Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1001/14.7TVLSB.L1-1
Relator: ISABEL FONSECA
Descritores: INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE
CADUCIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/26/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1. Na sequência do acórdão do Tribunal Constitucional nº 23/2006 – que declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma vertida no art. 1817°, nº1 do Cód. Civil na medida em que prevê, para a caducidade do direito de investigar a paternidade, um prazo de dois anos a partir da maioridade do investigante – e atenta a supressão dessa norma da ordem jurídica, impunha-se encontrar solução para o vazio legislativo gerado;
2. É lícito ao legislador ordinário conformar o exercício do direito a instaurar ação de investigação, mormente por via da fixação de limites temporais; ponto é que o regime estabelecido não impossibilite ou dificulte excessivamente o exercício maduro e ponderado do direito ao estabelecimento da paternidade biológica; afasta-se, pois, a tese da imprescritibilidade da ação de investigação de paternidade;
3. O prazo fixado pelo legislador para a instauração da ação de investigação de paternidade, de 10 anos segundo o art. 1817º, nº1, do Cód. Civil, na redação dada pela Lei 14/2009 de 01-04, tem como dies a quo a data em que o investigante atingiu a maioridade, como expressamente decorre do preceito;
4. Não tem fundamento convocar o regime previsto no art. 297º, nº1 do Cód. Civil para sustentar que o prazo em causa se deve contar “a partir da entrada em vigor da nova lei” – isto é, a partir de 02-04-2009 – nos casos em que a ação de investigação foi proposta decorridos mais de 30 anos depois do investigante autor atingir a maioridade (e não sendo invocado qualquer circunstancialismo subsumível aos nºs 2 e 3 do art. 1817º); tendo o autor nascido a 15-10-1962 e atingido a maioridade em 15-10-1980, à data em que instaurou a ação de investigação de paternidade (24-06-2014), há muito se mostrava extinto, por caducidade, o direito de interpor esta ação.
(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa.

  

1. RELATÓRIO:



P. Miguel P. F. intentou a presente ação de investigação da paternidade contra curador especial a nomear pelo Tribunal, P. , Jorge M., Maria H. (…) e Maria Teresa , pedindo que seja declarado que é filho de P. de S. M., ordenando-se o averbamento no registo civil do autor desta filiação e a dos avós paternos, nos termos legais.

Os réus P. (…) contestaram, excecionando a caducidade do prazo para a propositura da ação de investigação de paternidade.

O autor pronunciou-se quanto à exceção invocada.

Proferiu-se sentença que concluiu nos seguintes termos:
“Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, ao abrigo das disposições conjugadas dos arts. 1817°, nº1, 1873° e 333°, n° 1 do CC e 576°, nºs 1 e 3, 579° e 595°, n° 1, b) do CPC, julgo verificada a exceção de caducidade do prazo para a propositura da presente ação de investigação de paternidade e, consequentemente:
a) Absolvo os RR. do pedido.
***
Custas pelo A.
***
Notifique”.

Não se conformando, o autor apelou formulando as seguintes conclusões:

