Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1700/2007-6
Relator: MARIA MANUELA GOMES
Descritores: COMPETÊNCIA MATERIAL
TRIBUNAL DO TRABALHO
TRIBUNAL CÍVEL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/01/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: Se o autor, embora invocando a qualidade de ex-trabalhador da ré, alega ter direito a uma quantia entregue à ré, mas destinada a ser rateada pelos ex-trabalhadores que por conta daquela exerceram funções junto da determinada entidade, pelo faz emergir o pedido que formula contra a ré no instituto do enriquecimento sem causa, a causa de pedir invocada, embora relacionada com uma primitiva relação de trabalho, não radica directamente naquela, mas sim numa relação jurídica diversa, de carácter civil, pelo que os Tribunais de Trabalho, não são os competentes em razão da matéria (art. 85º da LOFTJ “ a contrario sensu”), mas sim os Tribunais Cíveis, de competência residual.
(FG)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa

1. J intentou, no Tribunal Cível de Lisboa, (7º Juízo Cível, depois enviado ao 4º Juízo do Tribunal de Pequena Instância Cível de Lisboa) acção declarativa de condenação, com processo comum, sob a forma sumária, contra P, Lda, pedindo que esta fosse condenada a pagar-lhe a quantia de 659 812$00, acrescida de juros de mora á taxa legal até integral pagamento, computando os juros vencidos até 30.08.2001 em 88 451$00.
Para tanto, em síntese, alegou que, prestou funções de vigilante na Embaixada dos EUA, em Lisboa, sob a autoridade, direcção e fiscalização da ré, mediante o pagamento de uma retribuição mensal, desde 1.01.93 até 30.09.1999, data em que findou um contrato de prestação de serviços de segurança/ vigilância celebrado entre a dita Embaixada e a ré, continuando o autor a exercer as mesmas funções naquela Embaixada, mas já sob a direcção autorização e fiscalização de outra sociedade com quem a Embaixada celebrou novo contrato de prestação de serviços de segurança/ vigilância.
Mais invocou que: “por via do referido contrato de prestação de serviços celebrado entre a R. e a Embaixada dos Estados Unidos da América, esta assumiu o compromisso de, quando cessassem os contratos de trabalho dos vigilantes ao serviço da R., nas suas instalações por motivo que lhes não fosse imputável, lhe pagaria uma quantia calculada com base no vencimento base por cada um auferido multiplicado pelo tempo de serviço por cada um prestado nas suas instalações” (artigo 6º da p.i.).
Em decorrência da cessação dos contratos operada em 30/09/99, a Embaixada entregou à R. uma verba global destinada a ser distribuída pelos vigilantes ali em serviço à data, de acordo com o critério acima referido” (artigo 7 º da p. i.)
“Em Fevereiro de 2000 a ré avançou com o processamento do pagamento resultante a aludida compensação através da verba que lhes fora entregue pela Embaixada para aquele fim, aos colegas do autor no local de trabalho em causa” (artigo 8º da p. i.).
No entanto não pagou ao A. o montante de 659 812$00 a este destinado e a que tinha direito segundo o critério anteriormente mencionado, em virtude do A. não ter anuído à exigência da R. de assinar (…), nomeadamente a declaração /quitação de recebimento do respectivo cheque em que constava a expressão: nada mais tendo a receber seja a que título for” (artigo 9º da p. i.).
Continuando assim (a ré) a locupletar-se injustificadamente à custa do A., na medida em que se apropria da quantia de 659 812$00 que lhe foi entregue com destino à pessoa do A.” (artigo 11º da p.i.).

Citada veio a ré contestar, invocando para além do mais, a incompetência absoluta do tribunal em razão da matéria, uma vez que alegando o autor que a quantia pedida lhe era devida como compensação pela antiguidade, calculada com base no vencimento base por cada um dos vigilantes auferidos, tratava-se de crédito emergente de contrato individual de trabalho, matéria cuja apreciação cabe aos Tribunais de Trabalho.

