Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
7000/21.5T8LSB.L1-4
Relator: SÉRGIO ALMEIDA
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
JUNTA MÉDICA
PERITO MÉDICO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/03/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA A SENTENÇA
Sumário: 1.–Embora o sinistrado deva ter um perito que o represente na junta médica (art.º 139/5, CPT), não resulta da lei que tenha de ser aquele que ele próprio indicaria, mesmo que já o tenha acompanhado anteriormente em junta que acabou por não ser conclusiva, por carecer de novos elementos. Para que seja esse concreto perito o examinando tem a possibilidade de o fazer comparecer.

2.–Tendo sido o exame singular efetuado por médico perito em medicina legal e sem carecer de parecer(es) da especialidade, a lei não impõem que a junta seja composta por dois ortopedistas.

3.–Embora o juiz seja o perito dos peritos, não lhe cabe divergir do laudo dos mesmos sem que ponderosas razões o motivem.

4.–A fundamentação do relatório da junta deve ser clara, podendo todavia ser sucinta.

5.–Se a seguradora não aceitou as incapacidades temporárias e realizada a junta médica a sentença a condenou nessa parte, não pode dizer-se que a pretensão do sinistrado tenha ficado totalmente vencida e que é ele o responsável pelo pagamento de custas.


(Elaborado pelo relator)

Decisão Texto Parcial:Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa.


A)–Sinistrado e recorrente: AAA

Seguradora: Generali Seguros, S.A
*

B)–O sinistrado, nascido em 05-01-1981, sofreu um acidente em 27/7/2020. À data, trabalhava por conta (…), Lda, a qual transferira a responsabilidade emergente de acidentes de trabalho transferida para a Generali Seguros, S.A., e auferia a retribuição global anual de € 14.986,37. O Sinistrado teve alta clínica em 31/05/2021. Participado o acidente ao Tribunal, foi submetido a exame médico, que concluiu pela atribuição de uma IPP de 15% e ITA de 303 dias. Realizada tentativa de conciliação, Sinistrado e Seguradora acordaram quanto a todas as matérias, com as seguintes exceções: a seguradora não concordou com a avaliação médica e IPP atribuída, nem a data da alta. Foi requerida e realizada junta médica, que concluiu pela inexistência de uma IPP.
O Tribunal a quo proferiu então sentença nos seguintes termos:
“(…)
a)- De facto
Por acordo das partes resulta assente que:
1.–O sinistrado foi vítima de um acidente “no tempo e local de trabalho” em 27/07/2020, quando trabalhava mediante as ordens, fiscalização e direção de “(…), Lda”;
2.–Do acidente referido em 1) resultaram para o Sinistrado as lesões examinadas e descritas nos autos de junta médica destes autos.
3.–À data do acidente, o sinistrado auferia a retribuição global anual de €14.986,37;
4.–À data do acidente, “(…), Lda”, tinha a sua responsabilidade emergente de acidente de trabalho transferida para a Generali Seguros, S.A..
***

Dos factos assentes resulta que o sinistrado foi vítima de um típico acidente de trabalho, indemnizável nos termos do artigo 8.º, da Lei nº 98/2009, de 4/09.
Não se afigura existir fundamento para divergir do parecer unânime da Junta Médica.
Assim, considero, ao abrigo do preceituado no art. 140.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho, que, em consequência do acidente, o sinistrado encontra-se curado sem desvalorização.
Devem apenas ser pagas as incapacidades temporárias – ITA - que se fixam em 303 dias.
Nos termos do disposto no artigo 527.º do Código4 de Processo Civil, ex vi artigo 1.º, n.º 2, al. a) do Código de Processo do Trabalho, será o sinistrado responsável pelo pagamento das custas processuais, mas beneficiará da isenção, embora a mesma não se encontra a coberto dos encargos com a realização da junta médica que são de sua responsabilidade, cfr. art. 4º, nº 6, do RCP.
Diligencie para obter tal pagamento.
Atento o disposto no artigo 120.º do Código de Processo do Trabalho, fixa-se à acção o valor de €2.001.

V.-DECISÃO
Por todo o exposto o tribunal não fixa qualquer IPP ao sinistrado na medida em que o mesmo está curado das lesões derivadas do acidente de trabalho que sofreu em 27/07/2020, e fixa a ITA em 303 dias
Custas a cargo do Sinistrado, sem prejuízo da isenção de que beneficia, e tendo presente que a mesma não engloba os encargos, com a realização da junta médica que são de sua responsabilidade, cfr. art. 4º nº 6 do RCP.
Diligencie por tal pagamento.
(…)”.
*

C)–O sinistrado rebela-se contra a decisão final, alegando em sede de conclusões:
(…)
*
A R. não contra-alegou.

