Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
7680/15.0T8SNT.L1-4
Relator: DURO MATEUS CARDOSO
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
QUEDA EM ALTURA
DOENÇA CORONÁRIA
MORTE
PRESUNÇÃO LEGAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/11/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA
Sumário: I– A questão do nexo de causalidade desdobra-se em duas condições: uma, relativa ao nexo causa-efeito entre o acidente e a lesão corporal, perturbação ou doença; outra, que a lesão corporal, perturbação ou doença, seja a causa de incapacidade para o trabalho ou morte.

II– As presunções legais estabelecidas no art. 6º-5 da LAT/ 97, no art. 7º-1 do DL nº 143/99 de 30/4, bem como no art. 10º-1 da LAT/2009, não abrangem o nexo causal entre as lesões e a morte ou incapacidade para o trabalho, tão só entre o acidente e as lesões.

III– O art. 10º-1 da LAT/2009, versa sobre o estabelecimento de uma única presunção de existência de nexo causal entre o acidente e as lesões.

(Elaborado pelo relator)

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa.


Relatório:


I AAA intentou na Secção de Trabalho de Sintra a presente acção declarativa de condenação, com processo especial, emergente de acidente de trabalho, CONTRA,
BBB- COMPANHIA DE SEGUROS, S.A.

II PEDIU a condenação da ré a pagar-lhe as seguintes quantias:
- €1.844,56 (mil oitocentos e quarenta e quatro euros e cinquenta e seis cêntimos), a título de subsídio de funeral;
- € 5.569,68 (cinco mil quinhentos e sessenta e nove euros e sessenta e oito cêntimos), a título de subsídio por morte;
- € 270,00 (duzentos e setenta euros), a título de pensão por morte, correspondente a 30% da retribuição anual ilíquida do sinistrado, à data do acidente, até à idade da sua reforma, ou seja, abril de 2023;
- € 360,00 (trezentos e sessenta euros), a partir de abril de 2023, a título de pensão por morte, correspondente a 40% da retribuição anual ilíquida do sinistrado.

III– ALEGOU, em síntese, que:
- É viúva do sinistrado, o qual faleceu no dia 26.03.2015, vítima de um acidente de trabalho (queda) quando exercia as suas funções de pedreiro;
- O sinistrado trabalhava para (…) mediante um contrato de trabalho;
- A responsabilidade emergente de acidente de trabalho encontrava-se transferida para a Ré Seguradora;
- A queda sofrida foi susceptível de causar a morte do sinistrado, apesar do relatório de autópsia indicar que a lesão sofrida na cabeça não seria por si suficiente para causar a sua morte;
- A lesão sofrida na cabeça resultou da queda;
- Não se apurou se a lesão cardiovascular aguda sofrida pelo Sinistrado ocorreu antes, durante ou depois da queda;
- A morte não se deveu a uma causa natural;
- A alteração cardiovascular aguda sofrida pelo sinistrado no local e tempo de trabalho, que lhe provoca a morte, presume-se consequência do acidente de trabalho;
- Despendeu € 2.630,00 com o funeral;
- Tem direito a subsídio de funeral e por morte, bem como a pensão por morte.

IV– A ré Seguradora foi citada e CONTESTOU, dizendo, no essencial, que:
- Celebrou com o sinistrado um contrato de seguro do ramo de acidentes de trabalho, enquanto trabalhador independente, seguro que apenas dava cobertura aos acidentes ocorridos com o falecido como trabalhador por conta própria e não por conta de outrem;
- A morte do sinistrado não foi consequência da queda que sofreu, mas de doença cardíaca e coronária de que sofria.

V– Foi deduzido incidente de INTERVENÇÃO PROVOCADA DO CHAMADO (…), e este veio a contestar, dizendo fundamentalmente que:
- É parte ilegítima na ação, por não ser empregador do sinistrado;
- O sinistrado celebrou com a sociedade de que é sócio-gerente um contrato de prestação de serviços, estando também por essa via excluída a responsabilidade no alegado acidente de trabalho;
- O sinistrado não sofreu um acidente de trabalho, tendo falecido devido a doença cardíaca e não da queda.

