Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | JOÃO CARROLA | ||
Descritores: | RECONHECIMENTO DE SENTENÇA PENAL ESTRANGEIRA CASO JULGADO | ||
Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 06/07/2016 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | REVISÃO DE SENTENÇA ESTRANGUEIRA PENAL | ||
Decisão: | INDEFERIDO | ||
Sumário: | "Tendo sido previamente decretada a execução de MDE em que não foi tomada a opção a que se refere a parte final da al. g) do n.º 1 do art.º 12º da Lei n.º 65/2003, de 23 de Agosto, existe caso julgado, quanto à entrega efectiva do requerente às autoridades judiciárias de emissão para efeitos de cumprimento da pena em Itália e (não) execução da pena em Portugal, cujo respeito impõe que a sentença estrangeira que aplicou aquiela pena a cumprir não possa, ao abrigo da Lei 158/2015 de 17.09, ser reconhecida e executada em Portugal (artigo 580.º n.ºs 1 e 2 do CPC, subsidiariamente aplicável)." | ||
Decisão Texto Parcial: | |||
Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa: I. No processo 134/16.0YRLSB deste Tribunal da Relação de Lisboa e seguindo a orientação vertida na decisão proferida pelo Venerando Supremo Tribunal de Justiça de 14.04.2016 (fls. 176 e seguintes) que determinou o respectivo processamento como reclamação para a conferência, o requerente G. veio reclamar para a conferência da decisão sumária proferida nos autos pelo Relator, a fls. 96/98, que indeferiu liminarmente o requerido reconhecimento e posterior execução em Portugal de sentença estrangeira que o condenara. Na apontada reclamação, o arguido vem concluir: “Primeiro. O Recorrente apresenta recurso nos termos do disposto no artigo 985° do Código de Processo Civil o qual aplica de forma análoga, pois a Decisão judicial agora em crise foi proferida no âmbito da Lei n° 158/2015 de 17.09 que entrou em vigor a 18.12.2015, sendo a matéria objeto de tal análoga à plasmada nos artigo 978° e seguintes do Código de Processo Civil - Revisão de Sentença Estrangeira, Segundo. O Recorrente interpõe recurso para ser apreciado pelo Douto Supremo Tribunal de Justiça, por entender que a Decisão proferida pelo Douto Tribunal da Relação de Lisboa viola os seus direitos civis constitucionalmente consagrados, violando a Lei Substantiva, nos termos do disposto na alínea a) do n° 1 do artigo 674° do Código de Processo Civil, motivo pelo qual não se poderá conformar com tal decisão judicial. Terceiro. O Requerente/Recorrente não se pode conformar com a decisão judicial aqui colocada em crise, a qual indeferiu liminarmente o requerido, ou seja, o pedido formulado no sentido de requerer a execução em Portugal de pena aplicada em Itália. Quarto. As circunstâncias atuais do Requerente/Recorrente são diferentes daquilo que eram em 2013 aquando da prolação da decisão no processo n° 540/13.IYRLSB, pelo que importa apreciar a justiça da decisão face às atuais circunstâncias e não olhando para a decisão com os cambiantes de 2013, pois há uma alteração superveniente da situação vivencial do Requerente/Recorrente, o que se entende não ter sido apreciado pelo Douto Tribunal a quo VIDE Motivação. Quinto. O Requerente/Recorrente, hoje, tem maior vinculação com o Estado Português do que com o país que o viu nascer Itália pelo que o processo de reintegração do Requerente/Recorrente está mais facilitado no nosso País do que em Itália. Sexto. E um direito fundamental do Requerente/Recorrente constituir família pois os condenados mantêm a titularidade dos seus direitos fundamentais e nenhuma pena envolve a perda de direitos civis, nos termos do disposto nos n° 4 e 5 do artigo 30° da Constituição de República Portuguesa. Sétimo. Colocando em causa a manutenção do Requerente/Recorrente em Portugal, a decisão recorrida afeta o seu direito constitucional de, após contrair matrimónio, poder constituir família pelo que a decisão recorrida afeta o direito fundamental