Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
27383/17.0T8LSB.L1-4
Relator: DURO MATEUS CARDOSO
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO
INCOMPETÊNCIA INTERNACIONAL
PACTO DE JURISDIÇÃO
COMPETÊNCIA EXCLUSIVA
REGULAMENTO (CE) Nº1215/2012 DE 12/9
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/07/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA
Sumário: I Decorre do art. 23º do Regulamento (CE) nº 1215/2012 a expressa possibilidade de derrogação do disposto no art. 21º do mesmo Regulamento verificadas que sejam as condições nele previstas, como por exemplo, a possibilidade de o “trabalhador recorrer a tribunais que não sejam os indicados na presente secção”.

II Não existe nulidade de uma cláusula de jurisdição quando autora e ré acordam na competência dos tribunais de Inglaterra e do País de Gales e estes não são aqueles que resultariam da simples aplicação do disposto no art. 21º do mesmo Regulamento.

III As partes podem, nos termos do art. 23º do Regulamento, afastar a competência que resulta do art. 21º do Regulamento, sendo que “derrogar” não significa “adicionar” ou “acrescentar” antes significa afastar, não manter, até porque o art. 25º-1 do Regulamento dispõe que a competência validamente convencionada “é exclusiva, salvo acordo das partes em contrário”.

IV A terminologia “extensão de competência” constante da epígrafe do da Secção 7 do Regulamento significa unicamente atribuir a competência a outro tribunal/jurisdição que não seria competente não fora o acordo das partes nesse sentido.

V O art. 25º do Regulamento, específico das extensões de competências, é também aplicável às situações previstas nos arts. 20º a 23º, e consagra a competência exclusiva em caso de acordo para atribuição de competência a terceiro Tribunal se as partes nada disserem quanto a tal, bem como a possibilidade de ser convencionada a competência não exclusiva do terceiro tribunal.

(Sumário elaborado pelo relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa.


Relatório:

I AAA intentou, no Juízo de Trabalho de Lisboa, a presente acção declarativa de condenação, com processo comum, CONTRA, BBB
II PEDIU que a presente acção seja julgada procedente, por provada, e, em consequência:
- Condenada a ré a reconhecer a existência de um contrato de trabalho entre autora e ré;
- Declarada a ilicitude do despedimento da autora;
- Condenada a ré no pagamento de créditos emergentes do contrato de trabalho;
- Condenada a ré no pagamento das retribuições que deixou de auferir desde 14/11/2017;
- Condenada a ré no pagamento da indemnização de antiguidade;
- Condenada a ré no pagamento de uma indemnização a título de danos não patrimoniais;
- Condenada a ré no pagamento de uma indemnização a título de danos patrimoniais;
- Condenada a ré no pagamento de juros moratórios vencidos e vincendos.

III ALEGOU, em síntese e na parte agora com mais interesse, que:
- Foi admitida ao serviço da ré em 1/2/2015 para desempenhar as funções de International Law and Prosecutor Adviser, mediante a remuneração mensal de € 10.000,00, através de contrato escrito celebrado a 13/11/2014;
- Até fins de Maio de 2016 a ré estava instalada em Bruxelas;
- A partir de 27/6/2016 a ré mudou os escritórios para Lisboa, tendo celebrado novo contrato escrito a 4/5/2016, com início a 1/4/2016, para exercer as mesmas funções e com o pagamento do mesmo valor mensal;
- A autora foi vítima de discriminação retributiva negativa em razão do sexo;
- A ré despediu a autora através de comunicação escrita, com efeitos a 31/12/2016, sem precedência de processo disciplinar;
- A actuação da ré causou à autora danos morais e patrimoniais;
- Os pactos de jurisdição estabelecidos nos dois contratos celebrados, atribuindo competência aos Tribunais Ingleses e Galeses são nulos atento o disposto nos arts. 23º e 25º do Regulamento (CE) nº 1215/2012 de 12/12.

IV- Realizada Audiência de partes em que teve lugar infrutífera tentativa de conciliação, a ré, após notificação para o efeito, veio CONTESTAR dizendo, no que agora releva com interesse para o presente recurso, que:
- O tribunal é internacionalmente incompetente para decidir a presente causa, uma vez que foram celebrados pactos de jurisdição atribuindo a competência exclusiva aos Tribunais Ingleses e Galeses.

