Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
9477/16.1T8LSB.L1-1
Relator: ROSÁRIO GONÇALVES
Descritores: JUSTIFICAÇÃO JUDICIAL
RECTIFICAÇÃO
REGISTO CIVIL
FILIAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/09/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: – A rectificação de um registo quando esteja em causa a identidade das pessoas ou o estabelecimento da filiação, nos termos do plasmado no art. 233º do Código de Registo Civil, deverá ocorrer em processo de justificação judicial e não em acção declarativa.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa.


1–Relatório:


O autor, A.. intentou acção declarativa de simples apreciação contra a ré, Maria… pedindo que seja declarado falso o Assento de Nascimento n.º ... da 3.ª Conservatória do Registo Civil do Porto de … de 1975 e, em consequência de tal declaração, ser declarada a inexistência da relação de filiação da Ré face ao de cujus, Pai do ora Autor, bem como, que seja ordenada a rectificação do registo de nascimento da Ré, em conformidade.

A fls. 60 dos autos, o tribunal advertiu o autor para a improcedência da acção face ao teor da matéria em discussão.

A fls. 63 v. veio o Autor reafirmar que a acção é pertinente.

A ré contestou a acção, pugnando pela improcedência da mesma.

A fls. 96 dos autos veio a final a ser proferida a seguinte decisão:
«Dir-se-á, em síntese conclusiva, a pretensão do Autor apenas poderá ser susceptível de superação por via de acção de registo, isto é, do chamado processo de justificação judicial e nunca através da presente acção.
Pelo exposto, julgando improcedente a presente acção absolve-se a Ré do pedido contra si formulado».

Inconformado recorreu o autor, concluindo as suas alegações:
A.– O presente recurso é interposto da sentença proferida nos presentes autos em 2 de Janeiro de 2016, nos termos da qual o douto Tribunal a quo julgou improcedente a presente acção e absolveu a Ré do pedido formulado contra si.
B.– O Autor, ora Apelante, entende que deveria ter sido outra a decisão do Tribunal a quo quanto à procedência dos presentes autos.
C.– Nos termos do artigo 644.º, n.º 1, alínea a), cabe recurso de apelação da decisão, proferida em 1.ª instância, que ponha termo à causa, o que sucedeu no caso vertente, pelo que, nessa medida, é o presente recurso legalmente admissível, à luz dos artigos 615.º, 627.º e 644.º, todos do CPC.
D.– A decisão do Tribunal a quo assenta na distinção entre acções de estado e acções de registo, concluindo aquele que a acção idónea para dar satisfação à pretensão do Autor era a acção de registo.
E.– Com todo o devido respeito, é firme entendimento do Autor que a acção por si proposta é a acção adequada para a sua pretensão e não, ao contrário do que conclui o douto Tribunal, a acção de registo.
F.– O Autor concorda com os termos da distinção propugnada pelo douto Tribunal mas considera, no entanto, que este labora em erro ao conformar a acção proposta pelo Autor como uma questão registal, a ser decidida em sede de uma acção de justificação judicial.
G.– Com efeito, tal como o douto Tribunal advoga, e o Autor concorda, o objecto das acções de estado consiste no apuramento real ou a modificação dos factos relativos ao estado das pessoas, ao passo que as acções de registo não incidem directamente sobre o facto registado, antes se reportam ao próprio acto de registo em si, visando suprir uma omissão, operar uma reconstituição avulsa ou declarar vícios de natureza formal que o afecta.
H.– Ora, a pretensão do Autor incide precisamente no apuramento da veracidade das informações contidas na certidão com base na qual a Ré se arroga a qualidade de filha e herdeira do de cujus, procurando, destarte, esclarecer o estado civil daquela.
I.– De facto, o objecto da presente acção prende-se com a declaração de falsidade do Assento de Nascimento n.º … da 3.ª Conservatória do Registo Civil do Porto de …de 1975, documento com base no qual a Ré dos presentes autos faz valer a sua alegada qualidade de herdeira no âmbito do Processo n.º …, que se encontra a correr termos no Juízo 8, Secção Cível da Instância Local da Comarca de Lisboa.
J.– Ou seja, o que o Autor pretende é a declaração de falsidade do documento objecto dos presentes autos e apenas em consequência de tal declaração, a rectificação e/ou cancelamento do registo.
K.– O cancelamento/rectificação do registo é apenas um efeito indirecto da declaração de falsidade do documento e não, como o douto Tribunal parece entender, o efeito principal procurado pelo Autor.
L.– Com a presente acção pretende o Autor, ora Apelante, obter a declaração de falsidade do documento objecto dos presentes autos e após tal declaração, ser o respectivo registo cancelado ou rectificado em conformidade, pelo que a presente acção é pertinente e adequado aos fins pretendidos.
M.– O entendimento do Tribunal a quo é, inclusivamente, contrário a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, num caso semelhante (aresto do STJ de 02/09/2006, no âmbito do Proc. N.º 05B3177) e a doutrina nesta matéria.
N.– Por outro lado, há que fazer-se notar que a instauração da presente acção se justificou pelo facto de, nos autos de inventário de onde procede a presente acção, o douto Tribunal ter entendido que a questão da falsidade do documento acima mencionado deveria ser tratada nos meios comuns, não obstante a questão da falsidade ter sido aí incidentalmente suscitada.
O.– Ora, no caso em apreço não era possível recorrer a qualquer acção de estado,
nomeadamente, e citando o douto Tribunal a quo, “a acções tendentes à impugnação da paternidade presumida, de investigação de paternidade, de investigação de maternidade ou de impugnação de perfilhação”.
P.– De facto, ao Autor, na qualidade de filho do de cujus, não é atribuída legitimidade para desencadear qualquer processo de averiguação, investigação ou de impugnação da paternidade relativamente à ora Ré.
Q.– É certo que, ao abrigo do artigo 1859.º do CC, o Autor teria, em abstracto, legitimidade para impugnar a perfilhação. Sucede que, no entanto, jamais ocorreu qualquer acto, dos previstos no artigo 1853.º do CC, tendente à efectivação da perfilhação, pelo que não poderia o Autor lançar mão deste instituto.
R.– De todo o modo, e caso o Tribunal entenda de outra forma, no sentido de dever subsumir-se o presente caso às regras da impugnação da perfilhação, sempre haveria de dar cumprimento ao princípio da prevalência das questões de substância sobre as de mera forma, como foi certeiramente enunciado pelo Tribunal da Relação de Lisboa em 5 de Março de 2011, no Acórdão proferido no processo n.º 3849/08.2TBOER.L1-7.
S.– Por outro lado, e salvo melhor entendimento, não poderia o Autor recorrer à acção de justificação judicial, porquanto não está em causa a rectificação do registo, isto é, não se trata de um erro no registo (no processo de registo em concreto) mas antes do registo (do seu conteúdo propriamente).
T.– Efectivamente, o processo de justificação judicial previsto no Código do Registo Civil é somente aplicável para com os erros surgidos no acto e processo de registo, mas já não quando aquilo que se pretende sindicar é o conteúdo do registo que não corresponde com a realidade – ou seja, erro no conteúdo do registo.
U.– Não sendo aqui colocados em causa a veracidade da identidade da registada e declarante (a ora Ré) mas sim o conteúdo do registo que, no entender do Autor, é falso.
V.– A esse propósito, é importante referir, ainda que sumariamente, as razões pelas quais o Autor, ora Apelante, considera que tal documento é falso ou, pelo menos, as que fazem questionar a sua veracidade. Assim, o documento em crise é falso por 3 ordens de razões, nomeadamente, as menções i) ao estado civil do de cujus, ii) à naturalidade do de cujus, e iii) à filiação da Ré, ora Apelada.
W.– Em primeiro lugar, a menção ao estado civil do de cujus como viúvo é totalmente falsa, pois, tal como consta da Certidão de Casamento e de Nascimento do de cujus junta pela Requerida Rosette…, então Cabeça de Casal, os nubentes António…, ora inventariado, e Maria R... celebraram casamento católico em primeiras (e únicas!) núpcias, a … de 1939.
X.– Em segundo lugar, é igualmente falsa a naturalidade inscrita no mesmo, pois a naturalidade correcta do de cujus não é Funchal mas sim Porto Moniz, duas divisões administrativas diversas e totalmente autónomas, o que, aliás, é também comprovado pela Certidão de Nascimento para Bilhete de Identidade do de cujus junta anteriormente aos presentes autos.
Y.– Finalmente, consta como apelido da mãe da Ré o nome “Gouveia”, o que não deixa de ser estranho na medida em que i) a progenitora da Ré não foi, em momento algum, casada com o de cujus, ii) nem o avô nem sequer a avó da Ré detinham esse particular apelido nos seus nomes, e iii) não foi possível apurar qualquer inscrição, registo ou correspondência com tal nome na Ilha da Brava por parte dos serviços do Arquivo Histórico de Cabo Verde.
Z.– Ao apontar discriminadamente estes vícios, resultantes do confronto imediato entre o documento utilizado pela Ré nos autos de inventário e o ora Apelante, a anterior e o actual Cabeça de Casal nos autos de inventário, aqui Apelante, suscitaram, verdadeiramente, o incidente de falsidade daquele documento.
AA.– O qual, no entender da anterior e do actual Cabeça de Casal, ora Apelante, deveria ter conduzido à declaração oficiosa da falsidade do documento em apreço, por ser evidente e manifestamente notório, nos termos do artigo 372.º do Código Civil (CC).
BB.– Note-se que as declarações constantes do documento foram prestadas, pasme-se, pela própria Ré, como resulta da Certidão de Nascimento de Cópia Integral emitida pela Conservatória do Registo Civil de Nova Lisboa do Estado de Angola, e que consta do Ofício do Instituto dos Registos e Notariado de 13 de Maio de …, junto ao presente recurso e para onde se remete e, ademais, testemunhadas por pessoas que não têm qualquer relação de parentesco, afinidade ou qualquer outra com o de cujus.
CC.– Ora, tanto quanto se sabe, qualquer pessoa poderia ter testemunhado as declarações prestadas pela ora Apelada junto dos serviços registais competentes à altura, sem que daí, no entanto, resulte que tais factos declarados correspondem à verdade.
DD.– Note-se que não consta da referida certidão, curiosamente, qualquer assinatura, nem da Ré, ora Apelada, nem de qualquer das testemunhas…
EE.– Por outro lado, saliente-se a resposta dada pelo Instituto dos Registo e Notariado ao ofício ordenado pelo Tribunal nos autos de inventário, nos termos da qual a questão da falsidade das declarações não pode ser esclarecida por parte da Conservatória – ou seja, se fosse manifesto que não existiria qualquer dúvida quanto à qualidade de filha da Ré, ora Apelada, a Conservatória teria, simplesmente, informado desse facto.
FF.– Não o tendo feito, Instituto dos Registo e Notariado referiu, na verdade, que as questões suscitadas deveriam ser esclarecidas pela própria, certamente porque, por um lado, as inconsistências apontadas têm cabimento e, por outro lado, porque foi com base nas declarações da Ré, ora Apelada, que o documento em crise foi registada.
GG.– Foi, aliás, neste contexto que suscitou a realização da prova pericial hematológica, por considerar ser esta a melhor forma de esclarecer qualquer dúvida relativamente ao vínculo jurídico entre Autor e Ré e, nessa medida, dar satisfação à pretensão do Autor nos presentes autos, qual seja o de ser declarada a falsidade (ou não) do documento objecto dos mesmos, mas, sobretudo, o de por fim a uma situação de incerteza – de resto, a finalidade das acções de simples apreciação.
HH.– Exame pericial a que a Ré jamais aceitou submeter-se, ao contrário do que sucede com respeito ao Autor.
II.– A prova pericial hematológica é unanimemente considerada pela jurisprudência como a melhor forma para esclarecer a filiação, sendo inequívoca a sua importância e o seu relevo.
JJ.– Em suma, contrariamente ao defendido pelo Tribunal a quo, entende o Autor, ora Apelante, que a presente acção declarativa de simples apreciação é o meio idóneo e adequado à satisfação da sua pretensão, em cumprimento do princípio de que a cada direito corresponde uma acção.
KK.– Tal como supra se disse, o Autor, ora Apelante, não pretende, primacialmente, sindicar um erro no acto de registo corporizado no documento em crise, mas antes atacar o conteúdo do mesmo, por considerar, justa e razoavelmente, que o mesmo, pelas razões adiantadas supra referidas, é falso ou que a sua veracidade é razoavelmente duvidosa.
LL.– A única maneira de esclarecer essa dúvida é pela via da acção declarativa de simples apreciação, a qual visa, precisamente, o encerrar de um estado de dúvida, sendo razoável concordar que tal existe no caso sub judice.
MM.– Com efeito, não pode olvidar-se que o reconhecimento da paternidade acarreta efeitos pessoais e patrimoniais deveras importantes pelo que é absolutamente essencial garantir e assegurar que o que consta dos registos nessa matéria corresponde, efectivamente, à realidade dos factos.
NN. Tal essencialidade reveste também importância para impedir o chamado fenómeno da “caça à fortuna”.
OO.– É que no caso em concreto, não pode deixar de impressionar que a Ré, só passados largos anos venha dar início ao processo de inventário, fazendo valer-se de um documento que resulta de declarações prestadas por si e testemunhado por pessoas totalmente desconhecidas do ora Autor, sem qualquer garantia de veracidade, e repleto de incongruências e falsidades.
PP.– Assim, deverá o presente recurso ser julgado admissível e, nessa senda, declarando que o meio processual adoptado pelo Autor, ora Apelante, é adequado e que o Tribunal a quo deverá conhecer da pretensão formulado pelo Autor, ora Apelante.

Por seu turno, contra-alegou a ré.
– O douto recurso à sentença do tribunal de 1ª instância não tem fundamentos válidos e credíveis, porque a posição do recorrente não tem suporte para a alteração da sentença do tribunal a quo.
– A pretensão do recorrente consubstancia uma acção de registo e não uma acção declarativa de simples apreciação, como é a dos autos.
– As acções de registo têm por objecto o acerto ou desacerto de um acto de registo - a omissão, a inexistência jurídica, a nulidade ou o erro de elaboração; e, as acções de estado pessoal o apuramento real do facto registado ou registando.
– O objecto das acções de estado é o do apuramento real ou a modificação dos factos relativos ao estado das pessoas.
– O pedido do recorrente declaração de falsidade do Assento de Nascimento é impossível obter nos presentes autos porque um terceiro não pode interferir directamente na realidade registal e filial de uma pessoa sem a intervenção do Ministério Publico e/ou do Conservador sob pena de ofender as regras de interesse e ordem pública.

Foram colhidos os vistos.

2–Cumpre apreciar e decidir:

As conclusões de recurso delimitam o seu objecto, conforme resulta do teor das disposições conjugadas dos artigos 608º, nº2, 5º, 635º e 639º todos do CPC.

A questão a dirimir consiste em aquilatar se a presente acção declarativa de simples apreciação é o meio idóneo para declarar a falsidade do assento de nascimento.

A factualidade pertinente para a decisão é a constante do presente relatório para o qual se remete.

Vejamos:

Discorda o apelante do despacho proferido, na medida em que entende que com a presente acção pode obter a declaração de falsidade do documento e após, ser o respectivo registo cancelado ou rectificado em conformidade.

Ora, o documento em causa reporta-se ao assento de nascimento da ré.

Nos termos constantes do art. 1º do Código de Registo Civil, entre outros, o nascimento e a filiação são objecto de registo obrigatório.

E face ao disposto no nº. 1 do art. 3º do mesmo diploma legal, a prova resultante do registo civil quanto aos factos que a ele estão obrigatoriamente sujeitos e ao estado civil correspondente não pode ser ilidida por qualquer outra, a não ser nas acções de Estado e nas acções de registo.

Nos termos constantes no nº. 2 do art. 4º do CPC., as acções declarativas podem ser de simples apreciação, de condenação ou constitutivas.

As acções de simples apreciação visam obter unicamente a declaração da existência ou inexistência de um direito ou de um facto.

Estas acções podem ser positivas ou negativas.

São positivas quando o autor pretende que o tribunal declare a existência de um direito e negativas quando o autor requer que seja declarado que o direito não existe ou que determinado facto não ocorreu.

No caso vertente, pretende o apelante que se declare a falsidade do assento de nascimento da ré, com base no qual a mesma assume a qualidade de herdeira no âmbito de um processo de inventário que correrá os seus termos.

Está em causa, como o mesmo indica, o conteúdo do próprio registo que apelida de falso, ou seja, a realidade registal atinente à filiação de uma pessoa.   

Como se alude no Ac. do TRL. de 9-1-2007, in http://www. «A falsidade do registo consiste em apresentar-se como inscrição um facto que nunca se verificou».

Porém, para se chegar a uma tal conclusão necessário se torna, um processo reportado ao próprio acto de registo em si mesmo, visando suprir os eventuais vícios.

A rectificação dos registos pode ocorrer nos termos plasmados nos artigos 93º e 94º do Código de Registo Civil, por via administrativa e judicial, mediante decisão proferida em processo de justificação judicial quando se suscitem dúvidas acerca da identidade das pessoas a quem o registo respeita.

As acções de registo, reportam-se ao próprio acto de registo em si, visando suprir omissões ou declarando os vícios que os afectam.
Como se diz no despacho proferido, seguindo o explanado no Ac. do STJ. de 13-5-2003, in http://www.dgsi.pt. «A jurisprudência tem, por seu turno, considerado que as acções de registo têm essencialmente por objecto o acerto ou o desacerto de um acto de registo, por exemplo a omissão, a inexistência jurídica, a nulidade ou o erro de elaboração, e as acções de estado pessoal o apuramento real do facto registado ou registando (Acs. do STJ, de 4.4.78, BMJ, nº. 276, pág. 287; de 7.6.77, BMJ, nº. 268, pág. 229; de 26.11.81, BMJ, nº. 311, pág. 398, e de 7.6.94, BMJ, nº. 438, pág. 365).

O objecto das acções de registo é portanto a correcção de erros, o suprimento das omissões e a declaração das consequências dos vícios dos actos de registo civil, e o objecto das acções de estado o apuramento real ou a modificação dos factos relativos ao estado das pessoas.

Dir-se-á que as acções de registo, ao invés das acções de estado pessoal, não incidem directamente sobre o facto registado, antes se reportam ao próprio acto de registo em si, visando suprir uma omissão, operar uma reconstituição avulsa ou declarar vícios de natureza formal que o afectam.

Os termos da referida distinção não obstam, como é natural, a que por via de uma acção de registo ocorra o efeito indirecto de alteração de um estado pessoal tal como consta do registo e que duma acção de estado pessoal resulte a modificação de um acto de registo».

Ora, a rectificação de um registo quando esteja em causa a identidade das pessoas ou o estabelecimento da filiação, nos termos do plasmado no art. 233º do Código de Registo Civil, deverá ocorrer em processo de justificação judicial e não em acção declarativa, como foi o caso.

O apelante não poderá assim arguir a declaração de falsidade do assento de nascimento, sem que a mesma tivesse sido suscitada na respectiva conservatória ou suscitada pelo Ministério Público, pois, estão em causa interesses de ordem pública, que não podem ser afastados pelas partes, sem a obediência aos meios processuais adequados.

Só através da competente tramitação de acção registal se poderá aquilatar da rectitude ou não do conteúdo do assento de nascimento da ré.

E ainda que houvesse alguma rectificação a operar, a mesma só por si, também não conduziria desde logo, ao afastamento da filiação, pois, para tal também existe a competente acção de impugnação de paternidade.

O apelante jamais poderia através de uma acção declarativa superar etapas legais, não sendo aqui aplicável o princípio da prevalência das questões de substância sobre as de mera forma.
Com efeito, para colocar em causa o conteúdo do registo de nascimento da ré, o apelante não tem legitimidade para tal, já que se trata de um terceiro, não sendo a sua própria vontade que impera.

E nem se diga, como o invoca o apelante, que este entendimento seja contrário ao seguido no Ac. do STJ. de 9-2-2006, in http://www., na medida em que as situações são diferentes. Neste acórdão estava em causa a força probatória de um documento autêntico, dizendo-se no mesmo que, os factos abrangidos pela força probatória do documento autêntico ficam por ele plenamente provados e esta prova só é ilidível mediante a arguição e prova da falsidade, através da acção de simples apreciação.

Destarte, o recurso à presente acção não é o meio adequado para conhecer da pretensão do autor, decaindo na totalidade as conclusões do recurso apresentado.

Em síntese:
– A rectificação de um registo quando esteja em causa a identidade das pessoas ou o estabelecimento da filiação, nos termos do plasmado no art. 233º do Código de Registo Civil, deverá ocorrer em processo de justificação judicial e não em acção declarativa.

3–Decisão:
Nos termos expostos, acorda-se em julgar improcedente a apelação, mantendo-se o despacho proferido.
Custas a cargo do apelante.


Lisboa,09-01-2018


Rosário Gonçalves
José Augusto Ramos
Manuel Marques