VI Foi proferido despacho saneador, em que se julgo o Interveniente parte legítima, e elaborou-se Matéria de Facto Assente e Base Instrutória.

O processo seguiu os termos e foi proferida sentença em que se julgou pela forma seguinte:
4- Decisão:
Pelo exposto, julgo a presente ação totalmente improcedente, por não provada e, em consequência:
a)– Absolvo dos pedidos a Ré BBB- COMPANHIA DE SEGUROS, S.A. E O Chamado  (…).”

Dessa sentença, a autora interpôs recurso de Apelação (fols. 277 a 286), apresentando as seguintes conclusões:
I.- No âmbito dos presentes autos, a ora Apelante, não obstante ter requerido logo ab initio que lhe fosse atribuída ainda que a título provisório qualquer quantia.
II.- Nada lhe foi concedido nem nada referente a tal questão viu qualquer tipo de decisão.
III.- Aliás, volvidos 3 anos sobre a morte do marido da Apelante, até ao momento esta continua à espera não só que seja efectuada JUSTIÇA, o que mui humildemente requer a V.as Exas,
IV.- Como se debate com graves dificuldades financeiras e problemas do foro psicológico,
V.- Sem que nem sequer Segurança Social tenha dado início ao processo de atribuição de subsídio por morte sem que houvesse sentença do Tribunal a quo.

VI.- Certo é que, considerou a sentença que ora se recorre, do seguinte:
«Com relevância e interesse para a apreciação e decisão do mérito da causa resultaram provados os seguintes factos:
1)- Consta da certidão de assento de óbito de fls. 98-102, que no dia 26 de março de 2015, pelas 17h55m, (…) faleceu – cfr. certidão do assento de óbito de fls. 98-102.
2)- Naquele dia 26.03.2015, o sinistrado  (…), pelas 16h20m, encontrava-se no exercício da sua profissão de pedreiro, a aplicar alvenaria, quando sofreu uma queda de uma varanda, com cerca de três metros de altura – cfr. alínea B) dos Factos Assentes e resposta ao quesito 3º da Base Instrutória.
3)- O sinistrado desempenhava as suas funções utilizando ferramentas próprias e também ferramentas e materiais fornecidos pela sociedade que o contratou – cfr. resposta ao quesito 5º da Base Instrutória.
4)- O sinistrado cumpria um horário de trabalho das 8h às 17h, com pausa para almoço entre as 13h e as 14h – cfr. resposta ao quesito 9º da Base Instrutória.  
5)- Durante os dias úteis – cfr. resposta ao quesito 10º da Base Instrutória.
6) O sinistrado gozou férias na segunda quinzena de agosto de 2014 – cfr. resposta ao quesito 13º da Base Instrutória.
7)- Previamente à queda, o sinistrado tombou para cima da tábua do guarda-copos, que se partiu – cfr. resposta ao quesito 14º da Base Instrutória.
8)- O óbito foi verificado pelo médico do INEM que ocorreu ao local pelas 16h45 – cfr. relatório de autópsia de fls. 89-97 (alínea C) dos Factos Assentes).
9)- No relatório de autópsia ficou consignado, além do mais, o seguinte:
“A autópsia de  (…) permitiu identificar quadro macroscópico de miocardipatia com hipertrofia ventricular esquerda, e doença coronária no contexto de doença cardiovascular arteriosclerótica.
Este quadro macroscópico, confirmado pelo exame histopatológico, de Cardiomioparia hipertrófica com sobrecarga gorda cardíaca.
Apesar das circunstâncias da morte ter acontecido com queda em altura não resultando desta traumatismos contundentes que levassem à morte, leva a admitir que  (…) sofreu alterações cardiovasculares agudas, que terá desencadeado quadro de disritmia cardíaca com paragem cardio-circulatória. A lesão traumática descrita na cabeça denota haver sido produzida por traumatismo de natureza contundente, tal como devido à queda, mas esta lesão não levou à morte.
O exame toxicológico permitiu identificar a presença de etanol no sangue periférico com valor de 0,05g/l. Sendo negativo para substâncias medicamentosas solicitadas (resultados em anexo)” – cfr. relatório de autópsia de fls. 89-97 (alínea D) dos Factos Assentes).