V A autora RESPONDEU, sustentando a competência dos tribunais do Trabalho Portugueses para conhecer dos pedidos formulados nesta acção.

VI No âmbito do DESPACHO SANEADOR, foi conhecida a invocada excepção de incompetência internacional do Tribunal do Trabalho de Portugal, decidindo-se pela forma seguinte:
“Em sede de contestação veio o R. invocar a incompetência internacional deste Tribunal porquanto alega que a apreciação do litígio não pode pertencer aos Tribunais portugueses na medida em que a R. é uma organização estrangeira, o trabalho foi prestado maioritariamente em Bruxelas e só no final do contrato é que foi em Portugal, o domicílio do A. durante o período de trabalho foi na Bélgica, o contrato foi celebrado na Bélgica, concluindo que nenhum facto ocorreu em Portugal excepto os últimos meses do contrato.
Mais pugna pelo facto de sendo uma prestação de serviços e não um contrato de trabalho por essas regras tem de ser aferida a competência.

Vejamos.

Antes de mais a questão essencial reside em saber se existe um contrato de trabalho ou um contrato de prestação de serviços, donde para questões dessa natureza, configurada a ação como sendo de contrato de trabalho, naturalmente a competência é exclusiva do foro laboral.

É o modo como o A. configura o thema decidendi que determina o pedido e em face deste a competência do tribunal.
Mas questão diversa reside em saber se os tribunais portugueses são competentes para decidir de tal pretensão.
***

A questão suscitada prende-se, fundamentalmente em saber se o Tribunal do Trabalho em Portugal, e este em particular é o competente para conhecer da presente acção ou se, pelo contrário, é competente um tribunal de um outro pais.
***

Antes de mais temos por assente, para o que ora releva que:
a)- A A. é nacional da Nova Zelândia e tem o seu domicílio em Portugal;
b)- A R. é uma organização internacional com sede na Holanda e representação em Portugal;       
c)- A A. celebrou com a R. um contrato que estabeleceu o foro jurisdicional de competência exclusiva para decisão dos litígios em Inglaterra e Pais de Gales;
d)- Durante a execução do contrato, desde o seu início em 1 de fevereiro de 2015 até finais de Maio de 2016 a A. residiu na Bélgica e prestou o seu trabalho nesse país;
e)- De 27 de Junho de 2016 a Novembro de 2016 a A. prestou o seu trabalho para a R. em Lisboa;           
f)- A A. peticiona créditos emergentes do que considera ser um despedimento ilícito e derivados da execução do contrato mencionado em c).
***

A competência internacional dos tribunais de trabalho portugueses encontra-se regulamentada no art. 10º do Código de Processo de Trabalho o qual preceitua que na “competência internacional dos tribunais de trabalho estão incluídos os casos em que a ação pode ser proposta em Portugal, segundo as regras de competência territorial estabelecidas neste código, ou por terem sido praticados em território português, no todo ou em parte, os factos que integram a causa de pedir na ação”.

Como se vê a norma não auxilia muito na resolução da questão em apreço. E neste tocante, fácil vai ser constatar que o domicílio do trabalhador não é o critério internacional seguido.

Estando em causa a existência de uma relação de trabalho subordinado firmada entre duas partes domiciliadas em Estados-Membros, a sua cessação (considerada ilícita pelo Autor) e os créditos laborais daí derivados, é aplicável o regime dos artigos 20º a 23º do Regulamento (CE) n.º 1215/2012, de 12 de dezembro, que veio substituir o regulamento n.º 44/2001, de 16 de Janeiro. Neste mesmo sentido decidiu o acórdão do STJ de 17/1/2007, in www.dgsi.pt.