Houve dispensa dos vistos.

O DM do MP pronunciou-se no sentido da confirmação da sentença
*

II–
A)–É sabido e tem sido jurisprudência uniforme a conclusão de que o objeto do recurso se limita em face das conclusões insertas nas alegações dos recorrentes, pelo que, em princípio, só abrange as questões aí contidas, como resultado aliás do disposto nos artigos 87/1 do Código de Processo do Trabalho e 684/3 e 690/1 do CPC.
Há que notar que neste caso o recorrente dividiu o recurso em 2 partes semelhantes, uma que designou alegações e outra precedida por letras que chamou conclusões. Obviamente que fazer copy paste não é forma correta de concluir. Prosseguir-se-á por se ter presente a natureza do processo e a extensão limitada da matéria.
Pretende o recorrente que se verifique se a junta médica padece de alguma invalidade, e por essa via a sentença, e se o tribunal errou ao condená-lo em custas.
*

Factos pertinentes: os descritos supra.
*

De direito

Dando por reproduzido o teor do exame por junta médica de folhas de 161-162, que não se encontra em condições de ser transcrito diretamente, verifica-se que a resposta aos requisitos foi fundada deste modo:
1.–Admite-se ter resultado instalação pós traumática de impotência funcional dolorosa, que necessitou de revisão de artroplastia da anca direita (conforme perícia complementar de ortopedia constante a folhas 72 a 73 vº).
2.–As sequelas resultantes do evento em apreço não determinam repercussão funcional conducente à atribuição de proposta de IPP pela TNI.
A perita da seguradora considera não existirem sequelas decorrentes do traumatismo em apreço, na medida em que o sinistrado retornou à situação patológica pré-existente (portador de artroplastia da anca direita desde 2019).
3.–Sim, por unanimidade.”

Por outro lado, o exame de singular esgrimiu essencialmente o seguinte:
5.–A incapacidade permanente parcial resultante do acidente atual, tendo em conta as sequelas atrás descritas e a consulta da Tabela Nacional de Incapacidades para Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais (anexo I, decreto-lei n.º 352/07, de 23 de outubro), é de 15,0000%. A taxa atribuída tem em conta os artigos da tabela referidos no quadro abaixo indicado”.
*

