Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
9304/20.5T8LSB-A.L1-1
Relator: PEDRO BRIGHTON
Descritores: FUNDO DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO
PATRIMÓNIO AUTÓNOMO
INSOLVÊNCIA
CRÉDITOS SUBORDINADOS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/28/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I- Os Fundos de Investimento Imobiliário são regulados pela Lei 16/2015, de 28/2 (cf. art.ºs 5º e 6º do Regime Geral dos Organismos de Investimento Coletivo, publicado em Anexo à referida Lei) e constituem patrimónios autónomos, estando sujeitos ao processo de insolvência regulado no C.I.R.E., e tal situação não é incompatível com o regime especial que os regula.
II- Para os efeitos do disposto nos art.ºs 48º e 49º do C.I.R.E., a simples constatação do vínculo ou da situação de que é feita depender a qualificação como pessoa especialmente relacionada com o devedor, basta para que ela opere e desencadeie os seus efeitos.
III-  Consequentemente, a existência de qualquer uma das situações aludidas nas referidas alíneas do art.º 49º do C.I.R.E., integra necessariamente a existência de uma especial relação com o devedor, que não pode ser afastada com a alegação e prova de que esse vínculo ou situação em nada determinou ou condicionou o relacionamento com o devedor, ou mesmo com a demonstração de que desse relacionamento resultaram benefícios para o devedor, ou seja, constituem tais alíneas presunções inilidíveis ou “juris et de jure”.
IV- A entidade gestora de um Organismo de Investimento Coletivo deve ser considerada administradora deste, sendo, por isso, a sua situação enquadrável no art.º 49º nº 3 do C.I.R.E., para efeitos de qualificação do seu crédito como subordinado (art.º 48º al. a) do C.I.R.E.).
V- A classificação de um crédito como subordinado, nos termos dos art.ºs 48º al. a), 1ª parte, e 49º, nº 1, als. a) a c), do C.I.R.E., basta-se na relação especial definida pelo legislador (qualificação como pessoa especialmente relacionada com o devedor), não se encontrando sujeita a qualquer período temporal limitativo.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA:

I – Relatório
1- Por Sentença já transitada em julgado, proferida nos autos principais em 3/6/2020, foi decretada a insolvência de “T – Fundo Especial de Investimento Imobiliário Fechado”.
2- Nos presentes autos de reclamação de créditos, foi proferida Sentença, em 17/3/2021, na qual foram verificados e graduados os seguintes créditos:
“Pelo exposto:
A. Julgo procedente a impugnação formulada pela credora T.L., S.A., e, consequentemente, julgo verificados com natureza subordinada nos termos da alínea a) do artigo 48º os créditos que foram reconhecidos com natureza comum e garantida aos credores “G. Sociedade Gestora de Organismos de Investimento Colectivo, S.A.” e “Banco, S.A.” pelo Sr. Administrador de Insolvência.
B. Julgo verificados os seguintes créditos sobre a insolvente “T. – Fundo Especial de Investimento Imobiliário Fechado”:
-Fazenda Nacional - €1.533,91 (IMI e AMI).
- Fazenda Nacional - €3.872,85 (comum).
-G. Sociedade Gestora de Organismos de Investimento Colectivo, S.A. - €386.814,66 (subordinado – alínea a) do artigo 48º do CIRE).
-G. Sociedade Gestora de Organismos de Investimento Colectivo, S.A. - €2.388,25 (subordinado – alínea b) do artigo 48º do CIRE).
-Banco, S.A. - €12.662.149,49 (subordinado – alínea a) do artigo 48º do CIRE).
-V. & Associados –, R.L. - €1.304,47 (comum).
-T.L., S.A. - €900.000,00 (comum).
C. Graduo os créditos sobre o insolvente para serem pagos da seguinte forma, pela venda dos bens imóveis apreendidos para a massa:
Pelo Produto da Venda da Verba nº 1
Prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Tavira com o nº 6291 e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 4895º.
Em primeiro lugar:
-Fazenda Nacional – €1.144,57 (IMI e AMI).
Em segundo lugar, créditos comuns, rateadamente:
-Fazenda Nacional - €4.262,19 (comum).
-V. & Associados, R.L. - €1.304,47 (comum).
-T.L., S.A. - €900.000,00 (comum).
Em terceiro lugar, créditos subordinados por via da alínea a) do artigo 48º do CIRE, rateadamente:
-G. – Sociedade Gestora de Organismos de Investimento Colectivo, S.A. - €386.814,66 (subordinado – alínea a) do artigo 48º do CIRE).
-Banco, S.A. - €12.662.149,49 (subordinado – alínea a) do artigo 48º do CIRE)
Em quarto lugar, créditos subordinados por via da alínea b) do artigo 48º do CIRE:
-G. – Sociedade Gestora de Organismos de Investimento Colectivo, S.A. - €2.388,25 (subordinado – alínea b) do artigo 48º do CIRE).
Pelo Produto da Venda da Verba nº 2
Prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Tavira com o nº 304 e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 3981º e na matriz predial rústica sob o artigo 41214º.
Em primeiro lugar:
-Fazenda Nacional - €375,66 (IMI e AMI).
Em segundo lugar, créditos comuns, rateadamente:
-Fazenda Nacional - €5.031,10 (comum).
-V. & Associados –, R.L. - €1.304,47 (comum).
-T.L., S.A. - €900.000,00 (comum).
Em terceiro lugar, créditos subordinados por via da alínea a) do artigo 48º do CIRE, rateadamente:
-G. – Real Estate – Sociedade Gestora de Organismos de Investimento Colectivo, S.A. - €386.814,66 (subordinado – alínea a) do artigo 48º do CIRE).
-Banco, S.A. - €12.662.149,49 (subordinado – alínea a) do artigo 48º do CIRE).
Em quarto lugar, créditos subordinados por via da alínea b) do artigo 48º do CIRE:
-G. – Sociedade Gestora de Organismos de Investimento Colectivo, S.A. - €2.388,25 (subordinado – alínea b) do artigo 48º do CIRE).
Pelo produto da venda da Verba nº 3
Prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Tavira com o nº 305 e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 3979.º e na matriz predial rústica sob o artigo 41213º.
Em primeiro lugar:
-Fazenda Nacional - €13,68 (IMI e AMI).
Em segundo lugar, créditos comuns, rateadamente:
-Fazenda Nacional - €5.333,08 (comum).
-V. & Associados – R.L. - €1.304,47 (comum).
-T.L., S.A. - €900.000,00 (comum).
Em terceiro lugar, créditos subordinados por via da alínea a) do artigo 48º do CIRE, rateadamente:
-G.– Sociedade Gestora de Organismos de Investimento Colectivo, S.A. - €386.814,66 (subordinado – alínea a) do artigo 48º do CIRE).
-Banco, S.A. - € 12.662.149,49 (subordinado – alínea a) do artigo 48º do CIRE).
Em quarto lugar, créditos subordinados por via da alínea b) do artigo 48º do CIRE:
-G. – Sociedade Gestora de Organismos de Investimento Colectivo, S.A. - € 2.388,25 (subordinado – alínea b) do artigo 48º do CIRE).
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As dívidas da massa insolvente (artigo 51º do CIRE) saem precípuas na devida proporção do produto da venda, nos termos do artigo 172º, n.ºs 1 e 2, do citado diploma legal.
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Nos termos do disposto no art.º 303º do CIRE, a atividade processual relativa à verificação e graduação de créditos, quando as custas devam ficar a cargo da massa, não é objecto de tributação autónoma.
Assim, não há lugar a custas”.
3- Inconformado com tal decisão, dela recorreu o credor “Banco, S.A.”, para tanto apresentando as suas alegações com as seguintes conclusões:
“1. A sentença recorrida de 17.03.2021 classificou o crédito do aqui Recorrente e o da credora G. como créditos subordinados e, consequentemente, graduou tais créditos, para serem pagos pelo produto da venda dos 3 imóveis apreendidos, em 3.º lugar, depois dos créditos comuns;
2. Entendeu o Tribunal a quo que a G., enquanto entidade gestora do Fundo Insolvente, exerce funções de administração nos termos e para os efeitos previstos do disposto no n.º 3 do artigo 49.º do CIRE e, como tal, seria uma pessoa especialmente relacionada com o Fundo Insolvente, para efeitos de classificação do respectivo crédito como subordinado, nos termos do artigo 48.º, alínea a) do mesmo Código;
3. Salvo o devido respeito, não podemos concordar com tal entendimento, uma vez que a relação da G. com o Fundo insolvente, enquanto sua sociedade gestora, não é subsumível no conceito de “administração” previsto no n.º 3 do aludido artigo 49.º e no artigo 6.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, ambos do CIRE;
4. As funções da G., enquanto sociedade gestora de organismos colectivos de investimento, estão, de forma expressa e tipificada, elencadas no regulamento de gestão de cada Fundo, no RGOIC, no Código dos Valores Mobiliários e encontram-se sujeitas a um rigoroso e apertadíssimo controlo das entidades reguladoras e supervisoras;
5. Sendo que a actividade da entidade gestora do Fundo insolvente subordina-se aos interesses dos participantes enquanto investidores do mesmo e não aos seus respectivos interesses individuais;
6. A G., enquanto sociedade gestora do Fundo Insolvente, possui absoluta autonomia na prossecução da sua actividade e está sujeita a uma malha regulamentar apertadíssima (cfr., respectivamente, os artigos 72.º-A a 74.º do RGOIC), sujeitando-se, em caso de incumprimento, a um regime sancionatório particularmente gravoso – vide artigos 255.º a 279.º do RGOIC;
7. Inexiste, assim, ao contrário do que sucede nas sociedades comerciais e/ou noutros patrimónios autónomos, qualquer possibilidade de influência/contaminação entre a G. e o Fundo Insolvente;
8. A gestão altamente profissionalizada de um Fundo por uma entidade gestora não se confunde com a gestão/administração de uma sociedade comercial pelos seus gerentes/administradores, de facto ou de direito, não existindo qualquer similitude entre as funções de “gestão”/“administração” desenvolvidas por uma sociedade gestora e as levadas a cabo por um administrador de uma sociedade comercial ou até de um qualquer dos patrimónios autónomos elencados no artigo 2.º, n.º 1 do CIRE;
9. Os “administradores” visados pelos artigos 6.º e 49.º do CIRE são os designados pelas sociedades comerciais com funções específicas de gestão interna, encontrando-se, por essa mesma razão, sujeitos a influências dos respectivos sócios/accionistas – cfr. artigos 55.º, 64.º, 72.º e 73.º do Código das Sociedades Comerciais;
10. Pelo contrário, nos organismos de investimento colectivo, como é o caso do Fundo Insolvente, de que a G. é a sociedade gestora, como muito bem entendeu Maria Roussal na publicação referida no corpo das alegações, “(…) não se encontra previsto um órgão de administração próprio, sendo uma entidade gestora externa encarregada da gestão do mesmo. Deparamo-nos, portanto, com a separação entre a titularidade das unidades de participação e a gestão do objeto das mesmas (…)”;
11. O vínculo jurídico estabelecido entre a entidade gestora e o Fundo é enquadrável na figura do contrato de gestão de carteiras e não na de administração (de direito ou de facto) revista nos artigos 6.º e 49.º do C.I.R.E. (cfr. ainda, analogicamente, o artigo 110.º, n.º 4 do C.I.R.E.);
12. Pelo que a relação existente entre a G. e o Fundo Insolvente não se subsume na relação de administração prevista nos artigos 49.º, n.º 3 e 6.º do CIRE e, consequentemente, para efeitos do CIRE, a G. não é uma entidade especialmente relacionada como Fundo Insolvente, não podendo o crédito da G. ser classificado como crédito subordinado, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 48.º, alínea a) do CIRE;
13. Não sendo a G. pessoa especialmente relacionada com o Fundo insolvente, a relação de domínio entre o Banco e a G., em que o Tribunal a quo sustenta a classificação do crédito do Recorrente como subordinado, não tem a potencialidade de gerar essa consequência;
14. Mas mesmo a entender-se, por mera cautela e dever de patrocínio, que a G. é pessoa especialmente relacionada com o Fundo insolvente, resulta claro que, do n.º 3 e al. b) do n.º 2 do artigo 49.º do CIRE, não se pode retirar, como faz o Tribunal a quo na sentença recorrida, que a classificação dos créditos como subordinados, para além de poder ocorrer por via da relação de domínio ou de grupo existente entre um credor e o insolvente (afirmação que não tem discussão), pode também ocorrer por via dessa mesma relação de grupo existente entre um credor e a pessoa especialmente relacionada com o insolvente, o que não decorre da alínea b) do n.º 2 do artigo 49.º do CIRE;
15. Com efeito, o n.º 3 do artigo 49.º do CIRE considera pessoas especialmente relacionadas com o insolvente, os titulares dos patrimónios autónomos, os seus administradores e as pessoas que estejam ligadas a estes por alguma das formas previstas nos números anteriores, mas analisando as formas de ligação previstas nas várias alíneas do n.º 2 daquele artigo, facilmente se alcança que nenhuma delas tem aplicação prática no caso dos patrimónios autónomos, pelo que a referência feita no n.º 3 para os “números anteriores”, deve entender-se como feita apenas para o n.º 1 do referido artigo 49.º;
16. Na realidade e quanto à alínea a), os patrimónios autónomos não têm sócios, associados ou membros que respondam legalmente pelas suas dívidas;
17. Quanto à alínea b), a forma de ligação aí prevista, é apenas e só, a relação de domínio ou de grupo com o insolvente e não outra, sendo que a relação de domínio ou de grupo se coloca apenas na esfera das sociedades, o que não é o caso dos patrimónios autónomos;
18. Quanto à alínea c), não faz sentido a remissão do n.º 3 do artigo 49.º do CIRE para a forma de ligação ali prevista – administradores do insolvente -, quando o n.º 3 já refere expressamente os administradores;
19. Finalmente quanto à alínea d), a remissão ali feita para o n.º 1 do artigo 49.º também não faz sentido, pois essa remissão já é feita expressamente no n.º 3 do artigo quanto aos patrimónios autónomos;
20. Assim, a referência feita no n.º 3 do artigo 49.º do CIRE para os “números anteriores”, tem de entender-se como feita apenas para o n.º 1 do referido artigo 49.º, uma vez que das situações previstas no n.º 2, nenhuma delas tem aplicação prática no caso dos patrimónios autónomos;
21. Não obstante e mesmo que assim não se entendesse e se pudesse considerar que a referência feita na alínea b) do n.º 2 do artigo 49.º seria aplicável aos credores da Insolvente que estejam em relação de domínio ou de grupo com outros credores especialmente relacionados com a Insolvente, o que não se concede, ainda assim não poderia o crédito do Banco ser classificado como subordinado.
22. Na classificação de créditos como subordinados, tem que, forçosamente, atender-se à ratio legis dos artigos 48.º e 49.º do CIRE, no sentido de saber qual o motivo subjacente à criação pelo legislador de uma classe de créditos subordinados;
23. Conforme resulta claro do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de Março, que aprovou o CIRE e conforme defende Maria do Rosário Epifânio, in Manuel de Direito de Insolvência (pág. 229), “a filosofia subjacente à classificação destes créditos como subordinados deveu-se à situação de superioridade informativa sobre a situação do devedor, relativamente aos demais credores, por um lado, e por outro ao aproveitamento dessas relações especiais feito pelo próprio devedor para frustrar as finalidades do processo de insolvência, à semelhança aliás de outros mecanismos previstos no CIRE, tais como a resolução de actos em benefício da massa insolvente.”;
24. Para este efeito, não se pode apenas atentar no facto de o Banco deter a 100% a G., sendo que o importante é analisar o tipo de relação que, para o que está em análise nos presentes autos, existe entre as duas entidades em causa;
25. A G. é uma sociedade gestora de organismos de investimento colectivo e as suas funções e regras de actuação estão, de forma expressa e tipificada, elencadas no regulamento de gestão do Fundo Insolvente, no RGOIC, no Código dos Valores Mobiliários e encontram-se sujeitas a um rigoroso e apertadíssimo controlo das entidades reguladoras e supervisoras;
26. À G., na sua actividade de administração de Fundos de Investimento, como o Fundo aqui Insolvente, está vedada a possibilidade de receber instruções de qualquer outra pessoas/entidade que não sejam os participantes do Fundo;
27. Sendo que a G. nunca forneceu ao Banco, directa ou indirectamente, informação privilegiada sobre a situação do Fundo Insolvente que o colocasse numa situação de superioridade face aos demais credores no que toca à definição ou condicionamento da factualidade de que o seu crédito emerge, nem isso foi alegado ou resulta por qualquer forma dos autos;
28. A escolha da G., enquanto entidade gestora do Fundo agora insolvente, foi efectuada pelos participantes do mesmo e não pelo aqui Recorrente, sendo que tal escolha poderia ter recaído sobre qualquer outra entidade gestora de fundos de investimento fora do grupo e a qualquer momento, nos termos do artigo 2.º, n.º 9 do Regulamente do Fundo junto com a P.I., os participantes (e só estes) do mesmo podiam substituir a sociedade gestora, nomeando outra não pertencente ao Grupo do aqui Recorrente;
29. A G. exerceu sempre a sua actividade de gestão do Fundo Insolvente com total autonomia e sem qualquer tipo de ingerência por parte do Banco, respeitando, ambas as partes, escrupulosamente, o campo de actividade, funções e responsabilidades de cada uma;
30. Acresce que, a quase totalidade do crédito do Banco nasceu da celebração de um contrato de mútuo, garantido por hipoteca, sobre o património imobiliário do Fundo Insolvente, celebrado em 2010, balizado por isso, por contratos claros e escorreitos, em relação aos quais não se coloca qualquer tipo de condicionamento, sendo que tal financiamento, no valor inicial de €9.000.000,00, apenas foi concedido tendo como pressuposto a existência das hipotecas e oponibilidade das mesmas em relação a terceiros, nos termos da lei, caso existisse incumprimento;
31. E o Banco tinha, à data da declaração de insolvência do Fundo, pendentes contra o mesmo duas acções executivas (para cobrança coerciva de tal crédito), nas quais já se encontravam penhorados os imóveis apreendidos nos presentes autos, estando a venda dos mesmos iminentes, quando se viu surpreendido com a declaração de insolvência do Fundo, por requerimento da G.;
32. Não tivesse sido a apresentação do Fundo à insolvência pela G. e tais imóveis teriam sido, com elevado grau de probabilidade, objecto de venda judicial no âmbito do supra referido processo executivo num curto espaço de tempo e sem qualquer contingência associada;
33. O que evidencia, claramente, o escrupuloso respeito pela G. e pelo Banco, da autonomia e independência de cada uma dessas Instituições;
34. Na sentença recorrida não é imputada à G. qualquer violação do dever de independência ou de actuação com diligência na defesa dos interesses dos participantes, nem a violação do dever de sigilo a que está adstrita ou quaisquer factos que evidenciem que o Banco teve acesso a qualquer tipo de informação privilegiada sobre o Fundo Insolvente, nomeadamente fornecida pela G., que o colocasse numa situação de superioridade informativa sobre os demais credores;
35. Atenta a factualidade e o momento (10 anos antes da celebração de insolvência) que levou ao nascimento dos créditos do Banco e às respectivas garantias, não se vê sequer qual poderia ser o tipo de informação privilegiada a que o Banco pudesse aceder, que lhe desse qualquer tipo de vantagem sobre os demais credores, uma vez que os parâmetros essenciais da constituição desses créditos ficaram definidos há mais de 10 anos e não sofreram alterações relevantes;
36. Na senda do Acórdão da Relação do Porto de 14.07.2020, mencionado mais desenvolvidamente no corpo das alegações, deverá ter-se presente, no que respeita à razão de ser (elemento racional ou teleológico da interpretação) das estatuições da al. a) do artº 48º e do artº 49º, ambos do CIRE, o que consta do preâmbulo do DL nº 53/2004, diploma que aprovou aquele código, impondo-se interpretar os citados normativos de modo a abranger na sua previsão apenas (interpretação restritiva) os casos em que se possa estabelecer lógica e razoavelmente um nexo temporal que de alguma forma co-envolva ou comprometa a suposta superioridade informativa de um credor (ou o aproveitamento feito pelo devedor) com uma futura condição insolvencial;
37. Não faz sentido conceber, mais a mais no contexto de um mundo moderno sempre em mudança e comandado por variáveis económicas imprevisíveis e incontroláveis, que com cerca de 10 anos de antecedência se possa representar relevantemente (isto é, com rebate numa possível futura insolvência e na justa liquidação do activo no confronto de outros potenciais credores) o que quer que seja em termos de superioridade informativa do credor sobre as condições do devedor relativamente aos demais credores;
38. Na realidade, a concessão do crédito pelo aqui Recorrente (10 anos antes) ao Fundo insolvente e a declaração de insolvência deste, são acontecimentos de tal forma distantes no tempo que têm de ser encarados como completamente independentes entre si, sem qualquer correlação, conotação, afinidade ou implicação recíproca;
39. Sendo, por isso, flagrante que a relação de domínio entre a G. e o Banco não criou qualquer superioridade informativa deste em relação aos demais credores, que justifique a aplicação do regime da subordinação como forma de protecção do princípio “par conditio creditorum”, previsto no artigo 194.º do CIRE;
40. Recorrendo ao elemento racional ou teleológico da interpretação das estatuições da alínea a) do artigo 48.º e do artigo 49.º, ambos do CIRE, como fez o Tribunal da Relação do Porto no aresto supra mencionado (algo que, salvo o devido respeito, não foi feita na sentença recorrida), concluímos que o regime particularmente penalizador a que o legislador quis sujeitar os créditos subordinados visa evitar o injusto favorecimento dos credores que, por via da especial relação/superioridade informativa que mantêm com o Insolvente, possam, com a sua conduta, violar o princípio da igualdade dos credores e as finalidades dos processos de insolvência (à cabeça, o pagamento dos créditos reclamados);
41. É evidente a total separação entre as esferas jurídicas da G. e do Banco, sendo que o facto de a primeira ser detida a 100% pelo segundo não implica qualquer relação de “promiscuidade” entre ambos, tendo sido este o único critério utilizado pelo Tribunal a quo para classificar o crédito do aqui Recorrente como crédito subordinado;
42. Na sentença recorrida não é efectuada nenhuma análise da ratio legis dos artigos 48.º e 49.º do CIRE, nem dos motivos que levaram o legislador a criar a figura das “pessoas especialmente relacionadas com o devedor”, limitando-se o Tribunal a fazer uma mera interpretação literal, descontextualizada e simplista de tais preceitos;
43. Como refere o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 02.02.2010 (Proc.º n.º 171/07.5TBOBR-C.C1), disponível em www.dgsi.pt: “(…) O disposto no artº 49º do CIRE não deve ser interpretado com um excessivo rigor formal, mas antes plástica e razoavelmente, de sorte a concluir-se, ou não, se o caso concreto encerra o quid essencial que lhe subjaz, a saber: se o credor reclamante, directa ou indirectamente, tem na sua posse informação sobre a situação do devedor que o coloque numa situação de superioridade face aos demais credores no que toca à definição ou condicionamento de factualidade de que o seu crédito emirja.”;
44. O ora Recorrente não influenciou, por qualquer forma, a gestão que a credora G. fez do Fundo Insolvente, nem por esta lhe foi fornecida informação privilegiada, da qual lhe pudesse advir uma qualquer vantagem perante os demais credores, sendo que a relação entre ambos é e foi sempre pautada pela total autonomia e independência nas decisões, nomeadamente por força do regime legal aplicável às sociedades gestoras de organismos de investimento colectivo.
45. Acresce que a situação de domínio ou de grupo entre o Banco e a G., enquanto sociedade gestora de Organismos de Investimento Colectivo, não é, de forma alguma, equiparável às situações de domínio ou de grupo previstas nas sociedades comerciais, em que a independência e autonomia não existe nos termos supra descritos, sendo estas últimas relações que o legislador visa acautelar na classificação de créditos subordinados prevista nos artigos 48.º e 49.º do CIRE.
46. Assim por tudo o supra exposto e salvo o devido respeito, não se concorda com a classificação do crédito do aqui Recorrente como crédito subordinado, nem, consequentemente, com a graduação constante da sentença proferida pelo Tribunal a quo, impondo-se que o crédito garantido por hipoteca do ora Recorrente seja graduado em 1º lugar, à frente dos demais créditos;
47. A interpretação efectuada pelo Tribunal a quo na sentença recorrida do disposto artigo 49.º, n.º 3 do CIRE, quanto ao crédito do aqui Recorrente e quanto ao crédito da G., é um atentado ao princípio geral de direito, conhecido por “par conditio creditorum”, que determina que os credores devem ser tratados de forma igual, sem prejuízo de diferenciações justificativas por razões objectivas, previsto no artigo 194.º do CIRE, bem como uma violação dos princípios da igualdade e da proporcionalidade, constitucionalmente tutelados nos artigos 13.º e 266.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa;
48. A sentença recorrida violou, no mínimo, o disposto nos artigos nos artigos 48.º, 49.º e 194.º do CIRE e os artigos 13.º e 266.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa;
49. Deve, desta forma, ser revogada a classificação dos créditos do Recorrente e da G. e, consequentemente, ser o crédito do Recorrente graduado como crédito garantido e alterada em conformidade a graduação desses créditos efectuada na sentença recorrida;
50. Vem, ainda, a título subsidiário e para o caso do recurso referente ao crédito do ora credor improceder, o presente recurso interposto da sentença recorrida na parte em que na mesma se classificou o crédito da credora T.L., Lda. como crédito comum, graduando-o, para ser pago pelo produto da venda dos 3 imóveis apreendidos, em 2.º lugar, rateadamente com os demais créditos comuns e logo após o crédito privilegiado da Fazenda Nacional, graduado em 1.º lugar;
51. Admitindo que o raciocínio expresso na sentença recorrido estivesse correcto no sentido de o crédito do ora Recorrente ser subordinado, o que aqui se admite por hipótese de raciocínio, então o crédito da credora T.L., Lda. deveria, de igual forma, ter sido classificado como crédito subordinado (e não como comum) e graduado nos mesmos termos do crédito do aqui Recorrente, por via do mesmo raciocínio;
52. Pese embora o crédito da referida credora não ter sido objecto de impugnação, impunha-se ao Tribunal, antes de proceder à verificação e graduação desse crédito, verificar se dispunha no processo de elementos que pudessem justificar uma decisão diferente daquela que foi tomada na lista de créditos definitivos prevista no artigo 129.º, n.º 1 do CIRE;
53. É este o entendimento da jurisprudência dominante, a título de exemplo o referido no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17/04/2018 – no âmbito do Proc.º 4247/11.6TBBRG-B.G1-A.S3, disponível em www.dgsi.pt “A falta de impugnação da lista de credores não preclude o dever de o juiz sindicar a sua legalidade e o direito de qualquer interessado impugnar a qualificação e graduação dos créditos em recurso de apelação.