10)- Mais ficou consignado, em sede de Conclusões, o seguinte:
“1- Não foi possível determinar a causa de morte de  (…)
2 A autópsia e exames complementares de diagnóstico permitem contudo admitir uma morte natural – alterações cardiovasculares agudas que terá desencadeado quadro de disritmia cardíaca com paragem cardio-circulatória.
3– O exame toxicológico permitiu identificar a presença de etanol no sangue periférico com valor de 0,05g/l. Sendo negativo para substâncias medicamentosas solicitadas (resultados em anexo).
4– A lesão traumática descrita na cabeça denota haver sido produzida por traumatismo de natureza contundente, tal como devido à queda, mas esta lesão não levou à morte” – cfr. alínea E) dos Factos Assentes.

11)- O sinistrado sofria de doença cardíaca – cfr. resposta ao quesito 15º da Base Instrutória.
12)- E de doença coronária – cfr. resposta ao quesito 16º da Base Instrutória.
13)- Que determinaram a sua morte – cfr. resposta ao quesito 17º da Base Instrutória.
14)- O sinistrado faleceu no estado de casado com a ora Beneficiária  (…) – cfr. certidão de assento de óbito de fls. 98-102 (alínea F) dos Factos Assentes).
15)- O sinistrado  (…) celebrou contrato de seguro do ramo de acidentes de trabalho, como trabalhador independente, com a ora Ré Seguradora, titulado pela apólice nº 006848294 – cfr. alínea G) dos Factos Assentes.
16)- O referido contrato de seguro estava limitado à retribuição mensal de € 486,00 (quatrocentos e oitenta e seis euros) e anual de € 6.804,00 (seis mil oitocentos e quatro euros) – cfr. alínea H) dos Factos Assentes.
17)- Com o funeral do sinistrado, a Beneficiária despendeu a quantia de € 2.630,00 (dois mil seiscentos e trinta euros) – cfr. alínea I) dos Factos Assentes».

VII.- Ora, e sem prejuízo de melhor entendimento, a sentença em causa caracterizou como laboral, pelos indícios referentes ao local, tempo e horário de trabalho, a relação entre o sinistrado e a entidade patronal.
VIII.- Mais se refere desde já que, pese embora se possa inferir que a entidade patronal não seria o ora Apelado  (…)
IX.- Resulta provada quer da prova testemunhal quer das declarações de parte da Apelada
X.- Que o sinistrado trabalhava para este, pois era este quem lhe pagava, em numerário, e não a empresa da qual seria gerente.
XI.- Aliás, nem mesmo as testemunhas e a Apelada sabiam da existência de tal sociedade, senão através de umas camisolas que por vezes lhes eram dadas, bem como ao sinistrado, no local de trabalho.
XII.- Seja como for, e ainda que assim o fosse, e sem prejuízo de outro melhor entendimento, necessariamente o Tribunal terá sempre o poder de considerar responsável essa sociedade, entendendo-a como entidade patronal, ao invés do Apelado  (…).
XIII.- No entanto, entende a Apelante que a douta sentença andou mal ao considerar que «A noção de acidente de trabalho tem sido aceite pela doutrina e pela jurisprudência como um acontecimento ou evento súbito, inesperado e de origem externa.
In casu, o falecido não foi vítima de um acidente de trabalho. Resulta das respostas aos quesito 15º, 16º e 17º da Base Instrutória que o sinistrado (…) sofria de doença cardíaca e coronária, que determinaram a sua morte, admitindo o Relatório da Autópsia que o sinistrado possa ter sofrido uma paragem cardio-circulatória, vulgo “ataque cardíaco”, sem qualquer relação com o exercício da sua atividade profissional e, designadamente, com a queda que sofreu no local. Neste contexto e sem necessidade de outros argumentos dada a evidência da questão, cumpre concluir pela improcedência da ação, porquanto não se apuraram factos que permitam estabelecer um nexo de causalidade entre a causa imediata da morte do sinistrado e a prestação da sua profissão.
Por isso, nenhuma responsabilidade pode ser assacada nem à Seguradora, nem ao Chamado.»
XIV.- É que pese embora o relatório da autópsia refira tal informação acerca do sinistrado, na verdade, o mesmo refere, nas suas conclusões, que

