Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
5669/21.0T8LSB-A.L1-2
Relator: LAURINDA GEMAS
Descritores: PROCESSO DE INVENTÁRIO
ARROLAMENTO
INOFICIOSIDADE DOS LEGADOS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/11/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: NEGAR PROVIMENTO
Sumário: I - Fora das situações especiais previstas no art.º 409.º do CC (que no caso não se verificam), não basta a pendência de um processo de inventário instaurado para partilha da herança para que o arrolamento dos bens que eram dos inventariados se justifique, resultando claramente da lei que tal pressupõe uma situação de justo receio de extravio, ocultação ou dissipação dos móveis ou imóveis cuja “conservação” possa interessar ao requerente.

II - Alegando o Requerente de um tal procedimento que, sendo herdeiro legitimário dos inventariados seus pais, vê a sua legítima ser atingida por disposições testamentárias inoficiosas, tendo, segundo diz, interesse em agir para assegurar a conservação dos bens relativamente aos quais incidirá a redução, sobretudo (mas não só) quando ela deva ter lugar em espécie, isto é, através da reposição dos próprios bens e não apenas do seu valor, tanto basta para se perceber que apenas terá eventualmente razão de ser o arrolamento dos bens imóveis legados aos Requeridos, e não de todos os bens imóveis das heranças.

III - Sendo o Requerente um herdeiro legitimário que se arroga o direito à redução de liberalidades - legados de bens imóveis - que diz serem inoficiosas, algumas das quais efetuadas a favor de dois Requeridos que não são herdeiros legitimários, podemos, em tese, admitir, face aos mecanismos legais de redução de liberalidades (cf. artigos 2168.º, 2169.º, 2171.º, 2172.º e 2174.º do CC), que àquele assistirá, pelo menos, interesse na conservação dos imóveis que foram legados, não se vendo que ao decretamento do arrolamento possa obstar a mera circunstância de os bens das heranças já terem sido relacionados no processo de inventário.

IV - Pese embora o Requerimento inicial não tenha sido considerado inepto, não deixa de ser manifesta a improcedência da pretensão de arrolamento, considerando não terem sido alegados factos essenciais, constitutivos do direito substantivo que o Requerente se arroga e que a providência requerida serviria para acautelar, dos quais resulte que todos os legados feitos aos Requeridos foram aceites e são inoficiosos ante o (provável) valor da legítima daquele (para cujo cálculo releva, além do mais, o disposto no art.º 2159.º do CC), inexistindo na herança outros bens (não legados) suficientes para preenchimento dessa legítima.

V - Apesar de ser inviável um juízo, ainda que perfunctório, de inoficiosidade, pode-se prosseguir na análise do caso, como se fez na decisão recorrida, admitindo-a como eventual, em ordem a desenvolver a fundamentação. Assim, a existir uma situação de inoficiosidade ante os legados efetuados, haverá que convocar, no plano do direito adjetivo, os artigos 1118.º e 1119.º do CPC (que regulam o incidente de inoficiosidade) e, no plano do direito substantivo, o disposto no art.º 2174.º do CC, o qual dispõe sobre os “Termos em que se efectua a redução”.

VI - Deste último artigo resulta, na interpretação que nos parece preferível, que, sendo os legatários também herdeiros legitimários, se deve respeitar a vontade do testador no sentido daqueles bens legados ingressarem no património dos legatários, pelo que a reposição resultante da necessidade de redução dos legados por inoficiosidade, deve ser feita em dinheiro e não em substância. Significa isto que, numa tal situação, não assiste ao herdeiro o direito a preencher o seu quinhão hereditário com algum dos outros bens legados, mas apenas o direito a receber em dinheiro o montante necessário ao preenchimento da sua legítima.

VII - Sendo as 1.ª e 2.ª Requeridas irmãs do Requerente, tal como este último, herdeiras legitimárias, concordamos com o entendimento adotado na decisão recorrida no sentido de que não assistiria ao Requerente o direito a ver o seu quinhão preenchido com os bens legados a estas outras herdeiras, sobre as quais apenas impenderia a obrigação de pagamento da quantia em dinheiro necessária para o preenchimento da legítima.

VIII - Os outros Requeridos, netos dos inventariados, já não poderão beneficiar da aplicação do art.º 2174.º, n.º 3, do CC, pois não são, de facto, herdeiros legitimários, tão pouco podendo, quanto a estes legatários, ser convocado, ainda que por via da analogia, o disposto no art.º 2175.º do CC. Mas continua a ser manifesta a improcedência do arrolamento dos bens que a estes Requeridos foram legados, pois não foram alegados quaisquer factos que apontem no sentido da iminência de acontecer a dissipação de tais bens, não bastando que possam existir (eventuais) inoficiosidades e a pendência de um processo de inventário (em que foi deduzido o incidente de inoficiosidade) para que seja de considerar que existe um tal risco de dissipação.

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, os Juízes Desembargadores abaixo identificados