Mesmo que não haja impugnação por banda de qualquer interessado, o juiz pode e deve filtrar a menção do crédito constante da lista apresentada pelo administrador da insolvência, apreciando as suas características, procedendo à sua qualificação jurídica e aferindo se as garantias referidas pelo administrador se mostram conformes com as regras de Direito aplicável.”;
54. Neste caso, a lista de créditos definitivos apresentada pelo Sr. Administrador de Insolvência continha um erro manifesto na classificação do crédito da credora T.L., Lda., que o Tribunal deveria ter verificado e apreciado, uma vez que tinha elementos nos autos para o fazer, conforme se passará a demonstrar;
55. Na verdade, tendo presente que o Tribunal a quo tem o entendimento de que a remissão prevista no n.º 3 do artigo 49.º do CIRE é efectuada também para todas as alíneas do n.º 2 do mesmo artigo e tendo em conta os elementos constantes do processo a que o Tribunal tinha acesso, impunha-se uma decisão diferente quanto ao crédito da T.L. e uma graduação desse crédito diversa da que foi feita na sentença recorrida;
56. O Insolvente é um fundo de investimento imobiliário fechado, cujas UP’s (unidades de participação) são detidas, na totalidade, pelos Participantes adiante identificados: (i) M.G.P.M.D., (ii) A.M.P.M..D.e (iii) J.M.P.M.D.;
57. Os mencionados Participantes A.M.P.M..D., J.M.P.M.D. e M.G.P.M.D., são e já eram, há mais de dois anos, à data da declaração de insolvência do Fundo Insolvente, respectivamente, os dois primeiros sócios e o último sócio-gerente da credora T.L., Lda;
58. Os participantes do Fundo insolvente, ou seja, os titulares de 100% das respetivas unidades de participação, são as mesmas pessoas que detêm 99,6% do capital social da credora T.L. Lda., em ambos os casos há mais de dois anos à data de declaração de insolvência; ou seja, o Fundo Insolvente e a credora T.L., Lda., são detidas a 99,6% pelas mesmas pessoas, e, por isso, estão em relação de domínio;
59. A credora T.L., Lda., estando em domínio com o Fundo Insolvente, é uma pessoa especialmente relacionada com este e, como tal, o seu crédito deve ser classificado como subordinado;
60. A entender-se, como fez a douta sentença recorrida, que tendo o legislador determinado que a remissão feita no n.º 3 do artigo 49.º do CIRE é para todas as alíneas do n.º 2 do mesmo artigo, então nos termos da alínea b) deste número e do disposto no artigo 21.º do Código dos Valores Mobiliários, dada relação de domínio entre o Fundo insolvente e a credora T.L., Lda., não restam dúvidas de que crédito desta deve ser classificado como subordinado e não como crédito comum, como decidiu a sentença recorrida;
61. Outro entendimento não pode extrair-se do n.º 3 do artigo 49.º do CIRE, conjugado com a alínea b) do n.º 2 do mesmos artigo, já que, tendo a douta sentença recorrida entendido que a simples relação de domínio ou de grupo entre a entidade gestora do Fundo e um credor (no caso o ora recorrente), conduz, nos termos do n.º 3 do artigo 49.º do CIRE e, por remissão deste, na alínea b) do n.º 2 do mesmo artigo, a que o crédito daquele se deva considerar como subordinado, por maioria de razão deve entender-se que a relação de domínio ou de grupo, directa, de um credor com a entidade insolvente, determina necessariamente que o crédito deste último se deva considerar também como subordinado, nos termos daquelas mesmas disposições legais;
62. Sob pena de existir uma contradição fulgurante entre a fundamentação e a decisão constante da sentença recorrida que, quanto a dois tipos de créditos com a mesma natureza (na interpretação constante da sentença) os classifica de forma diversa;
63. Pelo que e caso o recurso do aqui Recorrente improceda, necessário é, por uma questão de coerência de raciocínio e para não existir violação clara do princípio que norteia os processos de insolvência designado por “par conditio creditorum”, que determina que os credores devem ser tratados de forma igual, sem prejuízo de diferenciações justificativas por razões objectivas, previsto no artigo 194.º do CIRE, revogar a sentença recorrida na parte em que verificou e graduou o crédito da T.L. como crédito comum, devendo o mesmo, nesse caso, ser classificado como crédito subordinado e graduado como tal;
64. Neste sentido, entende o aqui Recorrente que este Tribunal, estando na posse de todos os elementos probatórios, dispõe de poderes e autonomia para se substituir ao tribunal de 1.ª instância e decidir de acordo com o Direito, o que, desde já, se requer, nos termos do disposto no artigo 662.º, n.º 1 do CPC;
65. Como supra exposto, o erro manifesto da lista, não detectado/verificado pelo Tribunal de 1.ª instância prende-se com a natureza, comum, ao invés de subordinada, com que foram reconhecidos os créditos da T.L., Lda.;
66. Os elementos probatórios devidamente identificados no corpo das alegações (artigo 10.º da P.I., página 4 do relatório do artigo 155.º do CIRE, artigos 46.º a 51.º da resposta à impugnação da G. e documentos 2 a 4 juntos à resposta à impugnação da G.) disponíveis nos autos e indevidamente desconsiderados na decisão de facto pelo tribunal de 1.ª instância, não podem deixar de ser relevados;
67. O que determina, nos termos previstos no artigo 662.º, n.º 1 do CPC, o aditamento ao elenco da factualidade assente dos seguintes factos provados:
IX) O Fundo tinha à data de 24.04.2020, os seguintes únicos Participantes: M.G.P.M., J.M.P.M.D. e A.M.P.M.D.;
X) Os Participantes, M.G.P.M., J.M.P.M.D. e A.M.P.M.D., são e já eram, à data da declaração de insolvência do Fundo, respectivamente, os dois primeiros sócios e o último sócio-gerente da credora T.L., Lda.
XI) A sociedade T.L., Lda. tem um capital social de € 50.000,00, sendo que os sócios M.G.P.M., J.M.P.M.D. e A.M.P.M.D. detêm cada um deles, respetivamente, uma quota no valor de € 16.600,00.
68. A alteração da decisão de facto, nos termos e pelos fundamentos acima expostos, determina a revogação da sentença recorrida na parte relativa à graduação dos créditos da credora T.L., Lda.
Nestes termos e nos mais de direito, que V. Exas., Senhores Desembargadores, doutamente suprirão:
(i) deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se, em consequência, a classificação e graduação de créditos efectuada na sentença recorrida quanto aos créditos do aqui Recorrente, substituindo-se a mesma por Acórdão deste Tribunal que classifique tais créditos como créditos garantidos e gradue os mesmos para serem pagos sobre os imóveis apreendidos, em 2.º lugar, logo após o crédito de IMI; e serem os créditos da credora G. classificados como créditos comuns e graduados nesses termos, juntamente com os demais créditos comuns;
(ii) caso o presente recurso não seja procedente, deverá ser revogada a sentença recorrida quanto aos créditos da credora T.L., Lda., substituindo-se a mesma por Acórdão deste Tribunal que classifique tais créditos também como subordinados e os gradue como tal, em último lugar juntamente com os demais créditos subordinados”.
4- A credora “G. – Sociedade Gestora de Organismos de Investimento Colectivo, S.A.” também recorreu da Sentença, apresentando as suas alegações e as conclusões que seguem:
“I. Vem o presente recurso interposto, de facto e de direito, da sentença de 17.03.2021, na parte em que:
-Entendeu que as funções levadas a cabo pela Recorrente, na qualidade de entidade gestora do fundo de investimento imobiliário (insolvente), equivalem às funções dos administradores de patrimónios autónomos, como tal, subsumíveis na previsão do artigo 49.º, n.º 3 do CIRE e, em consequência, graduou como subordinados os seus créditos para pagamento, em último lugar, pelo produto dos bens apreendidos para a Massa Insolvente;
-Omitiu da factualidade assente matéria relevante relativa à natureza do crédito da credora T.L., não obstante esses elementos constarem dos autos e terem sido alegados pela Recorrente em momento anterior à decisão de facto;
-Absteve-se de sindicar o erro manifesto de que padece a lista definitiva de credores relativamente à natureza do crédito da credora T.L. em violação dos poderes/deveres previstos nos artigos 5.º do CPC e 11.º do CIRE;
-Não conheceu das questões alegadas e provadas documentalmente pela G., na sua resposta à impugnação, a propósito da natureza do crédito da T.L., nomeadamente do impacto da mesma em termos de abuso de direito e má-fé.
II. Como supra se expôs, na perspectiva do tribunal recorrido, o insolvente, T. –Fundo Especial de Investimento Imobiliário Fechado, cabe na definição de património autónomo prevista no n.º 3 do artigo 49.º do CIRE.
III. No entanto, é o próprio CIRE que, no seu artigo 2.º, n.º 1, v.g. alíneas a) e h) e, mais abaixo, no n.º 2, alínea b), in fine, separa e distingue “patrimónios autónomos” de “organismos de investimento colectivo” tratando-os como realidades distintas, os últimos por “estarem sujeit(o)s a um regime específico e dado que, em certa medida, as autoridades nacionais de fiscalização dispõem de extensos poderes de intervenção” – cfr. Considerando (9) do Regulamento (CE) n.º 1346/2000 do Conselho, de 29 de Maio de 2000.
IV. Assim, o CIRE só será aplicável aos organismos de investimento colectivo quando expressamente indicado e na medida em que a sua aplicação não colida com os regimes especialíssimos a que estão sujeitos – não é o caso do n.º 3 do artigo 49.º do CIRE que, por conseguinte, não lhe é aplicável.
V. De acordo com a sentença recorrida, “ainda que a sua designação formal seja de “entidade gestora” (…) a expressão “administrador” contida no n.º 3 do artigo 49.º deve ser entendida pelo conteúdo das funções inerentes a tal cargo e não pela designação estrita.”
VI. A Recorrente concorda com a exposição da questão; não pode aceitar a leitura, totalmente alheada da realidade dos organismos de investimento colectivo, que a M.ª Juiz a quo fez das funções das sociedades gestoras.
VII. Do facto da G. ter poderes de gestão, “administração” e representação do Fundo não resulta, automaticamente, que esses poderes / deveres sejam equiparáveis aos dos administradores de patrimónios autónomos.
VIII. Desde logo, conforme imposto pelo artigo 65.º, n.º 1 do RGOIC, “o organismo de investimento coletivo heterogerido é gerido a título profissional por uma entidade gestora elegível nos termos do artigo 71.º-A.”, isto é, trata-se de uma gestão externa ao Fundo (heterogestão), exercida a título profissional e norteada pelo princípio da independência.
IX. Nos organismos de investimento colectivo, ao contrário do que sucede nas sociedades comerciais ou nos patrimónios autónomos tout court, não se encontra previsto nenhum órgão de administração próprio pelo que faz parte da natureza destas entidades a total separação de poderes e deveres entre os Participantes e a entidade gestora.
X. Razão pela qual, ao contrário do que sucede nas sociedades comerciais – cfr. artigos 55.º, 64.º, 72.º e 73.º do Código das Sociedades Comerciais – no caso das entidades gestoras, a sua actuação não sofre influências, quer externas, quer internas, dos Participantes.
XI. Ora, subordinando-se a relação entre o Fundo e a sociedade gestora ao princípio da independência é evidente que não se verificam os pressupostos dos artigos 49.º, n.º 3, 48.º, a) e 47.º, n.º 4, alínea b) parte final: não há informação privilegiada que comprometa o ressarcimento de outros credores do Fundo, não há uma especial relação com o Fundo, não há promiscuidade entre o Fundo e a entidade gestora.