O autor respondeu à matéria da excepção, invocando que não estruturara o seu pedido na relação jurídica de trabalho subordinado, mas sim na existência de uma obrigação pecuniária da ré para consigo, consistente no não pagamento de dívida no valor pedido, quantia integrante de um montante global entregue pela embaixada dos EUA à ré, com a obrigação desta a entregar ao autor, por preencher os requisitos para a sua atribuição.

Por despacho de 22.09.2006, foi julgada improcedente a excepção da incompetência absoluta do Tribunal de Pequena Instância Cível, declarando-se este Tribunal materialmente competente para a acção.

Inconformado, interpôs a ré recurso de agravo.
Alegou e no final formulou as seguintes conclusões:
- O recorrido intentou a presente acção alegando a vigência de 1993 a 1999 de um contrato de trabalho.
- O recorrido pede o pagamento de 659 812$00 tendo como base o seu vencimento base e os anos de antiguidade.
- O próprio recorrido considera esta quantia como “compensação de antiguidade”.
- O pedido e a causa de pedir tem como substrato factual a vigência de um contrato de trabalho, relação substantiva alegada pelo recorrido.
- Os tribunais de Trabalho são os competentes em razão da matéria para conhecer dos litígios emergentes de contrato de trabalho, pelo que o despacho recorrido violou o disposto no art. 64º,al. b) da Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais, devendo ser revogado e substituído por outro que declare a absolvição da instância da ré, por incompetência absoluta do Tribunal em razão da matéria.

Não houve contra alegação e o despacho recorrido foi sustentado.

Dispensados os vistos, cumpre decidir.

2. Como evidenciam as conclusões da agravante, a única questão suscitada neste recurso é a da competência ou não dos Tribunais de Trabalho para apreciarem e decidirem a presente acção.
Como é sabido a competência do tribunal afere-se pelo quid disputatum, pelo quid decidendum, isto é, a competência determina-se pelo pedido do autor. A competência do tribunal não depende da legitimidade das partes nem da procedência da acção. Mas é ponto a resolver de acordo com a identidade das partes e com os termos dessa pretensão. (Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, 91).
Ou seja, a competência do tribunal tem de ser aferida pelo pedido, formulado em consonância com a causa de pedir.
Vejamos, então.
O autor, embora invocando a qualidade de ex-trabalhador da ré, alega ter direito a uma quantia entregue pela Embaixada dos EUA à ré, mas destinada a ser rateada pelos ex-vigilantes que por conta daquela exerceram funções junto da dita Embaixada, pelo que (bem ou mal não interessa ao conhecimento da excepção em causa) faz emergir o pedido que formula contra a ré no instituto do enriquecimento sem causa – no seu dizer, a ré reteve, sem fundamento, uma quantia destinada ao autor, recusando-se a entregar-lha – donde deriva que, a causa de pedir invocada, embora relacionada com uma primitiva relação de trabalho, não radica directamente naquela, mas sim numa relação jurídica diversa, de carácter civil, pelo que os Tribunais de Trabalho, ao contrário do que defende a recorrente, não são os competentes em razão da matéria (art. 85º da LOFTJ “ a contrario sensu”), mas sim os Tribunais Cíveis, de competência residual.
Se essa causa de pedir é ou não suficiente para conduzir à procedência do pedido é questão de procedência ou improcedência da acção, mas não de competência.
Pelo exposto, conclui-se que, conforme decidido na 1ª instância, os Tribunais Cíveis são os competentes em razão da matéria para conhecer da presente acção.

4. Termos em que acordam os juízes que compõem este Tribunal em negar provimento ao presente agravo e confirmar o despacho recorrido.
Custas pela recorrente.

Lisboa, 1 de Março de 2007
(Manuela Gomes)
(Olindo Geraldes)
(Ana Luísa Passos