Estes preceitos, essenciais para a resolução da exceção invocada, não podem deixar de ser reproduzidos para melhor resolução da questão. Inserem-se na seção 5 cuja epígrafe é precisamente a Competência em matéria de contratos individuais de trabalho

Artigo 20º
1. Em matéria de contrato individual de trabalho, a competência é determinada pela presente secção, sem prejuízo do disposto no artigo 6.º, no artigo 7.º, ponto 5, e, no caso de ação intentada contra a entidade patronal, no artigo 8.º, ponto 1.
2. Se um trabalhador celebrar um contrato individual de trabalho com uma entidade patronal que não tenha domicílio num Estado-Membro mas tenha uma filial, agência ou outro estabelecimento num Estado-Membro, considera-se, quanto aos litígios resultantes do funcionamento dessa filial, agência ou estabelecimento, que a entidade patronal tem o seu domicílio nesse Estado-Membro

Artigo 21.º
1. Uma entidade patronal domiciliada num Estado-Membro pode ser demandada:
a)- Nos tribunais do Estado-Membro em que tiver domicílio; ou

b)- Noutro Estado-Membro:
i)- no tribunal do lugar onde ou a partir do qual o trabalhador efetua habitualmente o seu trabalho, ou no tribunal do lugar onde efetuou mais recentemente o seu trabalho, ou
ii)- se o trabalhador não efetua ou não efetuava habitualmente o seu trabalho num único país, no tribunal do lugar onde se situa ou se situava o estabelecimento que contratou o trabalhador.
2. Uma entidade patronal não domiciliada num Estado-Membro pode ser demandada nos tribunais de um Estado-Membro nos termos do n.º 1, alínea b).

Artigo 22.º
1. A entidade patronal só pode intentar uma ação nos tribunais do Estado-Membro em que o trabalhador tiver domicílio.
2. O disposto na presente secção não prejudica o direito de formular um pedido reconvencional no tribunal em que, nos termos da presente secção, tiver sido intentada a ação principal.

Artigo 23.º
As partes só podem derrogar ao disposto na presente secção por acordos que:
1)- Sejam posteriores ao surgimento do litígio; ou
2)- Permitam ao trabalhador recorrer a tribunais que não sejam os indicados na presente secção.

E no art. 25º
1. Se as partes, independentemente do seu domicílio, tiverem convencionado que um tribunal ou os tribunais de um Estado-Membro têm competência para decidir quaisquer litígios que tenham surgido ou que possam surgir de uma determinada relação jurídica, esse tribunal ou esses tribunais terão competência, a menos que o pacto seja, nos termos da lei desse Estado-Membro, substantivamente nulo. Essa competência é exclusiva, salvo acordo das partes em contrário. O pacto atributivo de jurisdição deve ser celebrado:
a)- Por escrito ou verbalmente com confirmação escrita;
b)- De acordo com os usos que as partes tenham estabelecido entre si; ou
c)- No comércio internacional, de acordo com os usos que as partes conheçam ou devam conhecer e que, em tal comércio, sejam amplamente conhecidos e regularmente observados pelas partes em contratos do mesmo tipo, no ramo comercial concreto em questão.
2. Qualquer comunicação por via eletrónica que permita um registo duradouro do pacto equivale à «forma escrita».
3. O tribunal ou os tribunais de um Estado-Membro a que o ato constitutivo de um trust atribuir competência têm competência exclusiva para conhecer da ação contra um fundador, um trustee ou um beneficiário do trust, se se tratar de relações entre essas pessoas ou dos seus direitos ou obrigações no âmbito do trust.
4. Os pactos atributivos de jurisdição bem como as estipulações similares de atos constitutivos de trusts não produzem efeitos se forem contrários ao disposto nos artigos 15.º, 19.º ou 23.º, ou se os tribunais cuja competência pretendam afastar tiverem competência exclusiva por força do artigo 24.º.
5. Os pactos atributivos de jurisdição que façam parte de um contrato são tratados como acordo independente dos outros termos do contrato.
A validade dos pactos atributivos de jurisdição não pode ser contestada apenas com o fundamento de que o contrato não é válido.

Donde, conjugando o art. 23º com o art. 25º (da seção 7) concluímos que apenas é valido o pacto se permitir ao trabalhador recorrer a tribunais que não os indicados na seção 5. Isto significa que o pacto de competência é válido se conferir uma extensão da competência a menos que nos termos do foro convencionado o pacto seja nulo.

Ora, não existem elementos que permitam concluir pela nulidade do pacto em Inglaterra, pelo que o requisito do art. 25º encontra-se observado. Por outro lado, o pacto celebrado permite de facto ao trabalhador demandar a entidade patronal em Inglaterra, recorrendo a tribunais que não os da seção 5.

Atentemos na seção 5.

Como se vê da leitura destes preceitos o domicílio da trabalhadora ser em Portugal, ou ter sido na Bélgica durante a execução do contrato é absolutamente irrelevante, pois este não é o critério de determinação a competência precisamente por a ação ter sido intentada pelo trabalhador (já assim não seria se fosse o inverso, uma entidade patronal a demandar o trabalhador).

Assim sendo, o art. 21º coloca a primeira opção de competência no tribunal do estado membro onde a entidade patronal tem o seu domicílio. E tal levaria os autos para um tribunal Holandês. Porém o preceito contém um critério de competência opcional, podendo ser escolhido um outro estado membro desde que seja onde o trabalhador efetua habitualmente o seu trabalho ou efectuou o seu trabalho mais recente.

E o trabalho mais recente foi praticado em Portugal. O habitual na Bélgica.

Assim sendo. O que concluímos é que nos termos do regulamento um trabalhador pode demandar uma entidade patronal em qualquer estado membro onde tenha exercido o seu trabalho habitual, ou o mais recente, ou onde aquela tenha o seu domicílio. Ou seja, não fora o pacto de competência, e a A. poderia demandar a R. em Portugal, na Bélgica ou na Holanda, por força de qualquer uma das opções que a seção 5 lhe confere.

Fora destas situações ficam os pactos de competência que podem ser feitos para permitir uma outra escolha que não a que resulta da secção cinco. Ou seja, o pacto é válido se não obrigar a que o foro competente seja apenas um dos que resultam da aplicação da regra: por hipótese, o do domicilio da entidade patronal, pois nessa medida estaria a subverter a liberdade de escolha do trabalhador. Mas pode convencionar qualquer outro que não o indicado nessa seção. Que foi aliás o que as partes fizeram, ao convencionar Inglaterra e Pais de Gales.

E dado que não existe qualquer nulidade do mesmo, que haja conhecimento, no foro competente o pacto tem de ser observado, e como refere o preceito – art. 25º - essa competência é exclusiva.
Em suma. O pacto de competência é válido porque desde logo no tribunal do foro escolhido não impende qualquer nulidade sobre o mesmo, e porque permite alargar ao trabalhador a escolha do foro para dirimir conflitos a um outro que não o que consta da secção cinco, tendo as partes decidido que não pretendiam vincular-se a nenhuma das escolhas possíveis para a trabalhadora, ora A., mas optado por outra. E ao fazerem-no têm necessariamente de observar a escolha de competência que efectuaram dirimindo o seu conflito no tribunal de Inglaterra e Pais de Gales.

Parece pois evidente que a competência internacional para dirimir os autos em apreço não pertence aos tribunais portugueses, mas sim aos de Inglaterra e Pais de Gales.
***

Face ao exposto, o Tribunal julga procedente a invocada excepção de incompetência internacional, declarando-se a incompetência absoluta deste tribunal, absolvendo a R. da instância.   Custas pela A. – artigo 527.º do Código de Processo Civil.
Fica sem efeito o julgamento oportunamente agendado em audiência de partes.
Registe e notifique.”