XII. A G. recebe um mandato dos participantes concretizado através da subscrição das unidades de participação e, no cumprimento desse mandato, presta os seus serviços com vista à rentabilização dos activos mediante o pagamento de uma comissão de gestão.
XIII. Esta relação de “mandato” e/ ou “gestão de carteiras” nada tem a ver com o conceito de administradores (necessariamente pessoas singulares e nunca sociedades gestoras) previsto no artigo 49.º, n.º 3 do CIRE.
XIV. A obrigatoriedade permanente de reporte / deveres de informação às entidades supervisoras que recaem sobre as sociedades gestoras e ficam disponíveis para consulta e escrutínio público, por qualquer interessado – designadamente, qualquer credor ou potencial credor do Fundo – são garantia da total transparência, independência e idoneidade da gestão que, a cada momento, é levada a cabo pelas entidades gestoras de OIC – cfr. https://web3.cmvm.pt/sdi/fundos/carteiras/fii/dtlcart_fii.cfm?num_fun=%24%23%24WY%23P %20%20%0A&data1=%2A%23D%5BB%23-Q%20%281%3C%21QP%20%20%0A
XV. Insiste-se, qualquer pessoa pode consultar a página da CMV e aceder, relativamente a cada organismo de investimento colectivo, em tempo real ou, de acordo com a data que entender pesquisar às seguintes informações disponíveis: (i) Informação relevante, (ii)Valor da unidade de participação; (iii) Composição discriminada da carteira; (iii) Regulamento de gestão; (iv) Relatório e contas e (v) Rendibilidade – https://web3.cmvm.pt/sdi/fundos/app/ficha_fundo.cfm?num_fun=%24%23%24WY%23P%20 %20%0A
XVI. Pelo que inexiste superioridade informativa da G. relativamente aos demais credores – a informação é / sempre foi de acesso e escrutínio público e sujeita a rigoroso controlo das autoridades de supervisão.
XVII. A violação dos deveres e das obrigações legais das sociedades gestoras – circunstância que jamais foi sequer levantada pela Impugnante – encontra-se expressamente regulada/prevista tendo como consequência, nos casos mais graves, a revogação da autorização para o exercício das funções de intermediação financeira, entre as quais, as da própria gestão de OIC.
XVIII. Em síntese, apenas um absoluto desconhecimento da realidade dos organismos de investimento colectivo (OIC) e suas sociedades gestoras permite a absurda qualificação dos créditos da G. como subordinados, penalizando e inviabilizando o seu ressarcimento.
XIX. Entender de outra forma comprometerá irreversivelmente o princípio da independência subjacente à heterogestão profissional dos fundos e traduzir-se-á numa grave violação do princípio da confiança e das legítimas expectativas dos agentes em questão no mercado financeiro – cfr. artigos 5.º, 72.º-A e 73.º do RGOIC e 266.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa.
XX. A gestão dos organismos de investimento colectivo pelas sociedades gestoras decorre de uma previsão e obrigação legal – cfr. artigos 71.º-B, n.º 1 e 71.º-A, n.º 1 do RGOIC.
XXI. Ainda que os Participantes deliberem, em Assembleia, a substituição da entidade gestora será sempre uma substituição de uma por outra com idênticas funções, taxativamente previstas e reguladas na lei.
XXII. No caso sub judice, os créditos reconhecidos à G. correspondem ao “preço” dos serviços de gestão profissionalizada por si prestados ao Fundo,
XXIII. Não foram constituídos nos dois anos anteriores à declaração da insolvência; inexiste confusão ou promiscuidade entre as esferas jurídicas da sociedade gestora e do fundo insolvente e qualquer “superioridade informativa” que a Recorrente pudesse ter relativamente à situação da Insolvente, emergente das funções exercidas enquanto entidade gestora, não acarretou qualquer prejuízo, nem, de modo algum, comprometeu, o ressarcimento dos demais credores da Insolvência – cfr. artigo 48.º, alínea a) do CIRE.
XXIV. Consequentemente, nem o Fundo Insolvente cabe no conceito de “património autónomo” previsto no artigo 49.º, n.º 3 do CIRE, nem a G. – porque não exerce funções equiparadas/equiparáveis às dos “administradores” – pode ser tida como “pessoa especialmente relacionada” – a propósito da possibilidade de afastar a presunção de pessoa especialmente relacionada, Catarina Serra, in Lições de Direito da Insolvência, pp. 73 a 76.
XXV. A douta sentença recorrida desconsidera o princípio da independência subjacente à heterogestão profissional dos fundos – a vingar tal tese, é ditada a sentença de morte dos organismos de investimento colectivo e das sociedades profissionais que, sob apertadíssimas regras de supervisão, os gerem.
XXVI. Andou mal o tribunal de 1.ª instância ao abster-se de conhecer dos factos e documentos carreados para os autos pela Recorrente no seu requerimento de 31.08.2020, ref.ª citius 27004844, a propósito da natureza subordinada dos créditos da Terra Latina, S.A.
XXVII. Se os tivesse ponderado, nos termos previstos nos artigos 5.º do CPC e 11.º do CIRE, teria decidido de forma diversa a matéria de facto assente e corrigido, na graduação, o erro manifesto de que enferma a lista definitiva no que se refere à natureza do crédito da T.L., S.A. – trata-se de um crédito subordinado e não de um crédito comum, como, por manifesto lapso, ali consta.
XXVIII. De todo o modo, tendo sido produzida prova, sujeita a contraditório e constando dos autos todos os documentos que permitem alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto deve a mesma, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 662.º, n.º 1 do CPC ser modificada de forma a expurgar o erro manifesto da lista definitiva.
XXIX. Assim, com fundamento nas alegações e documentos (não impugnados) constantes dos autos e adiante indicados: (i) artigo 10.º da P.I. de insolvência – requerimento junto aos autos em 24.04.2020, ref.ª citius 26103051; (ii) relatório elaborado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 155.º do CIRE, página 4, junto aos autos em 04.08.2020, ref.ª citius 26845550; (iii) artigos 46.º a 51.º da resposta à impugnação da G. – cfr. requerimento de 31.08.2020, ref.ª citius 27004844, (iv) documentos 2 a 4 juntos à resposta à impugnação da G. – cfr. documentos 2 a 4 do requerimento de 31.08.2020, ref.ª citius 27004844, devem ser aditados os seguintes factos ao elenco da factualidade assente:
IX) O Fundo tinha à data de 24.04.2020, os seguintes Participantes:

ParticipanteNIFUnidades de Participação
M.G.P.MXXX1667
J.M.P.M.D.XXX1667
A.M.P.M.XXX1666


X) Os Participantes, M.G.P.M.D., J.M.P.M.D. e A.M.P.M.D., são e já eram, à data da declaração de insolvência do Fundo T., respectivamente, sócios e sócio e gerente da Impugnante T.L., Lda.
XXX. Subsumindo os “novos” factos provados ao direito concluímos que são Titulares do Fundo Insolvente, leia-se, pessoas especialmente relacionadas com o mesmo, nos termos e para os efeitos do n.º 3 do artigo 49.º do CIRE, os seus Participantes, M.G.P.M.D., A.M.P.M.D. e J.M.P.M.D..
XXXI. Mais, são sócios e respondem legalmente pelas dívidas da credora T.L., Lda., os mesmos M.G.P.M.D., A.M.P.M.D. e J.M.P.M.D. – cfr. artigo 49.º, n.º 2, alínea a) do CIRE.
XXXII. Comprovada a existência de especial relação entre os Titulares do Fundo e a T.L., Lda. – Participantes e sócios/gerentes são uns e os mesmos –, verifica-se a situação prevista no artigo 48.º, alínea a) do CIRE devendo o crédito da credora T.L., Lda. ser reconhecido como subordinado – cfr. requerimento de 14.08.2020, ref.ª citius 26918314..
XXXIII. Caso a Recorrente venha a decair na parte relativa à graduação do crédito da T.L. com fundamento em erro manifesto da lista definitiva, sempre as circunstâncias do caso concreto, analisadas à luz do instituto do abuso de direito, inibirão o exercício do mencionado “direito”.
XXXIV. Sob pena do seu exercício, ainda que em princípio “válido” ou “legítimo”, conduzir a resultados iníquos, excedendo “(…) intoleravelmente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes e pelo fim social ou económico do direito (…)” – cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 24.04.2008 (Proc.º n.º 2889/2008-6), disponível em www.dgsi.pt
XXXV. In casu, os resultados injustos, atentatórios do princípio “par conditio creditorum” (cfr. artigo 194.º do CIRE), da igualdade, da confiança e da proporcionalidade (respectivamente, artigos 13.º e 266.º, n.º 2 da CRP) traduzir-se-iam na hipótese da credora Terra Latina – titular de um crédito materialmente “subordinado” – receber como comum, em paridade com os “verdadeiros” credores comuns e com prioridade sobre o crédito da G. – de “idêntica natureza ao da Impugnante” (pressupondo – o que não se concede mas apenas admite por cautela e dever de patrocínio – que a decisão se mantém quanto ao seu crédito) €900.000,00 (novecentos mil euros).
XXXVI. Donde, caso se entenda inexistirem fundamentos para revogar a sentença recorrida na parte relativa à graduação dos créditos da T.L., Lda., deve a execução dos direitos daí emergentes para a citada credora ser travados com fundamento no artigo 334.º do Código Civil.
XXXVII. A sentença recorrida omitiu e/ou fez incorrecta e indevida aplicação dos artigos 49.º, n.º 3, 48.º, alínea a), 47.º, n.º 4, alínea b), 2.º, n.ºs 1 e 2, 120.º, n.ºs 1 a 5, 130.º, n.º 3, 110.º, n.º 4, 11.º e 194.º do CIRE, 5.º e 444.º do Código de Processo Civil, 2.º, n.º 1, alínea u), 42.º, n.º 1, alínea b), 43.º, 65.º 66.º, 71.º-B, 72.º-A a 74.º do Regime Geral dos Organismos de Investimento Colectivo, 334.º do Código Civil, 13.º e 226.º, n.º 2 da CRP.
XXXVIII. Devendo ser revogada e substituída por douto acórdão que gradue os créditos da Recorrente como comuns e os créditos da T.L., Lda. como subordinados.
(…)
Nestes termos, deverá ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, ser revogada a douta sentença recorrida, com todas as consequências legais.
Só assim se decidindo, será cumprido o Direito e feita Justiça”.
5- A credora “T.L., Ldª” apresentou contra-alegações, onde conclui:
“Concluindo, deve manter-se a sentença recorrida inalterada pois que, relativamente aos créditos detidos pela G. e pelo Banco, face a tudo o que ficou exposto, a solução (bem) acolhida na sentença proferida pelo tribunal a quo resulta não só do regime legal aplicável, como também do princípio par conditio creditorum, pois que a especial relação existente entre a G. e o Fundo e entre a G. e o Banco implica, necessariamente, uma diferenciação negativa dos créditos detidos pelos Apelantes, diferenciação justificada por razões objetivas e traduzida na qualificação dos créditos dos Apelantes como subordinados. Já no que ao crédito detido pela T.L. diz respeito, existindo uma decisão quanto ao mesmo transitada em julgado, encontra-se esgotado o poder jurisdicional do tribunal, pelo que não é a decisão atinente a tal crédito passível de ser alterada. De resto, ainda que assim não fosse, sempre o regime jurídico aplicável, bem assim como as características da figura dos Participantes de um Fundo, determinariam a qualificação de tal crédito como comum.
Nestes termos, e nos melhores de Direito, devem ser considerados improcedentes os recursos apresentados, mantendo-se inalterada a douta sentença proferida,
Assim se fazendo a habitual Justiça”.

*  *  *

II – Fundamentação
a)  A matéria de facto dada como provada na 1ª instância foi a seguinte:
1-  Os autos principais de insolvência, dos quais os presentes constituem um apenso, tiveram o seu início por requerimento do insolvente “T – Fundo de Investimento Imobiliário Fechado”, gerido e legalmente representado pela “G., S.A.”, sociedade anónima, com sede na Rua …, concelho de …, com o capital social de 1.250.000 €, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de … sob o número único de matrícula e pessoa coletiva 502801026.
2- A 3/6/2020, foi, naqueles autos, proferida sentença, transitada em julgado em 28/6/2020, que declarou a insolvência do “Fundo” requerente.
3- A constituição do Requerente foi autorizada em 1/7/2010, por deliberação do Conselho Diretivo da Comissão de Mercados de Valores Mobiliários (adiante designada abreviadamente CMVM) e ocorreu em 29/10/2010 por um prazo inicial de 10 anos, contados a partir da data da sua constituição.
4- O capital do Requerente é de 5.000.000€, a que correspondem 5.000 unidades de participação, no valor unitário de subscrição de 1.000€.
5- A “G. – Sociedade Gestora de Organismos de Investimento Colectivo, S.A.” iniciou a sua actividade em 24/3/1992, por duração indeterminada e encontra-se registada na CMVM como intermediário financeiro autorizado desde 5/1/1996.