Pretende o recorrente que a junta médica deveria ser composta pelo menos por 2 médicos ortopedistas, nos termos do art.º 139, n.º 2 do Código de Processo do Trabalho.
Dispõe este preceito que “se na fase conciliatória a perícia tiver exigido pareceres especializados, intervêm na junta médica, pelo menos, dois médicos das mesmas especialidades”.
Deveria para isso o exame singular ter sido realizado por um médico ortopedista.
Não foi, porém o que aconteceu. O que houve foi meramente um exame complementar de diagnóstico (cfr. fls. 58), em que interveio um ortopedista, e a que se refere o relatório de fls. 73.
Neste ponto, cumpre ter presente o disposto no art.º 105, n.º 3, do Código de Processo do Trabalho, que dispõe que “(…) quando a perícia exigir elementos auxiliares de diagnóstico ou o conhecimento de alguma especialidade clínica não acessíveis a quem deva realizá-la, são requisitados tais elementos ou o parecer de especialistas (…)” (sublinhado nosso). Ou seja, distingue a lei exames complemen-tares/auxiliares de diagnóstico de pareceres de especialistas. Só neste caso, têm de intervir dois especialistas (convergindo, já Alberto Leite Ferreira, no seu Código de Processo do Trabalho Anotado de 1989 escrevia, em nota ao artigo 142, n.º 2, que “pode o primeiro exame ter sido realizada em estabelecimentos ou serviços adequados ou por médicos especializados por se ter reconhecida a necessidade de elementos e auxiliares de diagnóstico ou conhecimentos de alguma especialidade clínica – art.º 108. Verificada a hipótese, da junta médica devem fazer parte, pelo menos, 2 especialistas, atento o disposto no n.º 2 do art.º 142). Isto bem se compreende, já que nenhum sentido teria que o exame singular houvesse de ser realizado por um especialista e a junta, que é suposto ter a última palavra em função do conhecimento mais aprofundado e da colegialidade dos seus membros, ser composta afinal por médicos sem essa formação. Mas já não poderia ser assim quando, como por vezes ocorre, são feitos exames complementares de várias especialidades na fase conciliatória (p. ex. de ortopedia e psiquiatria), em que naturalmente não poderia haver 2 médicos de cada uma dessas especialidades, atento o limite previsto no art.º 139, n.º 1.
No caso, o exame propriamente dito foi efetuado por médica perita em medicina legal, como se verifica de folhas 82, o que mostra que esta, munida dos elementos granjeados nos autos, se sentiu habilitada a pronunciar-se, sem carecer para isso de pareceres especializados.
Deste modo, falece deste logo este argumento (que o sinistrado nem concretiza, limitando-se a dizer que desconhece se foi observado o disposto naquele preceito, querendo com isso afirma desconhecer se são ortopedistas, coisa, porém, que nem sequer parece muito difícil de verificar, junto das bases de dados da Ordem dos Médicos).
Insurge-se igualmente pelo facto de que ter sido nomeado um médico terceiro, em lugar daquele que o acompanhou nas diligências adiadas.
Não fundamenta o alegado de direito. E efetivamente o que se impõe é que exista um médico em representação do sinistrado, em lado nenhum impondo a lei que seja nomeado oficiosamente aquele que agrada mais ao examinando, mas que este não trouxe (art.º 139/5, do CPT).
Também protesta por o exame não ter sido realizado no Instituto de Medicina Legal e por ter havido adiamentos, na sequência do que que lhe foi nomeado um outro médico, que não aquele que ele próprio apresentou inicialmente.
Ora, nada disto constitui vício do processo, não resultando do lado nenhum que os mesmos tenham ocorrido com vista a dificultar a sua representação ou que a lei de alguma maneira exija outro procedimento.
Tudo se resume, pois, à credibilidade da junta médica, que o Tribunal a quo deu por boa basicamente com fundamento na inexistência de motivo de divergência do seu parecer unânime.
Sobre isto há que referir que embora o tribunal não esteja obrigado a adoptar o parecer da junta médica, nada o impede de, na sua livre apreciação decidir que merece credibilidade, desde logo em face da natureza colegial da junta e eventualmente da especialização dos seus membros (e de todos os demais elementos de diagnóstico entretanto disponíveis). E, mais, só deverá afastar-se quando à luz de ponderada apreciação se imponha resposta diversa, até porque o juiz, sendo num certo sentido, como sói dizer-se, o perito dos peritos (cfr. por todos os ac. da RG de 20-03-2014 e de 19-02-2015, dessa expressão fazendo eco, por ex. o Dr. (…) no escrito intitulado “O Juiz tem de Continuar a ser o Perito dos Peritos”) não domina as áreas especializadas do saber para as quais estes são chamados.
Cabe referir que o auto é fundamentado, não se notando aliás diferença qualitativa em relação ao exame singular.
Por outro lado, não colhe a sua pretensão de que deve ser tido por assente o resultado do exame singular, em face da fundamentação de um e de outro, da autoridade e colegialidade dos seus intervenientes.
É certo, no entanto, que a ITA se prolongou por 308 dias e não 303 como refere a sentença.
Só que tal resultou na tentativa de conciliação (fls. 94), e nessa parte o sinistrado, devidamente patrocinado, manifestou-se de acordo.
O sinistrado nunca manifestou desacordo nesta parte nem requereu qualquer retificação, pelo que não pode imputar erro nesta fase à sentença.
*
Das custas
Entende o recorrente que não deu origem aos encargos com as junta médica, pois que foi a seguradora quem a requereu, além de que foi reconhecido que a sua alta clínica teve lugar não em 29 de outubro 2020 mas em 31 de maio de 2021, pelo que não foi totalmente vencido.
Referiu a seguradora na tentativa de conciliação não estar de acordo com a avaliação da incapacidade feita pelo perito do INML, nem com os períodos de incapacidade temporária atribuídos e nem com a data da alta fixada, pelo que não aceita a conciliação.
Tendo sido solicitado designadamente que fosse respondido ao quesito “quais as lesões que o sinistrado sofreu em consequência do presente acidente”, os peritos médicos responderam nos termos acima transcritos em 1).
Em face disso entendeu a sentença recorrida que se provaram as incapacidades temporárias.
Assim, tem razão o recorrente, não lhe sendo aplicável o disposto no art.º 4º, n.º 6 do RCP, já que não ficou integralmente vencido.
Procede pois nesta parte do recurso.
*
*
III.–
Pelo exposto a Relação julga parcialmente procedente o recurso e condena a ré nas custas devidas nos autos.
No mais confirma a decisão recorrida.
Custas do recurso pela R. Seguradora.


Lisboa, 3 de maio de 2023



Sérgio Almeida
Francisca Mendes
Celina Nóbrega


Decisão Texto Integral: