Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
5785/19.8T8LSB.L1-1
Relator: VERA ANTUNES
Descritores: DISSOLUÇÃO
LIQUIDAÇÃO
CONSTITUCIONALIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/18/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I. O regime subsidiário a que se há-de atender no âmbito do Regime Jurídico do Procedimento Administrativo de Dissolução e de Liquidação de Entidades Comerciais (RJPADLEC) resulta do disposto pelo art.º 115º do Código de Registo Comercial, que por sua vez remete para as disposições relativas ao registo predial que não sejam contrárias aos princípios informadores do presente diploma e, nos termos do art.º 156º do Código do Registo Predial este regime é,  subsidiariamente e com as necessárias adaptações, o disposto no Código de Processo Civil.
II. Nos termos da alínea b) do artigo 95º da Lei 60-A/2005, que autorizou o Governo a legislar na matéria em causa, competia ao Governo estabelecer as situações em que a dissolução e a liquidação judicial de entidades comerciais pode ter lugar, sendo esse o sentido e alcance da autorização legislativa, pelo que o artigo 5º do Anexo III do Dec.-Lei nº 76-A/2006, que instituiu o Regime Jurídico dos Procedimentos Administrativos de Dissolução e de Liquidação de Entidades Comerciais, aqui concretamente em causa, não padece de inconstitucionalidade orgânica.
III. Nem padece de inconstitucionalidade orgânica o Decreto-Lei nº 250/2012, de 23/11, que alterou a alínea a) do art.º 5º do RJPADLEC uma vez que tal alteração não se insere nas matérias de competência exclusiva (art.º 164º da Constituição da República Portuguesa) ou relativa, da Assembleia da República, conforme resulta da leitura do art.º 165º da mesma Lei Fundamental, tendo tal diploma sido proferido ao abrigo do art.º 198º da Constituição – competência legislativa do Governo, não carecendo de autorização da Assembleia da República para tanto.
IV. Nem padece tal disposição de inconstitucionalidade material, não tendo a alteração introduzida pelo Dec.-Lei 250/2012 atentado contra o Estado de Direito Democrático, o direito à Iniciativa privada, cooperativa e autogestionária ou à propriedade privada, tendo sido validamente emitido por quem dispõe do poder legislativo, no âmbito das demais atribuições conferidas pela Constituição da República Portuguesa, regulando a actividade económica e num quadro de demais alterações legislativas a atender, que não colocam em causa o princípio da proporcionalidade na actuação do Estado a par dos privados.
V. Não tendo a Sociedade procedido à regularização do registo das contas no prazo de 30 dias que a lei lhe conferia, foi legalmente proferida a decisão de dissolução da sociedade em causa.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam as Juízes na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. Relatório:
Foi instaurado um procedimento administrativo de dissolução/liquidação da sociedade “P......., Unipessoal, Lda.”, com fundamento no disposto no art.º 5º, a) do Regime Jurídico dos Procedimentos Administrativos de Dissolução e de Liquidação de Entidades Comerciais (RJPADLEC), porquanto a sociedade não procedeu ao registo da prestação de contas durante dois anos consecutivos, sendo a notificação de início do procedimento registada em 20/4/2016.
O Conservador concluiu pela dissolução e o encerramento da liquidação da referida entidade comercial, por despacho de 17/10/2018.
O sócio da sociedade em causa, J…., não se conformando com a decisão proferida recorreu da mesma para o Tribunal de Comércio de Lisboa.
Alegou para tanto que não foi notificado da decisão final do procedimento administrativo de dissolução e encerramento da liquidação, nem esta se encontra publicada no site das publicações do Ministério da Justiça, pelo que o processo era nulo.
Aduziu ainda que não constava da acusação quais eram os dois anos consecutivos em que não tinham registadas as contas da sociedade, pelo que aquela era nula, já que não permitia a defesa da sociedade nem do sócio. A isto acrescia o facto de que a falta de registo das contas não ser motivo só por si para a decisão de dissolução e encerramento da liquidação de uma sociedade e, a admitir-se essa interpretação, requeria a declaração de inconstitucionalidade orgânica do Decreto-Lei n.º 250/2012, por o mesmo ter alterado o Decreto-lei n.º 76-A/2006, de 29 de Março em matéria da exclusiva competência da Assembleia da República sem autorização desta. 
Invocou, ainda, que o artigo 3.º do Decreto-lei n.º 250/2012 sofria de inconstitucionalidade material por violação do princípio da proporcionalidade constante no artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa.
Mais arguiu que o procedimento administrativo havia caducado quando foi proferida a decisão final.
Concluiu, requerendo que fosse: a) Declarado caducado o procedimento administrativo; b) Declarada nula a decisão final do Conservador da Conservatória do Registo Comercial de Lisboa de dissolução e encerramento da liquidação e consequente cancelação da sociedade; c) Revogada a decisão supra mencionada; d) Declarada a inconstitucionalidade orgânica do Decreto-lei n.º 250/2012 e a inconstitucionalidade material da alínea a) do n.º 1 do Regime Jurídico dos Procedimentos Administrativos de Dissolução e de Liquidação de Entidades Comerciais (RJPADLEC). 
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Foi proferido despacho de sustentação do decidido, em que o Sr. Conservador do Registo Comercial defendeu que não se verificava nenhuma inconstitucionalidade e que a decisão final foi notificada.
Aduziu que não se verificava nenhuma nulidade da “acusação”, sendo que a parte fazia confusão com conceitos de ilícitos penais e contraordenacionais. Por outro lado, o Código de Procedimento Administrativo não tinha aplicação ao caso dos presentes autos, pelo que carecia de fundamento a invocada caducidade.
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Os autos foram com vista ao Ministério Público para emissão de parecer, entendendo este que ao caso não cabia emitir parecer, face às alterações introduzidas pelo Dec.-Lei 76-A/2006.
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 Foi proferida sentença em 1ª Instância onde se decidiu manter a decisão recorrida de dissolução e encerramento da liquidação da sociedade “P…, Lda.”.
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É desta decisão que recorre o sócio J….. formulando as seguintes conclusões:
 “1º - A douta sentença é nula porque não especifica os fundamentos de fato essenciais para o meritíssimo juiz manter a decisão de dissolução e encerramento da liquidação da sociedade P…, Lda. proferida pelo conservador do registo comercial.
Com efeito, não constam da mesma sentença, os seguintes fatos:
- Em 27/05/2016 foi efetuado o registo de prestação de contas relativo aos anos 2011, 2012, 2013, 2014, que estão provados pelos documentos nºs 4, 5, 6 e 7.
- Em 15/02/2017 foi efetuado o registo da prestação de contas do ano 2015, conforme está provado pelo documento nº 8.
 2º - A douta sentença é ilegal porque mantém a decisão ilegal do conservador do registo comercial de dissolução e encerramento da liquidação da sociedade P…., Lda, porquanto:
- Na data da decisão de dissolução e liquidação da sociedade em 17/10/2018 já os registos da prestação de contas relativos aos anos 2011, 2012, 2013 e 2014 respeitante ao procedimento nº 2248/2016 se encontravam efetuados desde 27/05/2016.
- Demais decorre expressamente da alínea e) do artigo 1º do Decreto-lei nº 76-A/2006, que as causas oficiosas de dissolução e liquidação por iniciativa do Estado, quando existam indicadores objetivos de que a entidade em causa não tem atividade efetiva embora permaneça juridicamente existente.
 3º- O Procedimento administrativo de dissolução e liquidação da sociedade P…, Lda., quando foi decidido dissolver e liquidar a mesma sociedade pelo conservador do registo comercial em 17/10/2018, por se ter iniciado em 15/04/2016, já se encontrava caducado por ter passado o prazo de 180 dias nos termos nº 6 do artigo 128 do Código de Procedimento Administrativo aplicável por força do disposto no nº 1, 3 e 5 do artigo 2º do Código de Procedimento Administrativo.
 4º Demais, os argumentos apresentados na douta sentença pelo meritíssimo Juiz para afastar a aplicação do Código de Procedimento Administrativo e aplicar o código do registo comercial não convencem minimamente dado que o procedimento administrativo de dissolução e liquidação de entidades comerciais tem por objeto a decisão de dissolver e liquidar uma entidade comercial e não o registo da decisão que aliás só tem lugar quando houver trânsito em julgado da decisão de dissolução e liquidação.
 5º- O Decreto-lei nº 76-A/2006 sofre de inconstitucionalidade material por artigo 95º da Lei 60-A/2005 que autorizou o Governo não definiu o sentido e a extensão da autorização legislativa e o Decreto-lei nº 250/2012 também inconstitucional por falta de autorização legislativa por versar matéria da exclusiva competência da Assembleia da República.
6º - Demais, o artigo 3º do Decreto-lei nº 250/2012 que procedeu à alteração da alínea a) do artigo 5º do RJPADLEC constante do Decreto-lei nº 76-A/2006 sofre de inconstitucionalidade material por violação do princípio da proporcionalidade incito no artigo 2º da CRP bem como dos artigos 61 e 62 da mesma CRP, nomeadamente quando interpretado no sentido de que é suficiente para decidir a dissolução e encerramento da liquidação de uma entidade comercial a falta do registo da  prestação de contas durante dois anos consecutivos.”
 Termina pedindo que se julgue procedente o recurso e em consequência ser anulada a sentença que manteve a decisão de dissolução e encerramento da liquidação da sociedade P…., Lda.
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O recurso foi admitido como de apelação, tendo a Juiz a quo se pronunciado sobre a invocada nulidade, entendendo que a mesma não se verifica.
Colhidos os vistos cumpre decidir.
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II. Questão a decidir:
Como resulta do disposto pelos artigos 5º; 635º, n.º 3 e 639º, n.º 1 e n.º 3, todos do Código de Processo Civil, e é jurisprudência consolidada nos Tribunais Superiores, para além do que é de conhecimento oficioso e daquelas questões cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, e porque os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, o objeto do recurso é delimitado em função das conclusões formuladas pelo recorrente. Sem prejuízo, não está o tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito (conf. artigo 5.º, n.º 3, do Código de Processo Civil).
Deste modo, no caso concreto são as seguintes as questões a apreciar:
- Da nulidade da sentença;
- Da caducidade do procedimento;
- Da ilegalidade dos fundamentos para a dissolução e encerramento da liquidação da sociedade e das inconstitucionalidades;
- Se ocorre erro sobre a decisão de facto que determine a revogação da sentença proferida em 1ª instância.
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III. Fundamentação de Facto:
Os elementos fácticos que foram considerados assentes na 1ª Instância são os seguintes:
1) P…, Ld.ª, pessoa colectiva n.º 509090648, com sede na Rua da … …. em …s, encontra-se matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Odivelas sob o mesmo número (cfr. fls. 28 e seguintes). 
2) Padrões & Tendências, Unipessoal, Ld.ª, tem por objecto social a actividade de consultoria, design, concepção, produção e embalagem de artigos têxteis.
3) Tem um capital social de € 5.000.
4) É gerente da sociedade J….
5) A última prestação de contas é relativa ao ano de 2015, tendo sido efectuada pelo Dep. 106, de 15 de Fevereiro de 2017.
6) Em 15 de Abril de 2016, foi determinada a instauração do procedimento administrativo de dissolução da sociedade.
7) Em 20 de Abril de 2016, foi averbado ao registo comercial da sociedade supramencionada, que esta encontrava-se pendente de dissolução administrativa.