6- É Depositário dos valores que constituem o Requerente, o “N.B., S.A.”, com sede na Avenida …, em …, matriculado na Conservatória do Registo Comercial de … sob o número único de matrícula e de pessoa coletiva … e registado na CMVM como intermediário financeiro desde 26/9/2014.
7- Dispõem os artigos 1º e 2º do Regulamento de Gestão do Fundo Insolvente:
“Artigo 1º
O Fundo
1. O Fundo denomina-se por “T. – Fundo Especial de Investimento Imobiliário Fechado” de ora em diante abreviadamente designado por Fundo.
2. O Fundo é um organismo especial de investimento imobiliário fechado, constituído por subscrição particular, dirigido a investidores não exclusivamente institucionais e que obedece ao regime do Divisão IV da Lei 16/2015, de 24 de fevereiro, que aprovou o Regime Geral dos Organismos de Investimento Coletivo, de ora em diante abreviadamente designado por RGOIC.
3. O Fundo é um património autónomo, pertencente, no regime especial de comunhão a uma pluralidade de pessoas, singulares ou coletivas, designadas participantes, que não respondem, em caso algum, pelas dívidas destes ou da Entidade Gestora, Depositário, Entidades Colocadoras ou de outros organismos de investimento coletivo, respondendo o seu património apenas pelas dívidas do Fundo e regulado pelo RGOIC.
4. O Fundo foi autorizado em 01 de julho de 2010, por deliberação do Conselho Diretivo da Comissão de Mercados de Valores Mobiliários, adiante designada abreviadamente CMVM, foi constituído em 29 de outubro de 2010 por um prazo inicial de 10 anos, contados a partir da data da sua constituição.
5. A duração do Fundo pode ser prorrogada por um ou mais períodos não superiores a 10 anos, desde que obtida deliberação favorável da Assembleia de Participantes com uma antecedência de seis meses em relação ao termo da duração do Fundo, e efetuadas as comunicações legalmente previstas.
6. No caso de se verificar a prorrogação do Fundo, os participantes que tenham votado contrariamente a tal prorrogação em Assembleia de Participantes, terão o direito a obter o resgate, total ou parcial, das unidades de participação que detiverem, devendo comunicar tal intenção por carta registada dirigida à Entidade Gestora, nos termos do art.º 18º deste Regulamento.
7. Sendo deliberada a não prorrogação da continuidade do Fundo, havendo interesse dos participantes que votaram a favor da prorrogação, este pode ser continuado desde que:
a) Haja deliberação favorável à continuidade do Fundo e consequente prorrogação da duração do Fundo, dos participantes que votaram a favor da prorrogação na Assembleia de Participantes prevista no nº 5 do presente artigo;
b) Acordo quanto ao valor da unidade de participação, o qual será a do último dia do período previsto para a duração do Fundo, confirmado por parecer do auditor, ou outro critério/valor que a Assembleia de Participantes defina, bem como quanto aos critérios de alienação dos ativos para o efeito do pagamento dos resgates;
c) Se verifiquem os requisitos mínimos de constituição de organismo de investimento alternativo fechado.
8. Com ressalva do previsto nos números 6 e 7 do presente artigo, a prorrogação do prazo do Fundo em nada afetará os direitos e obrigações da Entidade Gestora ou dos participantes, nos termos da Lei e deste Regulamento de Gestão”.
8. O Fundo tem à data de 31 de dezembro de 2017, três (3) participantes.
9. O capital inicial do Fundo é de €5.000.000,00 (cinco milhões de Euros) a que correspondem 5.000 unidades de participação no valor unitário de subscrição inicial de €1.000,00 (mil Euros).
10. O capital do Fundo pode ser aumentado, por uma ou mais vezes, por deliberação da Assembleia de Participantes, a qual deverá deliberar as respetivas condições, mediante comunicação à Comissão do Mercado de Valores Mobiliários.
Artigo 2º
Sociedade Gestora
1. A administração, gestão e representação do Fundo compete, por mandato dos participantes, que se considera atribuído por simples subscrição das unidades de participação, e que se mantém enquanto essa participação subsistir, à G. – Sociedade Gestora de Fundos de Investimento Imobiliário, S.A. (adiante a “G.-FII” ou “Entidade Gestora”), com sede na Rua … em L….
2. A G.-FII é uma sociedade anónima, cujo capital social, inteiramente realizado, é de € 1.250.000, 00 (um milhão, duzentos e cinquenta mil Euros).
3. A G.-FII iniciou a sua atividade em 24 de março de 1992 por duração indeterminada, e encontra-se registada na CMVM como intermediário financeiro autorizado desde 5 de janeiro de 1996.
4. A composição dos Órgãos Sociais da Entidade Gestora é a seguinte:
Mesa da Assembleia Geral
Presidente
Dr. P.M.A.Q.B.
Secretário
Dr. F.M.P.V.C.
Conselho de Administração
Presidente
Dr. V.R.S.
Vogais
Dra. A.P.S.M.G.R.
Dr. N.J.P.M.M.
Independente
Dr. F.M.S.D.
Conselho Fiscal
Presidente
Dr. A.J.A.G.
Vogais
Dr. J.M.S.N.
Dr. P.R.S.
Vogal Suplente
J.M.R.C.
As principais funções exercidas pelos membros do Conselho de Administração fora da Entidade Gestora são os seguintes:
- Dra. A.P.S.M.G.R.,
Vogal do Conselho de Administração:
G. – Gestão de Ativos, SGPS, S.A.
G. – Sociedade Gestora de Fundos de Investimento Mobiliário, S.A.
G. – Sociedade Gestora de Patrimónios, S.A.
N.A.F.E., S.A, N.B.G., SGIIC.,S,A,
N.B.P., E.G.F.P., S.A.
- Dr. N.J.P.M.M.
Vogal do Conselho de Administração:
G. – Gestão de Ativos, SGPS, S.A.
G. – Sociedade Gestora de Fundos de Investimento Mobiliário, S.A.
G. – Sociedade Gestora de Fundos de Pensões, S.A.
G. – Sociedade Gestora de Patrimónios, S.A.
G. – International Management, S.A.
5. A Entidade Gestora encontra-se integrada na Holding G – Gestão de Ativos, SGPS, S.A., conjuntamente com a G. – Sociedade Gestora de Fundos de Investimento Mobiliário, S.A., a G. – Sociedade Gestora de Fundos de Pensões, S.A., a G. –Sociedade Gestora de Patrimónios, S.A., a G. – International Management, S.A. e a N.A.F.E., S.A., N.B.G., SGIIC., S.A.; N.B.P., E.G.F.P., S.A..
6. A G. – Gestão de Ativos, SGPS, S.A., é detida a 100% pelo N.B. S.A..
7. Compete à Entidade Gestora administrar e gerir o investimento adotando um elevado grau de diligência na seleção e no acompanhamento contínuo dos investimentos, praticando os atos e operações necessários à boa concretização da política de investimentos, em especial:
a) A gestão do património, incluindo a seleção, aquisição e alienação dos ativos, cumprindo as formalidades necessárias para a sua válida e regular transmissão e o exercício dos direitos relacionados com os mesmos;
b) A gestão do risco associado ao investimento incluindo a sua identificação, avaliação e acompanhamento.
c) Selecionar os valores que devem constituir o Fundo, de acordo com a política de investimentos prevista no presente Regulamento de Gestão;
d) Administrar imóveis, gerir instalações e controlar e supervisionar o desenvolvimento dos projetos objeto de promoção imobiliária nas suas respetivas fases;
e) Prestar os serviços necessários ao cumprimento das suas obrigações fiduciárias;
f) Prestar os serviços jurídicos e de contabilidade necessários à gestão dos organismos de investimento coletivo, sem prejuízo da legislação específica aplicável a estas atividades;
g) Prestar outros serviços relacionados com a gestão do organismo de investimento alternativo e ativos, incluindo sociedades, em que tenha investido por conta do Fundo;
h) Garantir que os participantes dos organismos de investimento coletivo que gere são tratados equitativamente, abstendo-se de colocar os interesses de um grupo de participantes acima dos interesses de qualquer outro grupo de participantes;
i) Esclarecer e analisar as questões e reclamações dos participantes;
j) Assegurar o estabelecimento de procedimentos apropriados e coerentes para se poder efetuar uma valorização correta e independente dos ativos sob gestão;
k) Avaliar a carteira e determinar o valor das unidades de participação e emitir declarações fiscais;
l) Emitir, em ligação com o depositário, as unidades de participação e autorizar o seu reembolso;
m) Cumprir e controlar a observância das normas aplicáveis, dos documentos constitutivos dos organismos de investimento coletivo e dos contratos celebrados no âmbito da atividade do Fundo;
n) Assegurar-se que não são cobrados ou imputados ao Fundo, ou aos seus participantes, custos que não se encontrem previstos nos respetivos documentos constitutivos;
o) Proceder ao registo dos participantes, caso aplicável;
p) Emitir, resgatar ou reembolsar unidades de participação;
q) Efetuar os procedimentos de liquidação e compensação, incluindo o envio de certificados;
r) Registar e conservar os documentos do Fundo;
s) Comercializar as unidades de participação dos organismos de investimento coletivo sob gestão;
t) Tomar as decisões necessárias no âmbito da política de distribuição de rendimentos do Fundo e efetuar as operações adequadas à respetiva execução;
u) Dar cumprimento aos deveres de informação estabelecidos por lei ou pelo regulamento de gestão.
(…)”.
8- Pelo Sr. Administrador de Insolvência foram reconhecidos às impugnadas os seguintes créditos nos termos infra:


*
b)  Como resulta do disposto nos art.ºs 635º nº 4 e 639º nº 1 do Código de Processo Civil, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, as conclusões da alegação do recorrente servem para colocar as questões que devem ser conhecidas no recurso e assim delimitam o seu âmbito.
Assim, perante as conclusões das alegações dos recorrentes, as únicas questões em recurso consistem em determinar em que posição devem ser graduados os créditos de ambos os recorrentes (“N.B., S.A.” e “G. – Sociedade Gestora de Organismos de Investimento Colectivo, S.A.”).
*
c)  Antes de mais, há que salientar que a apelante “G. – Sociedade Gestora de Organismos de Investimento Colectivo, S.A.” pretende que se aditem dois novos factos provados. (…)
Deste modo, nesta parte procede o recurso da recorrente “G., S.A.” aditando-se os seguintes factos :
9-  O Fundo “T. – Fundo Especial de Investimento Imobiliário Fechado” tinha à data de 24/4/2020, os seguintes Participantes :

ParticipanteNIFUnidades de Participação
M.G.P.MXXX1667
J.M.P.M.D.XXX1667
A.M.P.M.XXX1666


“10-  Os Participantes, M.G.P.M., J.M.P.M.D. e A.M.P.M.D., são e já eram, à data da declaração de insolvência do “Fundo T.”, respectivamente, sócios e sócio e gerente da Impugnante “T.L., Ldª””.
*
e)  O recorrente “N.B., S.A.” pretende, que além daqueles dois factos se adite o seguinte:
“A sociedade T.L., Lda. tem um capital social de € 50.000,00, sendo que os sócios M.G.P.M., J.M.P.M.D. e A.M.P.M.D. detêm cada um deles, respetivamente, uma quota no valor de € 16.600,00”.
Ora, dos documentos 4 e 5 juntos com a impugnação à lista de créditos reconhecidos apresentada pela “N., S.A.” já acima mencionada, tal facto resulta provado com uma ligeira correcção.
Deste modo, nesta parte procede o recurso do recorrente “Novo Banco, S.A.” aditando-se o seguinte facto :
“11-  A sociedade “T.L., Ldª” tem um capital social de 50.000 €, sendo que os sócios M.G.P.M., J.M.P.M.D. e A.M.P.M.D. detêm, cada um deles, uma quota no valor de 16.600 € e a sócia M.V.J.P.D. detém uma quota de 200 €”.
*
e)  No que respeita ao Direito a aplicar aos factos.
A Sentença proferida pelo Tribunal “a quo” classificou os créditos de ambos os recorrentes como créditos subordinados, tendo-os graduado, para serem pagos pelo produto da venda dos três imóveis apreendidos no Apenso “B” (Apreensão de Bens), em terceiro lugar, depois dos créditos comuns.
Refere-se na decisão recorrida que a credora “G.– Sociedade Gestora de Organismos de Investimento Colectivo, S.A.”, enquanto entidade gestora do “T. – Fundo Especial de Investimento Imobiliário Fechado”, entretanto declarado insolvente, exercia funções de administração nos termos e para os efeitos previstos do disposto no art.º 49º nº 3 do C.I.R.E. e, como tal, seria uma pessoa especialmente relacionada com o Fundo Insolvente, para efeitos de classificação do respectivo crédito como subordinado, nos termos do art.º 48º al. a) do C.I.R.E..  Por sua vez, o credor “N.B., S.A.”, por deter a 100% a “G., S.A.”, domina esta pelo que, assim sendo, também se mostra o mesmo abrangido pela previsão do arteº 49º nº 3 do C.I.R.E., por via do nº 2, al. b) do mesmo preceito.