«1– Não foi possível determinar a causa de morte de  (…).
2– A autópsia e exames complementares de diagnóstico permitem contudo admitir uma morte natural – alterações cardiovasculares agudas que terá desencadeado quadro de disritmia cardíaca com paragem cardio-circulatória.
3– O exame toxicológico permitiu identificar a presença de etanol no sangue periférico com valor de 0,05g/l. Sendo negativo para substâncias medicamentosas solicitadas (resultados em anexo).
4– A lesão traumática descrita na cabeça denota haver sido produzida por traumatismo de natureza contundente, tal como devido à queda, mas esta lesão não levou à morte”.

XV.- Ora, do mesmo não se pode inferir com algum tipo de certeza qual a causa de morte do sinistrado,
XVI.- Apenas se abrindo a possibilidade de ter ocorrido uma causa natural, o referido ataque cardíaco,
XVII.- Sem que tenha sequer sido percebido se esse ataque possa ter ocorrido antes, durante ou após a queda do sinistrado da varanda, a 3 metros de altura, onde estava a aplicar alvenaria, depois de ter-se partido a tábua guarda-corpos,
XVIII.- Ou se porventura tenha sequer ocorrido.
XIX.- Ora, nem o Apelado  (…) ilidiu a presunção sequer em sede de julgamento ou de prova nos autos que tal ataque cardíaco seja consequência de acidente de trabalho, conforme nos ensina o ac. Relação de Lisboa, de 10 de Outubro de 2007, Proc. 5705/2007-4, disponível em www.dgsi.pt, indicando que não tenha ocorrido por nenhuma circunstância exógena,
XX.- Como os próprios elementos constantes dos autos, que juntos pela Apelante demonstravam a boa saúde do sinistrado, tal como a prova testemunhal dos colegas do mesmo, que referiram inclusivamente que naquele dia estava “bem disposto”,
XXI.- Assim como o relatório da autópsia não dá sequer a certeza que tenha sido a aterosclerose coronária que tenha levado à morte,
XXII.- Doença essa que fruto do estilo de vida da sociedade moderna, bem como da idade do sinistrado, 57 anos,
XXIII.- É vulgar e comum a quase todas as pessoas naquela faixa etária.
XXIV.- Ora, como tal, nem sequer o relatório da autópsia efectuada ao sinistrado teria força suficiente para ilidir a presunção de acidente de trabalho, uma vez que em algum momento dá a certeza que tenha ocorrido uma morte natural.      
XXV.- Aliás, a única certeza que o mesmo relatório ressalta é a de que não foi possível atribuir a causa da morte do sinistrado.
Assim, nestes termos e nos demais de Direito e sempre com o douto suprimento de V.as Exas., deverá ser alterada a sentença que ora se recorre, julgando-se procedente por provado o presente recurso, condenando-se os Apelados (ou pelo menos o António Santos Alves, entidade patronal, do sinistrado), para assim, finalmente, se poder fazer a tão acostumada e almejada JUSTIÇA!

O Interveniente  (…) e a ré Seguradora contra-alegaram (fols. 288 a 290 e fols. 293 a 296, respectivamente) pugnando pela confirmação da sentença recorrida.

Correram os Vistos legais, tendo o Digno Procurador Geral-Adjunto do Ministério Público emitido Parecer.

VII– A matéria de facto considerada provada em 1ª instância, não impugnada, é a seguinte:
1- Consta da certidão de assento de óbito de fls. 98-102, que no dia 26 de março de 2015, pelas 17h55m, (…) faleceu – cfr. certidão do assento de óbito de fls. 98-102.
2- Naquele dia 26.03.2015, o sinistrado  (…), pelas 16h20m, encontrava-se no exercício da sua profissão de pedreiro, a aplicar alvenaria, quando sofreu uma queda de uma varanda, com cerca de três metros de altura – cfr. alínea B) dos Factos Assentes e resposta ao quesito 3º da Base Instrutória.
3- O sinistrado desempenhava as suas funções utilizando ferramentas próprias e também ferramentas e materiais fornecidos pela sociedade que o contratou – cfr. resposta ao quesito 5º da Base Instrutória.
4- O sinistrado cumpria um horário de trabalho das 8h às 17h, com pausa para almoço entre as 13h e as 14h – cfr. resposta ao quesito 9º da Base Instrutória.
5- Durante os dias úteis – cfr. resposta ao quesito 10º da Base Instrutória.
6- O sinistrado gozou férias na segunda quinzena de agosto de 2014 – cfr. resposta ao quesito 13º da Base Instrutória.
7- Previamente à queda, o sinistrado tombou para cima da tábua do guarda-copos, que se partiu – cfr. resposta ao quesito 14º da Base Instrutória.
8- O óbito foi verificado pelo médico do INEM que ocorreu ao local pelas 16h45 – cfr. relatório de autópsia de fls. 89-97 (alínea C) dos Factos Assentes).
9- No relatório de autópsia ficou consignado, além do mais, o seguinte: “A autópsia de  (…) permitiu identificar quadro macroscópico de miocardipatia com hipertrofia ventricular esquerda, e doença coronária no contexto de doença cardiovascular arteriosclerótica. Este quadro macroscópico, confirmado pelo exame histopatológico, de Cardiomioparia hipertrófica com sobrecarga gorda cardíaca.
Apesar das circunstâncias da morte ter acontecido com queda em altura não resultando desta traumatismos contundentes que levassem à morte, leva a admitir que  (…) sofreu alterações cardiovasculares agudas, que terá desencadeado quadro de disritmia cardíaca com paragem cardio-circulatória.
A lesão traumática descrita na cabeça denota haver sido produzida por traumatismo de natureza contundente, tal como devido à queda, mas esta lesão não levou à morte.
O exame toxicológico permitiu identificar a presença de etanol no sangue periférico com valor de 0,05g/l. Sendo negativo para substâncias medicamentosas solicitadas (resultados em anexo)” – cfr. relatório de autópsia de fls. 89-97 (alínea D) dos Factos Assentes).

10- Mais ficou consignado, em sede de Conclusões, o seguinte:
1 Não foi possível determinar a causa de morte de  (…)..
2– A autópsia e exames complementares de diagnóstico permitem contudo admitir uma morte natural – alterações cardiovasculares agudas que terá desencadeado quadro de disritmia cardíaca com paragem cardio-circulatória.
3– O exame toxicológico permitiu identificar a presença de etanol no sangue periférico com valor de 0,05g/l. Sendo negativo para substâncias medicamentosas solicitadas (resultados em anexo).
4– A lesão traumática descrita na cabeça denota haver sido produzida por traumatismo de natureza contundente, tal como devido à queda, mas esta lesão não levou à morte” – cfr. alínea E) dos Factos Assentes.

11- O sinistrado sofria de doença cardíaca – cfr. resposta ao quesito 15º da Base Instrutória.
12- E de doença coronária – cfr. resposta ao quesito 16º da Base Instrutória.
13- Que determinaram a sua morte – cfr. resposta ao quesito 17º da Base Instrutória.
14- O sinistrado faleceu no estado de casado com a ora Beneficiária AAA – cfr. certidão de assento de óbito de fls. 98-102 (alínea F) dos Factos Assentes).
15- O sinistrado  (…) celebrou contrato de seguro do ramo de acidentes de trabalho, como trabalhador independente, com a ora Ré Seguradora, titulado pela apólice nº 006848294 – cfr. alínea G) dos Factos Assentes.
16- O referido contrato de seguro estava limitado à retribuição mensal de € 486,00 (quatrocentos e oitenta e seis euros) e anual de € 6.804,00 (seis mil oitocentos e quatro euros) – cfr. alínea H) dos Factos Assentes.
17- Com o funeral do sinistrado, a Beneficiária despendeu a quantia de € 2.630,00 (dois mil seiscentos e trinta euros) – cfr. alínea I) dos Factos Assentes.

VIII– Nos termos dos arts. 684º-3, 690º-1, 660º-2 e 713º-2, todos do CPC, o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação; os tribunais de recurso só podem apreciar as questões suscitadas pelas partes, salvo se importar conhecê-las oficiosamente.

Tratando-se de recurso a interpor para a Relação, como este pode ter por fundamento só razões de facto ou só razões de direito, ou simultaneamente razões de facto e de direito, assim as conclusões incidirão apenas sobre a matéria de facto ou de direito ou sobre ambas (v. Fernando Amâncio Ferreira, "Manual dos Recursos em Processo Civil", 3ª ed., pag. 148).

Atento o teor das conclusões das alegações apresentadas pela apelante, as questões que fundamentalmente se colocam no presente recurso respeita a saber-se se estamos perante um acidente de trabalho, apurando-se se ficou demonstrada a existência do nexo causal entre as lesões e a morte,