do Requerente/Recorrente previsto no n° 1 do artigo 36° da Lei Fundamental. Oitavo. Entendemos que a decisão aqui em crise faz uma interpretação inconstitucional do n° 1 do artigo 40° ao considerar que o agente do crime será mais facilmente integrado na sociedade ao cumprir a pena a que foi condenado num país longe da sua cônjuge e do agregado familiar desta, por violar os acima mencionados artigos da Lei Fundamental. Nono. Deverá a decisão judicial impugnada ser substituída por outra que conceda provimento ao recurso apresentado, o que espera alcançar e desde já se requer.” Ainda no inicial tratamento como recurso, o M.º P.º veio apresentar resposta em que concluiu: “a) A pretensão do recorrente, de reconhecimento da sentença condenatória proferida em Itália com vista à sua execução em Portugal, com base na residência em território nacional, foi conhecida e decidida definitivamente, por acórdão anterior, de 2.7.2013, transitado em julgado, proferido no Proc. 540/13.1YRLSB, que deferiu a execução do MDE e ordenou a entrega diferida do recorrente às autoridades italianas, para cumprimento da pena aplicada naquela decisão italiana, b) Pois que, o acórdão de 2.7.2013, ao deferir a execução do MDE e ao ordenar a entrega do recorrente às autoridades italianas, conheceu e julgou improcedente o motivo de recusa de execução do mandado de detenção europeu (MDE), então invocado pelo agora recorrente, com base na residência, o mesmo que agora vem invocado como fundamento da sua pretensão nestes autos. c) Estando a questão decidida naquele processo 540/13.1 YRLSB, não pode agora a mesma questão ser decidida nestes autos, por a isso se opor uma excepção de caso julgado, a qual tem por finalidade evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior (artigo 580°, n°S 1 e 2, do CPC, subsidiariamente aplicável). d) O caso julgado constitui uma excepção dilatória que obsta a que o tribunal conheça do mérito da causa, nos termos do disposto nos artigos 576°, n° 2, e 577°, al. i), do CPC. e) Nas conclusões da motivação, que delimitam o objecto do recurso, o recorrente não põe em causa o fundamento da decisão recorrida, isto é, as razões pelas quais este tribunal julgou verificada a existência da identificada excepção que o impede de conhecer de mérito, f) Fundando o recurso na própria questão de mérito - isto é, a de saber se deve ou não ser reconhecida a sentença com vista à sua execução em Portugal, com base na residência em território nacional - que o tribunal não conheceu na decisão recorrida, g) Questão esta que não pode ser conhecida pelo tribunal ad quem por quanto a ela não existir decisão no tribunal a quo. h) Por conseguinte, deve o recurso ser rejeitado, por manifestamente improcedente (artigo 420°, n° 1, al. b), do CPP). i) Mesmo que assim não fosse, a pretensão do recorrente não deveria ser atendida por não existir qualquer laço de ligação a Portugal que possa levar a concluir que o recorrente é residente em Portugal, para efeitos de reconhecimento e execução da sentença em território português, nos termos da Lei n° 158/2015, de 17 de Setembro.” II. Colhidos os vistos legais, importa apreciar. A decisão sumária abrangida por esta reclamação tem o seguinte conteúdo, na parte relevante: “Nos presentes autos veio o requerente G., com base no disposto na Lei n.º 158/2015, de 17 de Setembro, requerer o reconhecimento e posterior execução em Portugal da sentença italiana que o condenou numa pena de prisão de 5 anos, 8 meses e 15 dias de prisão e € 120,00 de multa, alegando o facto de, à data da sua detenção e colocação em prisão preventiva à ordem do P. 274/10.9JALRA, residir em Portugal, com vinculo ao mesmo há mais de 5 anos e pretender cimentar tais laços com Portugal através de matrimónio futuro com cidadã portuguesa, tendo com o nosso país maior vinculação afectiva e estabilidade para uma plena inserção social. Na sequência do seu requerimento foi junto aos autos certidão extraída do P.º 540/13.1YRLSB que correu nesta Relação de Lisboa, onde por acórdão de 2.07.2013, transitado em julgado, foi determinado deferir a execução do mandado de detenção europeu que as autoridades judiciárias italianas emitiram contra o requerente no âmbito do P.º 112/2010 SIEP da Procuradoria Geral de Messina, para efeitos de cumprimento da supra indicada pena de prisão, com a consequente entrega do mesmo às autoridades de emissão, embora esta entrega tivesse sido suspensa até ao final do cumprimento da pena de prisão em que o recorrente foi condenado em Portugal e cuja execução se encontra ainda a decorrer. Conforme menciona o Exmo. PGA na sua promoção que antecede, no processo de execução do MDE o requerido deduziu oposição à execução com fundamento na residência em território nacional, o mesmo que agora invoca como fundamento da sua pretensão. O tribunal conheceu, por relação a esse MDE, dos fundamentos da oposição e concluiu pela inexistência do motivo de recusa com base na residência previsto no artigo 12.º, n.º 1, al. g), da Lei n.º 65/2003, de 23 de Agosto, preceito segundo o qual o tribunal poderia recusar a entrega com base na residência desde que o MDE se destinasse a cumprimento de pena – o que era o caso – e Portugal se comprometesse a executar a pena, de acordo com a lei portuguesa. A Lei n.º 158/2015, de 17 de Setembro, invocada pelo requerente no seu pedido, veio substituir o regime de revisão e confirmação de sentença estrangeira vigente à data do acórdão que ordenou a execução do MDE que referimos, transpôs a Decisão-Quadro 2008/909/JAI, de 27 de Novembro e dispõe no artigo 25.º, com a epígrafe “execução de condenações na sequência de um mandado de detenção europeu”, que, sem prejuízo da Decisão-Quadro 2002/584/JAI, o disposto na presente decisão-quadro deve aplicar-se, mutatis mutandis, na medida em que seja compatível com as disposições dessa mesma decisão-quadro, à execução de condenações, se um Estado-Membro tiver decidido executar a condenação nos casos abrangidos pelo n.º 6 do artigo 4.º daquela decisão-quadro ou se, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 5.º da mesma decisão-quadro, tiver estabelecido como condição que a pessoa seja devolvida ao Estado-Membro em questão para nele cumprir a pena, de forma a evitar a impunidade da pessoa em causa. Esta disposição foi transposta para o direito interno no artigo 26.º da Lei n.º 185/2015, de idêntico teor. O artigo 45.º deste diploma dispõe expressamente que esta Lei substitui a Convenção Europeia Relativa à Transferência de Pessoas Condenadas de 21.3.1983 – anteriormente aplicável, com as normas subsidiárias da Lei n.º 144/99, de 31 de Agosto – nas relações entre Portugal e os outros Estados-Membros da União Europeia. Do exposto resulta que a decisão que o requerente agora pretende obter neste processo só poderia e deveria ter sido, se fosse caso disso, no Proc. 540/13.1YRLSB, de execução do MDE, no âmbito da decisão sobre o conhecimento do motivo de recusa com base na residência. De qualquer modo, uma vez que no acórdão que decretou a execução do MDE, oportunamente remetido pelas autoridades judiciárias italianas, não foi tomada a opção a que se refere a parte final da al. g) do n.º 1 do art.º 12º da Lei n.º 65/2003, de 23 de Agosto, existe caso julgado quanto à entrega efectiva do requerente às autoridades judiciárias italianas para efeitos de cumprimento da pena em Itália e (não) execução da pena em Portugal cujo respeito impõe que a sentença estrangeira não possa ser reconhecida e executada em Portugal (artigo 580.º n.ºs 1 e 2 do CPC, subsidiariamente aplicável). Pelo exposto, indefere-se liminarmente ao requerido.” Como também já refere o aresto do STJ a que inicialmente fizemos referência, resulta dos autos com interesse para a decisão da reclamação: “2.1 – O recorrente, cidadão italiano, está preso em Portugal cumprindo uma pena de 8 anos e 4 meses de prisão à ordem do processo n° 274/10.9JALRA do então 2° Juízo Criminal do Tribunal de Leiria estando o termo dessa pena previsto para 2019.07.17. 2.2 – No âmbito do processo n° 540/13.1 YRLSB do Tribunal da Relação de Lisboa foi promovido o cumprimento de Mandado de Detenção Europeu (MDE) emitido pelas autoridades da República Italiana com vista à entrega do ora recorrente para cumprimento de uma pena de 5 anos, 8 meses e 15 dias de prisão e € 1.200,00 de multa resultante do cúmulo de várias penas cúmulo esse efectuado em 2010.10.08 2.3 – O ora recorrente foi ouvido nesse processo e não consentiu na entrega tendo deduzido oposição invocando além do mais que residia em Portugal, concretamente no Bombarral e que por essa circunstância deveria o Estado Português recusar o cumprimento do MDE comprometendo-se a executar aquela pena de acordo com a lei portuguesa. 2.4 – Foi proferido acórdão em 2013.07.02 onde se consignou que a opção de recusa facultativa prevista no art. 12°, n° 1, al. g) da Lei n° 65/2003, de 23 de Agosto, «não pode traduzir-se num acto gratuito ou arbitrário do tribunal» impondo-se «um juízo de ponderação dos interesses juridicamente protegidos, averiguando-se se os argumentos de facto invocados pelo interessado são adequados e susceptíveis de justificar a prevalência do processo nacional sobre o Estado requerente». E tendo como pressuposto a exigência de reintegração que subjaz à aplicação de qualquer pena conclui-se no citado acórdão: «Porém, no caso dos autos, o arguido está há pouco tempo em Portugal. Não consta que aqui tenha constituído nova família (...) nem que esteja socialmente inserido. Antes pelo contrário. A sua estadia em Portugal caracteriza-se pela prossecução da actividade criminosa estando detido preventivamente desde 21/10/2010 à ordem do Proc 274/10. 9JALRA do 2° Juízo Criminal de Leiria, onde foi acusado e condenado por acórdão de 14/02/2013 (s..) por crimes de associação criminosa, de burla e falsificação, numa pesada pena de prisão, para além de já ter sido condenado, por sentença de 30/10/2012, no proc 1265/11.8IDLRA da Comarca do Bombarral por abuso de confiança fiscal, em pena de multa, por factos de Julho de 2010. Para além da aludida conduta, que nada abona em favor do acolhimento no nosso país, não se vislumbram quaisquer benefícios para a sua reinserção caso se opte pelo cumprimento, em Portugal, da pena que tem de cumprir em Itália. Entendemos, pois, que não existe fundamento para a recusa (facultativa) da execução do presente mandado de detenção europeu nos termos do art. 12°, n° 1, al. g) da Lei n° 65/2003. Não pode, por isso, deixar de ser cumprido o mandado e ordenar-se a subsequente entrega do arguido». A decisão foi assim a de deferir a execução do MDE autorizando a entrega do ora recorrente à autoridade de emissão, entrega essa que ficou suspensa enquanto interessasse a sua detenção ao processo português à ordem do qual estava (e está) detido.” Tendo presente os elementos factuais acima mencionados, mormente os relativos à anterior decisão proferida por esta Relação em sede de execução do MDE emitido pelas autoridades judiciárias italianas, vistos os termos em que a decisão sumária se mostra fundamentada, mormente quanto aos aspectos dissonantes invocados pelo recorrente, este Colectivo delibera confirmar a respectiva integralidade, subscrevendo e reproduzindo aqui todos os seus fundamentos. III. Nestes termos, acordam os Juízes desta Secção Criminal em indeferir a reclamação apresentada pelo reclamante G. e confirmar a decisão sumária proferida pelo Relator a fls. 96 e seguintes dos autos. Custas a cargo do reclamante/recorrente fixando a taxa de justiça em 3 UC – 8.º n.º 5 do Regulamento de Custas Processuais e tabela III anexa à mesma. Elaborado e revisto pelo primeiro signatário. Lisboa, 7 de Junho de 2016. João Carrola Luís Gominho |