Defendem os recorrentes que a gestão profissional dos organismos de investimento colectivo, levada a cabo pelas “sociedades gestoras”, não encontra paralelo nas funções dos administradores de sociedades comerciais ou dos patrimónios autónomos identificados nas várias alíneas do arteº 2º nº 1 do C.I.R.E..
Mais defende o recorrente “N.B., S.A.” que não influenciou, por qualquer forma, a gestão que a credora “G., S.A.” fez do Fundo Insolvente, nem por esta lhe foi fornecida informação privilegiada, da qual lhe pudesse advir uma qualquer vantagem perante os demais credores ;  refere também que os créditos “nasceram” dez anos antes declaração de insolvência, e dado o lapso temporal “não se vê sequer qual poderia ser o tipo de informação privilegiada a que o N.B. pudesse aceder, que lhe desse qualquer tipo de vantagem sobre os demais credores”.
*
f)  Os Fundos de Investimento Imobiliário são regulados pela Lei 16/2015, de 28/2 (cf. artºs. 5º e 6º do Regime Geral dos Organismos de Investimento Coletivo, publicado em Anexo à referida Lei) e constituem patrimónios autónomos.
Os Fundos de Investimento estão sujeitos ao processo de insolvência regulado no C.I.R.E., e tal situação não é incompatível com o regime especial que os regula.
Com efeito, e como se diz no Acórdão da Relação de Lisboa de 3/12/2015 (Relator Sacarrão Martins, consultado na “internet” em www.dgsi.pt):
“O regime de liquidação previsto no Regime Geral dos Organismos de Investimento Colectivo destina-se a regular a liquidação destes organismos em virtude de um conjunto de causas distintas da insolvência e em benefício dos participantes não estando vocacionado nem sendo manifestamente aplicável à liquidação destes organismos em virtude da sua insolvência e em benefício dos credores”.
“O referido regime prevê expressamente no artigo 253º a possibilidade de os organismos de investimento colectivos serem declarados insolventes remetendo para normas que claramente pressupõem a aplicação do processo de insolvência regulado no CIRE e não existindo qualquer fundamento para excluir a aplicação do regime de subordinação de créditos constante deste diploma no caso da insolvência destes organismos (…)”.
*
g)  Assente que está que à situação dos presentes autos são aplicáveis as regras do processo de insolvência decorrentes do C.I.R.E., vejamos se os recorrentes “N.B., S.A.” e “G., S.A.” podem ser considerados “pessoas especialmente relacionadas com o devedor” para que os seus créditos possam ser considerados subordinados nos termos e para os efeitos do disposto nos art.ºs 48º e 49º do C.I.R.E..
Segundo dispõe o artº 48º al. a) do C.I.R.E. (única alínea do preceito susceptível de ser aplicada “in casu”) “consideram-se subordinados, sendo graduados depois dos restantes créditos sobre a insolvência, os créditos que preencham os seguintes requisitos : a) Os créditos detidos por pessoas especialmente relacionadas com o devedor, desde que a relação especial existisse já aquando da respetiva constituição, e por aqueles a quem eles tenham sido transmitidos nos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência”.
Por sua vez, o art.º 49º nº 2, als. b) e c) do C.I.R.E. (únicas relevantes para a situação dos autos) refere que “são exclusivamente considerados especialmente relacionados com o devedor pessoa coletiva :  (…) b) As pessoas que, se for o caso, tenham estado com a sociedade insolvente em relação de domínio ou de grupo, nos termos do artigo 21º do Código dos Valores Mobiliários, em período situado dentro dos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência ;  c) Os administradores, de direito ou de facto, do devedor e aqueles que o tenham sido em algum momento nos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência ; (…)”.  E acrescenta o nº 3 do mesmo preceito que “nos casos em que a insolvência respeite apenas a um património autónomo são consideradas pessoas especialmente relacionadas os respectivos titulares e administradores, bem como as que estejam ligadas a estes por alguma das formas previstas nos números anteriores, e ainda, tratando-se de herança jacente, as ligadas ao autor da sucessão por alguma das formas previstas no nº 1, na data da abertura da sucessão ou nos dois anos anteriores”.
De salientar, ainda, o disposto no art.º 21º do Código dos Valores Mobiliários (mencionado no art.º 49º nº 2, al. b) do C.I.R.E.), segundo o qual “considera-se relação de domínio a relação existente entre uma pessoa singular ou coletiva e uma sociedade quando, independentemente de o domicílio ou a sede se situar em Portugal ou no estrangeiro, aquela possa exercer sobre esta, directa ou indirectamente, uma influência dominante” (nº 1).  “Existe, em qualquer caso, relação de domínio quando uma pessoa singular ou coletiva: a) Disponha da maioria dos direitos de voto; b) Possa exercer a maioria dos direitos de voto, nos termos de acordo parassocial; c) Possa nomear ou destituir a maioria dos titulares dos órgãos de administração ou de fiscalização”.
Por fim, no Regime Geral dos Organismos de Investimento Coletivo (Lei 16/2015, de 28/2), há que ter especial atenção aos art.ºs 65º e 66º.
O primeiro daqueles normativos dispõe que “o organismo de investimento coletivo heterogerido é gerido a título profissional por uma entidade gestora elegível nos termos do artigo 71º-A” (nº 1).  Esta entidade gestora responde pelos danos causados aos participantes em virtude do incumprimento ou cumprimento defeituoso dos deveres que lhe sejam impostos por lei, por regulamento ou pelos documentos constitutivos, presumindo-se, em qualquer caso, a sua culpa (nº 3).
Já o segundo dos citados preceitos, no seu nº 1 determina que “no exercício das funções respeitantes à gestão de organismo de investimento coletivo, compete à entidade gestora:”
“a) Gerir o investimento, praticando os atos e operações necessários à boa concretização da política de investimento, em especial:”
“i) A gestão do património, incluindo a seleção, aquisição e alienação dos activos, cumprindo as formalidades necessárias para a sua válida e regular transmissão e o exercício dos direitos relacionados com os mesmos; e”
“ii) A gestão do risco associado ao investimento, incluindo a sua identificação, avaliação e acompanhamento”.
“b) Administrar o organismo de investimento colectivo, em especial:”
“i) Prestar os serviços jurídicos e de contabilidade necessários à gestão dos organismos de investimento coletivo, sem prejuízo da legislação específica aplicável a estas atividades;”
“ii) Esclarecer e analisar as questões e reclamações dos participantes;”
“iii) Avaliar a carteira e determinar o valor das unidades de participação e emitir declarações fiscais;”
“iv) Cumprir e controlar a observância das normas aplicáveis, dos documentos constitutivos dos organismos de investimento coletivo e dos contratos celebrados no âmbito da atividade dos mesmos;”
“v) Proceder ao registo dos participantes na condição prevista no nº 4;”
“vi) Distribuir rendimentos;”
“vii) Emitir, resgatar ou reembolsar unidades de participação;”
“viii) Efetuar os procedimentos de liquidação e compensação, incluindo o envio de certificados;”
“ix) Registar e conservar os documentos”.
“c) Comercializar as unidades de participação dos organismos de investimento coletivo sob gestão”.
É entendimento da Doutrina que “a simples constatação do vínculo ou da situação de que é feita depender a qualificação como pessoa especialmente relacionada com o devedor basta para que ela opere e desencadeie os seus efeitos;  por assim ser, não pode, em circunstância alguma, o atingido afastá-los com a alegação e prova de que esse vínculo ou situação em nada determinou ou condicionou o relacionamento com o devedor ou mesmo com a demonstração que desse relacionamento resultaram – ou até resultaram só – benefícios para o devedor” (cf. Carvalho Fernandes e João Labareda, in “C.I.R.E. Anotado”, vol. I, 2005, pg. 234).
No mesmo sentido vai o preâmbulo do Decreto-Lei 53/2004 de 18/3 (que aprovou o C.I.R.E.), o qual indica a teleologia da classificação dos créditos como subordinados :  o aproveitamento, por parte do devedor, de relações de parentesco e especial proximidade, em conjunto com a situação de superioridade informativa das pessoas indicadas face à situação do devedor, relativamente aos demais credores, ou até o conhecimento mais provável que têm quanto à situação de insolvência do devedor”.
Consequentemente, a existência de qualquer uma das situações aludidas nas referidas alíneas do art.º 49º do C.I.R.E., integra necessariamente a existência de uma especial relação com o devedor, que não pode ser afastada com a alegação e prova de que esse vínculo ou situação em nada determinou ou condicionou o relacionamento com o devedor, ou mesmo com a demonstração de que desse relacionamento resultaram benefícios para o devedor, ou seja, constituem tais alíneas presunções inilidíveis ou “juris et de jure” (cf. Menezes Leitão, in “Direito da Insolvência”, 2ª ed., pg. 104, e Maria do Rosário Epifânio, “Manual de Direito da Insolvência”, 3ª ed., pg. 211).
No sentido desta posição, vejam-se, entre outros, o Acórdão do S.T.J. de 23/5/2019, Relatora Graça Amaral, e o Acórdão da Relação do Porto de 6/3/2018, Relator Vieira e Cunha, ambos consultados na “internet” em www.dgsi.pt.
*
h)  Há, pois, que determinar se a “G., S.A.” tem, ou não, uma especial relação com a devedora insolvente, nos termos do artº 49º nº 2, al. c) do C.I.R.E..
Entendeu o Tribunal “a quo” que sim, daí que, enquadrando a “G., S.A.” no aludido preceito, tenha classificado o crédito desta como subordinado.
Por sua vez, ambos os recorrentes entendem que a “G., S.A.” não pode ser considerada uma administradora, de direito ou de facto, da insolvente.
Segundo refere o recorrente “N.B., S.A.” nas suas conclusões das alegações de recurso, os administradores a que alude o artº 49º do C.I.R.E. “são os designados pelas sociedades comerciais com funções específicas de gestão interna, encontrando-se, por essa mesma razão, sujeitos a influências dos respectivos sócios/accionistas”.  Ainda segundo aquele apelante, “o vínculo jurídico estabelecido entre a entidade gestora e o Fundo é enquadrável na figura do contrato de gestão de carteiras e não na de administração (de direito ou de facto)”.
Comparando estas duas realidades há que referir que, no Código das Sociedades Comerciais, o preceito mais relevante quanto aos deveres gerais dos administradores é o artº 64º que dispõe que os gerentes ou administradores das sociedades devem observar os deveres de cuidado (“revelando a disponibilidade, a competência técnica e o conhecimento da atividade da sociedade adequados as suas funções e empregando nesse âmbito a diligência de um gestor criterioso e ordenado”) e de lealdade (no interesse da sociedade, atendendo aos interesses de longo prazo dos sócios e ponderando os interesses dos outros sujeitos relevantes para a sustentabilidade da sociedade, tais como os seus trabalhadores, clientes e credores”).
Rui Pinto Duarte (in “Os Deveres dos Administradores das Sociedades Comerciais”, in “Católica Law Review, Vol. II, nº 2, Maio 2018) realça ainda os deveres de zelar pelo cumprimento dos deveres da sociedade e pelo exercício dos direitos da sociedade, enunciando, ainda, alguns dos deveres expressamente previstos na lei, dos quais indicamos alguns exemplos:  Dever de participar nas reuniões do órgão de administração (art.ºs 410º e 393º nº 1 do Código das Sociedades Comerciais);  dever de elaborar o relatório de gestão, as contas de exercício e os demais documentos de prestação de contas (art.º 65º do mesmo diploma);  dever de apresentar os documentos de prestação de contas ao órgão de fiscalização e ao revisor oficial de contas (art.ºs 65º nº 1, 451º nº 1 e 453º nº 1, idem); dever de não concorrência (art.ºs 254º e 398º nºs. 3 a 5, idem); dever de não executar deliberações dos sócios que determinem distribuições de bens em violação de regras legais (art.º 31º n.ºs 2 a 4, idem); dever de praticar os actos necessários a dar plena eficácia das deliberações de alteração dos estatutos, no caso de tal eficácia implicar a outorga de outro documento além da acta da deliberação (art.º 85º nº 5, idem); dever de estar presente nas reuniões da assembleia geral (art.º 379º nº 4, idem).
De acordo com o disposto no art.º 72º nº 1 do Código das Sociedades Comerciais, no exercício das suas funções os gerentes ou administradores são responsáveis pelos danos que, com preterição dos deveres legais ou contratuais (contrato de administração) causem, responsabilidade que se desenvolve numa tríplice vertente: (i) responsabilidade para com a sociedade, (ii) responsabilidade com os sócios e terceiros e (iii) responsabilidade para com os credores sociais.
