, o valor em dívida assumiu a sua natureza original de capital e juros, ficando sujeito ao prazo prescricional mais longo: de 20 anos.
R.-Desta feita, atendendo a esse prazo mais longo, fácil é concluir que o prazo de prescrição não se completou ainda, pois que, ainda não decorreram 20 anos sobre o verificado incumprimento.

Não foram apresentadas contra-alegações.

           
Questão que importa decidir: se o crédito da autora não prescreveu.
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Deram-se como provados os seguintes factos:
1.-Por documento particular foi celebrado [a data das assinaturas é de 17/11/2009] pelo Banco (anteriormente Banco), com os réus, um acordo destinado à obtenção de um crédito pessoal, ao qual foi atribuído o nº 0000, no valor de total de 8.974,08€ [o montante do crédito era de 4562,28€, o custo do seguro era de 661,52€, o custo total do crédito foi de 4411,80€, o montante total imputável ao consumidor foi de 8974,08€], obrigando-se aos pagamentos de 96 prestações mensais e sucessivas de 99,85€ [incluindo seguro]. [as partes entre parênteses rectos foram colocadas por este TRL, ao abrigo dos arts. 663/2 e 607/4, tendo em conta que o documento com o contrato não foi impugnado pelos réus].
2.-Por acordo designado de “contrato de cessão de créditos”, o Banco cedeu o crédito aqui em causa nestes autos à autora.
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A sentença recorrida tem a seguinte fundamentação, na parte que importa, em síntese e com simplificações:

Os réus invocaram a prescrição do direito de crédito da autora, nos termos do disposto no artigo 310/-g do CC.
No art. 310/-e do CC tem-se em vista os casos em que a obrigação é cumprida através de «quotas de amortização do capital pagáveis com os juros» e, no art. 310/-d do CC, tem-se em vista os juros que, pelo menos por regra, são reportados a uma realidade, normalmente atinente à colocação na disposição de uma certa soma pecuniária, assumida e definida numa singular obrigação inicial. O art. 310/-g do CC prevê uma situação residual: «quaisquer outras prestações periodicamente renováveis».
As razões justificativas das prescrições de curto prazo do art. 310 do CC são a da protecção da certeza e segurança do tráfico, a conveniência de se evitarem os riscos, a nível probatório, de uma apreciação judicial a longa distância e obstar que o credor deixe acumular excessivamente os seus créditos, para proteger o devedor da onerosidade excessiva que representaria, muito mais tarde, a exigência do pagamento.
Estes fitos permitem e até exigem que a previsão do art. 310/-g se aplique não só às prestações periodicamente renováveis, nas quais há uma pluralidade de obrigações distintas (porém emergentes de um vínculo fundamental ou relacionadas entre si) que reiteradamente se vão sucedendo no tempo, mas também às situações de uma única obrigação cujo cumprimento é efectivado em prestações fraccionadas ao longo do tempo, pois que não há fundamento para limitá-la aos casos de obrigações periodicamente renováveis stricto sensu.
No caso vertente encontrarmo-nos perante uma situação de uma única obrigação, decorrente da outorga com os requeridos de um contrato de crédito, em que foi anuído ser cumprido através de prestações mensais e sucessivas.
Tal factualidade subsume-se, desde logo, no art. 310/-e do CC. E, quanto aos juros peticionados, no art. 310/-d do CC – cfr. neste sentido o ac. do STJ de 04/05/1993, proc. 083489 [só sumário; o texto integral está publicado na CJ.STJ.1993.II, págs. 82-84 - TRL]. E, mesmo que assim não fosse ou não se entenda, sempre poderia ser subsumida no art. 310/-g do CC, atenta a interpretação que supra se expôs.
Nestes termos, uma vez que não foi alegada qualquer causa de interrupção da prescrição prevista nos artigos 323 a 327 do CC e tendo a presente acção sido intentada em 26/12/2018, conclui-se que está prescrito o direito da autora.

                     
Decidindo:

Antes de mais anote-se que o saneador-sentença, por um lado, partiu de um facto que, embora não esteja dado como provado, decorre dos próprios autos, ou seja, a data em que a acção foi proposta (e como tal pode ser acrescentado aos factos provados, ao abrigo dos artigos 663/2 e 607/4, ambos do CPC), facto que é a base da excepção deduzida, e, por outro lado, assumiu implicitamente que se verificava uma situação de incumprimento definitivo do contrato, pelo menos desde a data alegada pela autora (01/06/2011).
Ou seja, nesta última parte, o tribunal, para efeitos da decisão da prescrição, partiu do princípio da existência do direito da autora tal como ela o invocava, sendo ele o direito à totalidade das prestações do contrato, mesmo aquelas que estavam programadas para se vencerem depois disso, até 2017 (note-se que a autora pede juros sobre o valor total da dívida desde 01/06/2011, pelo que pressupõe o seu vencimento antecipado, por perda do benefício do prazo). Isto é, o saneador sentença foi ver se, pressupondo como estando certo o que a autora alegava, o direito que ela dizia ter, à totalidade da dívida que ainda não tinha sido paga, vencida desde 01/06/2011, tinha prescrito.
O que está correcto porque a prescrição é uma excepção baseada num facto preclusivo que pode ser apreciada – se não estiver dependente da prova de outros factos (como por exemplo, dos factos base da excepção ou contra-excepção deduzidas) - tal como as excepções dilatórias, antes da averiguação da existência dos factos constitutivos alegados pelo autor, partindo-se da relação material tal como configurada pelo autor.
Daí que, sendo considerada procedente, “conduz à inutilidade da verificação dos factos que constituem a causa de pedir” (Lebre de Freitas, A acção declarativa, 2017, Almedina, pág. 366, nota 10, quanto à passagem citada entre aspas, e, quanto ao demais nas páginas 124-125 (nota 60) e 133-134 (nota 78).
Assim sendo, independentemente dos erros de direito da autora (no essencial, a autora defende que o incumprimento definitivo e a subsequente resolução do contrato deram origem ao vencimento antecipado das prestações de uma obrigação fraccionada, invertendo a lógica natural das coisas, ordem esta que, aliás, com outros termos, já consta do próprio acórdão do TRC que a autora cita na resposta de 13/12/2020: em termos gerais, com variantes segundo o tipo de contrato, irrelevantes para o caso, o incumprimento / mora no pagamento de prestações dá ao credor o poder de, através de interpelação, exigir o cumprimento imediato das prestações, o que, depois, poderá levar ao incumprimento definitivo e, por aí, à resolução do contrato: artigos 781, 805/1, 808/1 e 801/2 do CC e, por exemplo, art. 20 do DL 133/2009, na redacção vigente em 2011) o que está em apreciação na decisão da excepção da prescrição é o direito que a autora diz ter, e nos termos que o diz ter, ao valor global da dívida dos réus, em 01/06/2011, decorrente do incumprimento definitivo do contrato nessa data, contrato esse que dizia respeito a uma obrigação que foi dividida pelas partes em 96 prestações mensais.

E foi como tal que o tribunal recorrido apreciou a excepção da prescrição do direito invocado pela autora, sendo que o fez aplicando a posição assumida, reiterada e uniformemente, pelo STJ sobre as questões que estão em causa (embora o tribunal recorrido apenas cite o acórdão do STJ de 1993 que esteve na origem desta posição, a favor da qual tal acórdão já citava o estudo de Vaz Serra, sobre prescrição e caducidade publicado nos BMJ n.ºs 105 e 106, páginas 109 e 112 e seguintes [e parece que também BMJ 107, páginas 285 e seguintes – este TRL, por falta de tempo e da disponibilidade daqueles BMJ, não esteve a conferir as citações deste estudo], que é depois repetidamente invocado nos acórdãos subsequentes).

