Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
111/17.3GACSC.L1-5
Relator: JOÃO CARROLA
Descritores: DESPORTO
VIOLÊNCIA
REGIME PENAL ESPECIAL PARA JOVENS
SENTENÇA
TRANSCRIÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/18/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: - O espectáculo desportivo, para efeitos da lei n.° 39/2009, de 30/07, abrange outros aspectos que não se compreendem apenas no jogo e, como tal, não se esgotam nem se reflectem apenas no tempo decorrido do jogo ou competição desportiva em questão, antes respeitam ao espaço temporal que a antecede e o que se lhe segue, no máximo, até à completa saída dos espectadores do recinto desportivo.
- O regime especial para jovens procura evitar a aplicação de penas de prisão, com os inerentes malefícios dos efeitos criminógenos da prisão nos jovens adultos.
- Ora, na pena de multa não ocorrem os riscos inerentes à pena de prisão e não existem especiais razões de reintegração do agente na sociedade que justifiquem um regime especial.
- Se o condenado pretende que a transcrição da sentença não figure no registo criminal terá de fazer tal solicitação, em primeiro lugar, ao tribunal da condenação e, caso não obtenha deferimento dessa pretensão e com o mesmo não se conforme, só então se abrirá a via do recurso.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 5ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa:

I
Nos autos de processo abreviado n.º 111/17.3GACSC do Juízo Local Criminal de Cascais, Comarca de Lisboa Oeste, o arguido L. foi submetido a julgamento e veio a ser condenado, pela prática de factos integrantes da prática, em autoria material, de um crime de invasão da área do espectáculo desportivo, previsto e punido pelo art.º 32.°, n.º 1 da Lei n.º 39/2009, de 30 de Julho, na pena de 40 dias de multa, à taxa diária de € 6,00, ou seja, na pena de € 240,00 (duzentos e quarenta euros) e, ainda, na pena acessória de interdição de acesso a recintos desportivos pelo período de 1 (um) ano (art.º 35.°, n.º 1, al. a) da Lei n.º 39/2009, de 30