IX Decidindo.
A sentença recorrida considerou que o sinistrado não foi vítima de acidente de trabalho, pois sofria de doença cardíaca e coronária que determinaram a sua morte através de paragem cardio-circulatória, sem qualquer relação com o exercício da sua actividade profissional e com a queda que sofreu no local.
As presunções legais estabelecidas no art. 6º-5 da LAT/ 97, no art. 7º-1 do DL nº 143/99 de 30/4, bem como no art. 10º-1 da LAT/2009 aqui aplicável ao acidente destes autos, não abrangem o nexo causal entre as lesões e a morte ou incapacidade para o trabalho, tão só entre o acidente e as lesões.
Já a Base V-4 da LAT/65, dispunha que "Se a lesão, perturbação ou doença forem reconhecidas a seguir a um acidente presumem-se consequência deste". E o art. 12º-1 do DL 360/71 de 21/8 que "A lesão observada no local e tempo de trabalho ou nas circunstâncias previstas no nº 2 da base V presume-se, até prova em contrário, consequência de acidente de trabalho", acrescentando o seu nº 2 que "Se a lesão não for reconhecida a seguir ao acidente ou tiver manifestação posterior, compete à vítima ou aos beneficiários legais provar que foi consequência dele.".
O art. 6º-5 da LAT/97, com a mesma redacção da anterior Base V-4, voltou a estatuir que "Se a lesão, perturbação ou doença forem reconhecidas a seguir a um acidente presumem-se consequência deste". E no nº 6 que "Se a lesão corporal, perturbação ou doença não for reconhecida a seguir ao acidente, compete ao sinistrado ou aos beneficiários legais provar que foi consequência dele.". No art. 7º-1 do DL nº 143/99 de 30/4, pode-se ler que "A lesão constatada no local e tempo de trabalho ou nas circunstâncias previstas no nº 2 do art. 6º da lei presume-se, até prova em contrário, consequência de acidente de trabalho.", acrescentando-se no nº 2 do mesmo art. 7º que "Se a lesão não tiver manifestação imediatamente a seguir ao acidente, compete ao sinistrado ou aos beneficiários legais provar que foi consequência dele.".
Finalmente, a semelhante redacção do actual art. 10º da LAT/2009 estabelece no nº 1 que “A lesão constatada no local e no tempo de trabalho ou nas circunstâncias previstas no artigo anterior presume-se consequência de acidente de trabalho.”
E no seu nº 2, “Se a lesão não tiver manifestação imediatamente a seguir ao acidente, compete ao sinistrado ou aos beneficiários legais provar que foi consequência dele.”
Comentando as disposições da LAT/65, Feliciano Tomás de Resende, Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, Almedina, 2ª ed., 1988, a pag. 21, dizia que "A presunção estabelecida no nº 4, a qual é juris tantum (v. artigo 350º, nº 2, do Código Civil e art. 12º do Dec. nº 360/71), tem o alcance de dispensar o trabalhador da prova de que a lesão, perturbação ou doença são consequência do acidente". No entanto, relativamente ao referido art. 12º, nada esclarece quanto ao seu alcance, designadamente, se integra uma outra presunção de alcance diverso da prevista na Base V-4.
Já Cruz de Carvalho, Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, Petrony, 1980, a pag. 27, em anotação à Base V da LAT/69, indica que "A presunção estabelecida no nº 4 da Base é uma presunção juris tantum, pois admite prova em contrário, como resulta do art. 12º do Dec. nº 360/71.", parecendo entender que a Base V-4 e o art. 12º do DL nº 360/71 regulam a mesma realidade.
Por seu turno Carlos Alegre, Acidentes de Trabalho, Almedina, 1995, a pag. 32, vê uma clara distinção entre a presunção estabelecida na Base V-4 relativamente ao nexo de causalidade entre "o acto lesivo e a lesão corporal" e a "Uma quarta condição para que possa falar-se em acidente de trabalho", a saber, "que a lesão corporal produza a morte ou uma incapacidade para trabalhar…". E quando comenta o art. 12º-1 do DL nº 360/71, pag. 174 a 175 diz que se refere à "presunção legal de que a lesão é consequência de um acidente de trabalho", sem aqui concretizar se se desenrola, ou não, no âmbito da presunção estabelecida pela Base V-4 da LAT.
Para Vítor Ribeiro, Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, Petrony, 1994, a pag. 74, a questão coloca-se com contornos bem definidos, escrevendo a propósito do art. 12º-1 do DL nº 360/71: "Embora aparentemente coincidente, essa presunção do nº 4 da B. V tem, para nós, um alcance profundamente diverso daquela que se estabelece neste art. 12º, nº 1. Aqui presume-se mais do que a simples relação causal entre o acidente, já provado na sua materialidade, e as lesões, parecendo, pelo contrário, que é a partir da lesão observada que deve presumir-se todo o "acidente de trabalho" enquanto facto jurídico complexo, apto a desencadear o direito a reparação…De acordo com a importante presunção estabelecida no nº 1, se, p. ex. um trabalhador aparecer morto no local e tempo de trabalho, sem que ninguém tenha presenciado o que se passou, presumir-se-á que as lesões que conduziram à morte foram consequência de acidente de trabalho, cabendo ao empregador (ou sua seguradora) a prova do contrário, p. ex., que foi agredido ou acometido de doença súbita.".
Portanto, claramente, para Vítor Ribeiro, a Base V-4 da LAT/65 estabelece a presunção do nexo causal entre o acidente e a lesão, e o art. 12º-1 do DL nº 360/71 a presunção do nexo causal entre as lesões e a morte ou a incapacidade.
No âmbito da LAT/97, Carlos Alegre, Acidentes de Trabalho, Almedina, 1995, a pag. 39 e 40, ao comentar o art. 6º-5 volta a estabelecer clara distinção entre a presunção estabelecida naquele artigo 6º-5 relativamente ao nexo de causalidade entre "o acto lesivo e a lesão corporal" e a "quarta condição para que possa falar-se em acidente de trabalho", ou seja, "que a lesão corporal produza a morte ou uma incapacidade para trabalhar…". Mas quando aprecia o art. 7º do DL nº 143/99, a pag. 186, apesar de dizer que "a norma do nº 1 do art. 7º reproduz, por outras palavras, a ideia expressa no nº 5 do artigo 6º da Lei.", acaba por concluir que "se a lesão não tiver manifestação verificável imediatamente a seguir ao acidente" tem "de ser o sinistrado ou os seus beneficiários legais, se ele tiver morrido, a provar ou  estabelecer o nexo de causalidade entre o facto material do acidente e a lesão ou a morte".