Essa posição, reiterada e uniforme, repete-se, do STJ, pode ser sintetizada com o sumário do último acórdão do STJ sobre a matéria, que é de 06/07/2021, proc. 6261/19.4T8ALM-A.L1.S1:
I-Em contratos de mútuo oneroso, o acordo pelo qual se fracciona a obrigação de restituição do capital mutuado é um acordo de amortização e cada uma das prestações em que a obrigação de restituição se fracciona é uma quota de amortização.
II-Em consequência, cada uma das prestações mensais devidas pelo mutuário é uma quota de amortização do capital no sentido do artigo 310./-e do CC.
III-A circunstância de o direito de crédito se vencer na sua totalidade, em resultado do incumprimento, não altera o seu enquadramento em termos da prescrição, sob pena de se poder verificar uma situação de insolvência, a qual, manifestamente, o legislador pretendeu evitar, quando consagrou o prazo comum da prescrição do art. 310/-e do CC.

Em desenvolvimento desta posição, o texto do acórdão de 04/05/2021, proc. 3522/18.3T8LLE-A.E1.S1, por exemplo, escreve:
“Mesmo que se considere vencido todo o capital, a preocupação com o devedor mantém-se.
O crédito é concedido com um pagamento fraccionado e, seja porque se poderia deixar prolongar no tempo a exigência do pagamento de várias prestações seja porque o crédito agora se considere totalmente vencido, não se deve confrontar o devedor com o pagamento súbito de toda uma quantia dentro de um prazo amplo como seria o de 20 anos previsto no artigo 309 do CC, o que iria permitir uma acumulação significativa de juros.
A finalidade pretendida pelo legislador com a fixação do prazo curto de 5 anos seria afastada se fosse permitida não só o pagamento da totalidade da dívida mas que o credor o pudesse fazer em 20 anos, o que não pode suceder pois colocaria o devedor numa situação muito difícil.
Assim, como vem sendo a posição assumida pelo STJ, mostra-se equiparada "a amortização do capital, designadamente do mútuo, realizada de forma parcelar ou fraccionada por numerosos anos, como o mútuo bancário destinado a habitação própria, ao regime dos juros, ficando sujeito ao mesmo prazo de prescrição, nomeadamente 5 anos – art. 310/-e do CC", pois o que "justifica a prescrição dos juros decorridos o prazo de 5 anos, tem igual cabimento, no caso do referido pagamento fraccionado, não obstante a restituição do capital mutuado possa corresponder a uma obrigação unitária."

No mesmo sentido, em todos os pontos do sumário, vão os acórdãos do STJ de:

de 29/04/2021, proc. 723/18.8T8OVR-A.P1.S1 [embora neste a questão seja colocada de outro maneira, porque se considerou que a autora não alegou e consequentemente não provou que, após se ter iniciado a falta de pagamento das prestações acordadas e durante o decurso do período previsto para o reembolso do total do empréstimo, alguma vez tenha exercido o direito de considerar antecipadamente vencida toda a dívida que lhe era conferido pela transcrita cláusula, provocando o vencimento das prestações (e o facto de, no requerimento executivo, ter feito referência à existência daquela cláusula, não corresponde a uma interpelação que provoque o vencimento de qualquer prestação ainda não vencida)]
            28/04/2021, proc. 1736/19.8T8AGD-A.P1.S1
            08/04/2021, proc. 5329/19.1T8STB-A.E1.S1
            09/02/2021, proc. 15273/18.4T8SNT-A.L1.S1
            12/11/2020, proc. 7214/18.5T8STB-A.E1.S1
            03/11/2020, proc. 8563/15.0T8STB-A.E1.S1
            10/09/2020, proc. 805/18.6T8OVR-A.P1.S1
            18/10/2018, proc. 2483/15.5T8ENT-A.E1.S1.
Note-se que a maior parte destes acórdãos pronuncia-se sobre casos de mútuos onerosos de crédito para habitação, mas vários deles, como por exemplo o 1.º citado acima (o último em data), referem-se a contratos de crédito ao consumo, sendo manifesto que a razão de ser do decidido se aplica tanto a um caso como a outro (embora o caminho para a resolução do contrato tenha variantes impostas pelos artigos 781 do CC e 20 do DL 133/2009, de 02/06, na redacção actual).
*

É certo que quanto à matéria do ponto III daquele sumário, isto é, quanto à questão de saber se igual solução deve merecer a hipótese de todo o direito de crédito se ter vencido, devido ao incumprimento do contrato, depois da interpelação, existem duas divergências:

Uma divergência diz respeito à duração do prazo de prescrição: 5 anos ou 20 anos.
Esta primeira divergência consubstancia-se numa corrente residual, contrária à posição uniforme do STJ, de alguns acórdãos da Relações, de uma opinião conclusiva, sem fundamentação, de Menezes Cordeiro, de 2005, e de um acórdão, isolado, do STJ, o de 05/06/2018, proc. 9678/16.0T8PRT.P1.S1 (estas referências constam de vários dos acórdãos referidos e por isso não se repetem aqui), que entende que no caso de terem ficado vencidas todas as prestações ainda não pagas, foi desfeito o plano/programa de amortização da dívida inicialmente acordado, pelo que os valores em dívida voltaram a assumir a sua natureza original de capital e de juros, pelo que nenhuma razão subsiste para sujeitar a dívida de capital e a dívida de juros ao mesmo prazo prescricional; assim, a dívida de capital, encontrar-se-á sujeita ao prazo ordinário de prescrição de 20 anos (parafraseou-se o ac. do STJ invocado neste §, que apenas tem o seu sumário publicado no sítio da internet do STJ, tal como invocado num dos outros).

A autora serve-se da posição desta corrente jurisprudencial – dizendo que embora o saneador sentença tenha razão quanto às prestações fraccionadas [repare-se, entretanto, que na resposta de 13/12/2020, a autora dizia exactamente o contrário], não o tem quando ao valor global da dívida, em relação ao qual vale o prazo prescricional mais longo, de 20 anos, sendo que, como os requeridos deixaram de pagar, a autora considerou o incumprimento definitivo do contrato / resolveu o contrato, e assim deixaram de existir as prestações fraccionadas e renasceu a divida original.

Esta argumentação já está rebatida pela já citada corrente jurisprudencial uniforme e reiterada do STJ (com excepção de um único acórdão, citado, nenhum outro – inclusive os que vão ser referidos abaixo - aceita a aplicação do prazo de 20 anos) e, por isso, não deve dar lugar a mais discussão, pelo menos enquanto não foram trazidos novos elementos doutrinários à discussão.
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A outra divergência é uma divergência interna dentro da corrente do STJ e respeita ao momento a partir do qual se conta o prazo de prescrição de 5 anos.

A quase unanimidade dos acórdãos do STJ conta o prazo de prescrição de 5 anos a partir da data do incumprimento das prestações que desse ao credor a possibilidade de exigir todas as prestações ainda não vencidas (e com essa exigência todas elas se venceriam) ou que faz vencer, nos termos contratuais, todas essas prestações, ou, pelo menos, conta-o desde a data do vencimento antecipado de todas elas.

Neste sentido, todos os acórdãos do STJ citados acima:

de 06/07/2021, proc. 6261/19.4T8ALM-A.L1.S1: este acórdão, em termos práticos confirma a contagem do prazo de prescrição de 5 anos a partir da data do incumprimento em 21/06/2003 (art. 306 do CC), tal como resulta da parte das conclusões da autora em que lembra o conteúdo do acórdão recorrido (acórdão que é do TRL de 18/03/2021, proc. 6261/19.4T8ALM-A.L1-8); o contrato tinha sido celebrado em 21/03/2000, as prestações eram 60, isto é, por 5 anos, pelo que estavam programadas até 21/03/2005.

de 04/05/2021, proc. 3522/18.3T8LLE-A.E1.S1: este acórdão, em termos práticos, confirma a contagem do prazo de prescrição de 5 anos a partir da data do incumprimento; dá-se como provado que a exequente considerou vencida toda a dívida, reportada a data das últimas prestações pagas - que se referia a 23/05/1999 - e exigiu o pagamento imediato de todo o capital em dívida, à data daquela última prestação paga, com referência a 23/06/1999, reclamando o pagamento de juros desde esse dia 23/6/1999.