8) Em 17 de Outubro de 2018, foi proferida decisão final com a declaração simultânea da dissolução e encerramento da liquidação.
9) Em 17 de Outubro de 2018, foi publicado online o aviso de que havia sido “proferido o despacho final no procedimento administrativo de dissolução, autuado sob o n.º 2248/2016, referente à sociedade supra identificada, com a decisão de dissolução e encerramento da liquidação, e o consequente cancelamento da matrícula da mesma. 
Mais ficam notificados de que dispõem do prazo de 10 dias a contar desta notificação para impugnar judicialmente, querendo, a referida decisão, nos termos do artigo 12.º do RJPADLEC.”
10) A comunicação do início do procedimento e da sua publicação à sociedade foi efectuada por carta remetida a esta, para a morada que consta do registo comercial. 
11) Por carta datada de 17 de Outubro de 2018, a sociedade foi notificada de que havia sido proferido o despacho final no procedimento administrativo de dissolução, autuado sob o n.º 2248/2016. 
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IV. Do Direito.
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Da Nulidade da Sentença.
Nas suas conclusões de recurso, o Recorrente invoca a nulidade da sentença porquanto nesta não se especificam os fundamentos de facto essenciais para o juiz manter a decisão de dissolução e encerramento da liquidação da sociedade P….., Lda., proferida pelo conservador do registo comercial; sendo esses factos, no entender do Recorrente, os seguintes:
- Em 27/05/2016 foi efetuado o registo de prestação de contas relativo aos anos 2011, 2012, 2013, 2014 e em 15/02/2017 foi efetuado o registo da prestação de contas do ano 2015.
Dispõe o artigo 615.º do Código de Processo Civil, no que para aqui interessa:
 “Causas de nulidade da sentença
1 - É nula a sentença quando: (…)
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; (…)”
Antes de mais, atente-se que a nulidade prevista no normativo em causa não se prende com o mérito da decisão, com um erro no julgamento dos factos ou de Direito que acarrete a revogação da decisão proferida, no todo ou em parte.
As nulidades previstas no art.º 615º do Código de Processo Civil prendem-se com o cumprimento ou a violação de regras de estrutura, de conteúdo ou dos limites do poder à sombra do qual são decretadas, tratando-se de defeitos de atividade ou de construção da própria sentença, ou seja, a vícios formais da sentença ou relativos à extensão do poder jurisdicional por referência ao caso submetido ao tribunal.
Estas nulidades, como refere Abílio Neto, Novo Código de Processo Civil Anotado,  2ª ed., pág. 734, são vícios que “afetam formalmente a sentença e provocam a dúvida sobre a sua autenticidade, como é o caso da falta de assinatura do juiz, ou a ininteligibilidade do discurso decisório por ausência total de explicação da razão por que se decide de determinada maneira (falta de fundamentação), quer porque essa explicação conduzir logicamente a resultado oposto do adotado (contradição entre os fundamentos e a decisão), ou uso ilegítimo do poder jurisdicional em virtude de pretender resolver questões de que não podia conhecer (excesso de pronúncia) ou não tratar de questões que deveria conhecer (omissão de pronúncia)”.
Tais vícios não se confundem com os verdadeiros erros de julgamento, que se prendem com a apreciação da matéria de facto ou com a aplicação do Direito aos factos, estes passíveis de ser atacados por via de recurso e que determinam, em caso de procedência, a revogação da decisão e eventual prolacção de nova decisão ou anulação de julgamento.
Ora, a argumentação do Recorrente não se subsume à nulidade invocada, ante se prende com a alegação de um verdadeiro erro de julgamento.
Efectivamente, lida a decisão, da mesma constam os fundamentos de facto e de Direito que, no entender do Juiz a quo, conduziram à decisão proferida.
Assim, julga-se que a decisão em análise não padece da invocada nulidade.
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Da Caducidade
Invoca o recorrente que o procedimento administrativo de dissolução e liquidação da sociedade P……., Lda., onde foi decidido dissolver e liquidar a sociedade pelo conservador do registo comercial em 17/10/2018, por se ter iniciado em 15/04/2016, já se encontrava caducado por ter passado o prazo de 180 dias nos termos nº 6 do artigo 128º do Código de Procedimento Administrativo, aplicável por força do disposto no nº 1, 3 e 5 do artigo 2º do Código de Procedimento Administrativo.
Tem sido alvo de discussão se ao PADLEC se aplica o Código de Procedimento Administrativo.
O Regime Jurídico dos Procedimentos Administrativos de Dissolução e Liquidação de Entidades Comerciais foi criado pelo Decreto-Lei nº 76-A/2006 de 29/03, podendo ler-se a este respeito no Preâmbulo do diploma em causa:
Em 3.º lugar, o presente decreto-lei aborda a matéria da dissolução de entidades comerciais, incluindo sociedades comerciais, cooperativas e estabelecimentos individuais de responsabilidade limitada.
Por um lado, é criada uma modalidade de «dissolução e liquidação na hora» para as sociedades comerciais, assim se permitindo que se extingam e liquidem imediatamente, num atendimento presencial único, nas conservatórias de registo comercial, quando determinados pressupostos se verifiquem.
Por outro lado, adopta-se uma modalidade de dissolução e liquidação administrativa e oficiosa de entidades comerciais, por iniciativa do Estado, quando existam indicadores objectivos de que a entidade em causa já não tem actividade embora permaneça juridicamente existente. Esta medida é especialmente relevante tendo em conta o elevado número de sociedades comerciais criadas sem actividade efectiva na economia nacional, pois estima-se que existam dezenas, senão centenas, de milhar de empresas a estar nessas circunstâncias. E essa relevância cresce tendo em conta que um número substancial dessas empresas está nessas condições por estas não terem elevado o seu capital social de 400000$00 para 1000000$00 quando a isso passaram a estar obrigadas. O procedimento administrativo que agora se estabelece evita que todas essas situações, que podem ser dezenas de milhar, originem um processo judicial para cada uma delas, pois atribui a competência para a dissolução e liquidação às conservatórias, sempre com garantia do direito de impugnação judicial.
