Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
8808/20.4T8SNT-A.L1-4
Relator: CELINA NÓBREGA
Descritores: JUNÇÃO DE DOCUMENTOS
GRAVAÇÃO ÁUDIO
PROVA LÍCITA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/12/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Sumário: 1- Sem prejuízo do disposto no artigo 63.º do CPT, o artigo 423º do CPC é aplicável ao processo laboral por via do disposto no artigo 1.º n.º 2 al. a) daquele Código.

2- Não constitui intromissão, nem violação de comunicações alheias a junção aos autos, pela Autora, de ficheiro áudio relativo a mensagem de voz gravada que lhe foi remetida e de que é a destinatária.

(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa:


Relatório


AAA, intentou contra:
BBB com sede no (…) Lisboa;
CCC, com sede no …Lisboa,
DDD, sócia gerente da 1.ª Ré, com domicílio profissional no … Lisboa; e
EEE, sócio gerente da 1.ª Ré … e da 2.ª … com domicílio profissional no …  Lisboa, acção declarativa emergente de contrato individual de trabalho pedindo que a acção seja julgada procedente e que, em consequência, seja reconhecida a existência de um contrato de trabalho entre a Autora e a 1.ª Ré; seja declarada a ilicitude do despedimento da Autora e, nessa sequência, sejam os Réus condenados solidariamente no pagamento das retribuições que a Autora deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão judicial que vier a declarar a ilicitude do mesmo, liquidando, desde logo, o valor de 850,00€; sejam os Réus condenados solidariamente no pagamento de indemnização pela antiguidade, até ao termo da discussão em audiência final de julgamento, correspondente a 45 dias de retribuição base e que nesta data perfaz o total de 11.475,00€; sejam os Réus condenados solidariamente no pagamento dos créditos laborais vencidos no valor total de 1.508,64€; sejam os Réus condenados solidariamente a pagar à trabalhadora a quantia de 17.000,00€ a título de compensação pelos danos não patrimoniais sofridos; sejam os Réus condenados solidariamente no pagamento de juros à taxa legal, vencidos e vincendos desde a citação e até integral pagamento; e que os Réus sejam condenados numa sanção pecuniária compulsória, em caso de incumprimento das obrigações a que vierem a ser condenados, de valor não inferior a 300,00 €.

A 3 de Fevereiro de 2021 a Autora requereu a junção aos autos dos documentos que protestou juntar nos artigos, 36.º, 43.º, 49.º, 51.º, 57.º, 58.º, 79.º, 82.º e 83.º da Petição Inicial, bem como a junção dos seguintes documentos: Declaração de acompanhamento psicológico e Declaração Médica Psiquiatra (11 documentos e um ficheiro áudio).

Os ilustres mandatários dos Réus foram notificados do mencionado requerimento nos termos do artigo 221.º do CPC.

A Ré, CCC, opôs-se à junção dos documentos e do ficheiro áudio, invocando, para tanto e no essencial, que nos termos do artigo 63º nº 1 do CPT, as provas, em processo laboral, devem ser apresentadas com os articulados, o que não sucedeu no caso, além de que não teve oportunidade de se pronunciar sobre eles, pelo que devem ser desentranhados e que a gravação áudio foi presumidamente gravada no telemóvel da Autora sendo ilícita, tratando-se, pois, de prova proibida e nula, pelo que não pode ser atendida devendo ser desentranhada.