de 29/04/2021, proc. 723/18.8T8OVR-A.P1.S1: diz que a autora não alegou e consequentemente não provou que, após se ter iniciado a falta de pagamento das prestações acordadas e durante o decurso do período previsto para o reembolso do total do empréstimo, alguma vez tenha exercido o direito de considerar antecipadamente vencida toda a dívida que lhe era conferido pela transcrita cláusula, provocando o vencimento das prestações (e o facto de, no requerimento executivo, ter feito referência à existência daquela cláusula, não corresponde a uma interpelação que provoque o vencimento de qualquer prestação ainda não vencida) e, por isso, conta o prazo de prescrição sobre o vencimento da última prestação que o executado mutuário se obrigara a pagar (o que, mesmo assim, levou, no caso, à decisão da prescrição de todas elas); ou seja, o acórdão parece aceitar que caso se tivesse provado o vencimento antecipado, contaria a prescrição a partir dele.

de 28/04/2021 – proc. 1736/19.8T8AGD-A.P1.S1 : este acórdão, em termos práticos, confirma a contagem do prazo de prescrição de 5 anos a partir da data do vencimento imediato devido ao incumprimento: “levando ainda em linha de conta que, no caso dos autos, a apreciação do direito da exequente se mostra analisado à luz do pedido em sede de requerimento executivo - vencimento antecipado das prestações nos termos previstos no artigo 781 do CC […]” (contratos celebrados em 2001: datando a falta de pagamento das prestações em dívida de 18/01/2013 e 16/12/2012, a dívida de capital prescreveu em 16/01/2018 e em 16/12/2017”).

08/04/2021, proc. 5329/19.1T8STB-A.E1.S1: este acórdão, em termos práticos, confirma a contagem do prazo de prescrição de 5 anos a partir da data do vencimento antecipado/imediato que resultou da interpelação para uma anterior execução, de Out2003, que ficou deserta; as prestações eram 300 (25 anos) e o contrato foi celebrado em 1998, pelo que as prestações estavam programadas até 2023…as prestações deixaram de ser pagas em Set2003; a nova execução foi instaurada em 06/08/2019 e os executados citados a 26/09/2019.

09/02/2021, proc. 15273/18.4T8SNT-A.L1.S1: este acórdão considerou que o não pagamento de uma prestação, de Julho de 2013, implicava o imediato vencimento das demais, pelo que contou o prazo de prescrição, de 5 anos, a partir deste vencimento automático implicado pela falta de pagamento de uma delas; e diz que, vencidas todas as prestações, por falta de pagamento daquelas, é irrelevante a interpelação para pagamento das restantes, nos termos do plano convencionado; este acórdão tem uma declaração de voto da relatora do acórdão do STJ de 26/01/2021, proc. 20767/16.3T8PRT-A.S2, aceitando que neste caso particular se verificava, por haver acordo nesse sentido, o vencimento antecipado das restantes prestações e não pondo em causa a contagem do prazo de prescrição a partir daquela data; o acórdão do STJ afastou o acórdão recorrido que tinha julgado não prescritas as prestações com menos de 5 anos de vencimento programado, considerando [o acórdão recorrido] que, não tendo ficado provado que tenha ocorrido o vencimento antecipado da dívida, as prestações continuaram a vencer-se até à data em que os executados foram citados para a execução, a qual teve lugar em 17/09/2018.

12/11/2020 — proc. 7214/18.5T8STB-A.E1.S1: este acórdão aceitou a contagem do prazo de prescrição de 5 anos a partir da data de incumprimento de uma das prestações, de 10/11/2010, que teria implicado o vencimento automático de todas as outras; a execução é de 2018; as prestações estavam programadas por 25 anos a contar de 1998.

03/11/2020, proc. 8563/15.0T8STB-A.E1.S1: este acórdão aceita a contagem do prazo de 5 anos a partir do vencimento antecipado, não da data programada para o vencimento das prestações: O mútuo é de 22/12/1989; em 20/03/1993 os executados deixaram de pagar as prestações (de 25 anos); foram citados, e como tal interpelados para o vencimento antecipado de todas as prestações, no âmbito de uma execução de 20/06/1997 (que veio a ser julgada deserta) e a (nova) execução deu entrada em 07/10/2015. Foi dado como provado que a falta de pagamento das prestações implicou a resolução do contrato de mútuo, sendo devido o pagamento da totalidade do empréstimo, o que deriva do art. 781 do CC; sufragou-se a orientação do tribunal recorrido quando diz que a dívida se mostra prescrita, porquanto entre o ano de 1998 e o dia 14/10/2015 decorreram mais de cinco anos.

10/09/2020, proc. 805/18.6T8OVR-A.P1.S1: este acórdão conta o prazo de prescrição da data do vencimento antecipado por interpelação que considera ter ocorrido com a citação para uma outra execução entretanto deserta, isto apesar de dizer que o que é “devido continua a ser todas as quotas de amortização individualmente consideradas e não a quantia global do capital em dívida. E o facto de as quotas de amortização deixarem nessa situação de estar ligadas ao pagamento dos juros (cf. AUJ 7/2009, DR, I, 05MAI2009), por via dessa antecipação do vencimento, não interfere, em nosso modo de ver, com o tipo de prescrição aplicável em função da natureza da obrigação, que não é alterada pelas vicissitudes do incumprimento.”

18/10/2018, proc. 2483/15.5T8ENT-A.E1.S1: contou o prazo de prescrição de 5 anos da data do último pagamento efectuado; o contrato era de 2005 e as prestações prolongavam-se por 40 anos: diz-se: tendo em consideração que a execução foi proposta em 13/05/2015 e que o último pagamento foi efectuado em 05/05/2010, tem de se concluir pelo decurso do prazo da prescrição de cinco anos.

Dois acórdãos recentes do STJ admitem a contagem do prazo de 5 anos de prescrição, de todas as restantes prestações, a partir da data em que elas, nos termos programados, se venceriam mais tarde, mesmo que o programa de fraccionamento da dívida se tenha por denunciado, resolvido ou deixado de existir. Assim:

26/01/2021, proc. 20767/16.3T8PRT-A.S2: conta o prazo da data do vencimento normal (como planeado) e não da data do vencimento antecipado, pois que, segundo o acórdão, “o facto de o incumprimento de uma prestação implicar o vencimento antecipado das restantes prestações em “nada releva para o problema em causa, porque nesse caso a prescrição respeitará a cada uma das quotas de amortização e não ao todo em dívida.” Invoca no mesmo sentido, os acórdãos do STJ de 04/05/1993, CJ STJ 1993, tomo II, pág. 82, e de 27/03/2014, proc. 89/12.6TBHRT-A.L1.S1). Assim, embora a data do vencimento antecipado, fosse, no caso, Agosto de 2000, julgou extinta a última prestação, por prescrição, apenas em Março de 2011, data em que se completava o prazo de 5 anos desde o momento em que o direito à última prestação podia ser exercido (ou seja, Março de 2006).

14/01/2021, proc. 6238/16.1T8VNF-A.G1.S1: apesar do teor do sumário, concordante com os citados acima, este acórdão aceitou a contagem do prazo de prescrição de 5 anos a partir da data do vencimento planeado das prestações.
    
Note-se que esta corrente minoritária no STJ não tem nada a ver com a corrente minoritária referida acima (das Relações), podendo mesmo considerar-se que é contrária a ela, pois que esta defende que o prazo de prescrição (de toda a dívida restante) é de 20 anos (mal) e se conta a partir da data em que o programa de fraccionamento da dívida deixa de existir (aqui com razão).

Veja-se esta divergência tendo em consideração o caso dos autos: contrato celebrado em Nov/2009, dívida repartida por 96 prestações (até Nov/2017), incumprimento de prestações antes de Jun/2011, vencimento de todas elas pelo menos em Jun/2011; acção intentada em Dez/2018.

A corrente maioritária / quase unânime do STJ conta o prazo de prescrição de 5 anos a partir, pelo menos, de Jun/2011, pelo que em Jun/2016 o valor da dívida já estava prescrito.