No que diz respeito aos Organismos de Investimento Coletivo, de acordo com os já citados art.ºs 65º e 66º do respectivo Regime Geral, a entidade gestora responde pelos danos causados aos participantes em virtude do incumprimento ou cumprimento defeituoso dos deveres que lhe sejam impostos por lei, por regulamento ou pelos documentos constitutivos, presumindo-se, em qualquer caso, a sua culpa (art.º 65º do Regime Geral) e, além disso, (art.º 66º do Regime Geral) no exercício das suas funções referente à gestão de organismo de investimento coletivo, compete à entidade gestora gerir o investimento, praticando os actos e operações necessários à boa concretização da política de investimento, incluindo a gestão do património, administrar o organismo de investimento colectivo e comercializar as unidades de participação dos organismos de investimento coletivo sob gestão.
Por sua vez, o Regulamento de Gestão do Fundo insolvente, no seu artigo 2º nº 1 afirma expressamente que a administração, gestão e representação do Fundo compete, por mandato dos participantes, à apelante “G., S.A.”.  No nº 7 daquele artigo refere-se que compete à entidade gestora administrar e gerir o investimento, adoptando um elevado grau de diligência na selecção e no acompanhamento contínuo dos investimentos, praticando os actos e operações necessários à boa concretização da política de investimentos.
*
i)  Trata-se, pois, de regimes de responsabilidade perante a sociedade muito similares, semelhança esta que deriva do facto de estarmos perante figuras de gestão.
Ora, o “administrador” é a pessoa que gere um negócio, uma empresa ou um serviço público e o “gestor” é um gerente, um administrador (cf. https://dicionario.priberam.org).
E como referem Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda (in “C.I.R.E. Anotado”, 2009, pág. 233) em anotação ao art.º 49º do C.I.R.E., o substantivo “administradores” é “utilizado no sentido e com o alcance que decorrem do artº 6º do Código e, por isso, envolvendo todos os que, com relação à pessoa colectiva insolvente que se considera, exerciam, à data do início do processo de insolvência, ou exerceram, em qualquer momento no decurso dos dois anos anteriores, funções de gestão, independentemente da denominação do órgão respectivo”.  E mais adiante esclarecem que “como resulta do texto legal, não é, para este efeito, relevante a circunstância de o exercício ter sido juridicamente sustentado em título bastante, sendo suficiente a mera situação de facto”.
“In casu” verifica-se que a recorrente “G., S.A.” tinha por força do disposto nos citados art.ºs 65º e 66º do Regime Geral dos Organismos de Investimento Colectivo, a gestão do “T. – Fundo Especial de Investimento Imobiliário Fechado”, sendo essa precisamente a expressão utilizada nos dispositivos legais (“gerido”, “gerir”, “gestão”).  E as suas incumbências, são, no essencial, semelhantes aos deveres de cuidado e de lealdade dos administradores das sociedades, consagrados no art.º 64º do Código das Sociedades Comerciais (os administradores devem, por exemplo, empregar no exercício das suas funções a diligência de um “gestor” criterioso e ordenado).
Ou seja, a lei utiliza indistintamente, para uma realidade única (gerir uma empresa), duas expressões:  gestor e administrador.
Assim sendo, não podemos deixar de considerar que, em bom rigor, a recorrente “NGB, S.A.” era administradora do, entretanto, insolvente “T. – Fundo Especial de Investimento Imobiliário Fechado”, sendo irrelevante o título que sustenta essa administração.
E sendo administradora, é manifesto que a sua situação é enquadrável no art.º 49º nº 3 do C.I.R.E., para efeitos de qualificação do seu crédito como subordinado (art.º 48º al. a) do C.I.R.E.).
Não restam dúvidas de que a enumeração das pessoas especialmente relacionadas com o devedor indicada no art.º 49º é taxativa, não comportando aplicação analógica (cf. Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda in “C.I.R.E. Anotado”, 2009, pág. 232).  Mas “in casu” não podemos falar de interpretação analógica para enquadrar a recorrente “NGB, S.A.” em tal “lista”, pois ela era verdadeira administradora da insolvente tal como acima concluímos.
Assim, improcedem os recursos nesta parte, sendo de considerar o crédito da “N., S.A.” como subordinado.
*
j)  Vejamos, agora, se o recorrente “N.B., S.A.” também pode ser incluir no referido elenco de pessoas especialmente relacionadas com a insolvente.
O Tribunal “a quo” fez apelo ao estipulado no art.º 49º nºs. 2, al. c) e 3 do C.I.R.E., considerando que aquele apelante se encontrava com a insolvente em relação de domínio ou de grupo.
Defende o apelante “N.B., S.A.” que, apesar de deter a credora “G., S.A.” a 100%, não influenciou, por qualquer forma, a gestão que esta fez do Fundo Insolvente, nem por esta lhe foi fornecida informação privilegiada, da qual lhe pudesse advir uma qualquer vantagem perante os demais credores.
Não vemos que assista razão ao apelante.
Com efeito “nos casos em que a insolvência respeite apenas a um património autónomo são consideradas pessoas especialmente relacionadas os respectivos titulares e administradores, bem como as que estejam ligadas a estes por alguma das formas previstas nos números anteriores” (art.º 49º nº 3 do C.I.R.E.).
A verdade é que o recorrente “N.B., S.A.” está ligado à sociedade gestora da insolvente, a apelante “N., S.A.”, por deter a totalidade do capital social desta.  E, de acordo com o estipulado no artº 21º do Código dos Valores Mobiliários, considera-se relação de domínio a relação existente entre uma pessoa singular ou coletiva e uma sociedade quando, independentemente de o domicílio ou a sede se situar em Portugal ou no estrangeiro, aquela possa exercer sobre esta, directa ou indirectamente, uma influência dominante, sendo que existe, em qualquer caso, relação de domínio quando uma pessoa singular ou coletiva disponha da maioria dos direitos de voto (art.º 21º n.ºs 1 e 2, al. a) do Código dos Valores Mobiliários).
E esta situação constitui, como já referimos, uma presunção inilidível.
Deste modo, é manifesto que o recorrente “N.B, S.A.” detinha uma superioridade informativa sobre a situação da futura insolvente, através da sociedade gestora da insolvente.  Em suma, existe uma relação de domínio porquanto uma pessoa colectiva (o “N.B., S.A.”) podia exercer uma influência dominante sobre a devedora, a sociedade ora insolvente, através da sociedade gestora.
Concluímos, assim, que as razões que presidiram à instituição da figura dos créditos subordinados estão verificadas neste contexto factual, pelo que o crédito do apelante “N.B., S.A.” deve ser qualificado como subordinado.
*
k)  Defende ainda o recorrente “N.B., S.A.” que, “in casu”, na relação especial entre credor e devedor assume relevância o lapso de tempo decorrido entre a constituição do crédito e a situação de insolvência.  Invoca em seu favor o entendimento explanado no Acórdão da Relação do Porto de 14/7/2020 (Relator Amaral Ferreira, consultado na “internet” em www.dgsi.pt).
Imputa, por isso, à decisão da 1ª instância uma incorrecta interpretação da lei porque confinada ao seu elemento literal, sem levar em conta o pensamento legislativo, a unidade do sistema jurídico e as circunstâncias específicas em que a mesma é aplicada.
Entendemos que bem andou o Tribunal “a quo” nesta questão, uma vez que aderimos por inteiro, à posição constante do Acórdão do S.T.J. de 23/5/2019 (Relatora Graça Amaral, consultado na “internet” em www.dgsi.pt), transcrevendo-se, de seguida, as partes mais relevantes de tal aresto :
“Evidencia-se do elenco plasmado no artigo 48º, do CIRE, que a classificação destes créditos se mostra determinada por diversas razões que a lei optou penalizar – reportadas à qualidade do seu titular e às circunstâncias referentes à sua constituição (alíneas a), d) e e)), à natureza do crédito (alíneas b), f) e g)) e à qualificação atribuída pelas partes (alínea c)) – justificando um tratamento menos favorável, particularmente, na fase de pagamento, que só ocorre após serem totalmente satisfeitas todas as demais categorias precedentes (artigo 177.º, n.º1, do CIRE), ficando, assim, numa posição subalternizada relativamente a todos os restantes créditos”.
“Está subjacente a esta categoria de créditos, tratada desfavoravelmente pelo legislador, a necessidade de prevenir que determinadas situações de créditos sobre o devedor insolvente sejam utilizadas por forma a prejudicar o ressarcimento dos direitos de crédito dos demais credores”.
“Nesse sentido se compreende a perspectiva dos que consideram que a lei acaba por impor, quanto a esta categorização, uma autêntica sanção uma vez que, na maior parte dos casos, porque na cauda da hierarquia dos demais créditos, a probabilidade de serem ressarcidos se mostra ínfima ou mesmo nula”.
“As situações de créditos sobre o devedor que o legislador entendeu distinguir negativamente respeitam, sublinhe-se, em função da qualidade dos titulares que os detêm ou em razão das características objectivas dos próprios créditos”.
“Na delimitação decorrente da qualidade dos titulares do crédito – a que assume cabimento nos autos – o artigo 48º, do CIRE, considera subordinados, em primeiro lugar, os créditos das pessoas especialmente relacionadas com o devedor (desde que essa relação já existisse à data da aquisição do crédito – alínea a)) que, taxativamente, fixa no artigo 49º, do mesmo código, diferenciando pessoas singulares e pessoas colectivas ou patrimónios autónomos”.
(…)
“No que respeita à questão de saber se a constatação do vínculo ou situação pessoal constitui presunção iuris tantum ou presunção iuris et de iure de uma relação especial com o devedor, tem merecido entendimento concordante da jurisprudência e preponderante da doutrina, a natureza inilidível das presunções estabelecidas no referido preceito.  Consequentemente, a existência de qualquer uma das situações aludidas nas referidas alíneas do artigo 49º, do CIRE, integra necessariamente a existência de uma especial relação com o devedor, que não pode ser afastada com a alegação e prova de que esse vínculo ou situação em nada determinou ou condicionou o relacionamento com o devedor, ou mesmo com a demonstração de que desse relacionamento resultaram benefícios para o devedor”.
“Outra questão que tem vindo a ser colocada quanto à delimitação do conceito de crédito subordinado (…) reporta-se a saber se nessa qualificação (…) importará, também, que a constituição do crédito se mostre próxima (de algum modo relacionada) com a declaração da insolvência (créditos criados num período vizinho à abertura da insolvência)”.
“O acórdão do STJ de 06-12-2016 (…) enveredou por uma interpretação restritiva do conjunto normativo formado pelos artigos 48º, alínea a), 1ª parte e 49º, nº 1, alíneas a) a c), do CIRE, tecida em função do elemento racional e teleológico da interpretação ínsito do ponto 25 do preâmbulo do DL 53/2004, que aprovou o CIRE”.
“Foi assim considerado que a razão inerente à estatuição legal que classifica como subordinados os créditos detidos por pessoas especialmente relacionadas com o devedor se deve à situação de superioridade informativa sobre a situação do devedor relativamente aos demais credores, bem como ao aproveitamento dessas relações especiais feito pelo próprio devedor para frustrar as finalidades do processo de insolvência (à semelhança, aliás, de outros mecanismos previstos no CIRE, como seja a resolução de actos em benefício da massa insolvente)”.
“Refere o douto aresto que sendo esta a razão de ser inerente à estatuição legal, logo se imporá interpretar os citados normativos de modo a abranger na sua previsão apenas (interpretação restritiva) os casos em que se possa estabelecer lógica e razoavelmente um nexo temporal que de alguma forma coenvolva ou comprometa a suposta superioridade informativa (ou o aproveitamento feito pelo devedor) com uma futura condição insolvencial.  O que é dizer, noutra formulação, só fará sentido considerar para o efeito um “período vizinho da abertura do processo de insolvência” (na expressão dos supra citados autores), e não já um qualquer período sem limite algum. A lei procura subalternizar os créditos daqueles de quem admite que possam ter agido de má-fé ou com ligeireza (estariam em condições de conhecer a situação em que se encontrava o devedor, logo é justo que vejam os seus créditos receberem um tratamento menos favorável) com reporte a uma atual ou futura situação económica deficitária do devedor, e isto só se concebe, com um mínimo de razoabilidade, quando, precisamente, exista alguma proximidade entre uma coisa e outra. A própria lei, no caso previsto na última parte da alínea a) do art.º 48º, mostra-se sensível à necessidade de haver limites temporais (dois anos anteriores ao início do processo de insolvência), opção esta que, mutatis mutandis, bem pode aqui ser usada para reforçar a bondade da ideia de que também em caso como o vertente haverá que atender a algum tipo de limite temporal. (O mesmo se poderia dizer a partir das hipóteses da alínea a), 2ª parte e d) do art.º 49º)”.
“Na sequência deste raciocínio o acórdão concluiu no sentido da inaplicação dos referidos preceitos quando se mostra que a constituição do crédito está de tal forma afastada no tempo do início do processo de insolvência que, dentro da normalidade das coisas, se trata de dois acontecimentos totalmente independentes, isto é, sem qualquer correlação, afinidade ou implicação entre si”.