Em 20.09.2021 foi proferido o seguinte despacho:
“Dos documentos (03.02.2021):
É certo o que dispõe o artigo 63.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho.
Porém, salvo o devido respeito pela posição das rés, entende-se ser ainda aplicável ao caso o disposto no artigo 423.º do Código de Processo Civil, por permitido à luz do disposto no artigo 1.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo do Trabalho (cf., a título exemplo, o acórdão da Relação de Évora de 20.04.2017, relatado pelo senhor juiz desembargador João Nunes, em www.dgsi.pt).
E, diga-se ainda, as rés haviam sido alertadas para a possibilidade de junção ulterior desses documentos (excepto dois deles), a alegação do respectivo facto probando mostra-se na petição e aquelas puderam exercer o seu direito de resposta, pelo que o contraditório foi assegurado.
Dito isto, está cumprido o requisito de tempo estabelecido no n.º 2 do artigo 423.º
Porém, a autora não justificou a apresentação tardia de tais documentos, na petição ou agora.
E, como é dito no acórdão Relação de Lisboa de 21.05.2020, relatado pelo senhor juiz desembargador Carlos Castelo Branco, em www.dgsi.pt, «o protestar juntar documento não tem qualquer consequência, pois, a intenção de praticar um acto processual não equivale à sua prática, não podendo advir daí consequências jurídicas, como se o acto que não foi praticado, o tivesse sido».
Logo, a junção desta documentação está sujeita a multa processual (única), a que não obsta o benefício do apoio judiciário (cf., por exemplo, o decidido pelo Tribunal da Relação de Évora em 20.03.2018, acórdão relatado pelo senhor juiz desembargador Sérgio Corvacho, em www.dgsi.pt).
Cumpre, por último, indagar da legalidade da junção aos autos da gravação áudio.
Esta corresponde à alegação em 51.º da petição e a uma mensagem de voz alegadamente remetida por uma das rés (ainda que se desconheça em concreto qual, o que poderá inquinar a sua concreta valia probatória).
Esta mensagem (gravada, o que não poderia ser desconhecido pelo remetente) de voz teve por destinatário a autora, pelo que, com base nestes exactos e concretos pressupostos, não houve qualquer intromissão ilícita nas telecomunicações ou intimidade.
Em conclusão, é de admitir a junção destes documentos, mas sujeitando a autora ao pagamento de uma multa processual única, pelo mínimo legal, o que se determina.”

Inconformada com o despacho, a Ré recorreu e sintetizou as conclusões nas seguintes alegações:
1.A 03 de fevereiro 2021 a Autora juntou aos autos documentos e um áudio que teria protestado juntar na sua petição inicial entregue a 01 de julho de 2020.
2.O despacho saneador dos presentes autos foi proferido e notificado às partes a 22 de fevereiro de 2021.
3.As Rés apesar de não terem sido notificadas para o efeito, a 15 de abril de 2021 (10 dias com a suspensão de prazos Covid 19) impugnaram aquela junção por considerem extemporânea por um lado e por outro lado por considerarem o áudio / gravação junta, ilícita e consequentemente nula.
4.A 20 de Setembro de 2021, foi à Ré notificada do despacho, que ora se recorre, com a decisão que recaiu sobre a junção de 03 de fevereiro 2021 aos autos pela Autora de documentos e áudio.
5.Resulta daquele despacho, em síntese, que as Rés já deveriam estar a “contar” com a junção tardia desses documentos e áudio, por na sua petição inicial, a Autora, já os ter protestado juntar e por os factos probandos de que aqueles documentos e áudio teriam por base estariam devidamente explanados naquela peça, não estando em momento algum a defesa das Rés posta em causa.