Os dois recentes acórdãos minoritários do STJ contam o prazo de prescrição de 5 anos a partir da data de vencimento programado das restantes prestações, apesar desse programa já não existir, pelo que, só estaria prescrito o valor correspondente às prestações que se venceriam até Dez2013, não todas as que se venceriam a partir de então.

A corrente minoritária de alguns acórdãos das relações, entende que se aplica o prazo de prescrição de 20 anos a partir da data de vencimento antecipado de todas as prestações, ou seja, no caso, a partir de Jun/2011, pelo que nenhuma prestação estaria prescrita.

Esta posição, do prazo de 20 anos, não pode ser aplicada, porque, como já se constatou, vai contra a posição uniforme e reiterada do STJ (só existe um acórdão do STJ em sentido contrário).

Quanto à corrente minoritária dos dois acórdãos STJ ela é incoerente com a admissão de que todas as prestações já se venceram antecipadamente, deixando de existir o programa de fraccionamento da dívida. Não se pode contar a prescrição da data de vencimento programado de uma prestação (no caso, por exemplo, a última só se venceria em Nov2017) que já se venceu antecipadamente (pelo menos em Jun2011). Para além disso, isto vai contra a lógica, de todos os outros acórdãos, de evitar que o credor possa, por uma sua estratégia, só exigir, muitos anos depois, no caso por volta de 10 anos, todas as prestações em dívida, provocando a ruína do devedor. De resto, é representada por (i) dois acórdãos que são mais antigos, em datas em que a questão ainda não era colocada, por (ii) um outro que não assume claramente a divergência (pois que o sumário é igual aos anteriores), e por um outro (iii) em que a relatora tem, mais tarde, voto de conformidade com um da corrente maioritária. E nenhum deles explica a contradição de contar o prazo de prescrição a partir de uma data de vencimento programada que deixou de existir pelo vencimento antecipado.

Portanto, segue-se a posição da corrente maioritária / quase unânime, do STJ.
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Falta saber se, também no caso dos autos, em que a autora não alega a existência de qualquer interpelação para o pagamento, se não deve partir da data em que ela diz que se deu o incumprimento definitivo (data que, considera igual à data da resolução do contrato). Tanto mais que são claros os erros de direito da construção da autora e esta não parece ter minimamente conhecimento do que é que de facto se passou no contrato em causa nos autos, como decorre, entre o mais, de todos os erros de datas em que incorre e da mudança radical de posição da autora entre a resposta de 13/12/2020 e as alegações do recurso. Ou seja, no fundo, a questão de saber se, de algum modo, por força disto, se deve aplicar a posição do acórdão do STJ de 29/04/2021, proc. 723/18.8T8OVR-A.P1.S1, citado acima.

Mas, pelo que se disse acima, para efeitos de apreciação da excepção da prescrição, neste processo, esta questão não tem relevo. O direito da autora foi apreciado nos termos em que ela o invocou: a autora está a exigir o direito à totalidade da dívida que faltava pagar em 01/06/2011, fala no incumprimento definitivo do contrato (o que pressupõe que as prestações já não se podem realizar) e é em relação ao valor global da dívida que está a pedir juros desde a data do incumprimento definitivo.

Solução contrária – que, de qualquer modo, não foi defendida pela autora - levaria a admitir-se o absurdo de se vir a permitir que a autora tentasse, agora, para ter vencimento no recurso da decisão quanto a excepção de prescrição, aproveitando-se da falta de alegações de factos, demonstrar, contra a lógica de tudo o que alegou, que o contrato não foi resolvido, ou que não se verificou o incumprimento definitivo.

Ora, uma acção em que a autora invoca o direito à totalidade das prestações, devido a incumprimento definitivo do contrato (se há incumprimento definitivo, as prestações já não se podem realizar), não se poderia convolar, numa acção em que, afinal, se desse à autora a possibilidade de exigir o direito à realização das prestações (que se teriam estado a vencer como programado, enquanto a acção esteve a correr).
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Pelo exposto, julga-se o recurso improcedente.
Custas do recurso, na vertente de custas de parte, pela autora.


Lisboa, 09/09/2021


Pedro Martins
Inês Moura
Laurinda Gemas