Inconformado com tal sentença condenatória dela veio o arguido interpor recurso, de cujas motivações formula as seguintes conclusões:
“1. Nos presentes autos, o arguido, doravante designado como recorrente, foi acusado e condenado pela prática, em autoria material, de um crime de invasão de área do espetáculo desportivo. p. e p. pelo artigo 32.°, n.°1 da Lei n.º 39/2009 de 30 de julho, na pena de 40 dias de multa, à taxa diária de €6.00, o que perfaz a quantia de € 240.
2. Foi ainda aplicada, nos termos do artigo 35.°, n.°1, al. a) da lei n.°39/2009, de 30 de julho, a pena acessória de interdição de acesso a recintos desportivo pelo período de um ano.
3. Ainda que o recorrente aceite toda a factualidade dada como provada, entende que a decisão a pena aplicada toma-se excessiva e desproporcional.
4. E que. nos presentes autos, o recorrente não cometeu o presente crime, uma vez que o tipo legal de crime não está preenchido.
5. Ainda assim, pode considerar-se que existe causa de exclusão da ilicitude por se entender tratar-se de um estado de necessidade desculpante, previsto no artigo 35° CP.
6. Os pressupostos consagrados no n° 1 do artigo 35° do CP, consideram-se preenchidos na totalidade pois, i) verificou-se uma situação de perigo atual para os bens jurídicos de natureza pessoal, mais concretamente a vida e a integridade física do recorrente devido aos problemas estruturais da bancada; ii) o facto ilícito, de invasão do recinto, era o único "adequado" e idóneo a afastar o perigo que não seda remível de outro modo, tendo até as autoridades tomado a mesma atitude de evacuar os adeptos da bancada topo norte para o relvado; iii)  o     recorrente atuou por forma a preservar o bem jurídico ameaçado, isto é, o animas salvandi.
7. Resulta do artigo 32.°, n.° 1 da lei 39/2009 de 30/07 que só comete o crime de invasão de espéculo desportivo, “Quem, encontrando-se no interior do recinto desportivo durante a ocorrência de um espetáculo desportivo, invadir a área desse espetáculo ou aceder a zonas do recinto desportivo inacessíveis aos público em geral. (...)”.
8. Ora, como resulta da factualidade dada como provada, mormente no ponto 2., o recorrente apenas invadiu o campo já depois da partida ter terminado.
9. Mas em momento algum, não perturbou o normal funcionamento do jogo que é o que a norma pretende tutelar.
 10. Assim, por falta do preenchimento do elemento do objetivo, o recorrente não praticou o crime pelo qual veio acusado e condenado.
11. Ainda que assim não se entenda, o recorrente não se conforma com a medida da pena que lhe foi aplicada.
12. E que o ato praticado pelo recorrente não causou qualquer dano e/ou prejuízo aos demais presentes no estádio_
13. Toda a conduta do recorrente foi motivada apenas e tão só pela paixão e pela emoção típicas de um jogo de futebol.
14. Mormente corno o jogo em causa em que foi suspenso.
15 No entanto, a conduta do recorrente apenas se verificou no fim da partida.
16. Não foi nem antes nem durante, apenas no fim, pois viu que era o momento mais oportuno para estar com os jogadores que tanto admira.
17 De outro modo nunca conseguiria.
18 Mais se diga que o recorrente serviu-se de uma porta para contactar, não tendo galgado quaisquer barreiras físicas.
19 Ora. é certo que o tribunal a quo não teve em consideração toda esta circunstancia. bem como o facto de o recorrente ser primário, não tendo qualquer crime registado no seu certificado do registo criminal.
20 No entanto. o tribunal recorrido não teve em consideração as condições económicas do recorrente, como deveria ter tido para aplicar a pena de multa.
21 Assim, a pena de multa aplicada torna-se excessiva uma vez que o recorrente é um jovem com 19 anos, não trabalha, ainda estuda, mora com os seus pais.
22 Pelo que, o valor aplicado é desproporcional as suas condições económicas, o que obrigaria a que fossem os pais ou outros familiares a pagar a multa, o que, como está bom de ver, foge ao que se pretende alcançar com a aplicação desta pena.
23 Assim. no momento da determinação do quantum da pena de multa, esta deve-se situar muito próximo do mínimo legal previsto.
24 Deve-se ainda, atenta a idade do recorrente; o tipo de crime em causa, e a eventual condenação, não se proceder à transição para o registo criminal do crime em causa.
25 Com efeito, o tribunal a quo a decidir como decidiu violou o artigo 32.°, n.º 1 da lei 39/2009, de 30/07 e os artigos 35°, n° 1; 47.°, n.º 1 e 2 e 71.°, n.º 1 todos do Código Penal.

O Exmo. Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal a quo respondeu à motivação do recurso concluindo:
“1.°- Não foi assim violada qualquer disposição legal.
2.°- Não existe qualquer motivo para ser concedida razão ao recorrente, pelo que, deve a douta decisão recorrida ser mantida, negando-se provimento ao recurso.”

Nesta instância, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto teve vista nos autos, emitindo parecer no sentido da nulidade da sentença por omissão de pronuncia nos termos do art.º 379º n.º1 alínea c), primeira parte, do CPP quanto o regime aplicável em matéria penal aos jovens delinquentes do DL 401/82 de 23/09.
Dado cumprimento ao disposto no art.º 417º n.º 2 CPP nenhuma resposta ao parecer foi oferecida.
 
II.
É pacífica a jurisprudência do S.T.J. no sentido de que o âmbito do recurso se define pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo, contudo, das questões do conhecimento oficioso.
Como se afigura resultar das conclusões formuladas pelo recorrente, o mesmo dirige a sua discordância da sentença recorrida nas seguintes questões:
1. Se o tipo legal do crime em questão se mostra preenchido;
2. Se se verifica a causa de exclusão da ilicitude a que se refere o art.º 35º CP;
3. Se a pena aplicada se mostra excessiva;
4. Se a condenação não deve ser transcrita no registo criminal.
                  
O Tribunal a quo julgou provado o seguinte:
1. No dia 28 de Janeiro de 2017, pelas 20H15, no interior do Estádio António Coimbra da Mota, sito no Estoril, decorreu um jogo da I Liga de Futebol, que opôs os clubes Estoril Praia e o Futebol Clube do Porto.
2. No final da partida, ainda com jogadores, treinadores e árbitros na área do espectáculo desportivo, o arguido abriu uma das portas da saída de emergência, saiu da zona onde se encontrava o público, entrou no campo e correu em direcção aos jogadores do Futebol Clube do Porto.
3. O arguido logrou alcançar um dos jogadores do Futebol Clube do Porto e interpelá-lo no sentido de lhe ser entregue a camisola do jogador.
4. O arguido quis invadir o recinto desportivo, abrindo para o efeito a porta de acesso à saída de emergência que separa o campo do local onde se encontra o público, o que conseguiu, bem sabendo que aquele espaço não era livremente acessível ao público.
5. Com a sua conduta, o arguido agiu de modo deliberado, voluntário, livre e consciente, bem sabendo que os seus actos eram proibidos e punidos por lei e, não obstante ter capacidade de determinação em sentido diverso, não se inibiu de as realizar.

Mais se provou, com interesse para a decisão do mérito:
3. O arguido L. não tem condenações averbadas no respectivo registo criminal.

B) — MATÉRIA DE FACTO NÃO PROVADA
Da discussão da causa resultaram provados todos os factos constantes da acusação, pelo que inexistem factos não provados.

C) — MOTIVACÃO DA MATÉRIA DE FACTO
Relativamente à matéria da acusação, o Tribunal alicerçou a sua convicção no depoimento da testemunha E:R: , militar da GNR autuante do auto de notícia de fls. 3 e 3v..
Esta testemunha depôs de forma objectiva, esclarecedora e isenta, demonstrando conhecimento dos factos, adquirido no exercício das suas funções, confirmando não ter qualquer dúvida de que, no final do referido jogo de futebol, depois de o árbitro ter apitado para o final do jogo, viu o arguido abrir uma das portas da saída de emergência, conseguindo, dessa forma, sair da bancada, onde se encontrava o público, e entrar para o relvado, tendo-se de seguida agarrado a um jogador do Futebol Clube do Porto, a quem pediu a camisola.
Esclareceu ter tido o cuidado de verificar a identificação do arguido, através de documento de identificação válido, sendo que não se lhe suscitaram quaisquer dúvidas quanto á identidade do mesmo.
O tribunal socorreu-se, ainda, de uma presunção natural no que tange aos factos subjectivos constantes dos pontos 4. e 5., porquanto os factos objectivos provados, de acordo com as regras da experiência comum, permitem inferir estes factos subjectivos. Que o arguido L. agiu com vontade livre e consciente corresponde ao normal do agir humano, nada tendo sido alegado que ponha em causa essa liberdade de decisão.
A ausência de antecedentes criminais do arguido mostra-se certificada no respectivo CRC, com data de emissão de 07/02/2018.”

Como acima se mencionou, o Exmo. PGA no seu parecer suscitou a questão da nulidade da sentença por omissão de pronúncia, nos termos do art.º 379º n.º 1 al. c) CPP, quanto à possibilidade de aplicação ao arguido do regime penal dos jovens delinquentes, previsto no DL 401/82 de 23/09 aquando da fixação da medida da pena.
Porque se mostra também concretamente posta, pelo recorrente, a questão da fixação da medida da pena em que foi condenado, relegaremos para esse momento a apreciação da nulidade invocada.

Passando às questões que o recorrente suscita.
A primeira delas diz respeito ao efectivo preenchimento do tipo legal do crime dos autos, defendendo o recorrente esse não preenchimento porquanto, tal como aponta para a matéria de facto provada, o recorrente apenas entrou no campo de futebol só depois de a partida ter terminado, ou seja, não foi durante, mas sim no final da partida. Assim, para estar verificado este crime, impunha-se que a entrada em campo fosse durante o espectáculo desportivo que, é sobejamente sabido que um jogo de futebol começa com o apito inicial do árbitro e só termina com o apito final. Dado o apito final, termina o espectáculo.
Vejamos o que se mostra consignado na sentença acerca da integração jurídica dos factos provados:
O arguido L. vem acusado pela prática, em autoria material a na forma consumada, de um crime de invasão da área do espectáculo desportivo, previsto e punido pelo art. 32.°, n.° 1 da Lei n.° 39/2009, de 30/07, pugnando o Ministério Público pela aplicação ao arguido da pena acessória a que alude o 35.° do mesmo diploma.
De acordo com o disposto no art. 32.°, n.° 1 da Lei n.° 39/2009, de 30 de Julho, incorre na prática de um crime de invasão da área do espectáculo desportivo, quem, aquando da ocorrência de um espectáculo desportivo, no interior do recinto desportivo, desde a abertura até ao encerramento do mesmo, invadir a área desse espectáculo ou aceder a zonas do recinto desportivo a si inacessíveis, sendo punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa.
Como resulta do art. 3.°, al. c) do mesmo diploma legal, por "área do espectáculo desportivo" entende-se a superfície onde se desenrola o espectáculo desportivo, incluindo as zonas de protecção definidas de acordo com os regulamentos da respectiva modalidade.
A violência e os excessos dos espectadores por ocasião de manifestações desportivas, em particular nos jogos de futebol, constitui uma preocupação ao nível europeu. Reflexo de tensões sociais exteriores ao fenómeno desportivo, é neste, principalmente nos desportos colectivos como é o futebol, que a violência encontra o palco privilegiado para se exprimir, sendo, grande parte das vezes, os próprios espectadores que acorrem ao espectáculo desportivo os sujeitos activos e passivos dessa violência.
A intensidade e frequência de actos violentos nos desportos colectivos em geral, e no futebol em particular, tem motivado estudos sociológicos e tem sido o motor de iniciativas, como é o caso da recomendação n.° R (84) 8, sobre a Redução da Violência dos Espectadores nas Manifestações Desportivas e particularmente nos Encontros de Futebol, adoptada pelo Comité de Ministros em 19 de Março de 1984, e da Convenção Europeia sobre a Violência e os Excessos dos Espectadores por Ocasião das Manifestações Desportivas e nomeadamente de Jogos de Futebol, de 19 de Agosto de 1985, esta aprovada, para ratificação, no nosso país pela Resolução da Assembleia da República n.° 11/87, publicada no DR 1 Série, de 10 de Março de 1987.
Desde 1980 que o ordenamento jurídico português reconhece o fenómeno da violência associada ao desporto, procurando desenvolver medidas preventivas e sancionatórias com o objectivo de por cobro a essa realidade.
Assim, para além de ter sido aprovada a aludida Convenção e de ter obtido consagração constitucional, no segmento final do n.° 2 do artigo 79.°, que incumbe ao Estado "prevenir a violência no desporto", pela revisão constitucional operada em 1989, sinal da preocupação que rodeia esta problemática, foram publicados os D.L. n.°s 339/80, de 30 de Agosto, alterado pela Lei n.° 16/81, de 31 de Julho, o D.L. n.° 61/85, de 12 de Março, o D.L. n.° 270/89, de 18 de Agosto, a Lei de Bases do Sistema Desportivo (Lei n.° 1/90, de 13 de Janeiro), a Lei n.° 8/97, e, finalmente, a Lei n.° 38/98, de 4 de Agosto, revogada pela Lei n.° 16/2004, de 11 de Maio, diploma que foi revogado pela lei n.° 39/2009, de 30 de Julho, em que cujo art. 32.° radica a base legal o crime de invasão da área do espectáculo desportivo imputado ao arguido na peça acusatória.
Retornando ao caso vertente, cumpre relembrar que os presentes autos tiveram início com o auto de notícia datado de 28/01/2017, que integra fls. 3 e 3v. dos autos, elaborado por E:R: , primeiro Sargento da GNR, no qual se dá conta que nessa data, pelas 20H15, quando o referido militar se encontrava em serviço de policiamento, no Estádio António Coimbra da Mota, onde se disputava um jogo de futebol que opunha as equipas do Estoril praia e do Futebol Clube do Porto, após o final do encontro, o arguido, ainda com jogadores, treinadores e árbitros na área do espectáculo desportivo, abriu uma das portas da salda de emergência, que dividia a área de competição das bancadas do estádio, e entrou no campo, dirigindo-se a um jogador do Futebol Clube do Porto, a quem pediu a camisola, tendo esta factualidade sido confirmada, na íntegra, em audiência de julgamento, pela testemunha E:R: .
Atenta a matéria de facto provada, há que concluir que o arguido L. praticou o apontado crime, integrando a sua conduta todos os elementos objectivos e subjectivos do tipo legal de crime pelo qual o mesmo vem acusado.”

Com o devido respeito pela leitura restritiva do conceito de espectáculo desportivo que o recorrente pretende transmitir para afirmar da não verificação dos elementos objectivos do ilícito criminal em questão, o espectáculo desportivo não começa, no caso do futebol, com o apito do árbitro nem termina com idêntico apito. Tais comportamentos do árbitro apenas determinam o início, as interrupções, os reinícios e o fim do jogo.
O espectáculo desportivo para efeitos da lei em questão abrange outros aspectos que não se compreendem apenas no jogo, como sejam, a própria abertura dos recintos deportivos para permitir o acesso do público e dos demais intervenientes.
De resto, a finalidade de possibilitar a realização dos espectáculos desportivos com segurança e de acordo comos princípios éticos inerentes à sua prática perseguida com o diploma em questão quando estabelece um conjunto de prescrições, mormente quanto aos espectadores as dos art.ºs 22º e 23º daquele diploma, não se esgotam nem se reflectem apenas no tempo decorrido do jogo ou competição desportiva em questão, antes respeitam ao espaço temporal que a antecede e o que se lhe segue, no máximo, até à completa saída dos espectadores do recinto desportivo.
Seguindo o entendimento do recorrente chegaríamos à solução absurda de, durante a suspensão do jogo conhecida como “intervalo” não ser punida qualquer invasão do respectivo terreno.
As razões da criminalização desse tipo de comportamento mantêm-se válidas durante todo o tempo em que os espectadores se encontram dentro do estádio e até à respectiva saída do mesmo.
De notar que, tal como se afirma da matéria de facto provada, no momento em que o arguido saiu da zona onde se encontrava o público e entrou no campo, os jogadores ainda se encontravam no mesmo – só assim conseguiria alcançar o objectivo que o animava de obter uma camisola do jogador do FCP.
Para além disso, tal como resulta do preceito incriminador, o arguido penetrou no recinto desportivo, na acepção legalmente estabelecida na al. n) do art.º 3 da Lei 39/2009 como “o local destinado à prática do desporto ou onde este tenha lugar, confinado ou delimitado por muros, paredes ou vedações, em regra com acesso controlado e condicionado”, bem “sabendo que que aquele espaço não era livremente acessível ao público” – facto provado 4.
Temos por esta via de concluir, divergindo e não atendendo à pretensão do recorrente, que os factos provados integram o crime em questão tal como se defende na sentença recorrida.
  
Como segunda questão invoca o recorrente que se verifica a causa de exclusão da ilicitude a que se refere o art.º 35º CP - estado de necessidade desculpante – porquanto, alega, “viu-se forçado a entrar no relvado devido ao risco de a bancada ruir, facto bastante noticiado pelos meios de comunicação”, “várias centenas de adeptos foram mesmo evacuados para o relvado pelas forças policiais e de segurança por motivos relacionados com problemas estruturais da bancada topo norte do Estádio António Coimbra da Mota, facto que foi capa de todos os espaços noticiosos à data” e, portanto, “apenas correu para o relvado pois era a única forma de o mesmo tentar preservar a sua integridade física ou mesmo a sua vida.”.
Só compreendemos a alegação em questão se o recorrente fosse beneficiário de algum dom premonitório ou adivinhatório na medida em que a queda da bancada do estádio António Coimbra da Mota (isto sem sabermos se o arguido alguma vez esteve nessa concreta bancada durante o jogo) apenas ocorreu cerca de um ano após os factos objecto dos autos, em 15 de Janeiro de 2018, como profusamente foi divulgado na imprensa nacional.
De resto, as alegações que produz quanto ao modo como acedeu ao recinto de jogo e junto dos jogadores, não tem a mínima correspondência ao que se mostra fixado na matéria de facto provada que o arguido não impugnou.
Não tem o mínimo cabimento esta alegação nem os factos provados a comportam pelo que inexiste a invocada causa de exclusão da ilicitude a que se refere o art.º 35º CP.

Insurge-se ainda o recorrente quanto à pena aplicada, qualificando-a de excessiva, na medida em que, alega, “o tribunal no momento da determinação dos dias e dos valores da multa, o tribunal a quo, com o devido respeito que nos merece, não teve em consideração as circunstâncias socioeconómicas do recorrente” e “atento a idade do recorrente, que não trabalha e ainda vive na casa dos seus pais, não tendo meios próprios para se sustentar, toma-se deveras excessiva a pena aplicada”.

Sendo certo que o tribunal não teve em consideração a concreta situação económica do arguido, não menos certo é que essa indagação se viu obstaculizada pela ausência do arguido no julgamento para que estava devidamente notificado.
Poderá contrapor-se a possibilidade de o tribunal ter determinado a elaboração de relatório social nos termos do art.º 370º CPP. Acontece porém, que a elaboração de tal relatório não é obrigatória [O tribunal pode …] e a fixação da taxa diária não apresenta complexidade tal que imponha a realização daquele.
Neste segmento de apreciação da medida da pena importa trazer as consequências que acima fizemos notar, acerca da nulidade por omissão da possibilidade de aplicação do regime penal especial para jovens delinquentes constante do DL 401/82 de 23/09.
O art.º 9º do C. Penal remete para legislação especial o regime penal dos indivíduos maiores de 16 e menores de 21 anos, traduzindo a imposição de um regime penal próprio para os designados "jovens delinquentes" uma opção importante de política criminal que sublinha as finalidades de integração e socialização.
Dispõe o art. 4.º do DL n.º 401/82, que, se for aplicável pena de prisão, deve o juiz atenuar especialmente a pena nos termos dos art.ºs 73.º e 74.º do Código Penal (referência que deve ser tida em relação aos art.ºs 72.º e 73.º do Código Penal na versão de 1995), quando tiver sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado.
Menciona-se na decisão recorrida “Ao crime de invasão da área do espectáculo desportivo, em cuja prática o arguido incorreu, corresponde a pena compósita alternativa de prisão de um mês até um ano ou multa de 10 até 120 dias, sendo que a cada dia de multa corresponde uma quantia a graduar entre o mínimo de E 5,00 (cinco euros) e o máximo de C 500,00 (quinhentos curas).
O crime praticado pelo arguido é, assim, punível com pena privativa da liberdade (pena de prisão) ou pena não privativa da liberdade (pena de multa), pelo que se mostra necessário proceder à escolha da pena, como determina o art. 70.° do Cód. Penal.
Os critérios legais para a escolha da pena expressam-se neste artigo, o qual estipula que "Se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição", quais sejam a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade (art. 40.°, n.° 1 Cód. Penal).
Nas palavras de Leal-Henriques e Simas Santos, "A fundamentação a que se refere este artigo consiste na demonstração de que a pena não detentiva se mostra suficiente para que, no caso concreto, sejam alcançados os efeitos que se pretendem obter com qualquer reacção criminal, na justificação da prognose social favorável que está na base da opção pela pena não privativa da liberdade" — Código Penal Anotado, I Vol., Editora Rei dos Livros, 2.a ed., 1995, pp. 547.
Ponderando as exigências de prevenção que se fazem sentir, no caso vertente as mesmas não são prementes, uma vez que, pese embora a prática de tal ilícito apresente elevada incidência, ao nível especial importa ponderar que o arguido Leonardo Alves, que contava a idade de 19 anos, à data da prática dos factos, não registava qualquer condenação averbada no respectivo registo criminal.
Por conseguinte, tendo em conta as concretas necessidades de prevenção que se fazem sentir, considera-se que a mera submissão do arguido a julgamento, com a efectiva aplicação de uma pena de multa, será suficiente para satisfazer a finalidade punitiva do Estado, obviando aos efeitos nefastos do ponto de vista da reinserção social do arguido decorrente da aplicação de uma pena de prisão.” (sublinhado nosso)

O regime consagrado nos artigos 4º (atenuação especial), 5º (aplicação subsidiária da legislação relativa a menores com menos de 18 anos), e 6º (medidas de correcção a jovens maiores de 18 anos e menores de 21 anos) tem como pressuposto a imposição de uma pena de prisão (até 2 anos nos casos dos artigos 5º e 6º, sendo os art.s 7º a 13º a concretização das medidas de correcção consagradas no seu art. 6º), ou seja, apenas se impõe a aplicação do regime nas situações em que ao jovem é aplicada pena de prisão
Apesar da expressão “aplicável” constante do art.º 4º poder suscitar controvérsia, a pena de prisão a que se refere aquele preceito legal, é a pena concreta a aplicar, como resulta do n.º 7 do preâmbulo do diploma legal em questão.
Por outro lado, como também resulta da leitura daquele preâmbulo, o regime especial para jovens procura evitar a aplicação de penas de prisão, com os inerentes malefícios dos efeitos criminógenos da prisão nos jovens adultos.
Como acentua o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21.9.06, proc. 06P3037, em www.gde.mj.pt/jstj : “relativamente aos jovens adultos (art. 2.º do DL 401/82) essa atenuação especial pode fundar-se não só no princípio da culpa (caso em que essa atenuação especial recorrerá aos arts. 72.º e 73.º do CP) como, também ou simplesmente, em razões de prevenção especial (ou seja, de reintegração do agente na sociedade).
Ora, na pena de multa não ocorrem os riscos inerentes à pena de prisão e não existem especiais razões de reintegração do agente na sociedade que justifiquem um regime especial.
Por fim, sendo certo que a cronologia não é fundamental, da alteração da sequência dos procedimentos normais com vista à determinação da pena que a aplicação do regime especial para jovens pressupõe nenhum prejuízo advém. Optando-se, como sucedeu, pela pena de multa não há qualquer alteração.
Quanto à medida concreta da pena, mencionou-se na sentença: “Cabe agora determinar, tendo por base a referida moldura legal abstracta, qual a pena concreta a aplicar ao arguido.
Para tanto, há que ter em conta os critérios previstos no art. 71.° do Cód. Penal, tendo como referência a culpa do agente e as exigências de prevenção.
O n.° 2 da citada disposição legal estabelece que o tribunal tem de atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem contra ou a favor do agente, enunciando algumas dessas circunstâncias nas suas alíneas:
a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente;
b) A intensidade do dolo ou da negligência;
c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;
d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica;
e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime;
O A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.
As circunstâncias e critérios do art. 71.° do Cód. Penal devem contribuir tanto para co-determinar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impõem maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afectação dos valores), como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (as circunstâncias pessoais do agente, a idade, a confissão, o arrependimento), ao mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objectivas para apreciar e avaliar a culpa do agente.
As imposições de prevenção geral devem, pois, ser determinantes na fixação da medida das penas, em função de reafirmação da validade das normas e dos valores que protegem, para fortalecer as bases da coesão comunitária e para aquietação dos sentimentos afectados na perturbação difusa dos pressupostos em que assenta a normalidade da vivência do quotidiano.

Porém, tais valores determinantes têm de ser coordenados, em concordância prática, com outras exigências, quer de prevenção especial de reincidência, quer para confrontar alguma responsabilidade comunitária no reeneaminhamento para o direito, do agente do facto, reintroduzindo o sentimento de pertença na vivência social e no respeito pela essencialidade dos valores afectados.
Assim, nesta perspectiva, valorando a matéria fáctica provada nos termos do art. 71.°, n.°s I e 2 do Cód. Penal, importa atender a todas as circunstâncias que não fazendo parte do tipo de crime, depõem a favor do arguido e contra ele, designadamente:
- o dolo, o qual se mostra na modalidade de dolo directo;
- a ilicitude dos factos, a qual se mostra de grau médio, não visando o comportamento do arguido a prática de um qualquer acto de violência ou de agressão contra um agente desportivo, mas unicamente a de pedir uma camisola a um futebolista da equipa do Futebol Clube do Porto;
- a conduta anterior e posterior aos factos, tendo em conta que, à data dos factos, o arguido, que contava a idade de 19 anos, não evidenciava passado criminal, e que desde então, decorrido que se encontra um período superior a um ano, não voltou a incorrer na prática de qualquer crime;
- as necessidades de prevenção geral, que se afiguram prementes, atenta a frequência com que se assiste à prática deste tipo de crime.
Numa visão de conjunto, e ponderadas as circunstâncias pessoais, a intensidade do dolo, o grau de ilicitude, a gravidade da culpa, e todas as circunstâncias preventivas ou retributivas dentro da moldura penal abstracta susceptíveis de consideração, tem-se por justo e adequado, fixar uma pena de 40 (quarenta) dias de multa, situada no primeiro terço da moldura abstracta aplicável.
Tendo em conta os critérios fixados no artigo 47.°, ns.° 1 e 2 do Código Penal e em face da exiguidade da matéria de facto a este respeito apurada, o tribunal entende que a cada dia de multa deve corresponder a quantia de € 6,00 (seis euros), o que perfaz o montante global € 240,00 (duzentos e quarenta euros).”

Revisitada esta argumentação, somos de concluir que a pena de multa fixada se mostra adequada ao ilícito em questão, proporcional à culpa do arguido e ajustada às necessidades de prevenção que se postulam no caso e que se mostram postas em relevo na decisão.
Nem mesmo a fixação da taxa diária em € 6se mostra infundada. Na realidade, o desconhecimento da condição económica e profissional do arguido não constitui impedimento a essa fixação. Se para quem não tem proventos ou para quem rendimentos para que possa beneficiar do rendimento social de inserção é proporcional uma taxa diária a partir dos € 5 (limite mínimo), não vemos como em relação ao arguido, residindo no Grande Porto, terá rendimentos suficientes para sustentar a sua deslocação ao Estoril e o pagamento do bilhete do jogo a que assistiu, satisfazendo uma necessidade não básica, possa ser inferior à taxa diária de € 6, a que foi sentenciado. 

Como derradeira questão posta no recurso, manifesta o recorrente que, atenta a idade do recorrente, o tipo de crime em causa e a eventual condenação, não se deve proceder à transição para o registo criminal do crime em causa.
A concreta questão mostra-se posta apenas nesta sede recursiva.
A sentença recorrida determina a respectiva transcrição como uma decorrência da própria condenação proferida e tal como impõe a lei processual penal – art.º 374º n.º 2 al. d) CPP –, nunca tendo sido solicitada essa não transcrição ao tribunal recorrido.
Como tal, a questão agora posta em sede de recurso tem a característica de questão nova e, nessa medida, não pode ser apreciada.
Se o arguido/condenado pretende que essa transcrição não figure no registo criminal terá de fazer tal solicitação, em primeiro lugar, ao tribunal da condenação e, caso não obtenha deferimento dessa pretensão e com o mesmo não se conforme, só então se abrirá a via do recurso.
Nestes termos não se conhece desta questão. 

III
Em face do exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido L. , confirmando a sentença recorrida na íntegra.
Custas a cargo do recorrente fixando-se a taxa de justiça em 5 UC.

Lisboa, 18 de Dezembro de 2018.