1 ª.- A decisão recorrida invoca existir uma lacuna, quanto ao prazo da acção de investigação de paternidade, por força da declaração de inconstitucionalidade constante no Ac. 23/2006, antes da entrada em vigor da Lei 14/09, fixadora do prazo de 10 anos - e tal lacuna, atento este prazo-regra, deveria ser colmatada por um igual, contando-o desde o início da maioridade do autor, ora recorrente, ocorrida em 1980.
2ª.- Assim, preenchendo o alegado caso omisso, a sentença estabelece a regra segundo a qual, o prazo para o A. ter instaurado esta acção é o de 10 anos após a sua maioridade, ocorrida em 1980 - pelo que, tendo decorrido tal prazo, sem nele ter sido instaurada esta acção, caducou o direito e vão os RR. absolvidos.
3ª.- Porém, ao contrário do afirmado e pressuposto na sentença, a norma do n.º 1 do artº 1.817.º, aplicável ex vi art.º 1.873.º, do Cód. Civil, na redacção de 1966, não vigorou até ao Acórdão n.º 23/2006, do Tribunal Constitucional- mas apenas até à entrada em vigor das normas da Constituição que, contrárias àquela regra, a tornaram inválida, o que ocorreu em 25 de Abril de 1976, assim, por força do disposto nos arts. 290.º n.º 2, 282.º n.º 2 e 296.º n.º 2 da CRP.
4ª.- A sentença não apresenta quais as razões - de segurança ou outras - demonstrativas, a partir das normas e princípios da CRP, ou do direito ordinário, da existência de uma lacuna, causada pela eliminação da regra do n.º 1 do art.º 1.817.º do CC/1966.
5ª.- Se existisse lacuna, impositiva de uma regulação, por razões de segurança, equidade ou interesse público, a única autoridade legitimada para o declarar seria o TC, pelo Acórdão 23/2006 que, nesse caso, poderia e deveria ter limitado o alcance da nulidade, daquela regra do direito ordinário, nos termos do n.º 4 do art.º 282.º da CRP - o que não sucedeu.
6ª.- A força, o alcance prático dos efeitos normativos daquela declaração de inconstitucionalidade, do art.º 281.º n.º 3 (''fiscalização abstracta"), uma vez proferida, não podem ser alterados pelo legislador, nem pelo próprio Tribunal Constitucional, menos ainda pelos restantes tribunais.
7ª.- Assim, quando no Acórdão 23/2006 o Tribunal Constitucional não restringiu o alcance temporal ou outro, decorrente da eliminação da norma do n.º 1 do art. 1.817.º do Cód. Civil, emitiu um consciente e deliberado juízo de abertura irrestrita às acções de investigação, ressalvados, nos termos do próprio n.º 3 do art. 282.º, os casos julgados ou aqueles em que o decurso do tempo anterior a 25 de Abril de 1976 já havia esgotado o prazo da até aí válida norma.
8ª.- A ausência de limite quanto aos efeitos da declaração de inconstitucionalidade do n.º 1 do art.º 1.817.º, do Cód. Civil, pelo Acórdão 23/2006, está em coerência, desde logo, com a própria Constituição, na qual os interesses tradicionalmente invocados para restringir aquele direito de investigação de paternidade não têm maior preponderância do que os direitos à identidade pessoal e conhecimento do progenitor, o direito de constituir família, o direito de não discriminação por nascer fora do casamento, o direito ao livre desenvolvimento da personalidade, todos ali consagrados (arts. 26.º nº 1, 36.º nºs 1 e 4, da CRP).
9ª.- De resto, a total abertura (ressalvados casos julgados ou os que já em 25 de Abril de 1976 haviam esgotado o prazo de 2 anos de caducidade), assim intencionalmente deixada pelo Acórdão 23/2006, ao revogar a norma do prazo sem ter usado do poder de limitar este efeito, encontra-se também em coerência com o direito civil, onde se salientam, justamente em matéria de relações familiares e hereditárias, a irrenunciabilidade do direito a alimentos (art.s 2.008.º n.º 1 do Cód. Civil), bem como do exercício "a todo o tempo" da acção de petição de herança e respectiva qualidade, do art. 2.075.º nº 2, bem como prazos que permitem acção de investigação até depois do falecimento do investigado, como decorre dos nºs 3 e 4 do art. 1.817.º na redacção actual do Cód. Civil, as quais, bem poderiam invocar-se como casos análogos, nos termos e para os efeitos como manda os nºs 1 e 2 do art. 10.º do CC.
10ª.- Portanto, a sentença mostra-se equivocada e apresenta um erro de direito, quando acaba por revogar, violando logo aí, o próprio n.º3 do art.281.º da CRP, os efeitos do Acórdão 23/2006, invocando uma lacuna jurídica realmente inexistente à luz do Acórdão, da Constituição e do direito civil, acima citado, que constituem, no seu conjunto, os casos análogos e "espírito do sistema", pressuposto no art. 10º, nºs 1,2 e 3, do Cód. Civil, normas assim também violadas.
11ª.- A sentença, na interpretação que faz destes preceitos e dos efeitos do Acórdão 23/2006, viola frontalmente e desobedece ao alcance deste mesmo Acórdão - uma vez que não lhe é lícito fixar limites temporais restritivos para o exercício da acção, corrigindo o Acórdão, tanto mais que este, podendo tê-lo feito, não o fez.
12ª.- Mesmo que não se julgue assim, nenhuma lacuna existe, maxime porque, o direito de investigar a paternidade, para todos os efeitos legais de obter a qualidade de filho, de acordo com a Constituição, designadamente na sua consagração do direito a conhecer o progenitor e identidade pessoal (art.s 26.º n.º 1), direito a constituir família (art.s 36.º n.º 1), direito ao livre desenvolvimento da personalidade (art.s 26º nº 1), direito a não discriminação por nascer fora do casamento (art.s 36.º n.º 4) e de acordo com os princípios de proibição desproporcionadas a estes direitos (art.s 18.º n.º 3) e ao próprio direito de aceder à justiça, atempada e célere, sem injustificados entraves processuais ou de prazo, dizia-se, o direito a esta acção não pode estar limitado pelo referido prazo de 10 anos.
13ª.- Aquela norma, quando aplicada ao autor, ora recorrente, a partir da sua maioridade, como foi no caso, pressupõe uma regra de prazo de contagem dez anos, que é inconstitucional, por violar, desde logo, estes preceitos constitucionais, como acima alegado e pelas acrescidas razões doutamente invocadas na declaração de voto do Conselheiro S. Ribeiro, no Acórdão 401/2011, do Plenário do TC, e dos demais Ex.mos Conselheiros a ela aderentes.
14.ª - Mas mesmo que não se conclua assim, e sem prescindir, a sentença apresenta uma norma que aplica à decisão, igual à do art. 1.817.º n.º 1 do Cód. Civil, mas numa interpretação retroactiva à data em que o A atingiu a maioridade, a qual é violadora dos princípios fundamentais da certeza, segurança, proporcionalidade e dos próprios direitos à dignidade humana e ao livre desenvolvimento da personalidade, proibição de retroactividade na restrição de direitos fundamentais (designadamente, art.? 18º n.º3 da CRP), ao estabelecer que o exercício do direito a investigar a paternidade tivesse de depender da capacidade de previsão, pelo A, da lacuna alegada e da regra que, agora, e à posteriori o Tribunal declara, exigindo-lhe adivinhar uma regra em sentido contrário ao da jurisprudência do STJ posterior aos Acórdão 23/2006 e Acórdão 24/2012.
15ª.- Portanto, não existe lacuna a necessitar de uma regra como a criada pela sentença, mas, mesmo que não se julgue assim, o que se não aceita, a criação pelo Juiz, de um prazo-regra de 10 anos, decalcado da Lei 14/2009, e contado com efeitos retroactivos à menoridade do ora recorrente, seria sempre uma regra violadora, no mínimo, do n.º 3 do art. 18.º da CRP - que proíbe a retroactividade de normas restritivas de direitos fundamentais.
16ª.- Este tipo de regra, que o art.? 3.º da Lei 14/09 dispunha para os casos pendentes, mandando-lhes aplicar o prazo de 10 anos após a maioridade, foi declarado inconstitucional CAco 24/2012), por decisão dotada da mesma força cogente e normativa que o Ac. 23/2006, isto é, ambos como actos normativos de vinculação obrigatória e geral, nos termos do art. 281 º nº 3 da CRP.
17ª.- Pelas mesmas razões da decisão constante no Acórdão 24/2012 - ou seja, é proibida pelo art.? 18.º n.º 3 da CRP a interpretação do novo art. 1.817.º n.º 1 do Cód. Civil, de modo a contar o prazo desde a pretérita maioridade do ora recorrente - tem de concluir-se, igualmente, que regra criada e aplicada pela sentença, quando afirma que o autor, ora recorrente, disporia de 10 anos após a maioridade para exercer o direito em causa, viola aquele mesmo normativo, do nº 3 art. 18.º da CRP.
18ª.- A única interpretação daquela nova regra que a sentença apresenta e/ou da nova redacção do nº 1 do art. 1817º do CC, consiste em, por força das razões constantes no Acórdão 23/2006 e no Acórdão 24/2012, aplicar-se o prazo novo e o facto a partir do qual ele se conta, inteira e unicamente para o futuro - como, aliás, decorre do disposto no art. 12.º nºs 2 e 3 e art. 297.º do Cód. Civil, combinado com o n.º 3 do art. 18.º da CRP, sendo ilícita outra interpretação que retire ao A/recorrente o direito em causa, por violar esta regra, bem como os princípios constitucionais da protecção da confiança e proporcionalidade, resumidos, por exemplo, no Acórdão 241/2015, de 29 de Abril de 2015, 2.ª Secção do TC (em especial, o seu n.º21, aqui dado por reproduzido, com a devida vénia).
APARTIR DAQUI DEIXEI DE ASSINALAR AS IDEIAS CHAVE
19ª.- Com efeito, o autor, ora recorrente, não pode ficar proibido de exercer o direito ora em causa, por causa e a partir da Lei 14/09 - uma vez que até aí, não existia prazo válido para o efeito - nem sequer por causa de idêntica norma criada agora pela decisão recorrida, sendo absolutamente desproporcionado e violador daqueles princípios, que de um dia para o outro, assim, através da contagem do novo prazo a partir do facto passado da sua maioridade, lhe seja negado o direito fundamental de investigar e fixar a paternidade.
20º - Devendo sempre declarar-se que o facto de o A ter atingido a maioridade em 1980 não pode ser regulado pela nova lei/regra de prazo - proibição de irretroactividade imposta pelo n.º 3 do art. 18.º da CRP, bem como nos art. 12º nº 1 e 2 e art. 297º nº 1, do Cód. Civil, pelo que a acção encontra-se dentro do novo prazo de 10 anos, que se conte para o futuro, como deve ser, após a sua entrada em vigor.
21.º - Acresce que, a norma criada pela sentença viola o principio da igualdade perante a lei, do art.º13.º da CRP, e da unidade do sistema jurídico nela implícita, pois, discrimina negativamente, e sem sério fundamento material, proibindo o exercício do direito de acção aos que, como o caso do A, à data do inicio da vigência da Lei 14/2009 não haviam instaurado a acção, ao passo que, o prazo/norma de 10 anos daquela Lei, integrado pelo princípio de proibição da sua aplicação retroactiva aos processos pendentes, conforme declaração do Acórdão n.º24/2012 do TC, permite que, quem haja instaurado até então, a acção, mesmo que ultrapassando o prazo que a sentença agora declara (maioridade+l0anos), pode exercer o direito em causa.
22.º- Ora, reiterando o afirmado acima nas conclusões 12.ª e 13.ª, sobre a inconstitucionalidade do prazo de 10 anos estabelecido na redacção actual do n.ºl do art. 1.817.º do CC, e se mais não houvesse, nunca uma norma violadora, afinal e também, do princípio da igualdade, tem validade constitucional e pode ser aplicada pelos Tribunais, por infracção ao art.º13.º e ainda da própria matriz de Estado de Direito, que designadamente, art.vs 2.º e 3.º n.º3 da CRP estabelecem.
Termos nos quais, e nos melhores doutamente supridos, deve revogar-se a decisão recorrida, declarando-se que o direito do Autor/recorrente mostra-se exercido em prazo tempestivo, improcedendo a caducidade e devendo prosseguir a acção os seus termos, corno é, e se pede, de inteira JUSTIÇA!