Parece, pois, que agora também para Carlos Alegre, existe uma presunção para o estabelecimento do nexo causal entre o acidente e a lesão, e uma outra presunção para o estabelecimento do nexo causal entre as lesões e a morte ou a incapacidade. Este entendimento parece também retirar-se, implicitamente, de alguns Acórdãos, como o do Ac. da Rel. de Lisboa de 4/6/2003, disponível em www.dgsi.pt/jtrl, P. nº 3245/2003-4; do Ac. do STJ de 6/2/91, com sumário disponível em www.dgsi.pt/jstj, P. nº 00933; Ac. do STJ de 28/1/2004, disponível em www.dgsi.pt/jstj, P. nº 03S3405; e Ac. do STJ de 8/11/95, disponível em www.dgsi.pt/jstj, P. nº 004255.
No entanto, o Ac. do STJ de 12/6/1991, BMJ- 408, pag. 364 a 370, citando, por sua vez, o Ac. do STJ de 29/1/1988, P. nº 1686, transcreve a seguinte passagem: "a presunção aludida não abarca a relação de causalidade total, que, iniciando-se com o acidente, termina com a morte ou a incapacidade da vítima, mas tão só a parte que liga o acidente à lesão, perturbação ou doença; e ao seu resultado, morte ou incapacidade, aplica-se o princípio geral do ónus da prova".
Não podemos deixar de concordar com este último entendimento, que é válido quer para o âmbito da LAT/65, quer para o da LAT/97, quer para a actual LAT/2009.

Vejamos.

Como se sabe, a questão do nexo de causalidade desdobra-se em duas condições: uma, relativa ao nexo causa-efeito entre o acidente e a lesão corporal, perturbação ou doença; outra, que a lesão corporal, perturbação ou doença, seja a causa de incapacidade para o trabalho ou morte.

Ora, entendemos que, quer o art. 6º-5 da LAT/97 quer o art. 7º-1 do DL nº 143/99, quer o art. 10º-1 da LAT/2009, versam sobre a mesma realidade relativa ao estabelecimento de uma única presunção de existência de nexo causal entre o acidente e as lesões. E tão só.  
         
Assim, não beneficia a autora de presunção de existência de nexo causal entre a lesão e a morte do sinistrado.

E como até ficou provado que o sinistrado sofria de doença cardíaca e de doença coronária, que foi a causa da sua morte (factos provados nºs 11, 12 e 13), é manifesto que não estamos perante um acidente de trabalho nos termos previstos na nos arts. 8º e 9º da LAT/2009.

A sentença recorrida é, pois, de confirmar totalmente.

X Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação e, em consequência, confirmar a sentença recorrida.
Custas em ambas as instâncias a cargo da autora, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário de que goze.


Lisboa, 11 de julho de 2018


DURO CARDOSO
ALBERTINA PEREIRA
LEOPOLDO SOARES