“Preconiza pois o aresto a necessidade de se ter em linha de conta o factor tempo (quanto à constituição do crédito) na interpretação/aplicação dos referidos preceitos por forma a não se cair em ilogicidade da norma relativamente àquelas situações em que se mostre que o crédito é reportado a momento tão distante que vai cair numa altura em que a figura dos créditos subordinados nem sequer existia ainda no plano legal, hipótese em que não seria exigível ao credor especialmente relacionado com o devedor que representasse a possibilidade de subalternização do seu crédito em caso de uma eventual insolvência do devedor”.
“Sem prejuízo de se conceber que este poderia constituir um entendimento coadunável nas situações de desmedida anterioridade do crédito (relativamente à declaração de insolvência), designadamente numa altura que nem seria possível prever a existência da subalternização (quando a constituição do mesmo se reportasse a período anterior ao CIRE onde esta categorização constituiu uma novidade), não nos parece que uma tal interpretação restritiva seja permitida”.
“O artigo 9º, do Código Civil, enquanto preceito essencial da hermenêutica jurídica, indica-nos os meios de que o intérprete se pode/deve socorrer para apreender o sentido da norma, consubstanciando a letra da lei (o grau elementar da actividade interpretativa) a base e, também, o marco da actividade interpretativa”.
Sendo pois o elemento literal o primeiro por que se deverá iniciar a procura do sentido da expressão legal terá o mesmo, auxiliado pelos demais elementos (sistemático, lógico e histórico), de ser norteado para o fim que a norma procura alcançar; nessa medida, como ensina Manuel de Andrade a interpretação jurídica é de sua natureza essencialmente teleológica”.
“Sendo a conclusão interpretativa resultado da preservação do valor da finalidade da norma, a sua actividade passa necessariamente pela procura da voluntas legis traduzida numa vontade actual da lei, ou seja, na vontade que na lei aparece objectivamente querida pelo legislador (mens legis)”.
“Consequentemente, a vontade da lei/legislador nesse sentido objectivado só poderá ser elemento decisivo na interpretação da norma se tiver um mínimo de correspondência no seu texto e no seu espírito”.
“Entendem os Recorrentes que, no caso, não pode deixar de ser dada relevância ao distanciamento temporal entre a constituição do crédito e o início do processo de insolvência do devedor por forma a desqualificar o crédito como subordinado, pugnando, assim, no seguimento da posição defendida pelo acórdão deste tribunal de 06-12-2016, pela interpretação restritiva dos artigos 48º, alínea a) e 49º, nº 1, alínea b), ambos do CIRE”.
“A interpretação restritiva preconizada pelo citado aresto, como já salientado, alicerça-se numa preponderância do elemento teleológico decorrente do que o legislador fez consignar no ponto nº 25 do preâmbulo do diploma que aprovou o CIRE (DL 53/2004, de 18-03)”.
“Cremos, porém, que tal posicionamento de pendor teleológico mostra-se para além do que é possível ser encontrado (objectivamente) no pensamento legislativo expresso no texto das citadas normas”.
“Conforme bem nota Baptista Machado, “é necessário que no texto falhado se colha pelo menos indirectamente uma alusão àquele sentido que o intérprete venha a acolher como resultado da interpretação. E mesmo quando se socorra de elementos externos o sentido só poderá valer se for possível estabelecer alguma relação entre ele e o texto que se pretende interpretar” (Introdução ao Direito e ao Discurso legitimador, 1983, p. 189, citado por Abílio Neto e Herlander Martins, Código Civil Anotado, Livraria Petrony, 7ª edição, p. 23).  Assim, a viabilidade de uma interpretação restritiva alicerçada na finalidade da norma (traduzindo a vontade real do legislador) dependerá, necessariamente, de tal desígnio resultar minimamente do texto legal, situação que, a nosso ver, não ocorre no caso”.
“Na verdade, a lei mostra-se clara ao consignar que a simples constatação do vínculo (…) faz operar a qualificação de pessoa especialmente relacionada com o devedor, não podendo ser afastada com a demonstração da irrelevância (ou até do benefício) do vínculo (presunção inilidível). Assentou, pois, a lei em certas razões objectivas que entendeu que deveriam ser individualizadas e, nessa medida, indicou-as criteriosamente no artigo 49º”.
“Por outro lado, nos casos em que a lei entendeu dar relevância ao aspecto temporal na relação com o devedor insolvente para efeitos de qualificação de pessoas especialmente relacionadas com este, expressamente o indicou (alínea d) do nº 1, no caso do devedor/pessoa singular; alíneas a) a d) do n.º 2, relativamente ao devedor/pessoa colectiva)”.
(…)
“Por conseguinte, o regime particular que o legislador quis submeter relativamente a estes créditos tem subjacente um pressuposto :  a utilização (em desfavor dos restantes credores e das finalidades do processo de insolvência) que poderia ser feita pelo devedor insolvente dessa relação especial e que, consideramos, não carece de estar dependente da data de constituição do crédito (ser criado num período vizinho ao da abertura da insolvência por forma a evidenciar estar em causa um acontecimento com afinidade ou implicação com o processo de insolvência)”.
“Assim, a conceptualização da categoria dos créditos subordinados prevista nos artigos 48º (…) e 49º, nº 1, alíneas a) a c), ambos do CIRE, basta-se na relação especial definida pelo legislador, não se encontrando sujeita a qualquer período temporal limitativo”.
“Entendemos, por isso, que o equívoco de uma interpretação restritiva assente no elemento teleológico (para além de não comportar um mínimo de correspondência no seu texto) é o de confinar a finalidade do comando legal à perspectiva da data da constituição do crédito (relativamente ao início da situação insolvencial do devedor) sendo que, cremos, a ênfase da lógica da lei situa-se, sobretudo, na prossecução da finalidade do processo de insolvência (a satisfação dos credores) em todas as suas várias fases, particularmente, na de pagamento; daí que, nesta óptica, se mostre irrelevante na caracterização da especial relação com o devedor (…) uma apreciação do nexo temporal entre a constituição do crédito e uma futura condição insolvencial”.
“Cumpre ainda realçar que a interpretação das referidas normas no sentido que defendemos (sem levar em conta o nexo temporal entre a constituição do crédito e o início da insolvência) não redunda na ilogicidade das mesmas nem em desajustada desprotecção dos interesses dos titulares dos referidos créditos (subalternizados pelo CIRE) tendo em conta o próprio fundamento específico do regime geral da prescrição dos direitos de crédito, reforçando, por isso, a ideia da irrelevância do factor tempo na constituição do crédito para a qualificação em causa”.
Assim sendo, também quanto a esta questão o recurso terá de improceder.
*
l)  Temos, pois, de concluir que ambos os recursos (do “N.B., S.A.” e da “G. – Sociedade Gestora de Organismos de Investimento Colectivo, S.A.”) improcedem.
*
m)  Ambos os recorrente defendem que caso os seus recursos improcedam, “necessário é, por uma questão de coerência de raciocínio e para não existir violação clara do princípio que norteia os processos de insolvência designado por “par conditio creditorum”, que determina que os credores devem ser tratados de forma igual, sem prejuízo de diferenciações justificativas por razões objectivas, previsto no artigo 194º do CIRE, revogar a sentença recorrida na parte em que verificou e graduou o crédito da T.L. como crédito comum, devendo o mesmo, nesse caso, ser classificado como crédito subordinado e graduado como tal”.
E referem que “estando na posse de todos os elementos probatórios, dispõe de poderes e autonomia para se substituir ao tribunal de 1ª instância e decidir de acordo com o Direito, o que, desde já, se requer, nos termos do disposto no artigo 662º, nº 1 do CPC”.
Ora, verifica-se que, após o início do presente apenso, veio a credora “T.L., S.A.” impugnar a lista de credores reconhecidos (ver Requerimento de 17/8/2020, com a Refª 26923231), nomeadamente os créditos dos agora recorrente “N.B., S.A.” e N., S.A.”.
Em resposta (Requerimento de 31/8/2020, sob a Refª 27004844), veio a recorrente “G., S.A.” apresentar resposta a tal impugnação e, nos artigos 46º a 50º desse articulado, sob o título “Palavra Final”, refere neste último artigo que “o crédito da T.L., Lda. deverá ter-se (…) como subordinado”. 
Por sua vez, o apelante “N.B., S.A.” também apresentou resposta à impugnação apresentada pela credora “T.L., S.A.” (Requerimento de 31/8/2020, sob a Refª 27006223).
No essencial, dizem ambos os recorrentes que a credora “T.L., Ldª”, estando em domínio com o Fundo Insolvente, é uma pessoa especialmente relacionada com este e, como tal, o seu crédito deve ser classificado como subordinado.
Mais concretamente, dizem que o insolvente é um Fundo de Investimento Imobiliário Fechado, cujas Unidades de Participação eram detidas, na totalidade, pelos Participantes M.G.P.M.D., A.M.P.M.D. e J.M.P.M.D..  Sucede que os mesmos são e já eram, há mais de dois anos, à data da declaração de insolvência do Fundo Insolvente sócios e sócio-gerente (neste caso M.G.P.M.D.), da credora “T.L., Ldª”.  “Os participantes do Fundo insolvente, ou seja, os titulares de 100% das respetivas unidades de participação, são as mesmas pessoas que detêm 99,6% do capital social da credora T.L. Lda., em ambos os casos há mais de dois anos à data de declaração de insolvência; ou seja, o Fundo Insolvente e a credora T.L., Lda., são detidas a 99,6% pelas mesmas pessoas, e, por isso, estão em relação de domínio”.  “A credora T.L., Lda., estando em domínio com o Fundo Insolvente, é uma pessoa especialmente relacionada com este e, como tal, o seu crédito deve ser classificado como subordinado” (Conclusões de recurso 58. e 59. do recorrente “N.B., S.A.”).
Vejamos:
Desde logo há que referir que está plenamente demonstrado que o insolvente tinha como Participantes M.G.P.M.D., A.M.P.M.D. e J.M.P.M.D. e que estes eram sócios (e o primeiro deles sócio-gerente) da credora “T.L., Ldª”.
Mas a situação dos mesmos como Participantes não implicava qualquer participação na gestão do Fundo, que era gerido, como já vimos, pela recorrente “G., S.A.”.  Por outro lado, naquela qualidade, não respondiam pelas dívidas do Fundo (nos termos do artº 13º nº 2 do Regime Geral dos Organismos de Investimento Colectivo, Lei nº 16/2015 de 24/2, “pelas dívidas relativas ao organismo de investimento colectivo responde apenas o património do mesmo”).
Acresce ainda que a credora que aqui está em causa é a “T.L., Ldª” e não os Participantes do insolvente, sócios daquela.
Assim, não vemos que possa ter aplicação ao caso o disposto nos art.ºs 48º e 49º do C.I.R.E., de forma a concluir-se que o crédito daquela sociedade seja considerado subordinado.
Com efeito, e tendo em atenção o segundo dos referidos normativos, não vemos que a situação da “T.L., Ldª” seja ali enquadrável.
Desde logo, e quanto ao art.º 49º nº 2, al. a) do C.I.R.E., verifica-se que o mesmo se refere aos “sócios, associados ou membros que respondam legalmente” pelas dívidas do insolvente.  Ora, fácil é concluir que a referida credora não se enquadra neste elenco, pois não é sócia, associada ou membro responsável do insolvente.
No que diz respeito à al. b) do mesmo normativo, não se vê que a “T.L., Ldª” alguma vez tenha tido com o insolvente uma relação de domínio ou de grupo.
Quanto às als. c) e d) do preceito, as mesmas são obviamente inaplicáveis ao caso, pois, quanto à primeira das alíneas refira-se que a sociedade referida nunca foi administradora, de direito ou de facto, do insolvente e, no que respeita à segunda alínea, diga-se que a mesma se refere a pessoas com ligações familiares com administradores, gestores, sócios do insolvente, as quais inexistem no caso.
Poderemos, assim, concluir que a credora “T.L., Ldª”, por não estar especialmente relacionada com o insolvente, sempre teria de ver o seu crédito reconhecido e graduado como comum e não como subordinado, razão pela qual neste ponto não assiste razão aos recorrentes.
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n)  Resumindo:
Quer o recurso da “G. – Sociedade Gestora de Organismos de Investimento Colectivo, S.A.”, quer o recurso do “N.B., S.A.” improcedem na totalidade.
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III – Decisão
Pelo exposto acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa em:
1º- Alterar a matéria de facto conforme acima fica dito.
2º- Negar provimento ao recurso interposto pela apelante “G. – Sociedade Gestora de Organismos de Investimento Colectivo, S.A.”, confirmando, na parte por ela impugnada, a Sentença recorrida.
3º- Negar provimento ao recurso interposto pelo apelante “N.B., S.A.”, confirmando, na parte por ele impugnada, a Sentença recorrida.
Custas:  Pelos recorrentes (art.º 527º do Código do Processo Civil).
Processado em computador e revisto pelo relator

Lisboa, 28 de Fevereiro de 2023
Pedro Brighton
Teresa Sousa Henriques
Isabel Fonseca