Foram apresentadas contra-alegações.

Cumpre apreciar.

II. FUNDAMENTOS DE FACTO.

A primeira instância deu por assente a seguinte factualidade:
1. O autor. nasceu no dia 15.10.62, em Lisboa, e encontra-se registado como sendo filho de Maria da Piedade P. F., encontrando-se omissa a respetiva paternidade (doe, de fls. 31 a 33).
2. A presente ação de investigação de paternidade foi proposta pelo autor em 24.06.14.

III. FUNDAMENTOS DE DIREITO.

1. Sendo o objeto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pelo apelante e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras – arts. 635º e 639º do novo C.P.C. [ [1] ] – salientando-se, no entanto, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito –  art.º 5º, nº3 do mesmo diploma.
No caso, impõe-se apreciar apenas da verificação da exceção de caducidade do direito de instaurar ação de investigação de paternidade.

2. Em breve nótula [ [2] ] impõe-se alusão ao quadro desenhado pelo legislador e pela jurisprudência, nomeadamente a do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) e Tribunal Constitucional (TC), que antecedeu a entrada em vigor da Lei nº 14/09 de 01-04 [ [3] ], e no que concerne ao prazo para a proposição da ação de investigação de maternidade/paternidade, relevando ainda o período subsequente porquanto, como se verá, há questões que ainda estão em aberto.
O art. 1817.º do Cód. Civil – diploma a que aludiremos quando não se fizer menção de origem –, aplicável às ações de investigação de paternidade ex vi do disposto no art. 1873º, dispunha que a ação “só pode ser proposta durante a menoridade do investigante ou nos dois primeiros anos posteriores à sua maioridade ou emancipação” (nº1) [ [4] ].
Convocado a pronunciar-se o TC, pelo acórdão nº 23/2006 de 10-01 [ [5] ] declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da citada norma (art. 1817°, nº1) “na medida em que prevê, para a caducidade do direito de investigar a paternidade, um prazo de dois anos a partir da maioridade do investigante, por violação das disposições conjugadas dos artigos 26°, nº 1, 36°, nº 1 e 18°, nº 2 da Constituição da República Portuguesa”.
Perante o vazio legislativo assim criado, a jurisprudência divergiu entre repristinar o direito anterior (art. 282º da Constituição da República Portuguesa) [ [6] ] [ [7] ], aplicar às ações em causa o prazo geral de prescrição de 20 anos (art. 309º) [ [8]  ], considerar a existência de uma lacuna na lei, a preencher pelo julgador (muitos apontavam então o prazo de 10 anos, como se dá nota na decisão recorrida, sendo que posteriormente foi esse o prazo que o legislador veio acolher) e, por último, solução mais favorável aos investigantes e que é a tese propugnada pelo apelante, entender que a ação de investigação podia ser intentada a todo o tempo [ [9]  ].
É neste contexto que surge a Lei 14/2009 que deu nova redação ao art. 1817.º, passando o preceito a dispor, sob a (mesma) epígrafe “[p]razo para a proposição da acção”, como segue:
 “1 - A acção de investigação de maternidade só pode ser proposta durante a menoridade do investigante ou nos dez anos posteriores à sua maioridade ou emancipação.
 2- Se não for possível estabelecer a maternidade em consequência do disposto no artigo 1815.º, a acção pode ser proposta nos três anos seguintes à rectificação, declaração de nulidade ou cancelamento do registo inibitório.

 3- A acção pode ainda ser proposta nos três anos posteriores à ocorrência de algum dos seguintes factos:
a) Ter sido impugnada por terceiro, com sucesso, a maternidade do investigante;
b) Quando o investigante tenha tido conhecimento, após o decurso do prazo previsto no n.º 1, de factos ou circunstâncias que justifiquem a investigação, designadamente quando cesse o tratamento como filho pela pretensa mãe;
c) Em caso de inexistência de maternidade determinada, quando o investigante tenha tido conhecimento superveniente de factos ou circunstâncias que possibilitem e justifiquem a investigação.