I - RELATÓRIO

LS interpôs o presente recurso de apelação da decisão final que indeferiu o procedimento cautelar de arrolamento que intentou contra MFS, LPS, MTM e MS, por apenso ao processo de inventário aberto por óbito de MTS e LFS.
Os autos tiveram início, em 21-07-2022, com a apresentação de Requerimento inicial, em que foi requerido o arrolamento de todos os bens imóveis que compõem as heranças abertas por óbito daqueles inventariados.
Para tanto e em síntese, foi alegado que (aditámos, para melhor compreensão, o que consta entre parenteses retos, conforme decorre da consulta do processo principal efetuada via Citius):
- MTS faleceu em 08-05-2019 no estado de casada, no regime da comunhão geral de bens, com LFS, o qual faleceu em 03-10-2020, no estado de viúvo daquela;
- O Requerente instaurou processo de inventário para partilha de ambas as heranças, tendo aí sido relacionados, além do mais, os bens imóveis que as integram como verbas 245 a 276 e 279 a 281 da relação de bens [relação de bens apresentada pelo Requerente no processo de inventário em 08-04-2021, com as alterações feitas pela cabeça de casal em 29-09-2021, indicando esta que o valor total das heranças dos inventariados, ainda que provisório por natureza, ascende a 8.266.066,87€], designadamente:
- Verba n.º 245 - Prédio urbano denominado “Casa da Carreira”, sito na Rua …, n.ºs … a …, da União das Freguesias de Idanha-a-Nova e Alcafozes, concelho de Idanha-a-Nova, distrito de Castelo Branco, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo … da referida freguesia, com o valor patrimonial tributário de €47.004,65, descrito na Conservatória do Registo Predial de Idanha-a-Nova, com o n.º …, da freguesia de Idanha-a-Nova, e avaliado pela perita avaliadora CD, conforme Doc. 12 junto no Requerimento Inicial do Processo de Inventário com a refª 38206223, no valor de €110.000,00;
- Verba n.º 246 - Metade da fração autónoma, designada pela letra “A”, do prédio urbano sito na Avenida de Roma, n.º …, freguesia de Alvalade, concelho e distrito de Lisboa, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo … da referida freguesia, com o valor patrimonial tributário de metade dos € 169.594,10, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa, com o n.º …, da freguesia de Campo Grande, e avaliado pela perita avaliadora CD, conforme Doc. 13 junto no Requerimento Inicial do Processo de Inventário com a refª 38206223, no valor de €877.250,00;
- Verba n.º 247 - Fração autónoma, designada pela letra “AC”, do prédio urbano sito na Avenida de Roma, n.º …, freguesia de Alvalade, concelho e distrito de Lisboa, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo … da referida freguesia, com o valor patrimonial tributário de € 10.789,45, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa, com o n.º …, da freguesia de Campo Grande, e avaliado pela perita avaliadora CD, conforme Doc. 13 junto no Requerimento Inicial do Processo de Inventário com a refª 38206223, no valor de €64.000,00;
- Verba n.º 248 - Fração autónoma, designada pela letra “D”, do prédio urbano sito na Avenida de Roma, n.º …, freguesia de Alvalade, concelho de Lisboa, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo … da referida freguesia, com o valor patrimonial tributário de €26.537,17, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa, com o n.º …, da freguesia de Campo Grande, e avaliado pela perita avaliadora CD, conforme Doc. 13 junto no Requerimento Inicial do Processo de Inventário com a refª 38206223, no valor de €180.000,00;
- Verba n.º 249 - Metade da fração autónoma, designada pela letra “U”, descrita como Garagem n.º …, afeta a garagem, do prédio urbano sito na Avenida de Roma, n.º …, freguesia de Alvalade, concelho de Lisboa, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo … da referida freguesia, com o valor patrimonial tributário de metade de €18.533,90, ou seja, com o valor patrimonial tributário de €9.266,9, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa, com o n.º …, da freguesia de Campo Grande,  e avaliado pela perita avaliadora CD, conforme Doc. 13 junto no Requerimento Inicial do Processo de Inventário com a refª 38206223, no valor de €96.250,00;
- Verba n.º 250 - Fração autónoma, designada pela letra “L” do prédio urbano sito na Avenida João XXI, n.ºs … a … C, freguesia do Areeiro, concelho de Lisboa, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo … da referida freguesia, com o valor patrimonial tributário de €90.527,85, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa, com o n.º …, da freguesia de São Jorge de Arroios, e avaliado pela perita avaliadora CD, conforme Doc. 14 junto no Requerimento Inicial do Processo de Inventário com a refª 38206223, no valor de € 469.960,00;
- Verba n.º 251 - Fração autónoma, designada pela letra “M”, do prédio urbano sito na Avenida João XXI, n.ºs … a … C, freguesia do Areeiro, concelho de Lisboa, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo … da referida freguesia, com o valor patrimonial tributário de €90.527,85, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa, com o n.º …, da freguesia de São Jorge de Arroios, e avaliado pela perita avaliadora CD, conforme Doc. 14 junto no Requerimento Inicial do Processo de Inventário com a refª 38206223, no valor de €469.960,00;
- Verba n.º 252 - Prédio Rústico sito na Tapada das Sarafanas ou Cachouças, da União das Freguesias de Idanha-a-Nova e Alcafozes, concelho de Idanha-a-Nova, distrito de Castelo Branco, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo …, secção A da referida freguesia, com o valor patrimonial tributário de €3.738,11, descrito na Conservatória do Registo Predial de Idanha-a-Nova, com o n.º …, da freguesia de Idanha-a-Nova, e avaliado pela perita avaliadora CD, conforme Doc. 15 junto no Requerimento Inicial do Processo de Inventário com a refª 38206223, no valor de €1.258.695,00;
- Verba n.º 253 - Fração autónoma, designada pela letra “E”, do prédio urbano sito na Avenida João XXI, n.ºs … a … C, freguesia do Areeiro, concelho de Lisboa, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo … da referida freguesia, com o valor patrimonial tributário de € 77.887,51, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa, com o n.º …, da freguesia de São Jorge de Arroios, e avaliado pela perita avaliadora CD, conforme Doc. 14 junto no Requerimento Inicial do Processo de Inventário com a refª 38206223, no valor de €412.800,00;
- Verba n.º 254 - Fração autónoma, designada pela letra “F”, do prédio urbano sito na Avenida João XXI, n.ºs …a … C, freguesia do Areeiro, concelho de Lisboa, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo … da referida freguesia, com o valor patrimonial tributário de €94.263,05, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa, com o n.º …, da freguesia de São Jorge de Arroios, e avaliado pela perita avaliadora CD, conforme Doc. 14 junto no Requerimento Inicial do Processo de Inventário com a refª 38206223, no valor de €560.000,00;
- Verba n.º 255 - Fração autónoma, designada pela letra “Q”, com a área bruta privativa de 95 m2, do prédio urbano sito na Avenida João XXI, n.ºs … a … C, freguesia do Areeiro, concelho de Lisboa, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo … da referida freguesia, com o valor patrimonial tributário de €51.247,35, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa, com o n.º …, da freguesia de São Jorge de Arroios, e avaliado pela perita avaliadora CD, conforme Doc. 14 junto no Requerimento Inicial do Processo de Inventário com a refª 38206223, no valor de €408.500,00;
- Verba n.º 256 - Fração autónoma, designada pelas letras “AD” do prédio urbano sito na Avenida de Roma, n.º … (A a F), freguesia de Alvalade, concelho e distrito de Lisboa, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo … da referida freguesia, com o valor patrimonial tributário de €6.749,75, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa, com o n.º …, da freguesia de Campo Grande,  e avaliado pela perita avaliadora CD, conforme Doc. 13 junto no Requerimento Inicial do Processo de Inventário com a refª 38206223, no valor de €42.000,00;
- Verba n.º 257 - Prédio urbano sito na Tapada das Sarafanas ou Cachouça, da União das Freguesias de Idanha-a-Nova e Alcafozes, concelho de Idanha-a-Nova, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo … da referida freguesia, com o valor patrimonial tributário de €38.509,10 e avaliado pela perita avaliadora CD, conforme Doc. 15 junto no Requerimento Inicial do Processo de Inventário com a refª 38206223, no valor de €111.960,00;
- Verba n.º 258 - Prédio urbano sito na Tapada das Sarafanas ou Cachouça, da União das Freguesias de Idanha-a-Nova e Alcafozes, concelho de Idanha-a-Nova, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo … da referida freguesia, com o valor patrimonial tributário de €5.064,85 e avaliado pela perita avaliadora CD, conforme Doc. 15 junto no Requerimento Inicial do Processo de Inventário com a refª 38206223, no valor de €2.230,00;
- Verba n.º 259 - Prédio rústico sito na Cachouça, da União das Freguesias de Idanha-a- Nova e Alcafozes, concelho de Idanha-a-Nova, distrito de Castelo Branco, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo …, secção A, da referida freguesia, com o valor patrimonial tributário de €26,27, descrito na Conservatória do Registo Predial de Idanha-a-Nova, com o n.º …, da freguesia de Idanha-a-Nova, e avaliado pela perita avaliadora CD, conforme Doc. 15 junto no Requerimento Inicial do Processo de Inventário com a refª 38206223, no valor de €11.500,00;
- Verba n.º 260 - Fração autónoma, designada pela letra “B”, do prédio urbano sito na Avenida João XXI, nºs … a … C, freguesia do Areeiro, concelho de Lisboa, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo … da referida freguesia, com o valor patrimonial tributário de €24.938,55, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa, com o n.º …, da freguesia de São Jorge de Arroios, e avaliado pela perita avaliadora CD, conforme Doc. 14 junto no Requerimento Inicial do Processo de Inventário com a refª 38206223, no valor de €126.000,00;
- Verba n.º 261 - Fração autónoma, designada pela letra “C”, do prédio urbano sito na Avenida João XXI, nºs … a … C, freguesia do Areeiro, concelho de Lisboa, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo … da referida freguesia, com o valor patrimonial tributário de €56.965,93, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa, com o n.º …, da freguesia de São Jorge de Arroios, e avaliado pela perita avaliadora CD, conforme Doc. 14 junto no Requerimento Inicial do Processo de Inventário com a refª 38206223, no valor de €314.500,00;
- Verba n.º 262 - Fração autónoma, designada pela letra “E” do prédio urbano sito na Avenida de Roma, n.º … (A a F), freguesia de Alvalade, concelho e distrito de Lisboa, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo … da referida freguesia, com o valor patrimonial tributário de €110.767, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa, com o n.º …, da freguesia de Campo Grande, e avaliado pela perita avaliadora CD, conforme Doc. 13 junto no Requerimento Inicial do Processo de Inventário com a refª 38206223, no valor de €417.730,00;
- Verba n.º 263 - Prédio urbano sito na Rua Júlio Dantas, n.º …, moradia Sul, da União das Freguesias de Cascais e Estoril, concelho de Cascais, distrito de Lisboa, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo … da referida freguesia, com o valor patrimonial tributário de €105.671,70, descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Cascais, com o n.º …, da freguesia de Cascais, e avaliado pela perita avaliadora CD, conforme Doc. 16 junto no Requerimento Inicial do Processo de Inventário com a refª 38206223, no valor de €273.000,00;
- Verba n.º 264 - Fração autónoma, designada pela letra “B”, do prédio urbano sito na Rua Eça de Queiroz, n.º …, da União das Freguesias de Cascais e Estoril, concelho de Cascais, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo … da referida freguesia, com o valor patrimonial tributário de €13.509,65, descrito na 1.ª Conservatória do Registo Predial de Cascais, com o n.º …, da freguesia de Cascais, e avaliado pela perita avaliadora CD, conforme Doc. 16 junto no Requerimento Inicial do Processo de Inventário com a refª 38206223, no valor de €23.000,00;
- Verba n.º 265 - Fração autónoma, designada pela letra “O”, do prédio urbano sito na Avenida João XXI, nºs 16 a 16 C, freguesia do Areeiro, concelho de Lisboa, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo … da referida freguesia, com o valor patrimonial tributário de €91.421,05, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa, com o n.º …, da freguesia de São Jorge de Arroios, e avaliado pela perita avaliadora CD, conforme Doc. 14 junto no Requerimento Inicial do Processo de Inventário com a refª 38206223, no valor de €469.960,00;
- Verba n.º 266 - Fração autónoma, designada pela letra “B”, afeta a Comércio, descrita como Loja com o n.º … D, com a área bruta privativa de 20 m2, e 54 m2 de área dependente, do prédio urbano sito na Avenida de Roma, n.º … (A a F), freguesia de Alvalade, concelho de Lisboa, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo … da referida freguesia, com o valor patrimonial tributário de €39.304,90, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa, com o n.º …, da freguesia de Campo Grande,  e avaliado pela perita avaliadora CD, conforme Doc. 13 junto no Requerimento Inicial do Processo de Inventário com a refª 38206223, no valor de € 119.100,00;
- Verba n.º 267 - Fração autónoma, designada pela letra “J”, descrita como 3.º Esquerdo, do prédio urbano sito na Avenida de Roma, n.º … (A a F), freguesia de Alvalade, concelho de Lisboa, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo … da referida freguesia, com o valor patrimonial tributário de € 109.346,00, e descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa, com o n.º …, da freguesia de Campo Grande, e avaliado pela perita avaliadora CD, conforme Doc. 13 junto no Requerimento Inicial do Processo de Inventário com a refª 38206223, no valor de €465.850,00;
- Verba n.º 268 - Fração autónoma, designada pela letra “I”, descrita como 3.º Direito, do prédio urbano sito na Avenida de Roma, n.º … (A a F), freguesia de Alvalade, concelho de Lisboa, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo … da referida freguesia, com o valor patrimonial tributário de €109.346,00, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa, com o n.º …, da freguesia de Campo Grande, e avaliado pela perita avaliadora CD, conforme Doc. 13 junto no Requerimento Inicial do Processo de Inventário com a refª 38206223, no valor de € 492.470,00;
- Verba n.º 269 - Fração autónoma, designada pelas letras “AE”, descrita como Garagem n.º 15, do prédio urbano sito na Avenida de Roma, n.º … (A a F), freguesia de Alvalade, concelho de Lisboa, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo … da referida freguesia, com o valor patrimonial tributário de € 6.749,75, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa, com o n.º …, da freguesia de Campo Grande, avaliado pela perita avaliadora CD, conforme Doc. 13 junto no Requerimento Inicial do Processo de Inventário com a refª 38206223, no valor de €42.000,00;
- Verba n.º 270 - Fração autónoma, designada pela letra “N”, do prédio urbano sito na Avenida João XXI, nºs … a … C, freguesia do Areeiro, concelho de Lisboa, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo … da referida freguesia, com o valor patrimonial tributário de €95.207,00, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa, com o n.º …, da freguesia de São Jorge de Arroios, e avaliado pela perita avaliadora CD, conforme Doc. 14 junto no Requerimento Inicial do Processo de Inventário com a refª 38206223, no valor de €560.000,00;
- Verba n.º 271 - Prédio rústico sito na Quinta da Luzia ou Olaria, da União das Freguesias de Fundão, Valverde, Donas, Aldeia de Joanes e Aldeia Nova do Cabo, concelho do Fundão, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo … da referida freguesia, com o valor patrimonial tributário de €2.163,19, que não se encontra descrito na Conservatória do Registo Predial, e avaliado pela perita avaliadora CD, conforme Doc. 16 junto no Requerimento Inicial do Processo de Inventário com a refª 38206223, no valor de €14.820,00;
- Verba n.º 272 - Prédio urbano, denominado “Casa do Calvário”, sito na Rua …, n.º … e …, da União das Freguesias de Fundão, Valverde, Donas, Aldeia de Joanes e Aldeia Nova do Cabo, concelho do Fundão, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo … da referida freguesia, com o valor patrimonial tributário de €50.441,70, descrito na Conservatória dos Registos Civil, Predial, Comercial e Automóveis de Fundão, com o n.º …, da freguesia de Aldeia Nova do Cabo, e avaliado pela perita avaliadora CD, conforme Doc. 17 junto no Requerimento Inicial do Processo de Inventário com a refª 38206223, no valor de €193.000,00;
- Verba n.º 273 -  Prédio rústico sito em Mortões ou Vinha do Lagar, da União das Freguesias de Fundão, Valverde, Donas, Aldeia de Joanes e Aldeia Nova do Cabo, concelho do Fundão, distrito de Castelo Branco, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo … da referida freguesia, com o valor patrimonial tributário de €2.139,94, que não se encontra descrito na Conservatória do Registo Predial, e avaliado pela perita avaliadora CD, conforme Doc. 16 junto no Requerimento Inicial do Processo de Inventário com a refª 38206223, no valor de €11.375,00;
- Verba n.º 274 - Prédio rústico sito no Ulmeirinho ou Pontão, da União das Freguesias de Fundão, Valverde, Donas, Aldeia de Joanes e Aldeia Nova do Cabo, concelho do Fundão, distrito de Castelo Branco, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo … da referida freguesia, com o valor patrimonial tributário de €932,25, que não se encontra descrito na Conservatória do Registo Predial do Fundão, e avaliado pela perita avaliadora CD, conforme Doc. 16 junto no Requerimento Inicial do Processo de Inventário com a refª 38206223, no valor de €9.880,00;
- Verba n.º 275 - Fração autónoma, designada pelas letras “AB”, do prédio urbano sito na Avenida de Roma, n.º …, freguesia de Alvalade, concelho e distrito de Lisboa, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo … da referida freguesia, com o valor patrimonial tributário de € 5.734,75, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa, com o n.º …, da freguesia de Campo Grande, e avaliado pela perita avaliadora CD, conforme Doc. 13 junto no Requerimento Inicial do Processo de Inventário com a refª 38206223, no valor de €35.700,00;
- Verba n.º 276 - Fração autónoma, designada por apartamento …, sito em Paseo de Los Gavilanes Bloque …, Ayamonte, Isla Canela, Huelva, Espanha, inscrito como finca independente al tomo …. Folio 7, Finca …, inscricione Primeiro, com o valor patrimonial tributário de €26.895,12, e avaliado pela perita avaliadora CD, conforme Doc. 18 junto no Requerimento Inicial do Processo de Inventário com a refª 38206223, no valor de €92.000,00;
- Verba n.º 278 (Aditada) - Dependências agrícolas da parcela 7 do prédio rústico com o artigo matricial n.º …A, da União de freguesias de Idanha-a-Nova e Alcafozes;
- Verba n.º 279 (Aditada) - Área de Terreno da Parcela 13 a destacar do prédio rústico com o artigo matricial n.º …A, da União de Freguesias de Idanha-a-Nova e Alcafozes (imóvel a que se refere a Verba n.º 252), composto por área de terreno de 7,1424 hectares;
- Verba n.º 280 (Aditada) - Dependências agrícolas da parcela 13 a destacar do prédio rústico com o artigo matricial n.º …A, da União de freguesias de Idanha-a-Nova e Alcafozes (imóvel a que se refere a Verba n.º 252);
- Verba n.º 281 (Aditada) - Prédio Urbano situado em Vale do Salgueiro, com a matriz predial urbana n.º …, da freguesia de União de Freguesias de Fundão, Valverde, Donas, Aldeia de Joanes e Aldeia Nova do Cabo, artigo matricial fiscal Urbano …, da freguesia da União de Freguesias de Fundão, Valverde, Donas, Aldeia de Joanes e Aldeia Nova do Cabo, que não se encontra registado na Conservatória do Registo Predial;
- Os inventariados deixaram testamentos, com disposições idênticas e reciprocamente consentidas, através do qual instituíram diversos legados de bens móveis e imóveis [“feitos por conta da quota disponível e caso a ultrapassem, os respectivos valores devem ser imputados na legítima de cada um dos herdeiros legitimários”], que integravam o património comum do casal, a favor dos filhos, o Requerente LS [as verbas 260 a 264 e 279 e 280, cujo valor das respetivas avaliações ascende a 1.154.230 €] e as Requeridas MFS [as verbas 252 a 259 e 278] e LPS [as verbas 265 a 269], bem como dos netos, os Requeridos MTM (filha da Requerida MFS) [as verbas 270 e 271 e metade indivisa da verba 272] e MS (filho da Requerida LPS) [metade indivisa da verba 272 e as verbas 273 a 276];
- Os legados ofendem a legítima do Requerente, o qual já declarou expressamente [tendo deduzido incidente de inoficiosidade em 09-04-2021] no processo de inventário que pretende exercer o seu direito à redução dos legados nos termos dos artigos 2178.º do CC e 1119.º do CPC;
- A Requerida MFS, que é cabeça de casal, procedeu à venda de uma fração autónoma (verba n.º 255 da relação de bens) que à mesma foi legada, sem que o tivesse previamente comunicado ao Requerente;
- A Requerida MFS recebeu o preço de 480.000€ dessa venda e manteve inalterada a relação de bens quanto à dita verba, à qual atribuiu o valor de 217.200€;
- A Requerida MFS declarou nos autos principais que não existe na herança dinheiro suficiente para a administração dos bens da herança e solicitou autorização ao Tribunal que a autorize a levantar dinheiro depositado numa das contas da CGD e a proceder à venda de um veículo automóvel;
- A Requerida LPS já colocou anúncio para venda de uma fração autónoma que lhe foi legada e corresponde à verba n.º 268;
- O Requerente tem receio de que com a(s) aludida(s) vendas a pretendida redução das inoficiosidades fique seriamente comprometida.
A Requerida MFS deduziu Oposição em 03-08-2022, invocando a ineptidão do requerimento inicial ou, pelo menos, a indispensabilidade de convite ao seu aperfeiçoamento no sentido de o Requerente esclarecer se aceita ou repudia os legados a seu favor (verbas 260, 261, 262, 263 e 264), bem como a falta de interesse em agir, considerando que todos os bens cujo arrolamento é requerido já se encontram relacionados no processo de inventário. Mais se defendeu por impugnação de facto e de direito.
Também as Requeridas LPS e MTM deduziram Oposição em 11-08-2022, em que se defenderam por impugnação de facto e de direito.
Todas as Requeridas vieram pugnar pelo indeferimento da providência requerida, por falta de fundamento legal, alegando, em síntese, não estarem verificados os pressupostos do arrolamento, considerando que os bens a arrolar pertencem aos legatários, que dos mesmos podem livremente dispor, daí não decorrendo que qualquer um dos Requeridos não disponha de património suficiente para proceder ao preenchimento da legítima em dinheiro se for caso disso.
Em 19-10-2022, foi proferido despacho que convidou o Requerente a exercer o contraditório sobre as questões suscitadas nos articulados de Oposição.
O Requerente pronunciou-se em 10-11-2022, mantendo que deverá ser decretado o arrolamento.
As Requeridas LPS MTM vieram ainda responder, conforme consta do articulado de 15-11-2022.
Em 14-12-2022, foi proferido despacho em que se concedeu ainda às partes o prazo de 10 dias para, querendo, se pronunciarem /alegarem por escrito sobre “as questões fácticas e normativas, que o caso judicando convoca”, com vista à prolação de decisão de mérito.
A Requerida MFS pronunciou-se em 16-12-2022, manifestando a sua concordância com o imediato conhecimento do mérito da causa.
As outras Requeridas pronunciaram-se, em 29-12-2022, no sentido de ser proferida decisão de improcedência do procedimento sem necessidade de realização de outras diligências probatórias.
O Requerente veio apresentar a sua alegação, em 02-01-2023, defendendo que deverá ser decretado o arrolamento conforme requerido no Requerimento inicial “Ou, subsidiariamente, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 375.º do CPC: (i) decretado apenas o arrolamento dos bens legados; ou (ii) decretado apenas o arrolamento dos bens legados aos netos MS e MTM”.
Em 18-01-2023, foi proferido despacho determinando a junção aos autos de certidão do registo predial referida no Requerimento inicial, bem como das certidões dos assentos de nascimento dos 3.ª e 4.º Requeridos.
Em 23-01-2023 foi proferida a decisão final (recorrida) em que, além de ter sido julgada improcedente a exceção dilatória atinente à ineptidão do Requerimento inicial, se decidiu, conforme consta do respetivo segmento decisório, o seguinte:
“Conforme os critérios e fundamentos normativos mobilizados, julgo improcedente o presente procedimento cautelar de arrolamento e, em consequência, absolvo o(s) Requerido(s) do(s) pedido(s) cautelar(es).
Condeno em custas o Requerente.
Valor do procedimento: o indicado no requerimento inicial, vide alínea f) do n.º 3 do artigo 304.º, n.º 4 do artigo 305.º e 306.º do Código de Processo Civil.”
É com esta decisão que o Requerente não se conforma, formulando na alegação do seu recurso de apelação as seguintes conclusões:
I. O objetivo do arrolamento não se reconduz, apenas, à identificação dos bens sobre os quais incide o direito do requerente, visando, também, garantir a persistência dos bens até lhe ser dado destino na ação principal.
II. Quando a ação principal é um processo de inventário a utilidade do arrolamento poderá manter-se até à efetiva realização da partilha, uma vez que é este o ato que define os direitos de cada um dos interessados em relação aos bens a partilhar.
III. A mera circunstância de os bens já terem sido relacionados no processo de inventário não é, só por si, bastante para concluir pela inadmissibilidade do arrolamento ou pela falta de interesse em agir do requerente.
IV. Tal interesse continua a subsistir até à partilha se, apesar de os bens estarem relacionados, continuar a existir o risco de extravio, ocultação ou dissipação dos mesmos e a consequente necessidade de tutela judicial para o efeito de assegurar a conservação deles até à realização da partilha e à definição dos direitos de cada um dos interessados.
V. A decisão recorrida não elencou os factos provados e não provados.
VI. A decisão recorrida enferma de “manifesta” ilegalidade, porquanto:
A proteção jurídica através dos tribunais implica o direito de obter, em prazo razoável, uma decisão judicial que aprecie, com força de caso julgado, a pretensão regularmente deduzida em juízo, bem com a possibilidade de a fazer executar.
A todo o direito, exceto quando a lei determine o contrário, corresponde a ação adequada a fazê-lo reconhecer em juízo, a prevenir ou reparar a violação dele e a realizá-lo coercivamente, bem como os procedimentos necessários para acautelar o efeito útil da ação.
Ora, o entendimento espelhado na decisão recorrida de que o direito à redução das disposições testamentárias a título de legados instituídos a favor de legatários não legitimários não é merecedor de tutela jurisdicional efetiva no que tange à sua redução qualitativa (em espécie) mesmo quando ela está expressamente consagrada, afronta basicamente contra a lei fundamental que dá corpo ao nosso ordenamento jurídico, alicerçado no aludido pilar de que “a todo o direito” corresponde uma ação para fazê-lo reconhecer em juízo e prevenir a sua violação, bem como os procedimentos necessários para acautelar o efeito útil dessa ação.
VII. O herdeiro legitimário que vê a sua legítima ser atingida por disposições testamentárias inoficiosas tem logicamente interesse em agir para assegurar a conservação dos bens relativamente aos quais incidirá a redução, sobretudo (mas não só) quando ela deva ter lugar em espécie, isto é, através da reposição dos próprios bens e não apenas do seu valor.
VIII. Decisivamente não houve a compreensão de que a conservação dos bens se justificava (e justifica) no caso vertente para que a tutela da legítima possa ter lugar e a partilha judicial das heranças se faça nos termos que a lei prescreve.
IX. E justificava-se, até por maioria de razão, perante o entendimento do Tribunal a quo de que essa tutela da legítima (a efetuar através da redução dos legados) deveria materializar-se em termos quantitativos (restituição do valor), tendo em consideração a polémica que se gerou nos autos principais sobre o valor a atribuir ao imóvel que foi alienado.
X. A decisão recorrida não esclarece o motivo pelo qual o M. Juiz a quo não apreciou os factos, quando podia e devia tê-lo feito, optando por não dar como indiciariamente provada a inoficiosidade das disposições testamentárias da inventariada, quando essa questão é nuclear e tinha relevância para a apreciação da alegada manifesta improcedência.
XI. A interpretação dos artigos 2174º, nº 2, do Código Civil e 1119º, n º3, do Código de Processo Civil, no sentido de não permitir a redução dos legados em substância é inconstitucional por violação do princípio de acesso ao direito consagrado no artigo 20º n.º 5 da Constituição da República Portuguesa.
XII. É ainda inconstitucional por violação do princípio da proporcionalidade ínsito no princípio do Estado de direito democrático consignado no artigo 2.º da Constituição.
XIII. No caso em exame, o requerente do arrolamento não tem que alegar e provar que os requeridos não terão capacidade de restituir à herança o valor dos bens legados que porventura alienarem. Com efeito, o arrolamento não visa assegurar qualquer garantia patrimonial, mas evitar o extravio e dissipação de bens. Visa, essencialmente, a “conservação dos bens” para que a partilha da herança possa ter lugar nos termos definidos na lei.
XIV. Se as requeridas herdeiras legitimárias pretendiam prevalecer-se do facto, por elas alegado, de que a eventual alienação dos bens que lhes foram legados não iria comprometer a restituição do seu valor, era sobre elas que recaía, obviamente, o ónus da prova desse facto e não sobre o requerente.
XV. A decisão recorrida incorreu em erro na interpretação e aplicação das regras de ónus da prova, subvertendo o que está previsto no artigo 342º do Código Civil.
Terminou o Apelante requerendo que seja dado provimento ao presente recurso e revogada a decisão recorrida.
Não foi apresentada alegação de resposta.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

