Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
4728/14.0T2SNT-A.L1-8
Relator: MARIA DO CÉU SILVA
Descritores: RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS
INSTITUTO DA SEGURANÇA SOCIAL
PRESCRIÇÃO
INTERRUPÇÃO
RECONHECIMENTO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/16/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1- A notificação do potencial revertido para audiência prévia à reversão constitui facto interruptivo do prazo de prescrição de dívidas à segurança social.

2-Por força do art. 304º nº 2 do C.C., é relevante o reconhecimento de direito prescrito, isto é, o reconhecimento posterior ao decurso do prazo prescricional.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa


Na reclamação de créditos que corre por apenso à ação executiva que prossegue contra, entre outros executados, M…, esta interpôs recurso da sentença proferida na parte em que foi julgada improcedente a exceção da prescrição do crédito do Instituto da Segurança Social, I.P.

A recorrente formulou as seguintes conclusões:
57.-A documentação, junto aos autos pela Segurança Social ISS IP, não se encontra, de todo, qualquer assinatura, da reclamada, que leve a pressupor que a mesma tivesse tido conhecimento pessoal da reversão e notificações para a audiência prévia.
58.-A prescrição é de conhecimento oficioso, caberia ao Meritíssimo Juiz a quo, cuidar de saber, se a reclamada, pessoalmente, teve conhecimento das notificações e citações das alegadas dividas reclamadas pela Segurança Social ISS IP em face da documentação dos autos.
59.-Não existem documentos junto aos autos que prove, torne evidente e inequivocamente que a reclamada tomou conhecimento pessoal das notificações para a audiência prévia, condição legal para interrupção da prescrição.
60.-Logo, parece, salvo o devido respeito, que não existindo prova desse conhecimento, a decisão a tomar só poderia ser que as alegadas dividas reclamadas pela Segurança Social ISS IP se encontravam prescritas.
61.-Parece-nos, também, que não havendo prova evidente e inequívoca de que a reclamada tenha sido pessoalmente notificada, das audiências prévias, deveria a Meritíssima Juiz a quo, atento o princípio da investigação, ínsito no artigo 13º do CPPT e 99º da LGT determinar as diligências necessárias ao apuramento, para determinar, se sim ou não, a reclamada teve conhecimento pessoal da notificação das audiências prévias para pagamento das quantias alegadamente em divida.
62.-A Meritíssima Juiz a quo, errou na apreciação da prova junto aos autos concluindo pela improcedência da excepção da prescrição, quando, salvo o devido respeito, deveria ter concluído pela procedência da excepção da prescrição.
63.-A notificação para eventual reversão, não tem a virtualidade de interromper o decurso do prazo de prescrição, uma vez que tal notificação não interpela para pagamento de qualquer quantia, nem poderia.
64.-Não existindo uma verdadeira interpelação para pagamento, cfr. art. 63º nºs 2 e 3 da Lei 17/2000 de 8/8 e art. 49º nºs 1 e 2 da Lei 32/2002; art. 60 da Lei 4/2007 de 16/01 e artigo 187º do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial da Segurança Social ISS IP, as notificações para audiência prévia não têm a virtualidade de interromper a prescrição.
65.-Resulta do artigo 302º do CC, que a renúncia à prescrição tácita ou não, implica que se tenha consciência que a divida é sua e que a mesma está prescrita.
66.-A Segurança Social ISS IP tem a obrigação funcional de saber que determinada dívida está prescrita e que em função dessa realidade se deve abster de a pedir ao devedor.
67.-A Segurança Social ISS IP, tem o dever legal de quando notifica para a audiência prévia e/ ou interpela para pagamento e encontrando-se as dividas prescritas, de informar o presumível devedor de que as dividas se encontram prescritas.
68.-A prescrição da divida reclamada não foi interrompida pelas notificações que se encontram juntos aos autos, como conclui a Meritíssima Juiz a quo, mesmo apelando ao previsto no artigo 325º nº 1 do Código Civil, de que através das notificações para audiência prévia a reclamada reconheceu os créditos reclamados pela Segurança Social ISS IP.
69.-Entendemos, que a Meritíssima Juiz a quo, violou os art. 63º nºs 2 e 3 da Lei 17/2000 de 8/8 e art. 49º nºs 1 e 2 da Lei 32/2002; art. 60 da Lei 4/2007 de 16/01 e artigo 187º do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial da Segurança Social ISS IP.
70.-A Meritíssima Juiz a quo errou ao decidir pela improcedência da excepção da prescrição dos créditos reclamados pela Segurança Social ISS IP.”
O reclamante ISS não respondeu à alegação da recorrente.

É a seguinte a questão a decidir:

- da prescrição.

*

Na sentença recorrida, foram dados como provados os seguintes factos:
1.-O ISS, IP, intentou a presente acção de reclamação de créditos em 28/12/2018, reclamando da executada contribuições respeitantes ao período de Outubro de 2010 a Janeiro de 2017.
2.-Os executados/ reclamados foram dela notificados, por carta registada remetida em 29/01/2019.
3.-A executada foi notificada, por carta de 10/07/2018, no processo de execução fiscal n.º 1102201200133280, intentado pelo ISS, IP, contra a mesma sociedade, tendo por objecto as contribuições respeitantes ao período de Outubro de 2010 a Agosto de 2011, nos seguintes termos:
«Pela presente fica notificado de que esta Secção vai encetar diligências para a preparação do processo para efeitos de reversão da execução fiscal (…) contra V. Exa., na qualidade de responsável subsidiário.
Face ao disposto nos normativos do n.º 4 do art.º 23.º e art.º 60.º nºs. 3, 5 e 6, ambos da Lei Geral Tributária (L.G.T.) fica V. Exa. notificado(a) para, no prazo de 15 dias a contar da presente notificação, exercer o direito de audiência prévia por escrito, para efeitos de avaliação da prossecução ou não da reversão contra V. Exa., nos termos do projecto de decisão em anexo (…).»
4.-Por decisão de 25/07/2018, o ISS, IP, deferiu o pedido de pagamento em prestações da referida dívida formulado pela executada nessa mesma data.
5.-A executada foi notificada, por carta de 03/04/2017, no processo de execução fiscal n.º 1102201500506257, intentado pelo ISS, IP, contra a mesma sociedade, tendo por objecto as contribuições respeitantes ao período de Fevereiro a Outubro de 2015, nos seguintes termos:
«Pela presente fica notificado de que esta Secção vai encetar diligências para a preparação do processo para efeitos de reversão da execução fiscal (…) contra V. Exa., na qualidade de responsável subsidiário.
Face ao disposto nos normativos do n.º 4 do art.º 23.º e art.º 60.º nºs. 3, 5 e 6, ambos da Lei Geral Tributária (L.G.T.) fica V. Exa. notificado(a) para, no prazo de 15 dias a contar da presente notificação, exercer o direito de audiência prévia por escrito, para efeitos de avaliação da prossecução ou não da reversão contra V. Exa., nos termos do projecto de decisão em anexo (…).»
6.-A executada foi notificada, por carta de 20/02/2018, no processo de execução fiscal n.º 1102201700337102, intentado pelo ISS, IP, contra E…, para pagamento de contribuições referentes ao período de Novembro de 2016 a Janeiro de 2017, nos seguintes termos:
«Pela presente fica notificado de que esta Secção vai encetar diligências para a preparação do processo para efeitos de reversão da execução fiscal (…) contra V. Exa., na qualidade de responsável subsidiário.
Face ao disposto nos normativos do n.º 4 do art.º 23.º e art.º 60.º nºs. 3, 5 e 6, ambos da Lei Geral Tributária (L.G.T.) fica V. Exa. notificado(a) para, no prazo de 15 dias a contar da presente notificação, exercer o direito de audiência prévia por escrito, para efeitos de avaliação da prossecução ou não da reversão contra V. Exa., nos termos do projecto de decisão em anexo (…).»
7.-A executada foi notificada, por carta registada remetida em 20/08/2015, no processo de execução fiscal n.º 1102201200133280, intentado pelo ISS, IP, contra a mesma sociedade, tendo por objecto as contribuições respeitantes ao período de Setembro de 2011 a Janeiro de 2015, nos seguintes termos:
«Pela presente fica notificado de que esta Secção vai encetar diligências para a preparação do processo para efeitos de reversão da execução fiscal (…) contra V. Exa., na qualidade de responsável subsidiário.
Face ao disposto nos normativos do n.º 4 do art.º 23.º e art.º 60.º nºs. 3, 5 e 6, ambos da Lei Geral Tributária (L.G.T.) fica V. Exa. notificado(a) para, no prazo de 15 dias a contar da presente notificação, exercer o direito de audiência prévia por escrito, para efeitos de avaliação da prossecução ou não da reversão contra V. Exa., nos termos do projecto de decisão em anexo (…).»”

*

O art. 640º do C.P.C. dispõe o seguinte:
1-Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a)- os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b)- os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c)- a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2-No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a)- quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes”.
“Todavia, para que a impugnação da decisão sobre a matéria de facto seja admitida, não é necessário que todos os ónus estabelecidos no artigo 640º, do CPC, constem obrigatoriamente da síntese conclusiva.
Nesta conformidade, enquanto a especificação dos concretos pontos de facto considerados incorretamente julgados deve constar obrigatoriamente da alegação e das conclusões recursivas, já não se torna forçoso que constem da síntese conclusiva a especificação dos meios de prova, e muito menos, a indicação das passagens das gravações.
Quanto a elas, basta que figurem no corpo da alegação, desde que nas conclusões se identifique, com clareza, os concretos pontos de facto que se impugnam e a decisão que sobre eles se pretende que recaia” (www.dgsi.pt Acórdão do STJ de 12 de julho de 2018, processo 167/11.2TTTVD.L1.S1).
“Ora, por menor exigência formal que se adote relativamente ao cumprimento dos ónus do art. 640º do CPC e em especial dos estabelecidos nas suas alíneas a) e c) do nº 1, sempre se imporá que seja feito de forma a não obrigar o tribunal de recurso a substituir-se ao recorrente na concretização do objeto do recurso. É o recorrente quem tem que proceder, nas conclusões, à indicação precisa do que pretende do tribunal «ad quem», como corolário não só do princípio do dispositivo, como também da autorresponsabilização das partes” (www.dgsi.pt Acórdão do STJ proferido a 16 de maio de 2018, processo 2833/16.7T8VFX.L1.S1).
Nas conclusões recursivas apresentadas pela recorrente, não há especificação de pontos de facto considerados incorretamente julgados.
Apesar de a recorrente ter afirmado nas conclusões, que “a Meritíssima Juiz a quo errou na apreciação da prova junto aos autos”, nem no requerimento de interposição do recurso, nem nas alegações, nem nas conclusões recursivas, a recorrente declarou expressamente que impugnava a decisão sobre a matéria de facto.
Resulta do art. 663º nº 6 do C.P.C. que, “quando não tenha sido impugnada, nem haja lugar a qualquer alteração da matéria de facto, o acórdão limita-se a remeter para os termos da decisão da 1ª instância que decidiu aquela matéria”.

Assim, a matéria de facto a ter em conta é a matéria de facto dada como provada pelo tribunal recorrido acima transcrita.

Dos pontos 3, 5, 6 e 7 da matéria de facto provada consta que a executada foi notificada.

Quanto às contribuições respeitantes ao período de setembro de 2011 a janeiro de 2017, o tribunal recorrido considerou que as notificações para o exercício do direito de audição prévia interromperam a prescrição.

Para tanto, invocou o art. 60º nº 4 da L 4/2007, de 16 de janeiro, segundo o qual “a prescrição interrompe-se por qualquer diligência administrativa, realizada com conhecimento do responsável pelo pagamento, conducente à liquidação ou à cobrança da dívida.”.

“ Diligências administrativas, para este efeito, serão todas as que ocorram nos processos administrativos de liquidação e nos processos de execução fiscal, conducentes à liquidação e cobrança da dívida, de que venha a ser dado conhecimento ao devedor (como a citação, a penhora, a notificação do responsável subsidiário para se pronunciar sobre a possibilidade de reversão e a notificação do acto que a decide)” (www.dgsi.pt Acórdão do  STA proferido a 1 de outubro de 2008, processo 0661/08; no sentido que a notificação do potencial revertido para audiência prévia à reversão constitui facto interruptivo do prazo de prescrição de dívidas à segurança social, ver também: www.dgsi.pt Acórdãos do STA proferidos a 29 de janeiro de 2014, processo 01941/13; 20 de maio de 2015, processo 01500/14; e 12 de fevereiro de 2020, processo 0440/10.7BECBR 01088/17).

No que toca às contribuições referentes a outubro de 2010 a agosto de 2011, o tribunal recorrido considerou que o pedido de pagamento da dívida em prestações interrompeu a prescrição.

Para tanto, invocou o art. 325º do C.C., artigo este que dispõe o seguinte:
1.-A prescrição é ainda interrompida pelo reconhecimento do direito, efetuado perante o respetivo titular por aquele contra quem o direito pode ser exercido.
2.-O reconhecimento tácito só é relevante quando resulte de factos que inequivocamente o exprimam.”
A interrupção da prescrição pressupõe que a prescrição ainda não se tenha completado, isto é, que o prazo prescricional ainda não tenha decorrido.
Contudo, importa conjugar o art. 325º do C.C. com o art. 304º nº 2 do C.C., segundo o qual “não pode... ser repetida a prestação realizada espontaneamente em cumprimento de uma obrigação prescrita, ainda quando feita com ignorância da prescrição; este regime é aplicável a quaisquer formas de satisfação do direito prescrito, bem como ao seu reconhecimento ou à prestação de garantias.”
É, pois, relevante o reconhecimento de direito prescrito, isto é, o reconhecimento posterior ao decurso do prazo prescricional.

Nos termos do art. 175º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, “a prescrição ou duplicação da coleta serão conhecidas oficiosamente pelo juiz se o órgão da execução fiscal que anteriormente tenha intervindo o não tiver feito”.
Significa isto que: (i) quem tem competência para conhecer, em primeiro lugar, da prescrição é o órgão de execução fiscal; (ii) que a prescrição pode ser invocada no processo executivo, sem sujeição a qualquer prazo; (iii) e que o tribunal pode conhecer da prescrição, mesmo que não tenha sido invocada pelo oponente” (www.dgsi.pt Acórdão do STA proferido a 2 de maio de 2012, processo 01174/11).

O órgão de execução fiscal deveria ter verificado se a dívida estava prescrita e, se tivesse verificado, não teria procedido à notificação da executada para o exercício do direito de audição prévia e, consequentemente, a executada não teria formulado pedido de pagamento da dívida em prestações.

Todavia, aquela omissão não releva para a apreciação da exceção da prescrição nestes autos, sendo de salientar que o reconhecimento é relevante ainda quando feito com ignorância da prescrição.

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Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, mantendo a sentença recorrida.
Custas do recurso pela recorrente.

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Lisboa, 16 de setembro de 2021


Maria do Céu Silva
Teresa Sandiães
Octávio Diogo