Finalmente, acolhe-se igualmente um procedimento administrativo da competência da conservatória para os casos legais de dissolução e liquidação de entidades comerciais, a requerimento de sócios e credores da entidade comercial.
A dissolução e liquidação de entidades comerciais, no tocante às sociedades comerciais, processava-se, antes da entrada em vigor deste diploma, judicialmente, passando com a entrada em vigor do RJPADLEC a ser um procedimento a tramitar no serviço de registo competente, cabendo a competência para a decisão ao conservador competente.
Este procedimento é aplicável apenas a entidades sujeitas a registo comercial (cfr. art.º 1º, n.º 1 e 2 e art.º 2º, n.º1 do Código do Registo Comercial), ou seja, sociedades comerciais, sociedades civis sob forma comercial, cooperativas e estabelecimentos individuais de responsabilidade limitada e, sendo este um procedimento vocacionado para a regularização do registo comercial, julga-se que se deve atender ao Código de Registo Comercial, antes de mais, na parte não especificamente regulada pelo RJPADLEC.
Sucede que neste regime não se encontra prevista a possibilidade de intentar recurso hierárquico, uma vez que o art.º 12º prevê que da decisão do conservador seja apenas interposta impugnação judicial.
Deste modo, afastada que está a previsão do art.º 109º-A do Código de Registo Comercial que mandava atender subsidiariamente ao CPA, em caso de recurso hierárquico, há que atender apenas ao art.º 115º do Código de Registo Comercial, que dispõe: “São aplicáveis, com as necessárias adaptações, ao registo comercial, na medida indispensável ao preenchimento das lacunas da regulamentação própria, as disposições relativas ao registo predial que não sejam contrárias aos princípios informadores do presente diploma.”
Ora, o art.º 156º do Código do Registo Predial manda aplicar, salvo disposição legal em contrário, subsidiariamente e com as necessárias adaptações, o disposto no Código de Processo Civil.
Neste sentido, o Instituto dos Registos e Notariado tem emitido sucessivos Pareceres, do que é exemplo o Parecer n.º 75/ Código Civil/2015, onde pode ler-se:
2.3. (…) o facto de a reforma ter adotado a qualificação legal dos procedimentos como administrativos não pode refletir desde logo a sua natureza administrativa, nem conduzir à aplicação do CPA. Com efeito, se, por um lado, a maioria dos atos praticados nos serviços de registo não tem a natureza de atos administrativos, mas atos próprios de direito registal (dos quais são exemplo: os casamentos civis, os registos prediais de aquisição ou de hipoteca, os registos de constituição de sociedade comercial, os registos de aquisição de propriedade de veículo automóvel, os procedimentos simplificados de sucessão hereditária, os procedimentos especiais de aquisição, oneração e registo de imóveis, entre outros), e apenas a orgânica interna dos serviços de registo há de ser disciplinada por normas de Direito Público, nomeadamente por normas de direito administrativo, por outro lado, para a doutrina, o uso do CPA não é adequado quando o procedimento de dissolução e liquidação de entidade comercial passe a jurisdicional, nomeadamente pela existência de conflito.
2.4. Com efeito, se para a doutrina o problema está em saber, simplesmente, se, no procedimento em análise, estamos perante uma “sucessão ordenada de atos e formalidades relativos à formação, manifestação e execução da vontade dos órgãos da Administração Pública”, nos termos do artigo 1.º, n.º 1, do CPA, ou, pelo contrário, perante uma sucessão de atos com vista à defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos [artigo 20.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa (CRPor)] que visa dirimir os conflitos (artigo 202.º, n.º 2, da CRPor), e que, dependendo da resposta, aplicar-se-ão os princípios e, subsidiariamente, as normas do CPA, ou os princípios e, subsidiariamente, as normas do CPC (artigo 549.º) ;
2.5. Para nós, diferentemente, se de acordo com o artigo 1.º do CRCom, o registo comercial se destina a dar publicidade à situação jurídica dos comerciantes individuais, das sociedades comerciais, das sociedades civis sob forma comercial e dos estabelecimentos individuais de responsabilidade limitada, tendo em vista a segurança do comércio jurídico, os fins do registo comercial e o procedimento registal constante do Código do Registo Comercial são manifestamente incompatíveis com as regras do procedimento administrativo .
2.6. De facto, a segurança do comércio jurídico é realizada por um sistema registal baseado em princípios e presunções próprios (cfr. artigos 11.º, 12.º, 13.º, 14.º, 28.º e 47.º, do CRCom) e acionado por um procedimento simples, o qual permite que o registo, enquanto resultado da decisão registal, seja efetuado com celeridade.
2.7. No seguimento, a decisão definitiva de dissolução (artigo 11.º do RJPADLEC) e a decisão definitiva que declara encerrada a liquidação (artigo 25.º do RJPADLEC) irão conduzir, isso sim, a que o conservador lavre oficiosamente o registo da dissolução (artigo 13.º do RJPADLEC) e/ou o registo do encerramento da liquidação (artigos 11.º, n.º 4, 13.º e 25.º. n.º 3 do RJPADLEC) .
2.8. Assim, no âmbito dos procedimentos de dissolução administrativa oficiosa e necessária a natureza registal do procedimento, bem como da decisão, há de traduzir-se na aplicação subsidiária das normas do CRCom.
Esta posição é igualmente a que se pode verificar no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 29/10/2019, Proc. n.º 9629/18.0T8LSB.L1-1:
No âmbito do procedimento administrativo de dissolução de uma sociedade comercial encetado oficiosamente pelo conservador do registo comercial, ao abrigo do disposto no art.º 5º, alínea a) do Regime Jurídico da Dissolução e da Liquidação de Entidades Comerciais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 76-A/2006 de 29 de março, instaurada acção de impugnação judicial, o regime legal subsidiário é o do processo civil.
Nestes termos, afastada a aplicação do Código de Procedimento Administrativo, não tendo consequentemente aplicação o prazo de 180 dias previsto nesse diploma, não se verifica a caducidade do procedimento em causa.
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Da ilegalidade dos fundamentos para a dissolução e encerramento da liquidação da sociedade e inconstitucionalidades.
O Recorrente alega ainda em sede de recurso que o Decreto-lei nº 76-A/2006 sofre de inconstitucionalidade material porquanto o artigo 95º da Lei 60-A/2005 que autorizou o Governo a legislar, não definiu o sentido e a extensão da autorização legislativa e o Decreto-lei nº 250/2012 é também inconstitucional por falta de autorização legislativa por versar matéria da exclusiva competência da Assembleia da República.
Acresce, no entender do Recorrente, que o artigo 3º do Decreto-lei nº 250/2012 que procedeu à alteração da alínea a) do artigo 5º do RJPADLEC constante do Decreto-lei nº 76-A/2006, sofre de inconstitucionalidade material por violação do princípio da proporcionalidade ínsito no artigo 2º da Constituição da República Portuguesa, bem como dos artigos 61º e 62º da mesma Lei Fundamental, nomeadamente quando interpretado no sentido de que é suficiente para decidir a dissolução e encerramento da liquidação de uma entidade comercial a falta do registo da  prestação de contas durante dois anos consecutivos.
Vejamos.
Prevê o art.º 165.º da Constituição da República Portuguesa quais as matérias da exclusiva competência legislativa da Assembleia da República, salvo autorização ao Governo - Reserva relativa de competência legislativa:
“1. É da exclusiva competência da Assembleia da República legislar sobre as seguintes matérias, salvo autorização ao Governo:
a) Estado e capacidade das pessoas;
b) Direitos, liberdades e garantias;
c) Definição dos crimes, penas, medidas de segurança e respectivos pressupostos, bem como processo criminal;
d) Regime geral de punição das infracções disciplinares, bem como dos actos ilícitos de mera ordenação social e do respectivo processo;
e) Regime geral da requisição e da expropriação por utilidade pública;
f) Bases do sistema de segurança social e do serviço nacional de saúde;
g) Bases do sistema de protecção da natureza, do equilíbrio ecológico e do património cultural;
h) Regime geral do arrendamento rural e urbano;
i) Criação de impostos e sistema fiscal e regime geral das taxas e demais contribuições financeiras a favor das entidades públicas;
j) Definição dos sectores de propriedade dos meios de produção, incluindo a dos sectores básicos nos quais seja vedada a actividade às empresas privadas e a outras entidades da mesma natureza;
l) Meios e formas de intervenção, expropriação, nacionalização e privatização dos meios de produção e solos por motivo de interesse público, bem como critérios de fixação, naqueles casos, de indemnizações;
m) Regime dos planos de desenvolvimento económico e social e composição do Conselho Económico e Social;
n) Bases da política agrícola, incluindo a fixação dos limites máximos e mínimos das unidades de exploração agrícola;
o) Sistema monetário e padrão de pesos e medidas;
p) Organização e competência dos tribunais e do Ministério Público e estatuto dos respectivos magistrados, bem como das entidades não jurisdicionais de composição de conflitos;
q) Estatuto das autarquias locais, incluindo o regime das finanças locais;
r) Participação das organizações de moradores no exercício do poder local;
s) Associações públicas, garantias dos administrados e responsabilidade civil da Administração;
t) Bases do regime e âmbito da função pública;
u) Bases gerais do estatuto das empresas públicas e das fundações públicas;
v) Definição e regime dos bens do domínio público;
x) Regime dos meios de produção integrados no sector cooperativo e social de propriedade;
z) Bases do ordenamento do território e do urbanismo;
aa) Regime e forma de criação das polícias municipais.
2. As leis de autorização legislativa devem definir o objecto, o sentido, a extensão e a duração da autorização, a qual pode ser prorrogada.
3. As autorizações legislativas não podem ser utilizadas mais de uma vez, sem prejuízo da sua execução parcelada.
4. As autorizações caducam com a demissão do Governo a que tiverem sido concedidas, com o termo da legislatura ou com a dissolução da Assembleia da República.
5. As autorizações concedidas ao Governo na lei do Orçamento observam o disposto no presente artigo e, quando incidam sobre matéria fiscal, só caducam no termo do ano económico a que respeitam.”
O Dec.-Lei n.º 76-A/2006 foi promulgado no uso de autorização legislativa concedida pelo art.º 95º da Lei n.º 60-A/2005 de 30 de Dezembro (Lei do Orçamento de Estado para 2006), com o seguinte teor:
“Dissolução e liquidação de entidades comerciais
1 - O Governo fica autorizado, durante o ano de 2006, a alterar o regime da dissolução e liquidação de entidades comerciais, designadamente das sociedades comerciais, das sociedades civis sob forma comercial, das cooperativas e dos estabelecimentos individuais de responsabilidade limitada, através da aprovação de um regime de dissolução e liquidação por via administrativa aplicável às referidas entidades.
2 - O sentido e a extensão da autorização legislativa concedida no número anterior são os seguintes:
a) Atribuição às conservatórias do registo das competências necessárias para que possam proceder à dissolução e liquidação de entidades comerciais através de um procedimento administrativo, em substituição do regime de dissolução e liquidação judicial de entidades comerciais, sem prejuízo das excepções previstas na alínea seguinte;
b) Estabelecimento das situações em que a dissolução e a liquidação judicial de entidades comerciais pode ter lugar;
c) Aplicação imediata do regime de dissolução e liquidação de entidades comerciais através de um procedimento administrativo aos processos judiciais de dissolução e liquidação que, à data da sua entrada em vigor, se encontrem instaurados e pendentes em tribunal;
d) Regulação das condições e requisitos da remessa às conservatórias de registo dos processos judiciais referidos na alínea anterior;
e) Determinação do tribunal competente para a impugnação judicial dos actos praticados no âmbito do procedimento administrativo de dissolução e liquidação de entidades comerciais.”
Ora, resulta evidente que, nos termos da alínea b) supra citada, competia ao Governo estabelecer as situações em que a dissolução e a liquidação judicial de entidades comerciais pode ter lugar, sendo esse o sentido e alcance da autorização legislativa.
Deste modo, verifica-se, sem mais, que o artigo 5º do Anexo III do Dec.-Lei nº 76-A/2006, que instituiu o Regime Jurídico dos Procedimentos Administrativos de Dissolução e de Liquidação de Entidades Comerciais, aqui concretamente em causa, não padecia da invocada inconstitucionalidade.
O Recorrente invoca igualmente a inconstitucionalidade orgânica do art.º 3º do Dec.-Lei 250/2012, de 23/11, ao proceder à alteração da alínea a) do art.º 5º em causa.
Alega para tanto que a alínea e) do artigo 1º do Decreto-lei nº 76-A/2006, dispunha:
“1 - O presente decreto-lei adopta medidas de simplificação e eliminação de actos e procedimentos registrais e notariais, tais como (…)
e) A criação de procedimentos administrativos de dissolução e de liquidação de entidades comerciais da competência das conservatórias que consagra, designadamente, causas oficiosas de dissolução e liquidação por iniciativa do Estado, quando existam indicadores objectivos de que a entidade em causa não tem actividade efectiva embora permaneça juridicamente existente; (…)”.
Deste modo, invoca o recorrente que, encontrando-se a Sociedade em actividade, não podia ser dissolvida com fundamento apenas na omissão do registo da prestação de contas durante dois anos consecutivos.
Estipulava o artigo 5.º, a), do Anexo III do Decreto-Lei nº 76-A/2006 que instituiu o Regime Jurídico dos Procedimentos Administrativos de Dissolução e de Liquidação de Entidades Comerciais que:
“O procedimento administrativo de dissolução é instaurado oficiosamente pelo conservador, mediante auto que especifique as circunstâncias que determinaram a instauração do procedimento e que identifique a entidade e a causa de dissolução, quando resulte da lei e ainda quando:
a) Durante dois anos consecutivos, a sociedade não tenha procedido ao depósito dos documentos de prestação de contas e a administração tributária tenha comunicado ao serviço de registo competente a omissão de entrega da declaração fiscal de rendimentos pelo mesmo período; (…)”
Sucede que tal disposição veio a ser alterada pelo art.º 3º do Decreto-Lei nº 250/2012, de 23/11, passando a redacção da alínea a) do art.º 5º do RJPADLEC a ser a seguinte:
“a) Durante dois anos consecutivos, a sociedade não tenha procedido ao registo da prestação de contas;(…)”.
Em primeiro lugar, cumpre referir que a alteração em causa não se insere nas matérias de competência exclusiva (art.º 164º da Constituição da República Portuguesa) ou relativa, da Assembleia da República, conforme resulta da leitura do art.º 165º supra referido.
De facto, tal diploma foi proferido ao abrigo do art.º 198º da Constituição – competência legislativa do Governo, não carecendo de autorização da Assembleia da República para tanto.
E compreende-se que assim seja, diversamente do que ocorreu com o Decreto-Lei nº 76-A/2006; neste, para além de outras matérias, tratava-se de retirar competência aos Tribunais, em primeira instância, para a acção de dissolução e liquidação de sociedades, prevista nos artigos 141º e ss. do Código das Sociedades Comerciais, essa sim, matéria da competência relativa da Assembleia da República.
De facto, com a entrada em vigor deste Dec.-Lei, deixa de se recorrer às instâncias judiciais para promover a dissolução, restringindo-se a intervenção dos Tribunais para a decisão da dissolução de empresas com os processos de insolvência ou com a impugnação judicial da dissolução declarada administrativamente.
Já assim não ocorre no caso do Decreto-Lei nº 250/2012, que operou unicamente a alteração ao artigo 5º, a) e j) e art.º 15º, n.º 5 c) do Dec.-Lei 76-A/2006.
Assim, não padece tal legislação de inconstitucionalidade orgânica.
Nem, adianta-se, se entende que a nova redacção da alínea a) do art.º 5º sofra de inconstitucionalidade material.
Invoca a este respeito o Recorrente a violação dos artigos 2.º; 61º e 62º da Constituição da República Portuguesa, pela violação do princípio da proporcionalidade, nomeadamente quando interpretado no sentido de que é suficiente para decidir a dissolução e encerramento da liquidação de uma entidade comercial a falta do registo da  prestação de contas durante dois anos consecutivos.
O art.º 2º da Constituição da República Portuguesa estabelece que a República Portuguesa é um Estado de direito democrático, baseado na soberania popular, no pluralismo de expressão e organização política democráticas, no respeito e na garantia de efectivação dos direitos e liberdades fundamentais e na separação e interdependência de poderes, visando a realização da democracia económica, social e cultural e o aprofundamento da democracia participativa.
Por sua vez, o 61.º da Lei fundamental refere:
“(Iniciativa privada, cooperativa e autogestionária)
1. A iniciativa económica privada exerce-se livremente nos quadros definidos pela Constituição e pela lei e tendo em conta o interesse geral.