4 - No caso referido na alínea b) do número anterior, incumbe ao réu a prova da cessação voluntária do tratamento nos três anos anteriores à propositura da acção” [ [10]  ].
Ainda assim, o STJ, em diversos arestos, manteve o juízo de inconstitucionalidade já anteriormente formulado, agora com reporte ao prazo de 10 anos emergente da redação conferida pela Lei 14/2009, pelas (mesmas) razões substanciais já apontadas no ac. TC nº 23/2006 considerando-se, basicamente, que a substituição do prazo em causa – de dois para dez anos – não introduziu alteração relevante, pelo que se impunha concluir que a fixação de tais prazos de caducidade, condicionantes da instauração de ação de investigação de maternidade/paternidade, são inconstitucionais porque violadores, de forma desproporcional, dos direitos fundamentais consagrados nos arts. 16º, nº1, 18º, nº2 e 26º, nº1 da CRP [ [11] ].
O certo, porém, é que não foi esse o entendimento que teve o TC que, pelo acórdão nº 401/2011 decidiu, em plenário, após entendimentos divergentes das secções, “ [n]ão julgar inconstitucional a norma do artigo 1817.º, n.º 1, do Código Civil, na redação da Lei n.º 14/2009, de 1 de Abril, na parte em que, aplicando-se às ações de investigação de paternidade, por força do artigo 1873.º, do mesmo Código, prevê um prazo de dez anos para a propositura da ação, contado da maioridade ou emancipação do investigante” [ [12] ].
Sendo certo que esse julgamento de não inconstitucionalidade foi sendo posterior e reiteradamente afirmado noutras pronúncias deste Tribunal [ [13] ] pelo que, neste contexto, perante a constância da referida orientação jurisprudencial  [ [14] ], afigura-se-nos ser de seguir a mesma (art. 8º, nº3 do Cód. Civil), tanto mais que proveniente de entidade que tem, no domínio da apreciação da constitucionalidade, a última palavra.     

3. Feita esta resenha, voltemos, então, ao caso em apreço.

Afastando-se liminarmente a hipótese contemplada nos números 2 e 3 do preceito (art. 1817º), porquanto o apelante não invocou qualquer facto pertinente, nem sequer contextualizado nesses termos o exercício do seu direito, está em causa saber se no caso concreto se coloca sequer questão alusiva ao cômputo do prazo, no que concerne à ponderação do respetivo dies a quo.

Compreende-se a posição do apelante: concluindo que o regime anterior à Lei 14/2009 assentava na imprescritibilidade da ação de investigação de paternidade, então a fixação de um (qualquer) prazo pelo legislador implicaria contar com a regra vertida no art. 297º, nº1 [ [15] ] [ [16] ]. E, com este enquadramento, o apelante sustenta que “[a] única interpretação daquela nova regra que a sentença apresenta e/ou da nova redacção do nº 1 do art. 1817º do CC, consiste em (…) aplicar-se o prazo novo e o facto a partir do qual ele se conta, inteira e unicamente para o futuro - como, aliás, decorre do disposto no art. 12.º nºs 2 e 3 e art. 297.º do Cód. Civil, combinado com o n.º 3 do art. 18.º da CRP (…)” – 18ª conclusão. Assim, o aludido prazo de 10 anos, contados desde a data de entrada em vigor da nova lei, atingiria o seu terminus em 02-04-2019, pelo que necessariamente improcederia a exceção invocada.

Acontece que o apelante parte de pressuposto que não pode ter-se por firmado.

Efetivamente, como a Meritíssima Juiz indicou na decisão recorrida, nunca o TC aderiu à tese defensora da imprescritibilidade das ações de investigação de paternidade, o que ficou evidenciado no acórdão nº 23/2006. A leitura do apelante, no sentido de que “quando no Acórdão 23/2006 o Tribunal Constitucional não restringiu o alcance temporal ou outro, decorrente da eliminação da norma do n.º 1 do art. 1.817.º do Cód. Civil, emitiu um consciente e deliberado juízo de abertura irrestrita às acções de investigação, ressalvados, nos termos do próprio n.º 3 do art. 282.º, os casos julgados ou aqueles em que o decurso do tempo anterior a 25 de Abril de 1976 já havia esgotado o prazo da até aí válida norma” – conclusão 7ª – é claramente desconforme com a realidade que o texto desse aresto evidencia [ [17] ] [ [18] ].

Acresce que nos afastamos desse entendimento, não se aderindo à tese da desconformidade constitucional da previsão de prazos de caducidade para a instauração da ação de investigação. Sopesando os vários interesses em presença – muito linearmente, tutela da segurança jurídica [ [19]  ] versus o direito à identidade pessoal [ [20] ] – afigura-se-nos ser lícito ao legislador ordinário conformar o exercício deste direito, mormente por via da fixação de limites temporais; ponto é que o regime estabelecido “não impossibilite ou dificulte excessivamente o exercício maduro e ponderado do direito ao estabelecimento da paternidade biológica” [ [21] ].

A este propósito, salienta-se que em diversas ocasiões o TC destrinçou entre legislação restritiva e legislação meramente conformadora, aceitando-se que a circunstância da lei prever um certo prazo para a caducidade da ação de investigação pese embora possa significar “uma certa afetação negativa de posições jurídicas subjetivas que a CRP, em vários lugares (nomeadamente, nos artigos 26º ou 36º), protege”, “[t]al não significa que essa afetação negativa seja constitucionalmente censurável” [  [22] ].

Neste contexto, falece a estrutura argumentativa do apelante, não se justificando convocar o regime do art. 297º, nº1, alusivo à alteração de prazos, nos termos propostos pelo apelante.

É que aquando da publicação da lei 14/2009, há muito havia precludido o direito do autor instaurar ação de investigação de paternidade em face do regime que antecedeu esse diploma, quer se pondere o prazo de 10 anos, considerado por alguma jurisprudência, quer se pondere o prazo geral de 20 anos, razão pela qual é irrelevante a específica tomada de posição por esta Relação quanto a essa questão.

Assim, à data em que essa lei foi publicada, o prazo em causa já se havia esgotado/completado mesmo segundo a lei antiga, não tendo cabimento considerar que, por força da nova lei e dos termos em que o apelante pretende se proceda ao cômputo do prazo, este se renovou, conferindo-se ao apelante (nova) oportunidade de exercício do direito. Com o art. 297º, nº1 e como decorre da regulação aí estabelecida – mormente o disposto na parte final do nº1 do preceito – , o legislador pretendeu simplesmente acautelar a posição do titular do direito, por via da fixação de um critério “simples e equitativo” [ [23] ] e não introduzir uma forma de prolongar prazos fixados no domínio da lei anterior e reportados a situações jurídicas já consolidadas, como acontece no caso: o autor atingiu a maioridade em 15-10-1980, a lei 14/2009 foi publicada em 1 de abril e o autor instaurou a presente ação em 24-06-2014, aliás já depois do óbito do pretenso pai, ocorrido a 12-07-2013 (cfr. documento de fls. 23 e 23 dos autos), ou seja, entre a data em que o autor atingiu a maioridade e a instauração da ação, decorreram mais de 30 anos.

Neste contexto, não é aceitável – constituindo solução que o legislador claramente afastaria – admitir que um direito de ação que o autor deixou caducar pudesse (no futuro) voltar a ser exercido, ressuscitado por via de alteração legislativa do prazo respetivo aliada a uma específica regra de cômputo desse prazo.
 
Em suma, não tem fundamento convocar o regime previsto no art. 297º, nº1 do Cód. Civil para sustentar que o prazo em causa se deve contar “a partir da entrada em vigor da nova lei” – isto é, a partir de 02-04-2009 – nos casos em que a ação de investigação foi proposta decorridos mais de 30 anos depois do investigante autor atingir a maioridade. Tendo o autor nascido a 15-10-1962 e atingido a maioridade em 15-10-1980, à data em que instaurou a ação de investigação de paternidade (24-06-2014), há muito se mostrava extinto, por caducidade, o direito de interpor esta ação [ [24] ].

Não se visualiza, pois, na sentença recorrida, o erro de apreciação apontado pelo apelante afigurando-se-nos que é o recorrente e não a Meritíssima Juiz a interpretar abusivamente o acórdão do TC nº 23/2006 – cfr. a 11ª conclusão.

4. Quanto ao mais que o apelante invoca, trata-se de argumentação que o TC já apreciou – e afastou – como ressalta, nomeadamente, do acórdão nº 401/2011 a que supra aludimos, pelo que entendemos dispensável repetir as razões aí expressas, remetendo-se ainda para o que já se deixou exposto.

Sem prejuízo, duas notas se impõem.

O apelante invoca que “a criação pelo Juiz, de um prazo-regra de 10 anos, decalcado da Lei 14/2009, e contado com efeitos retroactivos à menoridade do ora recorrente, seria sempre uma regra violadora, no mínimo, do n.º 3 do art. 18.º da CRP - que proíbe a retroactividade de normas restritivas de direitos fundamentais” – 15ª conclusão. Ora, não decorre da decisão recorrida – como não decorre deste acórdão –, que se tenha aplicado retroativamente o art. 1817º, nº1, em violação do que dispõe o art. 18º, nº3 da CRP [ [25] ], ponderando o sentido autêntico do termo [ [26] ].

Por outro lado, também não se vislumbra qualquer violação do princípio da igualdade, que pressupõe o tratamento diferenciado de idênticas situações jurídicas. O alcance do acórdão nº24/2012 é limitado à indagação da conformidade constitucional da norma de direito transitório constante do art. 3º da Lei 14/2009, não tendo o TC estabelecido qualquer conexão com o regime que emerge do art. 297º, que esteve completamente à margem da apreciação aí feita.
 
*

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, mantendo a sentença recorrida.
Custas pela apelante.
Notifique.


Lisboa, 26-01-2016

                                       
(Isabel Fonseca)                                       
(Maria Adelaide Domingos)                                        
(Eurico José Marques dos Reis)



[1]Aprovado pela Lei 41/2013 de 26/06, em vigor desde 1 de Setembro de 2013.
[2]Só pontualmente interessa dar conta de antigas querelas uma vez que a presente ação foi instaurada muito depois da entrada em vigor da Lei nº 14/09: a ação foi instaurada em 2014, tendo o investigante, nessa data, 51 anos e é perante este quadro factual que importa resolver o litígio.
[3]A Lei entrou em vigor em 02-04-2009, nos termos do art. 2º (dia seguinte ao da publicação).
[4]Continuava o preceito:
“2.Se não for possível estabelecer a maternidade em consequência do disposto no artigo 1815.º, a acção pode ser proposta no ano seguinte à rectificação, declaração de nulidade ou cancelamento do registo inibitório, contanto que a remoção do obstáculo tenha sido requerida até ao termo do prazo estabelecido no número anterior, se para tal o investigante tiver legitimidade.
3.Se a acção se fundar em escrito no qual a pretensa mãe declare inequivocamente a maternidade, pode ser intentada nos seis meses posteriores à data em que o autor conheceu ou devia ter conhecido o conteúdo do escrito.
4- Se o investigante for tratado como filho pela pretensa mãe, sem que tenha cessado voluntariamente esse tratamento, a acção pode ser proposta até um ano posterior à data da morte daquela; tendo cessado voluntariamente o tratamento como filho, a acção pode ser proposta dentro do prazo de um ano a contar da data em que o tratamento tiver cessado.
5- Se o investigante, sem que tenha cessado voluntariamente o tratamento como filho, falecer antes da pretensa mãe, a acção pode ser proposta até um ano posterior à data da morte daquele; tendo cessado voluntariamente o tratamento como filho antes da morte deste, é aplicável o disposto na segunda parte do número anterior.
6- Nos casos a que se referem os n.os 4 e 5 incumbe ao réu a prova da cessação voluntária do tratamento no ano anterior à propositura da acção”. 
[5]Acessível in www.tribunalconstitucioal.pt, como todos os adiante referidos;
[6]Artigo 282º
(Efeitos da declaração de inconstitucionalidade ou de ilegalidade)
1. A declaração de inconstitucionalidade ou de ilegalidade com força obrigatória geral produz efeitos desde a entrada em vigor da norma declarada inconstitucional ou ilegal e determina a repristinação das normas que ela, eventualmente, haja revogado.
2. Tratando-se, porém, de inconstitucionalidade ou de ilegalidade por infracção de norma constitucional ou legal posterior, a declaração só produz efeitos desde a entrada em vigor desta última.
3. Ficam ressalvados os casos julgados, salvo decisão em contrário do Tribunal Constitucional quando a norma respeitar a matéria penal, disciplinar ou de ilícito de mera ordenação social e for de conteúdo menos favorável ao arguido.
4. Quando a segurança jurídica, razões de equidade ou interesse público de excepcional relevo, que deverá ser fundamentado, o exigirem, poderá o Tribunal Constitucional fixar os efeitos da inconstitucionalidade ou da ilegalidade com alcance mais restrito do que o previsto nos n.os 1 e 2.
[7]Solução afastada pela maioria da jurisprudência, porquanto se traduziria em repristinar o regime do Código de Seabra, considerado desajustado conforme se deu conta, nomeadamente, no ac. RC de 23-06-2009, processo 1000/06.2TBCNT.C1 (Relator Teles Pereira) acessível in www.dgsi.pt.; cfr. ainda o ac. da mesma Relação de 11-01-2011, processo 146/08.7TBSAT.C1, do mesmo relator, acessível no mesmo local.   
[8]Essa foi a solução propugnada, embora noutro contexto, no ac. RC de 11-01-2011, já aludido.
[9]Essa foi a posição genericamente adotada pelo STJ. Cfr., a título meramente exemplificativo, o ac. STJ de 03-07-2008, processo: 07B3451 (Relator: Pires da Rosa), acessível in www.dgsi.pt, em que se alude como segue:
“Faz sentido, faz todo o sentido, porquanto seja qual for a posição que se adoptasse antes do culminar dessa evolução doutrinal e jurisprudencial quanto à questão de saber quais os efeitos da propositura da acção de impugnação da perfilhação inibitória no prazo registado para propor a acção de investigação – (…)– é preciso repensar hoje a questão à luz daquilo que, com força obrigatória geral, foi considerado inconstitucional pelo acórdão TC nº23/2006.
E então é preciso dizer que, se bem que este acórdão se tenha limitado a julgar inconstitucional o nº1 do art.1817º (aplicável à investigação de paternidade por força do que dispõe o art.1873º ), a verdade é que acentua claramente a ideia da imprescritibilidade das acções de reconhecimento de um estado pessoal, por um indeclinável respeito pelo direito fundamental à identidade pessoal consagrado no nº1 do art.26º da Constituição da República”.
Saliente-se que, com o devido respeito, se discorda da leitura feita quanto ao aludido acórdão do TC, sendo que o TC, em diversos arestos e como adiante melhor se verá, expressou não ser correta essa leitura.  
[10]Acresce a norma de direito transitório constante do art. 3º da referida lei, que manda aplicar aos processos pendentes à data da sua entrada em vigor o prazo previsto na nova redação do artigo 1817.º do Código Civil. Novamente convocado a pronunciar-se, em recurso interposto para o Plenário do Tribunal ao abrigo do artigo 79.º-D da LTC (Lei n.º 28/82, de 15 de novembro), sobre esta norma de direito transitório, veio o TC, pelo acórdão nº 24/2012 “[j]ulgar inconstitucional a norma constante do artigo 3.º da Lei n.º 14/2009, de 1 de abril, na medida em que manda aplicar, aos processos pendentes à data da sua entrada em vigor, o prazo previsto na nova redação do artigo 1817.º nº 1, do Código Civil, aplicável por força do artigo 1873.º do mesmo Código”.
[11]Cfr., entre muitos outros, o ac. STJ de 10-01-2012, processo 193/09.1TBPTL.G1.S1 (Relator: Moreira Alves), de 14-01-2014, processo 155/12.1TBVLC-A.P1.S1 (Relator: Martins de S.) e de 16-09-2014, processo 973/11.8TBBCL.G1.S1 (Relator: Hélder Roque), todos acessíveis in www.dgsi.pt.
[12]Acórdão proferido por sete votos a favor e cinco contra. Em sede de fundamentação, pode aí ler-se:
“8. A questão da constitucionalidade do prazo previsto no artigo 1817.º, n.º 1, do Código Civil
O limite temporal em causa no presente recurso é o prazo de caducidade estabelecido no artigo 1817.º, n.º 1, do Código Civil, aplicável às acções de investigação de paternidade, por força da remissão constante do artigo 1873.º, n.º 1, do mesmo diploma, segundo o qual essas acções só podem ser propostas durante a menoridade do investigante ou nos dez anos posteriores à sua maioridade ou emancipação.
Contudo, o alcance deste prazo só pode ser compreendido numa ponderação integrada do conjunto de prazos de caducidade estabelecidos nos diversos números do artigo 1817.º, do Código Civil.
Embora o disposto em todos estes preceitos não integre o objecto da questão de constitucionalidade que nos ocupa, o seu conteúdo não pode deixar de ser tido em consideração na apreciação da norma impugnada, uma vez que a sua eficácia flanqueadora tem interferência no alcance extintivo do prazo de caducidade sob fiscalização. Os efeitos da aplicação deste prazo, só podem ser medidos, na sua devida extensão, se ponderarmos também a latitude com que são admitidas, no regime envolvente daquela norma, causas que obstem à preclusão total da acção de investigação, por força do decurso do prazo geral de dez anos, após a maioridade.
Ora, enquanto no n.º 2 se estabeleceu que se não fosse possível estabelecer a maternidade em consequência de constar do registo maternidade determinada, a acção já podia ser proposta nos três anos seguintes à rectificação, declaração de nulidade ou cancelamento do registo inibitório, no n.º 3 permitiu-se que a acção ainda pudesse ser proposta nos três anos posteriores à ocorrência de algum dos seguintes factos: a) ter sido impugnada por terceiro, com sucesso, a maternidade do investigante; b) quando o investigante tenha tido conhecimento, após o decurso do prazo previsto no n.º 1, de factos ou circunstâncias que justifiquem a investigação, designadamente quando cesse o tratamento como filho pela pretensa mãe; c) e em caso de inexistência de maternidade determinada, quando o investigante tenha tido conhecimento superveniente de factos ou circunstâncias que possibilitem e justifiquem a investigação.
Como já acima se explicou, os prazos de três anos referidos nos transcritos n.º 2 e 3 do artigo 1817.º do Código Civil, contam-se para além do prazo fixado no n.º 1, do mesmo artigo, não caducando o direito de proposição da acção antes de esgotados todos eles. Isto é, mesmo que já tenham decorrido dez anos a partir da maioridade ou emancipação, a acção é ainda exercitável dentro dos prazos previstos nos n.º 2 e 3; inversamente, a ultrapassagem destes prazos não obsta à instauração da acção, se ainda não tiver decorrido o prazo geral contado a partir da maioridade ou emancipação.
Isto significa que o prazo de dez anos após a maioridade ou emancipação previsto no n.º 1 do artigo 1817.º do Código Civil não funciona como um prazo cego, cujo decurso determine inexoravelmente a perda do direito ao estabelecimento da paternidade, mas sim como um marco terminal de um período durante o qual não opera qualquer prazo de caducidade.
Verdadeiramente e apesar da formulação do preceito onde está inserido ele não é um autêntico prazo de caducidade, demarcando antes um período de tempo onde não permite que operem os verdadeiros prazos de caducidade consagrados nos n.º 2 e 3, do mesmo artigo.
Face ao melindre, à profundidade e às implicações que a decisão de instaurar a acção de investigação da paternidade reveste, entende-se que num período inicial após se atingir a maioridade ou a emancipação, em regra, não existe ainda um grau de maturidade, experiência de vida e autonomia que permita uma opção ponderada e suficientemente consolidada.
Apesar de na actual conjuntura a cada vez mais tardia inserção estável no mundo profissional poder acarretar falta de autonomia financeira, eventualmente desin­centivadora de uma iniciativa, por exclusiva opção própria, a alegada falta de maturidade e experiência do investigante perde muito da sua evidência quando se reporta aos vinte e oito anos de idade, ou um pouco mais cedo nos casos de emancipação. Neste escalão etário, o indivíduo já estruturou a sua personalidade, em termos suficientemente firmes e já tem tipicamente uma experiência de vida que lhe permite situar-se autonomamente, sem dependências externas, na esfera relacional, mesmo quando se trata de tomar decisões, como esta, inteiramente fora do âmbito da gestão corrente de interesses.
O prazo de 10 anos após a maioridade ou emancipação, consagrado no artigo 1817.º, n.º 1, do Código Civil, revela-se, pois, como suficiente para assegurar que não opera qualquer prazo de caducidade para a instauração pelo filho duma acção de investigação da paternidade, durante a fase da vida deste em que ele poderá ainda não ter a maturidade, a experiência de vida e a autonomia suficientes para sobre esse assunto tomar uma decisão suficientemente consolidada. 
Por estas razões cumpre concluir que a norma do artigo 1817.º, n.º 1, do Código Civil, na redacção da Lei n.º 14/2009, de 1 de Abril, na parte em que, aplicando-se às acções de investigação de paternidade, por força do artigo 1873.º, do mesmo Código, prevê um prazo de dez anos para a propositura da acção, contado da maioridade ou emancipação do investigante, não se afigura desproporcional, não violando os direitos constitucionais ao conhecimento da paternidade biológica e ao estabelecimento do respectivo vínculo jurídico, abrangidos pelo direitos fundamentais à identidade pessoal, previsto no artigo 26.º, n.º 1, e o direito a constituir família, previsto no artigo 36.º, n.º 1, ambos da Constituição”.  
[13]Cfr. a título exemplificativo, o acórdão nº302/2015, processo nº 164/15 (Relatora: Maria de Fátima Mata-Mouros).    
[14]Saliente-se que tal acontece mesmo com diferente composição do Tribunal. 
[15]O preceito tem a seguinte redação:
(Alteração de prazos)
1. A lei que estabelecer, para qualquer efeito, um prazo mais curto do que o fixado na lei anterior é também aplicável aos prazos que já estiverem em curso, mas o prazo só se conta a partir da entrada em vigor da nova lei, a não ser que, segundo a lei antiga, falte menos tempo para o prazo se completar.
2. A lei que fixar um prazo mais longo é igualmente aplicável aos prazos que já estejam em curso, mas computar-se-á neles todo o tempo decorrido desde o seu momento inicial.
3. A doutrina dos números anteriores é extensiva, na parte aplicável, aos prazos fixados pelos tribunais ou por qualquer autoridade. 
[16] Referem Pires de Lima e Antunes Varela (Código Civil Anotado, vol. I, Coimbra Editora, 3ª edição revista e atualizada, 1982, p.269): “Deve entender-se, para aplicação da regra do nº 1 deste artigo, que se trata de um prazo mais curto, quando a lei antiga não estabelecia qualquer prazo para o exercício do direito e ele veio a ser estabelecido pela lei nova (…) É um caso implicitamente compreendido naquela regra”.  
[17] Basta atentarmos na seguinte passagem do acórdão:
“A questão a que cumpre dar resposta no presente recurso é a de saber se é de reiterar a conclusão no sentido da inexistência de inconstitucionalidade da norma do artigo 1817.º, n.º 1, do Código Civil, designadamente com a fundamentação transcrita.
10 - Importa começar por deixar bem vincado que, na averiguação da conformidade constitucional da solução limitativa, actualmente consagrada na norma ora em apreço, o que está em questão não é qualquer imposição constitucional de uma 'ilimitada [...] averiguação da verdade biológica da filiação'. Pese embora a tese defendida pelo recorrente, de que qualquer caducidade da acção de investigação de paternidade é inconstitucional, no presente recurso está apenas em questão o concreto limite temporal previsto no artigo 1817.º, n.º 1, do Código Civil, de dois anos a contar da maioridade ou emancipação (portanto, no máximo, os 20 anos de idade do investigante). Não constitui, assim, objecto do presente processo apurar se a imprescritibilidade da acção corresponde à única solução constitucionalmente conforme. Antes, o que está em causa é, apenas, a constitucionalidade da específica limitação prevista nesta norma, que (salvo casos excepcionais, como o da existência de 'posse de estado') exclui o direito a averiguar a paternidade depois dos 20 anos de idade: a acção 'só pode ser proposta durante a menoridade do investigante ou nos dois primeiros anos posteriores à sua maioridade ou emancipação'. É este limite temporal de 'dois anos posteriores à maioridade ou emancipação', e não a possibilidade de um qualquer outro limite, que cumpre apreciar - e, consequentemente, só sobre aquele específico limite temporal, previsto actualmente no artigo 1817.º, n.º 1, do Código Civil, se poderá projectar o juízo de (in)constitucionalidade a proferir.
Nem é, aliás, o regime de imprescritibilidade a única alternativa pensável ao regime do artigo 1817.º, n.º 1, do actual Código Civil. Importa, na verdade, considerar que a norma em apreço exclui a possibilidade de investigar a paternidade depois de esgotado um prazo de dois anos que se conta a partir de um dies a quo puramente objectivo, isto é, que não depende de quaisquer elementos relativos à possibilidade concreta do exercício da acção - como, por exemplo, a procedente impugnação da paternidade (cf., sobre esta hipótese, o já citado Acórdão 456/2003) -, fundadas dúvidas sobre a paternidade que esteja estabelecida ou, mesmo em caso de inexistência de paternidade determinada, o conhecimento ou a cognoscibilidade superveniente de factos ou circunstâncias que possibilitem ou justifiquem a investigação.