***

II - FUNDAMENTAÇÃO

Como é consabido, as conclusões da alegação do recorrente delimitam o objeto do recurso, ressalvadas as questões que sejam do conhecimento oficioso do tribunal, bem como as questões suscitadas em ampliação do âmbito do recurso a requerimento do recorrido (artigos 608.º, n.º 2, parte final, ex vi 663.º, n.º 2, 635.º, n.º 4, 636.º e 639.º, n.º 1, do CPC).
A única questão a decidir é a de saber se, ante os factos alegados, poderá ser decretado (não sendo manifestamente improcedente) o requerido arrolamento dos bens indicados pelo Requerente para acautelar a tutela da sua legítima.

Na decisão recorrida teceram-se, algumas considerações genéricas, lembrando designadamente o disposto nos artigos 403.º e 405.º do CPC e reconhecendo a possibilidade de o arrolamento ser requerido na pendência de inventário, uma vez que o justo receio de extravio (que é um dos pressupostos do arrolamento) pode ocorrer antes ou depois do inventário e / ou até antes ou depois da descrição / relacionamento dos bens, mas interrogando-se sobre se, uma vez descritos os bens, em sede de inventário, o arrolamento seria possível, desenvolvendo-se a seguinte fundamentação:
«Da inadmissibilidade do presente procedimento cautelar de arrolamento (manifesta improcedência):
Analisemos, aqui, conjuntamente as aludidas questões e, ainda, a aludida falta de interesse em agir, porquanto a invocação desta apresenta-se conexa ao(s) fundamento(s) mobilizado(s) para aferir da inamissibilidade / da manifesta improcedência da pretensão do Requerente.
(…) É que rigorosamente a circunstância de os bens terem sido trazidos à descrição / terem sidos relacionados exclui naturalmente o receio de extravio ou dissipação, o que se visa, por regra, por via do arrolamento é evitar o desaparecimento de outros bens que não foram relacionados.
De qualquer forma, refira-se que este não consubstancia o critério decisivo / primordial para assimilar o problema judicando – admissibilidade, ou não, da providência requerida, até por que, normativamente, o Julgador não está adstrito a concreta providência requerida.
Refira-se tão só que, em sede de inventário, o relacionamento patrimonial implica natural e normativamente o relacionamento dos bens legados.
Correlativamente, com relevo para o presente juízo jurisdicional,
A ofensa quantitativa da legítima é analisada quer na sua vertente objectiva (respeitante à quota indisponível) quer na sua vertente subjectiva (respeitante à quota legitimária de cada sucessor).
A característica fundamental da inoficiosidade radica na circunstância de a liberalidade (entre vivos ou por morte) ofender a legítima, excedendo o limite da quota disponível da herança, sendo que as mesmas são redutíveis a requerimento dos herdeiros legitimários (ou dos seus sucessores) em tanto quanto for necessário para que a legítima seja preenchida.
Ou seja, pode ocorrer ofensa da legítima de um herdeiro legitimário ante deixa testamentária feita a herdeiro ou a terceiro, por instrumento da autoria do de cujus.
O efeito prático normativo da inoficiosidade traduz-se numa expressão de natureza quantitativa ou de carácter proporcional e não de natureza qualitativa.
A ilicitude da conduta do inventariado é medida através do desfasamento existente entre a quota mínima representante da legítima e o desvio provocado pela liberada excessiva e repercute-se proporcionalmente, em termos de valor, sobre a quota de cada titular das liberalidades inoficiosas – 2169.º, 2172.º e 2173.º do Código Civil.
O desvio afectará uma parte maior ou menor das liberalidades realizadas para garantir a aludida quota mínima.
Mais, e decisivamente, ante o aludido efeito prático normativo,
Se é certo que, na generalidade do(s) arrolamento(s) não se torna difícil a indagação quanto ao direito invocado, resultante da qualidade de interessado na herança e a sua prova – o que, no caso judicando, nem se apresenta controverso, assumindo o Requerente a qualidade de herdeiro legitimário dos inventariados, MTS e LFS) -, sendo certo que tal direito não se traduz em direito de propriedade sobre bens concretos e determinados que integrem cada uma das heranças, o problema radica na circunstância de a pretensão se reconduzir a bens específicos, que consubstanciam legados.
O legatário sucede em bens ou valores determinados, razão pela qual o direito passa recta via do falecido para o legatário, ou seja, a transmissão para o mesmo do direito legado dá-se por simples aceitação do legatário e sem necessidade de recurso a qualquer procedimento, v.g. partilha, acordo ou inventário e, isto, independentemente da efectivação da partilha e sem prejuízo da eventual redução do legal por inoficiosidade.
São destinatários de bens certos que o inventariado lhes outorgou e a que têm direito desde o dia da abertura da herança e desde essa data transmissível.
Convoca-se a seguinte questão: constatada a eventual inoficiosidade, qual o âmbito de actuação e responsabilidade dos legatários?
Mobiliza-se, aqui, o prescrito no artigo 2174.º do Código Civil e artigo 1119.º do Código de Processo Civil.
Por regra, tratando-se de bem (bens) indivisível (indivisíveis) (como ocorre e se visa no caso judicando – artigo 52.º do requerimento inicial) e se a redução exceder metade do valor do bem legado, este deve ser restituído na totalidade à herança, abrindo-se licitação sobre ele entre os herdeiros legitimários, com atribuição ao legatário do valor pecuniário que tenha direito a receber; se a redução for inferior a metade do valor do bem indivisível, assiste ao legatário a faculdade de optar pela reposição em dinheiro do excesso.
Contudo, ante o prescrito no n.º 3 do artigo 2174.º do Código Civil, quando os legatários sejam também herdeiros legitimários, deve ser respeitada a vontade do testador no sentido de os bens ingressarem no património dos legatários, razão pela qual a reposição resultante da necessidade de redução dos legados por inoficiosidade, deverá ser sempre feita em dinheiro e não em substância.
Tal critério normativo permite compreender a ausência de prescrição específica quanto ao caso da alienação de bem legado ao contrário da alienação de bem doado (artigo 2175.º do Código Civil), ou seja, da responsabilidade do preenchimento da legítima em dinheiro até ao valor dos bens quando se verifique a respectiva alienação em momento anterior ao reconhecimento da necessidade de redução.
De qualquer modo, entre a semelhança e a diferença (analogia), considerando o direito do legatário sobre a coisa, ante a respectiva aceitação, e as faculdades inerentes ao direito de propriedade [v.g. faculdade de disposição], ainda, a circunstância de o legatário, não herdeiro legitimário, não ter direito a requerer o respectivo inventário e a indefinição [temporal, é certo] da existência, ou não, da aludida redução, entendemos que o artigo 2175.º sempre se apresentaria mobilizável.
Ou seja, em caso de alienação anterior do bem, o legatário (não herdeiro legitimário) deverá restituir o valor da coisa, integral, ou não, na medida da redução, não se colocando em crise per si o eventual efeito útil da requerida redução por inoficiosidade.
- É certo que “(...) se [hipertrofiarmos] a analogia [-e a relação que ela identifica -], tudo coincide [...]; se a [esquecermos], tudo se dissipa [...]”, cfr. Maria Filomena MOLDER apud FERNANDO JOSÉ BRONZE, Pj - Jd. A equação metodonomológica (...) in Analogias, Coimbra, 2012., p. 378, contudo ante a hipótese convocada (venda ou possível alienação anterior à eventual redução) / a sua objectivação tematizante e qualificação especificante, sempre se verificaria a correspondência entre os relata, cujo critério que assimilaria o problema judicando passaria pelo necessário reconhecimento da imposição de restituição do valor da coisa a cargo do legatário, não herdeiro legitimário, alienante.
Juízo contrário implicaria o reconhecimento de um corte no direito de propriedade sobre a coisa legada, sem que o legatário pudesse promover a eventual definição da faculdade de disposição inerente ao direito de propriedade, por não poder requerer o respectivo inventário.
Volvendo ao caso judicando, (…)  Aqui, desde já, se refira que a circunstância de a Cabeça-de-Casal ter solicitado autorização ao Tribunal [em sede de administração da herança] não significa lógica, fáctica, necessária e normativamente que os herdeiros / legatários, na eventual verificação da situação de inoficiosidade, não possam proceder à restituição do respectivo valor [total ou parcial, na medida da redução] – aquele facto não pressupõe ou implica a conclusão que se pretende retirar.
Ainda, refira-se tão só, por referência ao requerimento de ref.ª Citius 34136662 de 10-11-2022, a mera discórdia quanto às avaliações dos bens imóveis relacionados em sede de inventário não implica per si a impossibilidade de realização de avaliação determinada em sede de inventário com vista a apurar da eventual redução por inoficiosidade.
Tais circunstâncias não se apresentam realidades excludentes nem atribuem ou reconhecem validade à presente pretensão (como bem refere os Requeridos, LPS e MTM – requerimento de ref.ª Citius 34182752 de 15-11-2022 - se tal circunstância fosse justificativa do arrolamento apenas o poderia ser relativamente aos bens, cuja avaliação fosse alvo de controvérsia / discórdia).
Como referido, por parte dos Requeridos, os bens em causa já se encontram correctamente identificados, avaliados (encontrando-se em discussão o valor a atribuir-lhes) em sede de inventário.
A verificação da inoficiosidade pressupõe, além do mais, a relacionação de todos os bens compreendidos na herança, o que foi efectuado e não se encontra colocado em crise por parte de qualquer um dos Interessados – e, aqui, como supra referido, naturalmente se exclui o extravio, a ocultação ou dissipação, porquanto os bens foram relacionados.
Correlativamente, torna-se manifesto que o Requerente não tem qualquer direito específico aos bens que pertencem aos legatários, ante a qualidade de herdeiro invocada e o âmbito e objecto de cada um dos legados.
O direito do Requerente mesmo que se traduza na eventual redução de liberalidades inoficiosas não se reconduz a um direito específico sobre os bens que foram legados, como supra referido, o direito sobre a coisa passa recta via do falecido para o legatário.
Ou seja, por um lado, o fim visado por parte do arrolamento já se encontra realizado, por outro, no que concerne, à respectiva conservação admitir-se a possibilidade de arrolamento implicava colocar-se em crise o direito sobre a coisa que os legatários são titulares [a faculdade de disposição].
Acresce que, maxime, mesmo se verificando a possibilidade de redução, ante o prescrito, primordialmente, no n.º 3 do artigo 2174.º do Código Civil, no que concerne aos restantes herdeiros legitimários e legatários, ou, entre a semelhança e a diferença, no artigo 2175.º do Código Civil, ocorrendo a eventual alienação, quanto aos netos dos inventariados - legatários, MS e MTM, sempre se concluiria que os Requeridos, em causa, seriam responsáveis pela restituição do valor [total ou parcial, na medida da redução], o que não colocaria em crise os eventuais actos praticados e / ou a praticar, no uso do respectivo direito sobre a coisa.
Claro está que o Tribunal não se encontra adstrito à providência concretamente requerida [n.º 3 do artigo 376.º do Código de Processo Civil], contudo, formula-se raciocínio análogo,
α) Caso estivéssemos perante providência comum:
Isto, considerando, como em qualquer acção, mesmo em sede de inventário, se podem verificar os fundamentos de que dependem as providências comum (aparência de um direito e perigo da insatisfação desse direito).
O Requerente, ante o circunstancialismo invocado (alegado), não teria qualquer direito sobre coisa específica, em contraste com os legatários, sendo que o justo receio invocado sempre seria colocado identicamente em crise ante a circunstância de estarmos perante actos (venda realizada e possível alienação) permitidos no âmbito e objecto do direito do(s) legatário(s) sobre a(s) coisa(s).
β) extrapolando o perímetro objectivo e subjectivo da pretensão, caso estivéssemos perante arresto:
Isto, eventualmente, por alegado direito de crédito, findas as operações de partilha e ante a circunstância de os legatários não puderem (não terem capacidade para restituir à herança) o valor (total ou parcial, na medida da redução).
Em verdade os fundamentos mobilizados apresentar-se-iam insuficientes e manifestamente improcedentes (vender um bem ou a pretensão da alienação não significa per si incapacidade de restituição ou de garantia de um eventual crédito, a final, das operações de partilha).
Ou seja, sempre se ajuizaria, nos termos em que o Requerente configura a pretensão cautelar, que queda prejudicada a invocada necessidade de acautelar o efeito útil da eventual inoficiosidade, porquanto a mesma não está colocada em crise (v.g. os bens foram relacionados, os fundamentos mobilizados não impelem à conclusão fáctica de que a eventual restituição se encontra colocada em crise), a que acresce que os legatários podem exercer as faculdades inerentes ao direito de propriedade.
Ergo, sem necessidade de maiores considerandos, ante a respectiva inadmissibilidade, vai implicada a improcedência da pretensão cautelar.
Hic et nunc, refira-se tão só que a admissão liminar do procedimento não implica que se considerem precludidas as questões que podiam ter sido motivo de indeferimento liminar, ou seja, do despacho que mande citar / notificar os Requeridos, por referência ao n.º 5 do artigo 226.º do Código de Processo Civil, não vai implicada a verificação de caso julgado formal sobre a respectiva admissibilidade.
Juízo contrário implicaria uma restrição incomportável do princípio do contraditório dos Requeridos, restringindo-se, a montante, os respectivos meios de defesa e independentemente de tal requisito [admissibilidade, ou não] se verificar.
(…) Concluindo, em síntese:
α) a invocação da inoficiosidade dos legados não torna per si admissível o recurso à providência cautelar de arrolamento, quando os mesmos (os bens legados) já se encontram relacionados em sede de inventário.
β) o relacionamento de bens em sede de inventário exclui o receio de extravio e ocultação, impondo-se, ainda, atender ao efeito prático normativo da eventual redução por inoficiosidade (restituição, na medida da redução, que pode ser feita em valor e não necessariamente em substância).
γ) o herdeiro legitimário não possui qualquer direito específico e concreto sobre os bens legados, sendo que o legatário, desde a respectiva aceitação, pode exercer as respectivas faculdades [direito de propriedade] sobre a coisa.
δ) na hipótese de venda / alienação, caso estejamos perante herdeiros legitimários, a restituição, total ou parcial, na medida da redução, pode ser realizada em valor e não necessariamente em substância (n.º 3 do artigo 2174.º do Código Civil); ante os legatários - não herdeiros legitimários, entre a semelhança e a diferença, a eventual alienação anterior, implicará a restituição do respectivo valor, na medida da redução (por mobilização analógica do prescrito no artigo 2175.º do Código Civil).
ε) o efeito útil da eventual redução por inoficiosidade, que se traduz numa expressão de natureza quantitativa ou de carácter proporcional e não qualitativa, não fica per si colocado em crise pela restituição em valor em vez da restituição em substância.»
Vejamos.
Preceitua o art.º 403.º, n.º 1, do CPC que havendo justo receio de extravio, ocultação ou dissipação de bens, móveis ou imóveis (ou de documentos), pode requerer-se o arrolamento deles. Acrescenta o n.º 2 deste artigo que o arrolamento é dependência da ação à qual interessa a especificação dos bens ou a prova da titularidade dos direitos relativos às coisas arroladas. De referir ainda que, conforme expressamente previsto no art.º 404.º do CPC, o arrolamento pode ser requerido por qualquer pessoa que tenha interesse na conservação dos bens (ou dos documentos). E que, nos termos do art.º 405.º, n.ºs 1 e 2, do mesmo Código, o requerente deverá fazer prova sumária do direito relativo aos bens e dos factos em que fundamenta o receio do seu extravio ou dissipação; se o direito relativo aos bens depender de ação proposta ou a propor, tem o requerente de convencer o tribunal da provável procedência do pedido correspondente; a providência de arrolamento será decretada se o juiz, produzidas as provas que forem julgadas necessárias, adquirir a convicção de que, sem o arrolamento, o interesse do requerente corre risco sério.
Assim, fora das situações especiais previstas no art.º 409.º do CC (que aqui não se verificam), não basta a pendência de um processo de inventário instaurado para partilha da herança para que o arrolamento dos bens deixados pelos inventariados se justifique, resultando claramente da lei que tal pressupõe uma situação de justo receio de extravio, ocultação ou dissipação dos móveis ou imóveis cuja “conservação” possa interessar ao requerente.
No caso dos autos, está pendente o processo principal de inventário para partilha da herança deixada pelos falecidos pais e avós das partes, sendo certo que aí já teve lugar a dita “especificação dos bens”, com a apresentação da relação dos bens deixados pelos inventariados e cujo arrolamento foi requerido (cf. artigos 1097.º e 1098.º do CPC).