6.Acrescenta que o áudio é uma mensagem de voz e que mesmo estando à partida inquinada a sua validade como prova, aquela mensagem não podia ser desconhecida do seu remetente!
7.Não pode a Apelante aceitar este entendimento.
8.O artigo 63º no seu nº1 do Código Processo de Trabalho determina claramente que as provas, em processo laboral, devem ser apresentadas com os articulados.
9Os documentos não são a exceção e, portanto, devem ser apresentados com o articulado respetivo.
10.Em momento algum a Autora alega os motivos pelos quais não junta imediatamente aquelas provas com o seu articulado.
11.À Apelante não lhe foi facultada a possibilidade de analise daquelas provas a fim de as poder impugnar ou não!
12.Logo, não foi facultada a Apelante a possibilidade de um pleno contraditório!
13.A acrescer que a Autora nem justifica a junção tardia daquelas provas.
14.Já quanto ao deferimento da junção da prova áudio, o Tribunal A QUO refere em síntese que é uma mensagem de voz alegadamente enviada por uma das Rés e que sendo remetente não poderia deixar de saber que se destinava à Autora e que por assim ser não é “não houve qualquer intromissão ilícita nas telecomunicações ou intimidade.”
15.Tal entendimento não poderá acolher, até porque se por um lado não se consegue distinguir uma gravação áudio de uma mensagem de áudio, quem quer que seja o seu remetente ao envia-la (mensagem) ou a grava-la (Gravação áudio) apenas o faz para o destinatário em causa e não para o “publico em geral.”
16.Mais, como se pode concluir se é realmente uma mensagem gravada como a Autora diz e não é uma gravação áudio?
17.Não pode o Tribunal A QUO socorrer-se deste argumento sem base probatória!
18.O áudio junto foi-o sem qualquer declaração de consentimento de gravação pelos intervenientes da gravação.
19.Pelo art. 26º nº 1 da Constituição da República Portuguesa (CRP) estabelece que a todos é reconhecido o direito à reserva da intimidade da vida privada apesar de não se identificar quem é o autor de tal áudio!
20.Por intimidade da vida privada entende-se o núcleo vivencial individual que não é exposto publicamente ou socialmente.
21.Nos termos do nº 8 do art. 32º da CRP, é nula - logo necessariamente ilícita e proibida - a prova obtida mediante abusiva intromissão na vida privada ou nas telecomunicações, mesmo as mensagens áudio enviadas, de um remetente para um destinatário, porque o remetente ao enviá-la apenas a envia para uma única pessoa sem que para isso a autorize a difundi-la.
22.Esta norma, conquanto formalmente prevista para o processo penal, deve ser tida como aplicável em todo e qualquer processo, e reporta-se tanto à prova obtida pelas entidades públicas como pelas entidades particulares (v. Capelo de Sousa, O Direito Geral de Personalidade, p. 348, Isabel Alexandre, Provas Ilícitas em Processo Civil, p. 239).
23.Do art. 417º nº 3 al. b) do CPC resulta claramente, embora de forma indireta, a inadmissibilidade de tal prova.
24.Acrescer que é inviolável o sigilo dos meios de comunicação privada inda, nos termos do nº 1 do art. 34º da CRP.
25.É Entendimento maioritário quer na doutrina quer na jurisprudência que quaisquer que sejam as gravações áudio, desde que não denunciem um crime, são ilícitas e nos termos preditos prova proibida e nula.
Nestes termos e nos de mais de direito deverá ser o despacho datada de 20 setembro de 2021, revogado e substituído por outro que determine o desentranhamento dos documentos e áudio juntos por extemporaneidade assim como declarar também, que o áudio junto, é prova ilícita e nula. fazendo-se assim, SÃ e Serena Justiça!
E.D.”

Não consta do histórico do processo que a Autora tenha apresentado contra-alegações.

O recurso foi admitido.

Neste Tribunal, o Exmo. Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de ser mantida a decisão recorrida.

Notificadas as partes do teor do mencionado parecer, não apresentaram resposta.

Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

Objecto do recurso
Sendo o âmbito do recurso limitado pelas questões suscitadas pelo recorrente nas conclusões das suas alegações (arts. 635.º n.º 4 e 639.º do CPC, ex vi do n.º 1 do artigo 87.º do CPT), sem prejuízo da apreciação daquelas que são de conhecimento oficioso (art.608.º n.º 2 do CPC), no presente recurso importa apreciar se o Tribunal a quo errou ao admitir a junção aos autos dos documentos e do ficheiro áudio apresentados pela Autora.

Fundamentação de facto
Os factos com relevância para a decisão são os que constam do relatório para o qual se remete.

Fundamentação de direito
Vejamos, então, se o Tribunal a quo errou ao admitir a junção aos autos dos documentos e do ficheiro áudio apresentados pela Autora

Nos artigos 36.º,43.º,49.º,51.º,57.º,58.º,79.º,82.º e 83.º da petição inicial a Autora invocou:
36.º-Sucede que a A. no dia 13/05/2019 já tinha sofrido uma intoxicação respiratória por inalação de formol tendo ficado de baixa médica até ao dia 21/05/2019 (certificado de incapacidade temporária que protesta juntar.”
43.º-Perante as reclamações apresentadas, a A. foi avisada, por mensagem escrita enviada pelo “Whatsapp”, que as ordens dadas eram para ser cumpridas e para estar “sossegadinha” caso contrario iria começar deixar de trabalhar no Cacém e passar a ser escala para trabalhar em lojas noutros locais.
49.º-Sendo que, a 3.ª Ré já tinha comunicado esse facto a todos os colegas da A. através de mensagem no grupo de whatsapp da … (Documento que se protesta juntar).
51.º-A A. contactou diretamente a 3.ª Ré questionando as informações recebidas, tendo a Ré enviado a seguinte mensagem de voz que se transcreve (protesta juntar o documento áudio):
- “O contrato na …, …, estava por acabar certo? Independentemente de você estar grávida ou não. Para não renovar o contrato na … e colocar você na …
Não só você, a … deve estar a receber a qualquer momento porque também é da … está bem? … não, é a … se não me engano, deve receber entre hoje e segunda-feira.
Essas pessoas que nós queremos que se mantenham na empresa vão ser feito outro contrato por outra razão social. Não muda nada...
No entanto, quando eu estou saindo para ir almoçar, me ligam a dizer que a … passou mal novamente, que não vai trabalhar no domingo porque não teve folga. (...) E que a … tinha te dito que era para você meter baixa.
E eu pensei: Não! Se ela meter baixa agora ainda não recebe nada, portanto é melhor ela gozar férias nesses primeiros dias de gestação que é para ela descansar, porque é o período mais complicado de uma gestação.
Foi só com esse objetivo tá bem? É para você não meter baixa nenhuma e gozar as férias a que tem direito com tranquilidade. Obviamente que eu já pedi para passarem as contas das férias para liberar o seu subsídio férias, tá bem?”
57.º-Com o ocorrido A A. ficou muito abalada física e emocionalmente, e teve de ser assistida por médico, tendo recebido baixa médica de 30 dias, a qual foi posteriormente prorrogada por estar a A. com uma gravidez de risco e ter necessidade de permanecer em repouso (protesta juntar documento comprovativo da baixa médica).
58.º-Não obstante, no dia 2 de Julho de 2019, a 1.ª Ré enviou à A. uma mensagem escrita solicitando que, quando fosse mais viável a A. se deslocasse ao escritório para “apresentação das suas contas”. Mais pediu, que a A. fizesse a “gentileza” de se retirar dos grupos de whatsapp da empresa dos quais fazia parte (protesta juntar documento comprovativo)
79.º-A A. além de vivenciar uma gravidez de risco, passou a sofrer de depressão grave, com insónia e pensamentos obsessivos (Declaração médica psiquiátrica que junta como Doc. 16 e se dá por integralmente reproduzida).
82.º-Por outro lado, perdeu a única fonte de sustento para si e para o seu filho adolescente de 15 anos, passando a depender da ajuda económica de familiares e terceiros para pagar as suas despesa
83.º-Situação que se agravou com o nascimento da filha, atualmente com 6 meses (protesta juntar cópia de certidão de nascimento).”

A Ré, depois de aceitar o alegado pela Autora nos artigos 1º, 2º, 4º,5º, 6º, 7º, 8º, 24º, 25º e 30º da petição inicial (cfr.art.1º), no artigo 2.º da contestação, alegando tratar-se de matéria falsa, impugnou a restante matéria vertida na petição inicial.

E no artigo 23º da contestação, por entender que se tratava de factos pessoais da Autora e deles não ter conhecimento, a Ré impugnou, além do mais, o alegado nos artigos 79.º82.º e 83.º da petição inicial.

Em 3 de Fevereiro de 2021, a Autora juntou aos autos os documentos que, na petição inicial, tinha protestado juntar, bem como uma Declaração de acompanhamento psicológico e uma Declaração Médica Psiquiatra.  

As Rés foram notificadas, nos termos do artigo 221.º do CPC, do requerimento de junção dos documentos em causa e do ficheiro áudio, sendo que a Ré CCC, opôs-se à requerida junção com os fundamentos supra referidos.

A Recorrente em lado algum afirma que não tomou conhecimento do teor dos documentos em causa e do ficheiro áudio e a verdade é que pronunciou-se sobre eles pela forma que entendeu ser a conveniente.

Por isso, salvo o devido respeito, não se percebe, de todo, o teor das conclusões 11.ª e 12.ª nas quais a Recorrente invoca: “11. À Apelante não lhe foi facultada a possibilidade de analise daquelas provas a fim de as poder impugnar ou não!
12. Logo, não foi facultada a Apelante a possibilidade de um pleno contraditório!”

Com efeito, se a 1ª Ré não impugnou o teor das mencionadas provas foi porque não quis, pois os documentos foram juntos a 3.2.2021, a 1ª Ré opôs-se à junção, segundo afirma, em 15.04.2021 e o despacho que admitiu os documentos foi proferido a 20.09.2021, isto é, depois de a 1ª Ré já ter deduzido oposição à sua junção.

Aqui chegados, debrucemo-nos, então, sobre a questão de saber se não era admissível a junção aos autos dos documentos em causa (11 documentos e ficheiro áudio).

Dispõe o n.º 1 do artigo 63.º do CPT que “com os articulados, devem as partes juntar os documentos, apresentar o rol de testemunhas e requerer quaisquer outras provas.”
Tal norma corresponde, no essencial, ao n.º 1 do artigo 423.º do CPC que estatui: “ Os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da ação ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes.”

Contudo, o Código de Processo do Trabalho é omisso no que respeita àquelas situações em que às partes é impossível observar o disposto no n.º 1 do artigo 63.º do CPT.
Ora, o n.º 1 do artigo 1.º do CPT determina que o processo do trabalho é regulado pelo presente Código (CPT).
Mas nos casos omissos, recorre-se sucessivamente: a) À legislação processual comum, civil ou penal, que diretamente os previna; b) À regulamentação dos casos análogos previstos neste Código; c) À regulamentação dos casos análogos previstos na legislação processual comum, civil ou penal; d) Aos princípios gerais do direito processual do trabalho; e) Aos princípios gerais do direito processual comum. (n.º 2 do artigo 1.º)
Assim, ao caso, como entendeu o Tribunal a quo, por força do disposto no n.º 2 al.a) do artigo 1.º do CPT, são aplicáveis as normas do CPC, ou seja, o disposto nos n.ºs 2 e 3 do artigo 423.º do CPC.

De acordo com os referidos preceitos legais:
2- Se não forem juntos com o articulado respetivo, os documentos podem ser apresentados até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, mas a parte é condenada em multa, exceto se provar que os não pôde oferecer com o articulado.
3- Após o limite temporal previsto no número anterior, só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior.”

Ou seja, as partes podem juntar documentos até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, mas a parte é condenada em multa, excepto se provar que não pôde oferecer os documentos com o articulado respectivo.
E se a parte os apresentar ultrapassado o referido limite temporal, mesmo assim, os documentos ainda são admitidos se a sua apresentação não tiver sido possível até aquele momento ou se a sua apresentação se tiver tornado necessária em virtude de ocorrência posterior.
E depois do encerramento da discussão as partes ainda podem juntar documentos nos exactos termos previstos no artigo 425.º do CPC.
No caso, a Recorrente não invocou que os documentos foram juntos, ultrapassado que estava o limite temporal a que alude o n.º 2 do artigo 423.º do CPC, pelo que temos por assente que o fez dentro desse prazo.
Porém, não tendo a Autora apresentado justificação para a sua junção tardia, restava ao Tribunal a quo admitir a junção dos documentos e condenar a apresentante em multa, como fez.
Mas ainda defende a Recorrente que as gravações  áudio, desde que não denunciem um crime, são ilícitas e, por isso, prova proibida e nula, razão pela qual não podia ter sido admitida a gravação áudio apresentada pela Autora.

Inserido no TÍTULO II Direitos, liberdades e garantias, CAPÍTULO I Direitos, liberdades e garantias pessoais, estatui o artigo 26.º da Constituição da República Portuguesa (CRP):
 “1.- A todos são reconhecidos os direitos à identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade, à capacidade civil, à cidadania, ao bom nome e reputação, à imagem, à palavra, à reserva da intimidade da vida privada e familiar e à protecção legal contra quaisquer formas de discriminação.
2.- A lei estabelecerá garantias efectivas contra a obtenção e utilização abusivas, ou contrárias à dignidade humana, de informações relativas às pessoas e famílias.
3.- A lei garantirá a dignidade pessoal e a identidade genética do ser humano, nomeadamente na criação, desenvolvimento e utilização das tecnologias e na experimentação científica.
4.- A privação da cidadania e as restrições à capacidade civil só podem efectuar-se nos casos e termos previstos na lei, não podendo ter como fundamento motivos políticos.”
Nos termos do nº 8 do artigo 32º da CRP “São nulas todas as provas obtidas mediante tortura, coacção, ofensa da integridade física ou moral da pessoa, abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações. “
E de acordo com o nº 1 do artigo 34º nº 1 da CRP: “O domicílio e o sigilo da correspondência e dos outros meios de comunicação privada são invioláveis”, dispondo o nº 4 que “É proibida toda a ingerência das autoridades públicas na correspondência, nas telecomunicações e nos demais meios de comunicação, salvos os casos previstos na lei em matéria de processo criminal.”
Por outro lado, sobre a legalidade da prova, estatui o artigo 125º do Código de Processo Penal que “são admissíveis as provas que não forem proibidas por lei.”
E o nº 3 do artigo 126º do CPP determina queRessalvados os casos previstos na lei, são igualmente nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações sem o consentimento do respectivo titular.”
Regressando ao caso, constata-se que a Autora requereu a junção aos autos de um ficheiro áudio para prova do alegado no artigo 51.º da petição inicial:
“51.º- A A. contactou diretamente a 3.ª Ré questionando as informações recebidas, tendo a Ré enviado a seguinte mensagem de voz que se transcreve (protesta juntar o documento áudio):
- “O contrato na …, …, estava por acabar certo? Independentemente de você estar grávida ou não. Para não renovar o contrato na … e colocar você na …
Não só você, a … deve estar a receber a qualquer momento porque também é da … está bem? … não, é a … se não me engano, deve receber entre hoje e segunda-feira.
Essas pessoas que nós queremos que se mantenham na empresa vão ser feito outro contrato por outra razão social. Não muda nada...
No entanto, quando eu estou saindo para ir almoçar, me ligam a dizer que a … passou mal novamente, que não vai trabalhar no domingo porque não teve folga. (...) E que a … tinha te dito que era para você meter baixa.
E eu pensei: Não! Se ela meter baixa agora ainda não recebe nada, portanto é melhor ela gozar férias nesses primeiros dias de gestação que é para ela descansar, porque é o período mais complicado de uma gestação.
Foi só com esse objetivo tá bem? É para você não meter baixa nenhuma e gozar as férias a que tem direito com tranquilidade. Obviamente que eu já pedi para passarem as contas das férias para liberar o seu subsídio férias, tá bem?”

Ou seja, para além de ter juntado o ficheiro áudio da mensagem que lhe foi enviada pela Ré (apreende-se que será a 3.ª Ré, pois terá sido com esta que a Autora contactou), no artigo 51.º da petição inicial a Autora transcreveu a dita mensagem de que ela própria é a destinatária.

Ora, tratando-se de uma mensagem de voz gravada que, naturalmente, teria de ser do conhecimento da respectiva remetente e que tinha a Autora como destinatária, não vislumbramos, como não vislumbrou o Tribunal a quo, nem o Exmo. Sr. Procurador-Geral Adjunto, no seu parecer, que a Autora, ao requerer a junção aos autos do ficheiro áudio relativo à dita mensagem, com vista a fazer prova do facto que alegou na petição inicial, esteja, de alguma forma, a intrometer-se ou a violar comunicações alheias.

Contrariamente ao defendido pela Recorrente, não se trata de uma gravação áudio efectuada a uma conversação privada entre a Autora e uma das Rés e sem o consentimento desta última. Isto é, não foi a Autora quem gravou uma conversação entre ela e uma das Rés e à revelia desta última. Trata-se, sim, de uma mensagem de voz gravada enviada à Autora por uma das Rés e de que aquela é a sua destinatária.

Consequentemente, não merece reparo o despacho recorrido, improcedendo o recurso em toda a sua extensão.

Considerando o disposto no artigo 527.º n.ºs 1 e 2 do CPC, as custas são da responsabilidade da Ré Recorrente.

Decisão
Em face do exposto, acordam os Juízes deste Tribunal e Secção em julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirmam o despacho recorrido.
Custas pela Recorrente.
Registe e notifique.


Lisboa, 12 de Janeiro de 2022


Maria Celina de Jesus de Nóbrega
Paula de Jesus Jorge dos Santos
Filomena Maria Moreira Manso