Aliás, é também logo por estes elementos serem irrelevantes no regime legal, e antes o prazo, de apenas dois anos, se contar imediatamente a partir da maioridade ou emancipação, mesmo que não existam quaisquer elementos relativos ao possível ou provável progenitor (ou, por exemplo, para duvidar de uma paternidade estabelecida ou apenas socialmente conhecida), que também não pode proceder, como justificação para a exclusão do direito à investigação da identidade dos progenitores, a invocação da inércia ou do desinteresse do filho nesta investigação. Tal ideia (dormientibus non succurrit jus) pressuporia que o prazo apenas se contasse a partir do momento em que se tornou possível a acção ou, pelo menos, que o prazo para ela, ainda que contado a partir de um dies a quo objectivo, fosse muito mais alargado. A inércia ou pouca diligência do filho na promoção da investigação não é, pois, normalmente referida como fundamento para a admissibilidade do regime ora em questão, que, reconhecendo um direito (ou a dimensão de um direito) fundamental dirigido ao conhecimento da paternidade, costuma apoiar-se, antes, na existência de outros valores ou interesses, dignos de tutela, que seriam susceptíveis de justificar a exclusão do direito a averiguar a filiação biológica, ou de relativizar esta.
Seja como for - e é o ponto que, para deixar claro o alcance do juízo que o Tribunal profira, importa frisar -, no presente processo está apenas em apreciação o prazo de dois anos a contar da maioridade ou emancipação, e não a possibilidade de um qualquer outro limite temporal para a acção de investigação de paternidade, conte-se este a partir também da maioridade ou da emancipação ou tenha outro dies a quo” (sublinhado nosso).
[18] No acórdão do TC nº 24/2012, de 2702, a que se aludiu, pode ler-se:
“O facto do Supremo Tribunal de Justiça (vide os Acórdãos de 14-12-2006, 31-1-2007, 23-10-2007, 17-4-2008 e 3-7-2008), em resultado duma errada leitura do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 23/2006, ter entendido que o juízo de inconstitucionalidade abrangia qualquer prazo de caducidade que se estabelecesse, pelo que as ações de investigação de paternidade, durante este período, foram consideradas imprescritíveis, não é suficiente para que se possa considerar que durante o período que antecedeu a aprovação da Lei 14/2009, de 1 de abril, vigorou um regime de absoluta imprescritibilidade do direito ao reconhecimento judicial da paternidade.
Estamos apenas perante pronúncias jurisprudenciais, com efeitos limitados aos casos concretos onde foram proferidas, cujo sentido é irrelevante para a caracterização da intervenção do legislador em 1 de abril de 2009.
Quando foi aprovada a Lei 14/2009, de 1 de abril, existia uma lacuna legislativa quanto ao prazo-regra de caducidade das ações de investigação de paternidade, a qual era suscetível de ser preenchida através de integração, nos termos do artigo 10.º, n.º 3, do C. Civil.
O legislador com a aprovação da Lei 14/2009, de 1 de abril, supriu essa lacuna, alterando a redação do artigo 1817.º, do C. Civil, de modo a criar um novo sistema de prazos de caducidade” (declaração de voto do Juiz Conselheiro Cura Mariano). 
[19]Nesta sede, está em causa o interesse do pretenso progenitor e eventuais herdeiros em não ver protelada excessivamente, quando não indefinidamente, uma situação de incerteza, com os inevitáveis prejuízos de ordem pessoal – considerando-se que a segurança e tranquilidade do pretenso progenitor e da sua família têm também dignidade constitucional –, alertando-se ainda para questões relacionadas com dificuldades inerentes à apresentação de (contra) prova.
[20]Previsto no art. 26º da CRP, na dimensão do direito ao conhecimento da paternidade biológica e ao estabelecimento do respetivo vínculo jurídico.
[21]Acórdão do TC nº 401/2011, de 22-09.
[22] Acórdão nº 24/2012, a que já aludimos (cfr. nota 10) e que julgou inconstitucional a norma de direito transitório constante da Lei nº 14/2009, nos moldes já aludidos.
[23] Vaz Serra, Prescrição e Caducidade, BMJ nº 105, p. 234.  
[24] Em situação similar decidiu o STJ, pelo menos a avaliar pelo sumário do respetivo acórdão, de 03-04-2014, processo: 5779/11.1TBVNG.P1.S1 (Relator: Távora Victor), acessível in www.dgsi.pt (não estando disponível o texto integral), em que se considerou como segue:
“I- O direito à identidade pessoal tem de ser harmonizado com outros, igualmente relevantes no seio do ordenamento jurídico, e que se prendem com a previsibilidade dos efeitos jurídicos de determinadas situações que não podem estar à mercê do exercício a todo o tempo de um direito susceptível de introduzir perturbações a nível familiar e patrimonial, com repercussão nas relações jurídicas assumidas no círculo familiar onde o investigante pretende ser incluído.
II- É de considerar assim que o estabelecimento do vínculo da filiação não é um direito absoluto, razão pela qual a solução de compromisso plasmada no art. 1817.º do CC é em si mesma adequada, estabelecendo um prazo suficientemente amplo para o fazer (10 anos após a maioridade), mas não prolongando indefinidamente o prazo para a propositura de tal acção.
III- Tendo a autora nascido a 08-12-1945 e atingido a maioridade até 08-12-1963, apenas poderia intentar a acção até 08-12-1973, pelo que tendo-o feito em 07-06-2011 há muito se mostrava caducado o direito que pretendia valer”.
Com contornos não inteiramente coincidentes com o caso ora em análise cfr. o ac. do STJ de 22-10-2015 proferido no processo 1292/09.5TBVVD.G1.S1 (Relator: Abrantes Geraldes), acessível no mesmo local. Na hipótese em apreciação neste aresto tratava-se de ação de investigação de paternidade em que o investigante nasceu a 20-09-1981, atingiu a maioridade em 20-09-1999 e instaurou a ação em 20-10-2009. Ou seja, nesse caso, à data em que entrou em vigor a Lei 14/2009 – 02-04-2009 – ainda o demandante estava em prazo para instaurar a ação, à luz do novo regime.
[25] Com o seguinte teor:
 (Força jurídica)
1. Os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias são directamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas.
2. A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.
3. As leis restritivas de direitos, liberdades e garantias têm de revestir carácter geral e abstracto e não podem ter efeito retroactivo, nem diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais. 
[26] A propósito da projeção retroativa ou retrospetiva das normas escreve Gomes Canotilho (Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7ª edição (11ª Reimpressão), Almedina, Coimbra, p. 262):
“Diferentemente, fala-se de retroactividade inautêntica quando uma norma jurídica incide sobre situações ou relações jurídicas já existentes embora a nova disciplina jurídica pretenda ter efeitos para o futuro.
Os casos de retroactividade autêntica em que uma norma pretende ter efeitos sobre o passado (eficácia ex tunc) devem distinguir-se dos casos em que uma lei, pretendendo vigorar para o futuro (eficácia ex tunc), acaba por «tocar» em situações, direitos ou relações jurídicas desenvolvidas no passado mas ainda não existentes. Podem apontar-se vários exemplos: normas modificadoras do exercício de uma profissão; regras de promoção nas carreiras públicas; normas que regulam, de forma inovadora, relações jurídicas contratuais tendencialmente duradouras (exs. contratos de arrendamento); normas reguladoras dos regimes pensionísticos da segurança social. Nestes casos, a nova regulação jurídica não pretende substituir ex tunc a disciplina normativa existente, mas ela acaba por atingir situações, posições jurídicas e garantias “geradas” no passado e relativamente às quais os cidadãos têm a legítima expectativa de não serem perturbados pelos novos preceitos jurídicos. Quer dizer: há certos efeitos jurídicos da lei nova vinculados a pressupostos ou relações iniciadas no passado (…). Nestas hipóteses, pode ou não ser invocado o princípio da confiança? A resposta, em geral, aponta para uma menor intensidade normativa do princípio nas hipóteses de «retroactividade inautêntica» (também chamada de retrospectividade) do que nos casos de verdadeira retroactividade”.