Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
440/16.3T8SCR.L1-6
Relator: TERESA PARDAL
Descritores: EMBARGO DE OBRA NOVA
MANIFESTA IMPROCEDÊNCIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/19/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: -Num embargo de obra nova, não alegando o requerente factos que integrem qualquer das restrições previstas no CC à construção de obra pelo proprietário do prédio vizinho, nem outros factos que integrem outras restrições legais, a providência cautelar é manifestamente improcedente.
-Não há lugar ao despacho de aperfeiçoamento previsto no artigo 590º nº4 do CPC, pois este se destina a obter uma alegação que complete ou precise factos que já existem e não para os casos de manifesta improcedência da acção.

(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial: Acordam os Juizes, do Tribunal da Relação de Lisboa.


RELATÓRIO:


M… intentou contra J… a presente providência cautelar de embargo de obra nova, alegando, em síntese, que é dono de um prédio urbano que construiu há 18 anos e que é a sua casa de morada de família há mais de 15 anos, ininterrupta e pacificamente, o qual confronta a sul com um imóvel do requerido, onde este, no dia 16 de Junho de 2016, deu início a obras ilegais, que consistem na ampliação da moradia em altura e profundidade, com a construção de um sótão habitável, em alvenaria, com pelo menos 3 metros de altura, encobrindo toda a vista sul da casa do requerente, tapando por completo as janelas dos dois quartos de dormir e impedindo assim a entrada de luz solar, ficando a casa encurralada, sombria e desvalorizada, com violação do PDM e do CC e da servidão de vistas do requerente.

Mais alegou que as obras estão a ser realizadas sem licenciamento, pois, apesar do parecer negativo do Chefe de Divisão e Planeamento, sobre a informação de início de obra do requerido, recaiu um despacho de deferimento sem qualquer fundamentação e contra as normas do RJUE, tendo porém o ora requerente dirigido uma reclamação ao Presidente da Câmara em 20 e 21 de Junho de 2016 e deduzido um pedido de embargo de obra nova em 24 do mesmo mês, mas tendo o requerido continuado com a obra, sem que a Câmara Municipal tenha actuado e ordenado a sua demolição.
      
Concluiu alegando que estão preenchidos os requisitos da providência cautelar de embargo judicial de obra nova previstos no artigo 397º do CPC e pedindo que a sua procedência e da servidão de vistas do requerente, com a suspensão dos trabalhos e demolição todas as obras.  

Citado o requerido, veio este deduzir oposição alegando, em síntese, que a obra em causa já se encontra concluída há um mês, não havendo utilidade na prossecução da providência cautelar, que deve ser julgada improcedente; alegou ainda que a obra em causa constitui apenas a substituição da cobertura da sua moradia e foi precedida de prévio requerimento à Câmara Municipal, que foi deferido, destinando-se a eliminar infiltrações, para o que foi levantada a cumeeira central do telhado em 65 cm, eliminando-se uma parte da cobertura não abrangida pelo telhado e um acesso externo ao sótão e criando-se um acesso interno, sendo que o sótão não é habitável e que a obra junto à partilha do prédio manteve exactamente a mesma altura que tinha o telhado anterior, localizando-se o aumento da cumeeira a mais de 4 metros da partilha, para além de que o prédio construído pelo requerente não respeitou as distâncias legais, tendo sido construído com a abertura de janelas a cerca de 85 cm do prédio do requerido e das quais agora se serve para se opor à obra, com manifesto abuso de direito.

Concluiu pedindo a improcedência da providência cautelar, porque a obra já está concluída, porque a providência não tem fundamento legal e porque existe abuso de direito do requerente. 
Foi dispensada a produção de prova, por despacho onde se declarou que, mesmo que fosse produzida e provada a factualidade alegada, não estariam reunidos os pressupostos necessários à procedência da providência requerida e determinou a notificação das partes para, querendo, se pronunciarem em 10 dias sobre esta posição, o que as partes fizeram, alegando o requerente que estão reunidos os necessários pressupostos e que a obra não está concluída e alegando o requerido o contrário.

Seguidamente foi proferida decisão que julgou improcedente a providência cautelar, indeferindo-a.
                                                          
Inconformado, o requerente interpôs recurso e alegou, formulando conclusões com os seguintes argumentos:
-Está indiciariamente provado que o prédio identificado no artigo 1º da PI constitui casa de morada de família do requerente e do seu agregado familiar há mais de 15 anos sem oposição de quem quer que seja.
-As obras do requerido tiveram início no dia 16 de Junho de 2016, na sequência do deferimento do pedido, pela Câmara Municipal, em 14/06/2016.
-O requerido está a ampliar a sua moradia com a construção de um sótão habitável, com, pelo menos, 3 metros de altura.
-A obra do requerido encobre por completo toda a parte sul da moradia do requerente, vedando-lhe qualquer vista das janelas dos quartos de dormir que dão para a referida obra.
-Permitindo ao requerido a devassa do prédio do requerente, impedindo a entrada de luz solar na sua habitação e deixando a casa encurralada e desvalorizada.
-A obra em causa impede assim o normal uso e fruição da habitação do requerente.
-O prejuízo a que se refere o artigo 397º nº1 do CPC não carece de valoração autónoma, encontrando-se ínsito na ofensa do direito e consistindo exactamente nessa ofensa.
-O requisito de “lesão grave e dificilmente reparável” previsto no artigo 381º do CPC não é aplicável às providências especificadas, como o embargo de obra nova.
-A verificação da ocorrência do requisito “obra não concluída” deve verificar-se aquando da entrada da providência cautelar em juízo, sob pena de a norma legal ficar destituída de qualquer valor e finalidade, sendo certo que, de qualquer forma, a obra não está concluída, encontrando-se o requerido a executar trabalhos na obra, nomeadamente o revestimento de paredes.
-Estão assim verificados todos os requisitos necessários à procedência da providência cautelar: a titularidade do direito de propriedade do requerente, a sua ofensa por obra nova, obra essa em curso à data da apresentação da providência e o consequente dano.
-Os procedimentos cautelares devem ser articulados de forma simples, sumária e concisa, face à sua natureza urgente, mas, entendendo o tribunal recorrido que a PI é parco de factos concretos que indiquem se o requerente beneficia de uma servidão de vistas e se esse direito é afectado pela construção do requerido, deveria ter convidado o requerente a suprir essas insuficiências, ao abrigo do artigo 590 nº4 do CPC.
-Deve a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que ordene o decretamento da providência cautelar ou, se assim não se entender, que ordene o prosseguimento dos autos e a realização das diligências probatórias requeridas, seguindo-se os ulteriores termos até final. 
                                                         
O apelado não contra-alegou.

As questões a decidir são:
I)Requisitos da providência cautelar.
II)Prosseguimento dos autos com despacho de aperfeiçoamento.
                                                           
FACTOS.

São os seguintes os factos considerados provados pela decisão recorrida:
1.-O prédio urbano localizado ao Sítio …, Ribeira Seca, Machico, prédio de habitação, tendo o rés-do-chão duas divisões, uma cozinha, um wc e no primeiro andar quatro divisões, destinado a habitação, com 330,00 m2 de área, está inscrito na matriz predial respectiva sob o artigo …, figurando como titular inscrito M….
2.-O prédio referido em 1. constitui a casa de morada de família do requerente e do seu agregado familiar, há mais de quinze anos, sem oposição de quem quer que seja, de forma ininterrupta e à vista de todas as pessoas.
3.-O prédio referido em 1. tem a configuração que se exibe na fotografia de fls 8 e confronta a norte com Estrada …, a sul com J…, a este com JC… e a oeste com CT….
4. O prédio confronta a sul com o prédio do requerido sito ao Caminho …, nº…, Sítio…, Ribeira Seca.
5.-Com data de 17 de Junho de 2016, M… apresentou um requerimento dirigido ao presidente da Câmara Municipal de Machico em que participou contra J…, residente ao Caminho …, nº…, Machico, por estar a executar uma obra e a tapar as janelas e toda a frente da sua casa.
6.-Por ofício de 14 de Junho de 2016, o chefe da divisão do planeamento, urbanismo e ambiente da Câmara Municipal de Machico, dirigiu a J… uma comunicação dando conta que relativamente ao requerimento para substituição da cobertura da moradia e registado sob o número …, de acordo com o despacho de 2016-06-09, do presidente da Câmara Municipal, R…, o pedido foi deferido.
7.-No dia 16 de Junho de 2016, o requerido deu início a obras no prédio referido em 4., designadamente obras de substituição da cobertura da moradia com levantamento da altura da cumeeira central do telhado em pelo menos mais cerca de 65 cm. 
                                                          
ENQUADRAMENTO JURÍDICO.

I)-Requisitos da providência cautelar.

Nos termos do artigo 397º nº1 do CPC, são requisitos para a procedência do embargo de obra nova que o requerente seja titular de direito de propriedade ou de outro direito real ou pessoal de gozo ou da posse, que esse direito tenha sido prejudicado ou haja ameaça de ser prejudicado, como consequência de obra, trabalho ou serviço novo.

No caso dos autos, o requerente alega que o seu direito sobre o imóvel que constitui a sua casa de morada de família há vários anos está a ser ofendido pela obra levada a cabo pelo requerido no seu imóvel, que confronta a sul com o prédio do requerente.

Para o efeito, invoca o requerente que a obra do requerido viola normas do PDM e do CC, mas não indica quais.

Poderia tal omissão ser eventualmente suprível, já que o tribunal não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, mas sim apenas aos factos alegados (artigo 5º do CPC).

Só que, no que respeita à alegação de factos, nada foi alegado pelo requerente quanto ao PDM e, quanto ao CC, os factos alegados não integram qualquer fundamento previsto neste diploma para a oposição à obra realizada por vizinho de prédio confinante, pois o facto de a obra do requerido tapar o sol e as vistas do prédio não é fundamento previsto no CC para oposição, nem os factos alegados correspondem a uma devassa do prédio pela obra impugnada.

Com efeito, por força do artigo 1305º do CC, o proprietário goza plenamente do seu direito, usando, fruindo e dispondo das coisas que lhe pertencem, dentro dos limites da lei e com observância das restrições por ela impostas, entre as quais as regras de vizinhança previstas no mesmo código.

É assim que o artigo 1360º nº1 do CC estabelece que o proprietário que levantar uma construção no seu prédio não pode abrir nela janelas ou portas que deitem directamente sobre o prédio vizinho, sem deixar entre este e a obra um intervalo de metro e meio, a fim de evitar a sua devassa, mas o requerente não alegou que o requerido abriu qualquer janela ou porta sobre o seu prédio, não podendo, portanto, proceder a sua pretensão com o fundamento de devassa do seu prédio.

Por seu lado, o artigo 1362º do CC estabelece que, relativamente ao prédio com janelas abertas para o prédio vizinho em contravenção com as regras legais, após ter adquirido o direito de as manter nessas condições por servidão de vistas ou por outro título, não pode o vizinho levantar edifício ou construção sem deixar a distância de metro e meio.

Mas, da mesma forma, o requerente não alega as características e medidas das suas janelas (o que teria igualmente consequências nas supra indicadas restrições à construção nos termos do artigo 1363), nem alega qual a distância a que as mesmas estão do prédio vizinho, nem ainda que adquiriu o direito de as manter e que o requerido levantou a sua construção a uma distância menor do que a permitida por lei, relativamente às mesmas janelas.

O que o requerente alega é que ficou sem vistas e com menos sol, fundamento que, como já se referiu, não existe no CC, o qual usa a expressão “servidão de vistas” não para atribuir ao seu titular um direito sobre a vista do prédio, mas sim sobre o direito a usufruir de janelas que devassam o prédio vizinho (P. Lima e A. Varela CPC anotado, III, página 219).

Nem se poderá considerar que, da alegação do requerido no sentido de que tem tolerado a abertura de janelas do prédio do requerente a uma distância inferior à legal, se poderá retirar uma confissão e retirar os factos omitidos na PI, uma vez que o requerido alega também que a sua obra não violou as distâncias impostas por lei.

Alega também o requerente que a obra não está licenciada, mas é o próprio requerente que igualmente alega que o pedido do requerido foi deferido pela Câmara Municipal.

E, se é certo que o deferimento da Câmara Municipal (e mesmo o licenciamento) não obstaria ao decretamento do embargo caso houvesse fundamento no âmbito da violação das regras do CC sobre as restrições de vizinhança, tal fundamento não existe, conforme já se expôs.

A acção é, portanto, manifestamente improcedente.
                                                           
II)Prosseguimento dos autos com despacho de aperfeiçoamento.

Alega ainda o apelante que, entendendo o tribunal que a matéria de facto alegada não é suficiente, deveria ter proferido despacho a convidar ao aperfeiçoamento, nos termos do artigo 590º nº4 do CPC.

O despacho de aperfeiçoamento a que se refere o referido nº 4 do artigo 590º estatui que ao juiz incumbe convidar ao suprimento das imprecisões ou concretização da matéria de facto alegada.

Contudo, no presente caso, não se verifica uma insuficiência ou imprecisão da matéria de facto, mas sim uma manifesta improcedência da acção, que não pode ser suprida com um despacho de aperfeiçoamento, tendo em atenção que não foi alegado nenhum dos fundamentos previstos no CC para a procedência da providência, mas sim um fundamento que não poderia nunca levar ao seu decretamento.

E o aperfeiçoamento serve para completar ou precisar algo que já vem alegado, mas não para dar oportunidade à parte para alegar uma causa de pedir nova (Francisco Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, volume II, página 184 e Lebre de Freitas, CPC anotado, ainda no âmbito do regime anterior, volume 2º, página 384).

Não há, assim, lugar ao aperfeiçoamento da petição inicial.
               
                                          
DECISÃO.


Pelo exposto, decide-se julgar improcedente a apelação e confirma-se a sentença recorrida.                                                      
Custas pelo apelante.



Lisboa, 2017-01-19


 
Maria Teresa Pardal
Carlos Marinho
Anabela Calafate
Decisão Texto Integral: