Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
7973/08.3TCLRS-A.L1-6
Relator: CARLOS M. G. DE MELO MARINHO
Descritores: REGULAMENTO DE CUSTAS
TAXA DE JUSTIÇA REMANESCENTE
COMPLEXIDADE DO PROCESSO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/14/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: - Não está vedado, após a elaboração da conta de custas, o despoletamento do mecanismo de adequação jurisdicional da taxa de justiça remanescente previsto no n.º 7 do art. 6.º do Regulamento das Custas Processuais num quadro em que só após tal conta os Demandantes não condenados no pagamento das custas são confrontados, pela primeira vez, com a necessidade de procederem à entrega de tal remanescente que, por lapso do mesmo Tribunal, não puderam incluir na sua nota justificativa e discriminativa das custas de parte;
- Para os efeitos da aplicação da referida norma, torna-se essencial conhecer a estrutura do processo em que surge a liquidação desse remanescente com vista a aferir do seu grau de exigência técnica ou complexidade;
- Deve considerar-se que o remanescente não será devido não quando as causas não tenham especial complexidade mas quando a sua dificuldade seja inferior à normal ou média - que terá sido a ponderada pelo legislador quando desenhou o sistema vertido no Regulamento das Custas Processuais;
- Se assim não fosse, antes aquele legislador teria fixado que o pagamento do remanescente só se justificaria nos casos de particular dificuldade – eventualmente a definir pelo julgador – sendo, então, o regime de liquidação do remanescente excepcional e não regra como emerge, presentemente, do Regulamento das Custas Processuais ao permitir-se a sua dispensa apenas mediante despacho devidamente fundamentado, explicativo, patenteando a singularidade ou carácter atípico da situação concreta;
- Na ponderação da dificuldade de uma acção, deve atender-se à dimensão dos articulados e alegações das partes, à natureza das questões a analisar e ao «peso» temporal e material da instrução.
(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial: Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa.


I. RELATÓRIO:

                   
Nos autos de acção declarativa de condenação com processo ordinário que H... e E..., ambos com os sinais identificativos constantes dos autos, instauraram contra A..., R... e E..., neles também melhor identificados, foi proferida sentença com data de 22.07.2013, que declarou:

Nestes termos e pelos fundamentos supra expostos, o Tribunal julga a presente acção procedente e, em consequência:
1- reconhece a resolução do contrato-promessa celebrado em 10/04/2000  entre A. e os dois primeiros RR;
2- condena os dois primeiros RR a pagar aos AA. a quantia de € 274.402,54  (correspondente ao dobro do sinal prestado deduzidas as quantias entretanto pagas pelos RR), acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação;
3- declara ineficaz em relação aos AA. a doação outorgada pelos dois primeiros RR a favor da 3ª R, respeitante a 1/426 avos indivisas do prédio rústico, no qual se encontra implantada uma edificação para habitação e comércio, sito no denominado "Casalinho" e Olival da Serra" ou "Olival das Serras", descrito na 2ª CRPredial de Loures sob o número 506 da freguesia de S. Julião da Talha;
4- reconhece aos AA. o direito de executar o identificado bem imóvel no  património da 3ª R, bem como a praticar sobre o mesmo todos os actos de conservação da garantia patrimonial do seu crédito acima referido em 2.
Mais, o Tribunal condena os RR. como litigantes de má fé, em multa de 4 UC's e em indemnização a favor dos AA. na quantia de € 3.000.
Custas pelos RR.

Tal sentença foi notificada aos Autores por ofício de 23.07.2013.

Em 07.10.2013, os Demandantes apresentaram «nota discriminativa e justificativa das custas de parte» de fl. 560.

Foi elaborada, com data de 05.02.2014 a conta do processo tendo, nos termos constantes de fl. 569, sido fixada a responsabilidade dos Autores pelo pagamento da quantia de 3.542,40 EUR a título de «taxa de justiça cível».

Com data de 06.02.2014, foi remetida notificação aos Demandantes para procederem  ao pagamento de tal quantia no prazo de dez dias, acrescido da dilação de cinco dias.

Após a prolação de decisão judicial e na sequência da notificação da conta de custas, os Autores vieram apresentar reclamação que concluíram nos seguintes termos:
(…) 16- Crêem, assim, os Autores que, assistindo ao Juiz, nos termos do artigo 6.º, n.º 7 do RCP, a faculdade de poder dispensar os Autores do pagamento do valor remanescente da taxa de justiça considerado na conta final e encontrando-se reunidos os pressupostos legais para o efeito, se impõe a reformulação da  conta de custas, no sentido da dispensa do pagamento, tanto mais que a sentença condenou os Réus no pagamento das custas com este processo.
17- Por outro lado, é de assinalar o atual contexto de crise, que afeta de sobremaneira a capacidade financeira de todos os cidadãos, não sendo os Autores exceção.
18- Face a tudo quanto fica exposto, e caso não se atenda ao requerido em 4. supra, requer-se a V. Exa. se digne, de harmonia com o disposto no artigo 6.º, n.º 7 do RCP, dispensar o pagamento do remanescente da taxa de justiça apurada, no valor de € 3.542,40 ou, caso assim não se entenda, o que por mero dever de patrocínio se concede, se digne reduzir substancialmente, à luz dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, o valor do montante a pagar, a final pelos Autores.

Tal reclamação foi objecto de decisão judicial do seguinte teor:
(…) Invocam ainda os reclamantes, e à cautela, a aplicação do nº 7 do artº 6° RCProcessuais.

De harmonia com este preceito (...), que tem natureza excepcional, o juiz, se a situação o justificar, designadamente atendendo à complexidade da causa e à conduta das partes, pode dispensar o pagamento do remanescente da taxa de justiça devido a final, nas causas de valor superior a € 275.000,00; mas se nada for determinado terá então de ser pago, a final, o remanescente da taxa de justiça de acordo com o valor efectivo da acção.

Todavia, na sentença que condenou no pagamento das custas, transitada já em julgado, não foi dispensado o pagamento do remanescente da taxa de justiça, sendo nesse momento, que é o da definição da responsabilidade pelas custas, que tal dispensa deve ser concretizada caso o juiz entenda que ocorrem as circunstâncias excepcionais que conduzem a tal dispensa (SALVADOR DA COSTA, Código das Custas Judiciais, 9.ª edição, 2007, pág. 217, cujos ensinamentos mantêm inteira aplicação ao caso vertente).

O incidente da reclamação da conta, no entanto, não constitui o meio idóneo para alcançar o fim que os ora reclamantes pretendem, pois o objecto desse incidente não pode ir além da correcção dos erros de contagem que se surpreendam em desconformidade com a decisão sobre a responsabilidade pelas custas (SALVADOR DA COSTA, ibidem, pág. 345), razão pela qual a dispensa de pagamento pretendida não pode emergir por efeito da reclamação da conta.

Aqui chegados, há que indeferir a reclamação apresentada.

É desta decisão que vem este recurso interposto por H... e E..., que alegaram e formularam as seguintes conclusões:
1. O presente recurso tem por objeto o despacho proferido pela 1.ª Vara de Competência Mista do Tribunal de Família e Menores e de Comarca de Loures, que indeferiu o pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça apurada, no valor de € 3.542,40, ou, subsidiariamente, a redução substancial de tal verba, à luz dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.
2. Entendeu o Tribunal a quo, que a dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça apenas poderia ter sido decidida na sentença proferida, não o podendo ser após a elaboração da conta de custas em sede de reclamação a esta conta.
3. Tem sido jurisprudência recorrente que esta dispensa pode ser pedida após a elaboração da conta de custas, pelo que estão os Recorrentes em tempo de a requerer - cfr. a título de exemplo os Acs. da RL de 03.12.2013 proferido no processo 1586/08.7TCLRS.L2, e de 20.05.2010 proferido no processo 491/05, ambos em www.dgsi.pt.
4. A sentença proferida nos autos, não se pronunciou sobre a questão que está em causa neste recurso, tendo decidido apenas condenar os Réus nas custas do processo pelo que não se verifica caso julgado, porquanto não se pretende que o Tribunal se pronuncie de novo sobre o montante das custas nem sobre o responsável pelo seu pagamento, únicas questões que já haviam sido decididas através da sentença transitada em julgado.
5. Só após a elaboração de tal conta, poderia o Tribunal decidir sobre a eventual dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, pois só nesse momento ficou a conhecer o valor exato de tal montante.
6. Deverá, pois, concluir-se no sentido de que nada obsta a que após a elaboração da conta possa ser requerida, e decidida, pelo Tribunal a dispensa ou a redução do remanescente da taxa de justiça, conforme tem sido jurisprudência deste Tribunal da Relação.
7. No caso dos presentes autos: os responsáveis pelo impulso processual (AA.) não foram condenados em custas a final, pelo que deviam ter sido notificados para proceder ao pagamento do remanescente da taxa de justiça no prazo de 10 dias, conforme disposto no artigo 14º n.º 9 do RCP, o que não sucedeu e impede os Recorrentes de incluírem tal valor na nota discriminativa e justificativa de custas de parte que remeteram aos RR. no prazo legal para o efeito.
8. A notificação recebida pelos AA., ora Recorrentes, muito depois do decurso do prazo para o efeito é nula, por extemporânea, nulidade que se invoca para os devidos efeitos legais.
9. As partes já liquidaram, neste processo, taxas de justiça no valor total de € 3.564,00, tendo os Recorrentes sido posteriormente notificados para pagar o remanescente da taxa de justiça no valor de € 3.542,00, pelo que o total de custas devido ascenderia, assim, a € 7.106,00.
10. O art.º 20 n.º 1 da Constituição da República Portuguesa (CRP) consagra o direito fundamental de acesso aos tribunais "A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos."
11. Os Recorrentes estão cientes que o direito de acesso aos tribunais não compreende o direito a litigar gratuitamente, sendo legítimo a imposição de uma contrapartida pela prestação de tal serviço. No entanto, o custo associado ao recurso aos Tribunais não pode ser tão elevado que resulte na negação da Justiça aos cidadãos e às empresas porque deve existir, ainda que não em termos absolutos, correspetividade entre os serviços prestados e a taxa de justiça cobrada aos cidadãos que recorrem aos tribunais, de acordo com o principio da proporcionalidade consagrado no art. 2º da CRP e com o direito de acesso à justiça previsto no art. 20º da CRP.
12. A existência de correspetividade entre os serviços prestados pelo Tribunal e a taxa de justiça a liquidar, redunda no respeito pelos princípios constitucionais da proporcionalidade e de acesso à justiça. Os Recorrentes têm direito a uma justiça a custos razoáveis, para que não fiquem impossibilitados do acesso aos tribunais face à contingência de poderem ter de suportar montantes exagerados em custas, tanto mais num caso em que obtiveram total vencimento, com se verifica nos presentes autos.
13. No caso em apreço, as custas exigidas ultrapassam excessivamente o custo do serviço prestado, não havendo uma verdadeira correspetividade entre a taxa de justiça aplicável e o serviço prestado.
14. Foi precisamente com o intuito de evitar a cobrança de taxas desproporcionadas que o Código das Custas Judicias - desde a alteração de 2003 - introduziu mecanismos como a fixação de um limite máximo para a taxa de justiça ou a possibilidade de o juiz, a partir de determinado valor, reduzir o seu montante atendendo ao grau de complexidade da causa.
15. O Decreto-lei 34/2008, de 26 de fevereiro, que introduziu alterações em diversos diplomas, designadamente no Código de Processo Civil, e aprovou o Regulamento das Custas Processuais, introduziu limites máximos nas tabelas anexas, admitindo o agravamento da taxa de justiça em situações de especial complexidade, tendo ficado explanado no seu preâmbulo o fundamento do novo regime.
16. O n.º 7 do art.º 6.º do RCP, e na senda do art. 27º n.º 3 do CCJ, pretende atenuar as consequências nefastas do valor da taxa de justiça depender unicamente do valor da ação, evitando situações em que as custas sejam desproporcionadas em relação ao serviço prestado, decorrendo tal desproporcionalidade da circunstância de o valor da taxa de justiça ser calculado unicamente em função do valor da causa e, mais do que permitir uma intervenção moderadora do juiz, não oferece dúvidas de que o juiz pode, também, em lugar de dispensar, reduzir o valor do montante a pagar, a final, pelo que, ainda que o Tribunal entendesse que não podia haver lugar à dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, o que se concebe por mera hipótese de raciocínio, poderia, sempre, formular um juízo de proporcionalidade quanto ao montante das custas calculado, e reduzir, total ou parcialmente, aquele montante na medida necessária para garantir que o cumprimento do principio da proporcionalidade.
17. In casu, o montante de custas apurado ultrapassa em muito aquilo que é razoável e aceitável, face ao objeto e à complexidade da causa, por não ter esta concreta ação importado para o Tribunal um labor mais intenso e prolongado, do que seria se a ação tivesse valor substancialmente inferior. A única e assinalável diferença consistiria, por certo, na circunstância de a taxa de justiça a liquidar a final não atingir os valores agora postos em crise.

18. À falta de outros critérios, e por forma a obviar ao subjetivismo e à arbitrariedade, fazemos apelo aos critérios aferidores da complexidade da causa, previstos no art.º 447º-A do CPC, e que foram estabelecidos pelo Decreto-Lei 34/2008, de acordo com os quais são de "especial complexidade as ações que: a) Digam respeito a questões de elevada especialização jurídica, especificidade técnica ou importem a análise combinada de questões jurídicas de âmbito muito diverso; e b) Impliquem a audição de um elevado número de testemunhas, a análise de meios de prova extremamente complexos ou a realização de várias diligências de produção de prova morosas."
19. É patente que os presentes autos não revelam especial complexidade, pois não se pode dizer que estavam em causa questões de elevada especialização jurídica, especificidade técnica ou que importassem a análise combinada de questões jurídicas de âmbito muito diverso, porquanto as questões essenciais em análise versavam essencialmente sobre a qualificação das relações contratuais entre as partes e, consequentemente, sobre as responsabilidades daí proveniente. Os meios de prova que foram analisados pelo Tribunal a quo resumem-se ao depoimento de 5 testemunhas e à prova documental junta que nada tinha de complexo. Não foram realizadas quaisquer diligências de produção de prova morosas como perícias ou inspeções judiciais.
20. A conduta processual dos Recorrentes sempre se pautou por uma normal atividade, sem recurso a expedientes dilatórios, de forma cooperante, sempre com vista à obtenção da justa composição do litígio, pelo que, por não ser censurável, não justifica qualquer tipo de penalização em sede de taxa de justiça. De resto, relembra-se que os Recorrentes foram a parte vencedora nesta ação.
21. É de assinalar o atual contexto de crise, que afeta de sobremaneira a capacidade financeira de todos os cidadãos, não sendo os Recorrentes exceção, sendo que o montante de custas no valor total superior a € 7.000,00 não é um valor que decididamente não está ao alcance da generalidade dos cidadãos não economicamente carenciados e ultrapassa em muito aquilo que é razoável e aceitável, tanto mais que esta concreta ação não importou para o Tribunal um labor mais intenso e prolongado, do que teria se a ação tivesse valor substancialmente inferior.
22. O valor da ação não pode ser considerado elemento exclusivo na ponderação da complexidade do processo e de geração de custos para o sistema, pelo que deve o processo ser analisado à luz dos novos parâmetros introduzidos pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de fevereiro, permitindo a fixação da taxa de justiça de acordo com critérios consentâneos com os princípios gerais de Direito, configurando estes autos uma situação excecional, enquadrável no espírito do disposto no artigo 6.º, n.º 7 do RCP, dado que aquilo que se pretende é salvaguardar as situações onde a mera aplicação formal do dispositivo legal cria uma verdadeira situação de injustiça, face à total desproporcionalidade entre o montante das custas finais apuradas a cargo da parte vencida e a concreta factualidade do processo.
23. Deverá, assim, ser revogado o despacho sub judice e ordenar-se a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça apurada, no valor de € 3.542,40 ou, caso assim não se entenda, o que por mero dever de patrocínio se concede, ser substancialmente reduzida, à luz dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, o valor do montante a pagar, a final pelos Recorrentes.

Terminou pedindo que fosse dado provimento ao recurso e revogada a decisão impugnada, devendo a mesma «ser substituída por outra que (i) declare a nulidade do ato de notificação dos Recorrentes para pagamento do remanescente da taxa de justiça ou (ii) que os dispense de tal pagamento, ou (iii) que proceda à redução substancial deste montante, à luz dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade».

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

São as seguintes as questões a avaliar:
1. Pelas razões indicadas nas alegações de recurso, deve ser declarada a nulidade do acto de notificação dos Recorrentes para pagamento do remanescente da taxa de justiça?
2. Não sendo tecnicamente admissível a declaração de nulidade pretendida, devem os Recorrentes ser dispensados do pagamento do remanescente da taxa de justiça?
3. Ou deverá proceder-se à redução substancial do montante correspondente ao remanescente da taxa de justiça à luz dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade?

II. FUNDAMENTAÇÃO.

Fundamentação de facto:
Relevam neste ponto lógico da presente decisão os factos constantes do relatório supra-lançado.

Fundamentação de direito:
1. Pelas razões indicadas nas alegações de recurso, deve ser declarada a nulidade do acto de notificação dos Recorrentes para pagamento do remanescente da taxa de justiça?
A decisão impugnada não se pronunciou sobre a questão de nulidade agora suscitada. E tal ocorreu pela simples razão de que os Autores dela se esqueceram ou não a quiseram brandir perante esse órgão jurisdicional.
Os Recorrentes também não invocaram qualquer omissão de pronúncia.
Objecto dos recursos são as decisões judiciais – nos termos do disposto no n.º 1 do art. 627.º do Código de Processo Civil – e não o que nelas não tenha sido decidido, por não ter sido suscitado.
O prazo de arguição de nulidade era o emergente da combinação do estabelecido no n.º 1 do art. 199.º com o disposto no n.º 1 do art. 149.º, ambos do Código de Processo Civil. Tal prazo está, há muito tempo, ultrapassado.
Os Autores, apesar de representados por profissional do foro, não arguiram, no tempo previsto na lei, nulidade que, agora, de forma tardia, quiseram submeter à apreciação deste Tribunal de recurso. Não o podiam fazer também por essa razão.
Só a si próprios se podem culpar pelo facto.
É negativa a resposta a esta questão.

2. Não sendo tecnicamente admissível a declaração de nulidade pretendida, devem os Recorrentes ser dispensados do pagamento do remanescente da taxa de justiça?
Extrai-se do relatório supra-lançado que, na sentença que definiu a responsabilidade pelo pagamento das custas, nada foi dito relativamente ao pagamento da taxa de justiça remanescente previsto no n.º 7 do art. 6.º do Regulamento das Custas Processuais, apenas se condenando a parte por elas responsáveis, nos termos normativos, não resultando dos autos qualquer elemento que nos permita concluir que o julgador ponderou, sequer, tal questão, quando elaborou a sentença. Tal norma estatui:
7- Nas causas de valor superior a (euro) 275 000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento.

Por outro lado, verifica-se que não foi dado cumprimento ao disposto no n.º 9 do art. 14.º do apontado encadeado normativo que dispõe:
9- Nas situações em que deva ser pago o remanescente nos termos do n.º 7 do artigo 6.º e o responsável pelo impulso processual não seja condenado a final, o mesmo deve ser notificado para efectuar o referido pagamento, no prazo de 10 dias a contar da notificação da decisão que ponha termo ao processo. 

Esta omissão foi expressamente reconhecida pela secretaria judicial que não respeitou o comando legal, na informação de fl. 594.