Inconformada, a autora interpôs recurso de Apelação (fols. 387 a 400), apresentando as seguintes conclusões:
1ª. Discute-se no presente recurso se é válido um pacto de jurisdição que venha restringir o leque de opções de que, sem ele (pacto), o trabalhador disporia, ao abrigo das regras de competência internacional em matéria de contrato individual de trabalho previstas no Regulamento (UE) n.º 1215/2012, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de Dezembro de 2012, no que diz respeito ao número e localização dos tribunais onde o mesmo trabalhador possa propor acção emergente de contrato individual de trabalho.
2ª. A validade do pacto de jurisdição celebrado entre Recorrente e Recorrida é regulada pelas normas previstas naquele Regulamento, já que o presente litígio se inclui quer no âmbito objectivo, quer no âmbito subjectivo de aplicação do mesmo, conforme foi unanimemente assumido, em primeira instância, pela Autora, pela Ré e pelo Tribunal.
3ª. Nos termos do artigo 21.º do Regulamento, o trabalhador autor tem normativamente garantidas três possibilidades de escolha, no que diz respeito às localizações territoriais ao seu dispor para dar início a uma acção judicial emergente de contrato individual de trabalho: a) o lugar do domicílio do empregador; b) o lugar da prestação habitual de trabalho; e c) o lugar onde mais recentemente prestou trabalho.
4ª. Transpondo essas garantias para o caso dos autos, a Recorrente trabalhadora podia ter interposto a presente acção, respectivamente, a) nos tribunais da Holanda, onde a Recorrida tem sede; b) nos tribunais da Bélgica ou de Portugal, onde prestou trabalho para a Recorrida; ou c) nos tribunais de Portugal, onde prestou trabalho, por último, para a Recorrida.
5ª. Os tribunais portugueses são, por isso e sem mais, territorialmente competentes para conhecer do presente litígio.
6ª. Em matéria de contrato individual de trabalho, os pactos de jurisdição só são válidos se, de acordo com o artigo 23.º do Regulamento, observarem pelo menos uma das condições nele previstas.
7ª. Ora, no caso dos autos, nem os pactos de jurisdição foram firmados entre Recorrente e Recorrida depois do surgimento do litígio.
8ª. Nem os mesmos consistem, utilizando a terminologia do Regulamento, em acordo de “extensão” de competência,
9ª. Pois que ao invés de alargarem a competência que resulta do artigo 21.º do Regulamento, somando-lhe outros foros que não os aí previstos, os pactos dos autos suprimem a competência (qualquer competência) resultante daquele preceito.   10ª. Ora, não pode deixar de ser nulo pacto que erradica a possibilidade de acesso do trabalhador a qualquer das jurisdições que o legislador europeu considerou como sendo as mais adequadas a protegê-lo.
11ª. No caso concreto, a nulidade dos pactos de jurisdição celebrados entre Recorrente e Recorrida é agravada pelo facto de o foro escolhido pelas partes não ter o mínimo contacto, nexo ou relação com as partes em causa, nem com o litígio que as separa.
12ª. Por isso, no presente caso, o pacto de jurisdição não só eliminou quaisquer garantias conferidas pelo Regulamento à Recorrente trabalhadora,
13ª. Como o foro nele indicado corresponde a uma fixação de competência totalmente alheia às particularidades, características e elementos de conexão da relação jurídica, representando uma mera ficção de concessão de tutela.
14ª. Que é o mesmo que dizer, a ele presidiu, da parte da Ré empregadora, o intuito de desmotivar e esvaziar qualquer intenção de recurso aos tribunais.
15ª. Que com a segunda condição de validade prevista no artigo 23.º do Regulamento o legislador europeu impôs que o pacto de jurisdição só seria válido se aumentasse o número de foros ao dispor do trabalhador, conservando-se intocada a possibilidade de recurso aos foros constantes do artigo 21.º do mesmo normativo, resulta de todos os critérios gerais de interpretação da norma em causa.
16ª. Para tal aponta, desde logo, o elemento literal, pois que o artigo 23.º do Regulamento se refere aos tribunais “que não sejam os indicados na presente secção”, isto é, a tribunais para além deles, que a eles acrescem. Só assim se estende ou alarga a competência.
17ª. Para tal concorre, e decisivamente, o elemento teleológico, de protecção do trabalhador, necessitado de especial tutela enquanto contraente mais fraco, explicitamente afirmado no Considerando (18) do Regulamento.
18ª. Ora, entre os dois sentidos concebíveis em abstracto – a) o de serem válidos apenas os pactos de jurisdição que prevejam nova jurisdição e mantenham as garantias de jurisdição contempladas na Secção 5 do Regulamento ou b) o de serem válidos os pactos de jurisdição que prevejam nova jurisdição, mesmo que eliminem as garantias de jurisdição contempladas na Secção 5 do Regulamento – apenas o primeiro é convocado pelo elemento finalístico do favor laboratoris.
19ª. Para tal converge, para além do mais, o elemento sistemático, pois que do Regulamento (CE) n.º 593/2008, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de Junho de 2008, sobre a lei aplicável às obrigações contratuais (Roma I), se retira desígnio idêntico:
20ª. Do mesmo modo que se confere ao trabalhador o direito de acrescentar, aos foros que resultam do Regulamento 1215/2012, outro em que ele e empregador acordem, também ao nível da lei aplicável se permite que as partes escolham uma lei diferente da que se aplicaria na falta de escolha, conservando o trabalhador, em domínios essenciais, a protecção que resulta da lei que seria aplicável na falta de escolha.
21ª. E para tal concorre, por último, o elemento histórico, pois que o Regulamento marca a consagração de soluções mais favoráveis, em matéria de foro, que as previstas na legislação que o antecedeu (o Regulamento (CE) n.º 44/2001, do Conselho, de 22 de Dezembro de 2000), precisamente quando estejam em causa litígios em matéria de consumo ou de trabalho.
22ª. Por último, a sentença recorrida também erra quando convoca a aplicação do artigo 25.º do Regulamento,
23ª. Seja porque o mesmo apenas se aplica quando não seja claro se a competência que as partes atribuem a uma determinada jurisdição é ou não exclusiva, o que não é o caso,
24ª. Seja porque se trata de norma inserida no âmbito do regime geral de validade dos acordos de extensão da competência, que cede perante a necessária aplicação de regime jurídico especial, aqui correspondente ao referido artigo 23.º do Regulamento.
25ª. Assim decidindo, a sentença recorrida violou o disposto nos artigos 21.º e 23.º do Regulamento (UE) n.º 1215/2012, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de Dezembro de 2012,
26ª. Os quais devem ser interpretados no sentido de que, não se verificando nenhuma das imperativas condições de validade do pacto de jurisdição aí previstas, este padece de nulidade.
27ª. E devem ser interpretados no sentido de que os Tribunais portugueses são internacionalmente competentes para conhecer de litígio emergente de contrato individual de trabalho quando o trabalho foi prestado, habitualmente e por último, em território português
Nestes termos, deve ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão recorrida e substituindo-a por outra que julgue improcedente a excepção de incompetência internacional dos tribunais portugueses invocada, prosseguindo os autos os demais termos até final.

A ré contra-alegou (fols. 403 a 410) pugnando pela confirmação da decisão recorrida.

Correram os Vistos legais tendo a Digna Procuradora-Geral Adjunta do Ministério Público emitido Parecer fols. --- a fols. --- ), no sentido de -------.

VII Os elementos significativos para a decisão do recurso são as descritas no relatório anterior.

VIII Nos termos dos arts. 635º-4, 637º-2, 639º-1-2, 608º-2 e 663º-2, todos do CPC/2013, o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação; os tribunais de recurso só podem apreciar as questões suscitadas pelas partes, salvo se importar conhecê-las oficiosamente.

Atento o teor das conclusões das alegações apresentadas pela apelante, a questão que fundamentalmente se coloca no presente recurso é saber-se se os Tribunais do Trabalho Portugueses são competentes para conhecer dos pedidos formulados nos presentes autos, designadamente porque os pactos de jurisdição acordados entre autora e ré não são válidos por atribuírem competência exclusiva aos Tribunais Ingleses e Galeses.

IX Decidindo.
Não existe qualquer dissídio nos presentes autos, e bem, que é aplicável o Regulamento (CE) nº 1215/2012 de 12/12 e que, não fora a celebração, entre autora e ré, de dois pactos de jurisdição, por força do disposto nos arts. 20º e 21º do referido Regulamento, seriam competentes internacionalmente, os Tribunais Holandeses, Belgas e Portugueses, podendo a autora demandar a ré em qualquer um deles.

A questão a resolver prende-se, então, com a aplicabilidade, ou não, das ditas clausulas consubstanciando pactos de jurisdição aos Tribunais Ingleses e Galeses e se os mesmos Pactos excluem a competência dos Tribunais Holandeses, Belgas e Portugueses ou, se por outro lado, adicionam a competência aos Tribunais Ingleses e Galeses àqueles outros, ficando na disponibilidade da autora a escolha de um desses quatro tribunais.

As cláusulas contratuais em questão têm a seguinte redacção:
- Contrato de 13/11/2014 -“10.9 As partes acordam irrevogavelmente que os tribunais de Inglaterra e do País de Gales terão a jurisdição exclusiva para a resolução de qualquer litígio ou reclamação que surja de, ou em associação com, o presente acordo (incluindo litígios ou reclamações não contratuais) ”;
- Contrato de 4/5/2016 -“17. JURISDIÇÃO. 17.1 Os tribunais de Inglaterra e do País de Gales terão competência exclusiva para a resolução de qualquer litígio ou pedido decorrente ou relacionado com o presente Contrato, ou com o seu objecto ou formação (incluindo litígios ou pedidos extracontratuais) ”.