2. A todos é reconhecido o direito à livre constituição de cooperativas, desde que observados os princípios cooperativos.
3. As cooperativas desenvolvem livremente as suas actividades no quadro da lei e podem agrupar-se em uniões, federações e confederações e em outras formas de organização legalmente previstas.
4. A lei estabelece as especificidades organizativas das cooperativas com participação pública.
5. É reconhecido o direito de autogestão, nos termos da lei.”
E o art.º 62º versa sobre o Direito de propriedade privada nos seguintes termos:
“1. A todos é garantido o direito à propriedade privada e à sua transmissão em vida ou por morte, nos termos da Constituição.
2. A requisição e a expropriação por utilidade pública só podem ser efectuadas com base na lei e mediante o pagamento de justa indemnização.”
Ora, sobre esta questão há que atender a que, efectivamente, no quadro normativo estabelecido pelo Decreto-Lei nº 76-A/2006, a dissolução da sociedade dependia de dois fatores: não ter a sociedade procedido ao depósito dos documentos de prestação de contas e ter a Administração Tributária comunicado ao serviço de registo competente a omissão de entrega da declaração fiscal de rendimentos pelo mesmo período. Com a entrada em vigor do Dec.-Lei 250/2012 eliminou-se este último requisito, bastando-se a lei com a falta de registo da prestação de contas durante dois anos consecutivos.
Sucede que tal alteração tem de compaginar-se com a Informação Empresarial Simplificada (IES), criada pelo Decreto-Lei n.º 8/2007, de 17 de Janeiro.
Veja-se a este propósito o que se refere no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 21/2/2018, Proc. n.º 4317/17.7T8VNG.P1, disponível em www.dgsi.pt: “(…) a Informação Empresarial Simplificada (IES), criada pelo Decreto-Lei n.º 8/2007, de 17 de Janeiro, permite o cumprimento, por via eletrónica e de forma desmaterializada, das obrigações declarativas de natureza contabilística, fiscal e estatística, o que significa que a entrega da declaração anual de informação contabilística e fiscal de rendimentos e o registo da prestação de contas são feitos num único momento e perante uma única entidade – Ministério das Finanças assim concentrando a observância dessas e outras obrigações legais. E é a entidade recetora que remete ao Ministério da Justiça a informação constante dos formulários que respeitem ao registo de prestação de contas. Portanto, uma das obrigações integradas na IES é o registo de prestação de contas, a significar que as empresas, para cumprir essas obrigações fiscal e de registo, têm de entregar a IES e pagar o preço respeitante ao registo de prestação de contas. Não têm de imprimir os documentos respeitantes às suas contas anuais (acta, balanço, demonstração de resultados, anexos ao balanço e demonstração de resultados, certificação legal de contas, parecer do órgão de fiscalização, relatório de gestão) nem têm de os entregar na conservatória do registo comercial territorialmente competente. Logo, o depósito da prestação de contas é feito eletrónica e automaticamente, em simultâneo com o cumprimento de outras obrigações de natureza fiscal e estatística e os restantes passos são dados pela aplicação informática, que promove imediatamente o registo do ato e gera o texto para publicação no site das Publicações do Ministério da Justiça,
Daí que, sendo essas obrigações cumpridas no mesmo momento e perante a mesma entidade, já não haja necessidade prática da predita comunicação da Administração Tributária aos serviços de registo comercial da omissão de entrega da declaração fiscal de rendimentos. (…)
A opção legislativa de decretar a dissolução oficiosa devido a omissão do registo da prestação de contas durante dois anos consecutivos teve em vista criar nos representantes das sociedades a consciência da gravidade da omissão do registo da prestação de contas, introduzindo medidas que impeçam a realização de outros registos enquanto não efetuarem o registo da prestação de contas, como seja o da alteração do contrato de sociedade, e consagrando a sua omissão como causa autónoma de dissolução. Não deixou, contudo, de enunciar outras causas de dissolução oficiosa e de particularizar como tal a falta de atividade das sociedades. Destarte, como a falta de atividade constitui, a par com a omissão de registo da prestação de contas durante dois anos consecutivos, causa de oficiosa dissolução das sociedades, é irrelevante que a sociedade recorrente mantenha atividade quando está demonstrado aqueloutro fundamento de dissolução.
Assim, o procedimento administrativo de dissolução de entidades comerciais é instaurado oficiosamente pelo conservador se durante dois anos consecutivos, após o exercício económico de 2012, a sociedade não proceder ao registo da prestação de contas, ainda que esteja em atividade. E quando inexiste ativo e passivo a partilhar, o Conservador declara simultaneamente a dissolução e a liquidação da sociedade, tal como sucedeu no caso vertente (artigo 9º, a, d), do). É que sendo a dissolução promovida oficiosamente, a liquidação será igualmente promovida por via oficiosa (artigo 146º/6 do CSC).”
Nestes termos, não se vislumbra de que forma a alteração introduzida pelo Dec.-Lei 250/2012 tenha de alguma forma atentado contra o Estado de Direito Democrático, o direito à Iniciativa privada, cooperativa e autogestionária ou à propriedade privada, não padecendo este normativo das demais inconstitucionalidades supra referidas, sido validamente emitido por quem dispõe do poder legislativo, no âmbito das demais atribuições conferidas pela Constituição da República Portuguesa, regulando a actividade económica e num quadro de demais alterações legislativas que não colocam em causa o princípio da proporcionalidade na actuação do Estado a par dos privados.
Deste modo julga-se não se verificarem as invocadas ilegalidades formais ou inconstitucionalidades.
*
Do Erro de Julgamento e Modificabilidade da Matéria de Facto.
O Recorrente vem invocar, nas suas conclusões de recurso, que a sentença “é ilegal porque mantém a decisão ilegal do conservador do registo comercial de dissolução e encerramento da liquidação da sociedade Padrões e Tendências, Lda, porquanto:
- Na data da decisão de dissolução e liquidação da sociedade em 17/10/2018 já os registos da prestação de contas relativos aos anos 2011, 2012, 2013 e 2014 respeitante ao procedimento nº 2248/2016 se encontravam efetuados desde 27/05/2016.”
Ultrapassada, como supra referido, a questão da invocada nulidade da sentença, deve atender-se a que, nos termos do artigo 662º do Código de Processo Civil, a Relação deve alterar a decisão sobre a matéria de facto se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
Vejamos se assim ocorre no caso concreto.
Decorre da documentação junta aos autos, nomeadamente, dos documentos juntos com a impugnação judicial como docs. 3 a 8; do Anexo C e Anexo V e Anexo VI do Procedimento, a seguinte factualidade que se deveria ter como provada, e que passará a constar de factos 12) e ss. da decisão:
12)  Mostra-se efectuado o registo, pelo pedido Dep 357 de 27/5/2016, da prestação de contas da sociedade Padrões & Tendências, Unipessoal Lda. Relativo ao ano de 2011;
13) Mostra-se efectuado o registo, pelo pedido Dep 359 de 27/5/2016, da prestação de contas da sociedade Padrões & Tendências, Unipessoal Lda. Relativo ao ano de 2012;
14) Mostra-se efectuado o registo, pelo pedido Dep 363 de 27/5/2016, da prestação de contas da sociedade Padrões & Tendências, Unipessoal Lda. Relativo ao ano de 2013;
15) Mostra-se efectuado o registo, pelo pedido Dep 364 de 27/5/2016, da prestação de contas da sociedade Padrões & Tendências, Unipessoal Lda. Relativo ao ano de 2014.
Resulta ainda dos autos, com relevância para a decisão da questão suscitada pelo recorrente, que:
16) Foi publicada em 20/4/2016 no Portal da Justiça a notificação prevista pelo art.º 8º, n.º 4; 5 e 7 do art.º 8º do RJPADLEC e do n.º 1 do art.º 167º do Código das Sociedades Comerciais onde consta, para além do mais: “Ficam notificados os sócios, gerentes e sociedade de que (…) dispõem ainda do prazo de 30 dias, a contar desta notificação, para regularizar ou para demonstrar que já se encontra regularizada a situação.”
Pretende o Recorrente nas suas alegações de recurso que se atenda aos factos que se elencaram, e que não constaram da decisão, concluindo que, para o que aqui interessa, que “A douta sentença é ilegal porque mantém a decisão ilegal do conservador do registo comercial de dissolução e encerramento da liquidação da sociedade Padrões e Tendências, Lda, porquanto:
- Na data da decisão de dissolução e liquidação da sociedade em 17/10/2018 já os registos da prestação de contas relativos aos anos 2011, 2012, 2013 e 2014 respeitante ao procedimento nº 2248/2016 se encontravam efetuados desde 27/05/2016.”
A questão subjacente é a de que a situação da Recorrente, atendendo à data da instauração do procedimento, estaria regularizada na data da decisão de dissolução da sociedade.
A este respeito há que atender ao que dispõe o art.º 8º do RJPADLEC, na parte para aqui pertinente:
“1 - Quando não sejam requerentes, são, consoante o caso, notificados para os efeitos do procedimento:
a) A sociedade e os sócios, ou os respectivos sucessores, e um dos seus gerentes ou administradores; (…)
2 - A notificação deve dar conta do início dos procedimentos administrativos de dissolução e de liquidação (…), e conter os seguintes elementos: (…).
4 - A notificação realiza-se através da publicação de aviso nos termos do n.º 1 do artigo 167.º do Código das Sociedades Comerciais, dando conta de que os documentos estão disponíveis para consulta no serviço de registo competente.
5 - A realização da publicação prevista no número anterior é comunicada à entidade comercial e aos respectivos membros que constem do registo, por carta registada. (…)”
A notificação à sociedade opera-se assim, nos termos da norma legal em causa, através da publicação do aviso a que alude o n.º4 da al. a).
Foi enviada a carta a que alude o n.º 5 (facto assente em 10).
Como resulta da factualidade provada, a notificação em causa foi publicada em 20/4/2016, dela constando expressamente “Ficam notificados os sócios, gerentes e sociedade de que (…) dispõem ainda do prazo de 30 dias, a contar desta notificação, para regularizar ou para demonstrar que já se encontra regularizada a situação”, como aliás impunha o art.º 9º, n.º 1, b) do mesmo regime.
Deste modo, resulta evidente que o prazo que a sociedade dispunha para regularizar a situação terminava no dia 20/5/2016, pelo que o registo das contas efectuado em 27/5/2016 foi extemporâneo
Querendo gozar de uma prorrogação de prazo, como previsto pelo art.º 9º, n.º 2 do RJPADLEC, que prevê a prorrogação do referido prazo até 90 dias, tal carecia de ser requerido no prazo original de 30 dias (veja-se a este propósito o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 7/6/2018, Proc. n.º 169/17.5T8EPS.G1, disponível em www.dgsi.pt).
Deste modo, não tendo procedido à regularização da situação no prazo que a lei lhe conferia, foi legalmente proferida a decisão de dissolução da sociedade em causa.
Deste modo, o presente recurso tem de improceder, mantendo-se a sentença proferida.
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As custas devidas são a cargo do Apelante, nos termos do art.º 527º, n.º 1 e n.º 2 do Código de Processo Civil.
*
DECISÃO:
Por todo o exposto, acorda-se em julgar totalmente improcedente a apelação e, consequentemente, mantêm-se a decisão recorrida.
Custas pelo Apelante.
Registe e notifique.

Lisboa, 18/12/2019
Vera Antunes
Amélia Rebelo
Maria Manuela Espadaneira Lopes