Desde já salientamos que o Requerente nada alegou quanto a um possível extravio, ocultação ou dissipação dos bens móveis ou imóveis que não foram objeto dos legados feitos nos testamentos, tanto mais que apenas manifestou preocupação com a inoficiosidade dos legados, afirmando que pretende exercer o seu direito à redução dos legados nos termos dos artigos 2178.º do CC e 1119.º do CPC. Isso mesmo resulta claro do seu Requerimento inicial, mas também da sua alegação de recurso, quando argumenta que, sendo herdeiro legitimário, vê a sua legítima ser atingida por disposições testamentárias inoficiosas, tendo, segundo diz, interesse em agir para assegurar a conservação dos bens relativamente aos quais incidirá a redução, sobretudo (mas não só) quando ela deva ter lugar em espécie, isto é, através da reposição dos próprios bens e não apenas do seu valor.
Tanto basta para se perceber que apenas terá eventualmente razão de ser o arrolamento dos bens imóveis legados aos Requeridos, e não de todos os bens imóveis das heranças, designadamente das verbas 245 a 251 e 281, que correspondem a bens imóveis que não foram legados.
O Requerente é um herdeiro legitimário que se arroga o direito à redução de liberalidades - legados de bens imóveis - que diz serem inoficiosas, algumas das quais efetuadas a favor de Requeridos que não são herdeiros legitimários, pelo que, sem considerar ainda todas as demais circunstâncias do caso, podemos admitir, em tese, face aos mecanismos legais de redução de liberalidades (cf. artigos 2168.º, 2169.º, 2171.º, 2172.º e 2174.º do CC), que àquele assistirá, pelo menos, interesse na conservação dos imóveis que foram legados. Efetivamente, como decorre do art.º 2119.º do CC, os herdeiros não têm direitos sobre bens concretos da herança, só os adquirindo pela partilha, sendo até lá meros titulares de quota hereditária, ou seja, do direito a uma quota ideal da herança. Mas aceitamos que tal direito “reflexamente” lhes confere, por força da eventual inoficiosidade, interesse na conservação dos bens legados (nesta linha de pensamento, veja-se, por exemplo, o ac. da RG de 04-02-2021, no proc. n.º 184/19.4T8AMR.G2, www.dgsi.pt).
Ademais, contrariamente ao que parece ter sido entendido pelo Tribunal a quo, não se vê obstáculo legal a que o arrolamento possa ter lugar pelo facto de os bens das heranças já terem sido relacionados no processo de inventário. Com efeito, admitimos que poderá existir um justo receio da dissipação de tais bens, apesar de estarem relacionados (já não teria razão de ser, tratando-se de imóveis que foram relacionados no processo de inventário, considerar o seu extravio ou ocultação). Nesta linha de pensamento, veja-se o acórdão da Relação de Coimbra de 08-07-2021, proferido no proc. n.º 863/20.3T8CTB-A.C1, disponível em www.dgsip.pt, em cujo sumário se afirma precisamente que:
“I) O objectivo do arrolamento não se reconduz, apenas, à identificação dos bens sobre os quais incide o direito do requerente, visando, também, garantir a persistência dos bens até lhe ser dado destino na acção principal.
II) Quando a acção principal é um processo de inventário a utilidade do arrolamento poderá manter-se até à efectiva realização da partilha, uma vez que é este o acto que define os direitos de cada um dos interessados em relação aos bens a partilhar.
III) A mera circunstância de os bens já terem sido relacionados no processo de inventário não é, só por si, bastante para concluir pela inadmissibilidade do arrolamento ou pela falta de interesse em agir do requerente
IV) Tal interesse continua a subsistir até à partilha se, apesar de os bens estarem relacionados, continuar a existir o risco de extravio, ocultação ou dissipação dos mesmos e a consequente necessidade de tutela judicial para o efeito de assegurar a conservação deles até à realização da partilha e à definição dos direitos de cada um dos interessados.”
No entanto, a pretensão do Requerente ao arrolamento esbarra com outros obstáculos.
Como vimos, o direito que se arroga assenta na (suposta) existência de legados inoficiosos e no direito à sua redução para tutela da sua legítima. Porém, para que pudesse ser determinada a sua legítima, bem como saber se foi ofendida e em que medida, impõe-se determinar o valor dos bens a conferir pertencentes ao acervo hereditário, dispondo o art.º 2162.º, n.º 1, do CC, que, para o cálculo da legítima, deve atender-se ao valor dos bens existentes no património do autor da sucessão à data da sua morte, ao valor dos bens doados, às despesas sujeitas a colação e às dívidas da herança.
Ora, pese embora o Requerimento inicial não tenha sido considerado inepto, a verdade é que não foram alegados factos essenciais, constitutivos do direito substantivo que o Requerente se arroga e que a providência de arrolamento serviria para acautelar, factos dos quais resulte que todos os legados feitos aos Requeridos foram aceites (seguramente o foram quanto aos imóveis cuja venda ocorreu ou estará em vias de acontecer) e são inoficiosos ante o (provável) valor da legítima daquele, inexistindo na herança outros bens (não legados) suficientes para preenchimento dessa legítima.
Em particular, é claro que o Requerente não alegou os factos indispensáveis para que possamos, tendo em atenção, além do mais, o disposto no art.º 2159.º do CC, saber a quanto ascende a sua legítima (designadamente se será superior ao do somatório do valor dos bens que lhe foram legados, já avaliados em 126.000€, 14.500€, 417.730€, 273.000€ e 23.000€), o que inviabiliza um juízo, ainda que perfunctório, de inoficiosidade, que, na decisão recorrida, apenas foi admitida como eventual, em ordem a possibilitar o desenvolvimento da fundamentação de manifesta improcedência da providência requerida.
Não tendo sido alegados pelo Requerente factos cuja prova, indiciária, possibilite a determinação da sua legítima de harmonia com os preceitos legais aplicáveis e, assim, o reconhecimento do direito que invoca aos bens legados mediante a (pretendida) redução das liberalidades, tanto bastaria para concluirmos pela improcedência da pretensão daquele.
No entanto, considerando a fundamentação desenvolvida na sentença, no pressuposto hipotético da demonstração perfunctória da invocada inoficiosidade dos legados, podemos prosseguir o nosso raciocínio.
Face ao que consta dos testamentos, verifica-se que os legados foram feitos por conta da quota disponível do(s) herdeiro(s), mas no caso de ultrapassarem os valores (respetivos) devem ser imputados na legítima de cada um - isto é, nas quotas indisponíveis do Requerente e das suas referidas irmãs – cf. artigos 2133.º, 2135.º e 2157.º do CC.
É sabido que quando o testador fizer diversos legados em favor dos seus herdeiros (fora das situações previstas no art.º 2165.º do CC atinente aos legados em substituição da legítima), podemos estar perante legados por conta da quota disponível ou por conta da legítima, o que não deixa de ser, neste último caso, uma das formas de efetivação do direito à legítima.
É certo que os herdeiros legitimários não são obrigados a aceitar os legados, podendo pretender que a sua legítima seja preenchida com outros bens da herança, resultando do art.º 2163.º do CC que o testador não pode, no que ora releva, designar os bens que a devem preencher, contra a vontade do herdeiro. Todavia, se um herdeiro aceitar o(s) legado(s), aceitação que no caso estamos a assumir aconteceu, ficará com determinado(s) bem(s) deixado(s) em testamento, acabando por ter, do mesmo passo, a qualidade de legatário e de herdeiro.
Naturalmente, sendo os legados por conta da legítima de valor inferior ao da legítima do respetivo herdeiro, este terá direito a exigir o preenchimento da sua legítima, pelo valor diferencial, sendo certo que poderão (ou não) existir na herança bens suficientes para isso.
Quando o valor do(s) legado(s) exceder a legítima do(s) herdeiro(s), não é pacífico o procedimento a adotar quanto a esse valor diferencial. Uma possibilidade será considerar que se está perante um pré-legado, aplicando analogicamente o art.º 2264.º do CC (vocacionado para os herdeiros testamentários e para os herdeiros legítimos – cf. Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil Anotado”, Vol. VI, Coimbra Editora, págs. 417-418), valendo o legado por inteiro, o que significa que o herdeiro irá recebê-lo para além da sua quota. Outra solução será a de considerar que, quando alguém faz legados por conta da legítima, não pretende beneficiar um herdeiro em detrimento de outro, mas apenas indicar os bens que devem servir para preencher as respetivas quotas, pelo que se deverá tentar a igualação dos herdeiros, de modo idêntico ao previsto para as doações sujeitas a colação.
Seja como for, a existir uma situação de inoficiosidade ante os legados efetuados, haverá efetivamente que convocar, no plano do direito adjetivo, os artigos 1118.º e 1119.º do CPC (que regulam o incidente de inoficiosidade) e, no plano do direito substantivo, o disposto no art.º 2174.º do CC, o qual preceitua, sob a epígrafe, “Termos em que se efectua a redução”, que:
“1. Quando os bens legados ou doados são divisíveis, a redução faz-se separando deles a parte necessária para preencher a legítima.
2. Sendo os bens indivisíveis, se a importância da redução exceder metade do valor dos bens, estes pertencem integralmente ao herdeiro legitimário, e o legatário ou donatário haverá o resto em dinheiro; no caso contrário, os bens pertencem integralmente ao legatário ou donatário, tendo este de pagar em dinheiro ao herdeiro legitimário a importância da redução.
3. A reposição de aquilo que se despendeu gratuitamente a favor dos herdeiros legitimários, em consequência da redução, é feita igualmente em dinheiro.”
Da polémica doutrinária em torno da interpretação do n.º 3 deste artigo nos dá conta o acórdão da Relação de Coimbra de 16-01-2018, proferido no proc. n.º 124/11.9TBTBC.C1, disponível em www.dgsi.pt, aí se defendendo, com bons argumentos, a posição, que secundamos, de que deverá ser dada preferência à interpretação segundo a qual, quando os legatários são também herdeiros legitimários, se deve respeitar a vontade do testador no sentido daqueles bens legados ingressarem no património dos legatários, pelo que a reposição resultante da necessidade de redução dos legados por inoficiosidade, deve ser sempre feita em dinheiro e não em substância.
Significa isto que, numa tal situação, não assiste ao herdeiro o direito a preencher o seu quinhão hereditário com algum dos outros bens legados, mas apenas o direito a receber em dinheiro o montante necessário ao preenchimento da sua legítima. Não se nos afigura que esta interpretação normativa do art.º 2174.º, n.º 3, do CC, no sentido de não permitir a “redução dos legados em substância” quando feitos a outros herdeiros legitimários afronte quaisquer princípios constitucionais, sendo a que se nos afigura mais consentânea com a inserção sistemática da norma e até a sua génese. Veja-se, a propósito, a anotação de Pires de Lima e Antunes Varela, no seu “Código Civil Anotado”, Volume VI, Reimpressão da 1.ª edição, Coimbra Editora, pág. 282:
“Prescreve-se, por fim, no n.º 3 deste artigo 2174.º que a reposição daquilo que se despendeu gratuitamente a favor dos herdeiros legitimários, em consequência da redução, é feita de igual modo em dinheiro.
O texto da disposição pode cobrir, entre outras, situações como esta: A, pai de dois filhos, B e C, deixou à data da sua morte uma herança, no valor de 1500.
A reserva legitimária dessa herança será de 2/3, equivalente a 1000 (dos quais 500 caberiam como legítima a B, e outros 500 a C, nos termos do art.º 2159.º, n.º 2), sendo de 500 a quota disponível.
O de cujus dispôs, porém, dos dois imóveis que integram a herança a favor do mesmo filho B, parte através duma doação (em vida) e a outra parte por meio de deixa testamentária.
Nesse caso, a reposição do que é devido a C, em virtude da redução imposta às liberalidades feitas exclusivamente a favor de B, é feita, em dinheiro, e não em espécie ou in natura.”
Assim, mesmo admitindo a existência de uma situação de inoficiosidade (que não cremos tenha sido reconhecida pelo Tribunal a quo, mas tão só equacionada como possível), sendo as 1.ª e 2.ª Requeridas, irmãs do Requerente, herdeiras legitimárias, tal como este último, concordamos com o entendimento adotado na decisão recorrida no sentido de que não assistiria ao Requerente o direito a ver o seu quinhão preenchido com os bens legados a estas outras herdeiras, sobre as quais apenas impenderia a obrigação de pagamento da quantia em dinheiro necessária para o preenchimento da legítima.
Neste sentido, numa situação próxima, veja-se o acórdão do STJ de 19-06-2012, proferido na Revista n.º 299/05.6TBVGS.S1 - 1.ª Secção, conforme se alcança do respetivo sumário, disponível em www.stj.pt:
I - Estando em causa a partilha das heranças de dois inventariados pelos seus três filhos, herdeiros legitimários, e dois netos, a quem legaram determinados bens do acervo hereditário, verificando que o valor dos legados excede o valor da quota disponível de cada um dos inventariados, cumpre proceder à sua redução quantitativa, de forma a garantir a intangibilidade da legítima.
II - Verificada uma situação de inoficiosidade, é reconhecido aos herdeiros legitimários o direito (potestativo) de redução da liberalidade violadora da legítima em quanto for necessário para esta ser preenchida (art.º 2169.º do CC).
III - Sendo indivisíveis os bens objecto dos legados e não excedendo a importância da redução metade do valor dos bens, a inoficiosidade dos legados não confere aos herdeiros legitimários, por via da respectiva redução, o direito de preencher o seu quinhão hereditário com algum dos bens legados, mas tão-somente o direito de receber em dinheiro o montante necessário ao preenchimento da sua legítima (art.º 2174.º, n.º 2, do CC).
Diga-se, porém, que relativamente aos outros Requeridos, netos dos inventariados, já não poderão beneficiar da aplicação do citado art.º 2174.º, n.º 3, do CC, pois não são, de facto, herdeiros legitimários. E, ao contrário do que é afirmado na decisão recorrida, não nos parece que possa, quanto a estes legatários, ser convocado, ainda que por via da analogia, o disposto no art.º 2175.º do CC, nos termos do qual se os bens doados tiverem perecido por qualquer causa ou tiverem sido alienados ou onerados, o donatário ou os seus sucessores são responsáveis pelo preenchimento da legítima em dinheiro, até ao valor desses bens.
Na verdade, este preceito constitui um “desvio” ao caráter real da legítima, ressalvando a hipótese de perecimento ou alineação dos bens doados para obstar à redução das liberalidades oficiosas em espécie, declarando o donatário responsável por tais ocorrências até ao valor necessário para o preenchimento da legítima em dinheiro. Note-se que se o legislador não quis ir mais longe neste artigo, levando “até às últimas consequências a concepção da legítima como uma pars hereditatis” (nas palavras de Pires de Lima e Antunes Varela, obra citada, pág. 283), fazendo apenas a dita ressalva para o que muito pesou, como ensinam estes autores, a proteção devida ao terceiro adquirente dos bens doados, numa doação que não era nula, nem anulável, nem sequer revogável, não nos parece que estejamos perante uma lacuna da lei carecida de integração analógica.
Por outras palavras, como o legislador não conferiu, no art.º 2175.º do CC, o mesmo nível de proteção aos terceiros adquirentes de bens legados e, assim não quis, desproteger ou limitar mais severamente a proteção do direito do herdeiro legitimário à legítima (que é promovida pelo mecanismo da redução de tais liberalidades inoficiosas), parece-nos inaceitável que o julgador venha fazê-lo, por via da aplicação analógica de norma a uma situação que não configura nenhuma lacuna da lei, estando abrangida pela previsão do antecedente artigo.
Mas, aqui chegados, a verdade é que não foram alegados quaisquer factos que apontem no sentido da iminência de acontecer a dissipação dos bens que a estes Requeridos (os netos, que não são herdeiros legitimários) foram legados, não bastando que possam existir (eventuais) inoficiosidades e a pendência de um processo de inventário (em que foi deduzido o incidente de inoficiosidade) para que seja de considerar que existe um tal risco de dissipação.
Mais permanece inultrapassável, relativamente a todos os Requeridos, a falta de alegação de factos essenciais que, a serem indiciariamente provados, possibilitariam subsumir a situação dos autos na previsão do art.º 2174.º do CC nos moldes defendidos pelo Requerente, no sentido do reconhecimento do direito ao preenchimento da sua legítima com os bens legados, desde logo porque, como já referimos, os factos que foram alegados não permitem sequer determinar qual o valor (provável) da quota disponível dos inventariados.
Em suma: dos factos alegados pelo Requerente não resulta, num juízo perfunctório, que lhe assista o direito de redução de legados inoficiosos feitos aos Requeridos e, nessa medida, o direito aos bens imóveis da herança cujo arrolamento requereu - ou seja, inexiste matéria fáctica que, a provar-se, pudesse fundamentar um juízo de provável procedência do pedido formulado no incidente de inoficiosidade (deduzido no processo de inventário); o hipotético direito do Requerente ao preenchimento da sua legítima, por via redução dos legados (supostamente) inoficiosos, quanto aos bens legados às Requeridas suas irmãs reconduz-se a uma reposição em dinheiro (e não dos próprios bens legados); e quanto aos bens legados aos Requeridos netos dos inventariados não decorre dos factos alegados que o (eventual) interesse do Requerente à conservação desses bens corra sério risco.
Assim, conclui-se que o recurso não merece provimento.

Vencido o Requerente-Apelante, é responsável pelo pagamento das custas processuais (artigos 527.º e 529.º, ambos do CPC).

***

III - DECISÃO

Pelo exposto, decide-se negar provimento ao recurso, mantendo-se, em consequência, a decisão recorrida.
Mais se decide condenar o Requerente-Apelante no pagamento das custas do recurso.

D.N.

Lisboa, 11-05-2023
Laurinda Gemas
Arlindo Crua
António Moreira