Defende a autora que tais cláusulas são nulas porque erradicam a possibilidade da autora recorrer às jurisdições decorrentes do art. 21º do Regulamento (CE) nº 1215/2012.

Não se vê como.

Decorre do art. 23º do Regulamento (CE) nº 1215/2012 a expressa possibilidade de derrogação do disposto no art. 21º do mesmo Regulamento verificadas que sejam as condições nele previstas, ou seja, no caso que agora interessa, a possibilidade de o “trabalhador recorrer a tribunais que não sejam os indicados na presente secção”. Ora na situação em análise, autora e ré acordaram na competência dos tribunais de Inglaterra e do País de Gales que, não são, precisamente, aqueles que resultam do disposto no art. 21º.

E não sendo contrários ao disposto no art. 23º do Regulamento (CE) nº 1215/2012, produzem efeitos, como se retira do disposto no art. 25º-4 do mesmo Regulamento.

Não existe, pois qualquer nulidade das referidas cláusulas de jurisdição.

Sustenta ainda a autora/apelante que as cláusulas de jurisdição só seriam válidas se aumentassem os foros ao dispor do trabalhador “conservando-se intocada a possibilidade de recurso aos foros constantes do art. 21º“.

Não acompanhamos este entendimento.

De facto, como se viu já, as partes podem, nos termos do art. 23º do Regulamento, afastar a competência que resulta do art. 21º do Regulamento.

E significativamente, naquele art. 23º estabelece-se que “As partes só podem derrogar ao disposto na presente secção por acordos que:…”   
  
Ora “derrogar” não significa “adicionar” ou “acrescentar”. Derrogar significa afastar, não manter.

Aliás, o art. 25º-1 do Regulamento dispõe muito claramente que a competência validamente convencionada “é exclusiva, salvo acordo das partes em contrário”.

Note-se que a terminologia “extensão de competência” constante da epígrafe do da secção 7 do Regulamento também não significa adicionar ou acrescentar. Quer tão só dizer atribuir a competência a outro tribunal/jurisdição que não seria competente não fora o acordo das partes nesse sentido. Se tal extensão de competência vai ser exclusiva ou concomitante isso vai depender do teor do acordo celebrado entre as partes.

E não colhe que este art. 25º-1 do Regulamento não é aplicável porque “o mesmo apenas se aplica quando não seja claro se a competência que as partes atribuem a uma determinada jurisdição é ou não exclusiva, o que não é o caso” ou “porque se trata de norma inserida no âmbito do regime geral de validade dos acordos de extensão da competência, que cede perante a necessária aplicação de regime jurídico especial, aqui correspondente ao referido artigo 23.º do Regulamento.”.

Manifestamente, o art. 25º-1 do Regulamento antes esclarece que se as partes nada disserem quanto à competência exclusiva em caso de acordo para atribuição de competência a terceiro Tribunal, essa competência é exclusiva. E também esclarece que as partes podem convencionar competência não exclusiva do terceiro tribunal.

Depois, é muito claro que o art. 25º, específico das extensões de competências, é também aplicável às situações previstas nos arts. 20º a 23º, como se alcança sem qualquer dificuldade do disposto no art. 25º-4 do Regulamento, onde se faz referência expressa ao art. 23º do Regulamento.

Não existindo qualquer nulidade nos pactos de jurisdição celebrados, sendo os mesmos também plenamente válidos e, tendo as partes até convencionado a competência exclusiva dos Tribunais de Inglaterra e do País de Gales, o que até sempre resultaria por falta de acordo em contrário, é de concluir, como se fez na sentença recorrida, que os Juízos do Trabalho de Lisboa são absoluta e internacionalmente incompetentes, não havendo razões para censurar o decidido.

Improcede, deste modo, a apelação.

X Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar a apelação improcedente confirmando a sentença recorrida
Custas, em ambas as instâncias, a cargo da autora.


Lisboa, 07-11-2018


DURO CARDOSO
ALBERTINA PEREIRA
LEOPOLDO SAORES