Num tal contexto, temos que foi com a notificação da conta e para procederem ao pagamento da quantia que foi considerada como sendo da sua responsabilidade que os Recorrentes souberam que algo lhes era reclamado no processo. Até aí, contavam, apenas, com a responsabilidade «tributária» dos Demandados, conforme resultava da sentença final.

A omissão descrita teve como consequência económica decisiva não poderem os Demandantes incluir a quantia que assim lhes foi reclamada na sua nota discriminativa e justificativa das custas de parte, transferindo o encargo para quem realmente era considerado, à luz do decidido na sentença, responsável pelo pagamento das custas do processo.

Porém, como se patenteou supra, não é possível reparar já esse lapso porquanto os Demandantes não arguiram a nulidade nos termos e prazo devidos.

Porém, seria por demais injusto e gravemente atentatório do princípio do contraditório enunciado no art. 3.º do Código de Processo Civil, considerar – face a uma sentença que omite (eventualmente sem qualquer desvalor face ao Direito constituído)  o tratamento de uma questão e cria uma aparência distinta da que motiva a reacção e perante um subsequente lapso do Tribunal – que a parte surpreendida já nem sequer pudesse reagir porque o Tribunal não disse nada sobre o assunto na sentença. Seria esta, também, uma forma acabada de denegar o o direito à tutela jurisdicional efectiva, garantido no n.º 1 do art. 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, no art. 47.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, no art. 20.º da Constituição da República Portuguesa e no n.º 2 do art. 2.º do Código de Processo Civil.
   
Tal injustiça não pode manter-se. Nenhuma razão técnica válida obstava, ao conhecimento de fundo da questão da eventual compressão do montante remanescente devido. Impunha-se, pois, ao Tribunal Recorrido, que avaliasse a questão de mérito.

Não se justifica, porém, a mera remessa dos autos para a 1.ª instância para cumprimento do dever de apreciação do fundo do requerimento que lhe foi dirigido, atento o disposto no n.º 2 do art. 665.º do Código de Processo Civil. Assim, há que conhecer do mérito da pretensão.

Para os efeitos da aplicação da norma em apreço, torna-se essencial conhecer a estrutura do processo em que surge a liquidação do remanescente, com vista a aferir do seu grau de exigência técnica ou complexidade.

Quanto a este conceito, o n.º 7 do art. 530.º do Código que se vem invocando dá um subsídio interpretativo, ainda que apenas restrito à questão de saber que acções se podem considerar como especialmente complexas – o que assume menor relevo no âmbito que cumpre apreciar já que se deve considerar que o remanescente não será devido não quando as causas não tenham especial complexidade mas quando a sua dificuldade seja inferior à normal ou média (que terá sido a ponderada pelo legislador quando desenhou o sistema luso de custas vertido no Regulamento das Custas Processuais).

É a complexidade inferior à média ou típica a que determinará o funcionamento do disposto no n.º 7 do art. 6.º do apontado Regulamento. É a demonstração dessa inferior dificuldade que deve ser realizada na fundamentação da decisão judicial que a comprima. Se assim não fosse, antes o legislador teria dito que o pagamento do remanescente só se justificaria nos casos de particular dificuldade, eventualmente a definir pelo julgador, sendo, então, o regime de liquidação do remanescente excepcional e não regra, como emerge, presentemente do Regulamento das Custas Processuais ao permitir-se a sua dispensa apenas mediante despacho devidamente fundamentado, explicativo, patenteando a singularidade ou carácter atípico da situação concreta.

Estatui a referida norma do C.P.C. que:
 
7- Para efeitos de condenação no pagamento de taxa de justiça, consideram-se de especial complexidade as ações e os procedimentos cautelares que:
a) Contenham articulados ou alegações prolixas;
b) Digam respeito a questões de elevada especialização jurídica, especificidade técnica ou importem a análise combinada de questões jurídicas de âmbito muito diverso; ou
c) Impliquem a audição de um elevado número de testemunhas, a análise de meios de prova complexos ou a realização de várias diligências de produção de prova morosas.

Ficamos a saber, por esta via, que o legislador pretendeu que se atendesse, na ponderação da dificuldade de uma acção, à dimensão dos articulados e alegações das partes, à natureza das questões a analisar e ao «peso» temporal e material da instrução.

Por outro lado, no preceito referido do Regulamento das Custas Processuais, manda-se atender também à especificidade da situação e à conduta processual das partes.

In casu, estamos perante uma acção judicial iniciada em 2008, ainda pendente em sentido lato em 2016, com um valor de 618.509,40 EUR, pela qual se visou a «resolução» de contrato-promessa de compra e venda, a restituição de sinal em dobro, o pagamento de juros moratórios e a restituição de fracção de bem imóvel alienada, através de um articulado com 97 artigos que se fazia acompanhar de 126 folhas de documentos. A contestação dos Réus A... e R... conteve 84 artigos com invocação da ineptidão da petição inicial e da litigância de má-fé dos Autores com o correspondente pedido de condenação dos mesmos no pagamento do montante de 20.000,00 EUR. Tal contestação deu cobertura à junção de 11 documentos. Procedeu-se à citação edital da Ré E.... Os Demandantes replicaram em 35 artigos, pronunciando-se sobre a questão da ineptidão da petição inicial. Foi citado o Ministério Público em representação da ausente. Foi elaborado despacho saneador que julgou improcedente a excepção de ineptidão da petição inicial e fixou factos provados (alíneas A a L) e a «base instrutória» (art.s 1.º a 16.º). Os Autores reclamaram contra a cristalização da matéria de facto, que foi apreciada, e requereram a produção de prova por confissão e testemunhal (audição em juízo de dois Réus e quatro testemunhas, todos admitidos). Foi deferido o requerimento de gravação dos depoimentos a prestar em audiência, apresentado pelos Autores. A audiência de discussão e julgamento realizou-se em 2012 e 2013, com várias marcações em agenda, junção de diversos documentos, requerimentos recíprocos sobre a admissibilidade de instrução complementar, apresentação de pedido de informação bancária, decisões judiciais sobre as diversas questões suscitadas em sede instrutória, investigação sobre a titularidade de conta bancária e relações dos Autores com os seus titulares e informação de Banco comercial acompanhada de 49 documentos. A sentença, que se prolongou por 23 folhas, foi proferida em 22.07.2013. Foram praticados os demais actos descritos neste relatório.

Num tal contexto, estamos perante um encadeado de actos processuais que não tem contornos de particular simplificação. A sua dificuldade é de nível mediano (dilatada na fase instrutória, que se revelou particularmente tumultuosa), ou seja, corresponde ao processado típico ponderado pelo legislador ao erigir o regime de custas.

A outro nível, verifica-se que os Autores lograram obter vencimento de causa tendo sido reconhecida a validade dos direitos de aferição económica que invocaram e que determinaram o elevado valor da acção. Não há, assim, neste âmbito, qualquer especificidade suplementar emergente da menor utilidade concreta da acção.

No que tange à conduta processual das partes, estamos, neste processo, perante elemento neutro, no que se reporta à economia da presente decisão, porquanto nada de especial há a assinalar em tal campo, antes se divisando o normal exercício de direitos processuais.

Face ao exposto, não se justifica a compressão total ou parcial da quantia exigida aos Recorrentes que não lograram, pela via processual própria, no tempo devido, incluí-la nas custas de parte através do exercício de eventual direito a anulação que só neste recurso esgrimiram.

É negativa a resposta à questão proposta.

3. Ou deverá proceder-se à redução substancial do montante correspondente ao remanescente da taxa de justiça à luz dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade?
Flui do acima dito não poder também responder-se afirmativamente a esta pergunta.

III. DECISÃO:

Pelo exposto, julgamos a apelação improcedente e, em consequência, não autorizamos a supressão ou redução da taxa de justiça remanescente referida supra.
Custas pelos Apelantes.


Lisboa, 14.01.2016


Carlos M. G. de Melo Marinho (Relator)
Anabela Moreira de Sá Cesariny Calafate (1.ª Adjunta)
Maria Regina Rosa (2.ª Adjunta)
Decisão Texto Integral: