Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
13/19.9PJVFX.L1-5
Relator: LUÍS GOMINHO
Descritores: RECUSA DE JUÍZ
ESCUTAS TELEFÓNICAS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/05/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECUSA DE JUIZ
Decisão: CONCEDIDA
Sumário: I - À luz do preceituado no art. 43.º, n.ºs 1 e 2 do Código Processo Penal, na sua versão anterior à Lei n.º 94/20021, de 21 de Dezembro, embora a circunstância de a Mm.ª Juíza a quem cumprirá efectivar o respectivo julgamento ter aplicado ao Arguido, em sede do seu primeiro interrogatório a medida de coacção de apresentações periódicas, não justifique por si só a respectiva recusa, quando combinada com aquela outra de, no decurso do inquérito, ter determinado diversas intercepções telefónicas, cujo conteúdo durante o período aproximado de seis meses foi tomando conhecimento, seja para as validar, seja para as prorrogar, seja para consignar as que importa transcrever, seja ainda para determinar outras diligências de natureza jurisdicional, tais como a realização de “trace-back” e localização celular de comunicações áudio, SMS, MMS, fax e roaming efectuadas pelo Arguido, compõem uma situação qualitativamente diversa, para mais quando a acusação formulada expressamente convoca várias dessas intercepções.
II - Neste contexto plural, já se podem legitimar dúvidas aos olhos de terceiros e do próprio Arguido (mormente num cenário da sua condenação futura), sobre a total isenção da Senhora Juíza para julgar do mérito da causa, que a realização da Justiça importa que sejam dissipadas.
III – Em face do preceituado no art. 40.º, n.º 1, al. a), do Código Processo Penal, na decorrência da entrada em vigor da Lei supra mencionada, tal solução mostra-se inquestionável, pois que no âmbito do art. 268.º, n.º 1, daquele primeiro Diploma cabem a realização de primeiro interrogatório do arguido detido (al. a), e a aplicação de qualquer medida de coacção ou garantia patrimonial à excepção do TIR (al. b), da mesma forma que no art. 269.º, n.º1, se inclui a intercepção, gravação ou registo de comunicações nos termos dos art.ºs 187.º e 189.º (cfr. al. e). (Sumariado pelo relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção Criminal (5.ª) da Relação de Lisboa:

I - Relatório:
I - 1.) Nos presentes autos a correr termos no Juízo Local Criminal de Vila Franca de Xira (Juiz 3), o arguido MW , com os demais sinais, nos termos e para os fins do art. 43.º a 45.º do Cód. Proc. Penal, veio a fls. 463 a 473 verso, requerer a recusa na continuação da intervenção da Mm.ª Juíza Dr.ª CB  nos presentes autos, maxime tendo em vista a realização do respectivo julgamento, que já esteve agendado, alegando para o efeito, resumidamente, que:
- Na sequência do seu 1.º interrogatório enquanto detido, aquela Senhora Magistrada, nas suas funções de Juíza de Instrução Criminal, não só validou essa situação, as buscas e as apreensões realizadas, como também, aplicou-lhe (para além do TIR prestado), a medida coactiva de apresentação periódica.
Sendo que tal aplicação, implicou “um aturado labor na apreciação da indiciação contra o Arguido, mormente, os elementos de prova já colhidos e plasmados nos autos bem como o resultante do 1.º Interrogatório judicial de arguido detido, estabelecendo conexões entre os elementos de prova e extraindo conclusões prévias e preliminares, num processo de formação íntima de convicção que cabe ao julgador”.
- Deferiu igualmente a aplicação no mesmo do segredo de justiça, a autorização de realização e prorrogação em momentos diversos e sucessivos, de intercepções telefónicas, tomando conhecimento do seu conteúdo, procedendo à sua posterior validação e seleccionado, pela sua relevância, as a transcrever, bem como determinou a recolha de imagens e som de eventuais actos de compra, venda, cedência e consumo de estupefacientes levados a cabo pelo Requerente, e sua continuação, da mesma forma que a realização de “trace-back” e localização celular de comunicações áudio, SMS, MMS, fax e roaming por aquele efectuadas.
Ou seja, “esteve imersa no objecto do processo em grau bastante para formação de uma pré-convicção”, “teve evidente e substancial intervenção nos autos na fase de inquérito”, “a acusação deduzida pelo M.º P.º contra o Arguido sustenta-se e indica como prova aquela que colheu através dos despachos proferidos pela Mm.ª JIC, e que de outro modo não lograria”.
Não estará em causa uma qualquer incidência de natureza pessoal em relação à Senhora Juíza.
Mas, tão-somente, o entendimento fundado em aresto do Supremo Tribunal de Justiça que cita, de que a situação objectiva autoriza a suspeita da sua imparcialidade em função da posição da mesma em relação ao caso concreto ou (ao referido) interveniente processual, em termos de existir um risco real de não reconhecimento público da sua imparcialidade.
Ao que sustenta, as circunstâncias acima enunciadas seriam adequadas e bastantes para o efeito, para além do que, a Lei n.º 94/2021, de 21/12, no seu art. 40.º, n.º1, al. a), passou a considerar como impedimento em intervir a julgamento, a circunstância do juiz ter “praticado, ordenado ou autorizado acto previsto no n.º 1 do artigo 268.º ou no n.º 1 do artigo 269.º”.
I - 2.) A Sr.ª Juíza visada, pronunciando-se nos termos do art. 45.º, n.º 3, não deixou de confirmar a sua participação nos actos indicados pelo Requerente.
Embora convindo, numa “leitura apriorística”, pela existência de eventual impedimento na perspectiva da Lei n.º 94/2001, certo é que a mesma, ao momento em que está a elucidar a sua posição, ainda não entrou em vigor.
Sendo que a “prática judiciária tem demonstrado à saciedade que situações como a dos autos ocorreram bastas vezes, em particular em Tribunais com apenas 1 juiz, sem que alguma vez a imparcialidade do mesmo ou a forma como o mesmo aprecia a prova tenha sido posta em causa, ou esteja em causa.”
Pelo que concluiu pela falta de fundamento para o incidente deduzido.
II - Subidos os autos a este Tribunal, a Exm.ª Sr.ª Procuradora-Geral Adjunta, embora propendendo a conceder deferimento à pretensão do Arguido, quanto à possibilidade da comunidade e demais sujeitos processuais se interrogarem quanto aos juízos de prejudicialidade transportados duma fase para outra dos presentes autos, em face da entrada em vigor da Lei n.º 94/2021, de 21/12, defendeu que fosse devolvida à Mm.ª Juíza a possibilidade de decidir, de acordo com o novo regime de impedimentos.
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Foi entendido não haver necessidade de se proceder a quaisquer diligências de prova tendo em vista a decisão a proferir.
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A tanto se passa.
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Seguiram-se os vistos legais.
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Teve lugar a conferência.
III – 3.1.) No que concerne à sugestão deixada formulada pela Exm.ª Sr.ª Procuradora-Geral Adjunta na parte final do seu douto Parecer, ainda que naturalmente se conceda que a entrada em vigor da mencionada Lei n.º 94/20021, de 21/12, possa introduzir uma conformação inovadora no quadro normativo que preside à resolução da questão suscitada, somos em entender que tendo a Mm.ª Juíza a quo assumido já a sua posição no momento e condicionalismo processual adequado, será a esta Relação que importará extrair as eventuais consequências da referida novação legislativa, tanto mais que, não fica excluída (pelo menos em abstracto), a possibilidade da pretensão do Arguido se poder validar à luz do regime anterior.
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De harmonia com o preceituado no art. 43.º, n.º 1, do Cód. Proc. Penal, “a intervenção de um juiz no processo pode ser recusada quando correr o risco de ser considerada suspeita, por existir motivo, sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade.” 
Já de forma mais objectiva se determina no respectivo n.º 2 “que pode constituir fundamento de recusa (…) a intervenção do juiz noutro processo ou em fases anteriores do mesmo processo fora dos casos do artigo 40.º”.
Será esta, julgamo-lo, a perspectiva emprestada pelo Requerente no seu pedido de recusa, uma vez que na redacção deste preceito coeva à sua apresentação, nenhum dos actos acima indicados se mostrava incluído como impedimento decorrente de participação em processo.
III – 3.2.) Como é sabido, as recusas, do mesmo modo que as escusas, são institutos processuais cuja finalidade última é garantir objectivamente a imparcialidade da jurisdição e concomitantemente assegurar a confiança da comunidade em relação à administração da Justiça.
No domínio do Código de Processo Penal de 1929, os motivos que podiam gerar a suspeição do juiz (cfr. Germano Marques da Silva – Curso de Processo Penal, Editorial Verbo, 3.ª Ed., Vol. I, pág.ªs 202/3) e que integravam os diversos números do então art. 112.º, estavam sempre reconduzidos “a relações de parentesco, de interesse ou de inimizade que ligassem o juiz ou os seus parentes ao assistente, ao ofendido ou ao arguido”.
Perante a formulação mais fluida hoje em vigor, numa tentativa de definição exemplificativa das situações compreendidas no mencionado art. 43.º, n.º1, entende aquele Professor, que entre as causas passíveis de gerar desconfiança sobre a imparcialidade dos juízes estão “as atitudes dos magistrados reveladoras de prejuízos sobre a culpabilidade do arguido, quer sejam manifestadas nos actos do procedimento, quer à sua margem, e bem assim as manifestações de inimizade ou desconsideração por parte do juiz relativamente a qualquer dos sujeitos processuais ou seus advogados.”
Debruçando-se sobre o conceito de imparcialidade, no fundo aquele que o Requerente aqui pretende evidenciar na sua articulação com os invocados pré-juízos, o douto acórdão do STJ de 29 de Março de 2006 (publicado na CJ (STJ) Ano XIV, Tomo I, pág.ª 220), teve a oportunidade de enunciar a seguinte afirmação doutrinal:
A imparcialidade do juiz e do tribunal (…), não se apresenta sob uma noção unitária. As diferentes perspectivas, vistas do exterior, do lado dos destinatários titulares do direito ao tribunal imparcial, reflectem dois modos, diversos mas complementares, de consideração e compreensão da imparcialidade: a imparcialidade subjectiva e a imparcialidade objectiva.
Na perspectiva ou aproximação subjectiva ao conceito, a imparcialidade tem a ver com a posição pessoal do juiz, e pressupõe a determinação ou a demonstração sobre aquilo que um juiz, que integre o tribunal, pensa no seu foro íntimo perante um certo dado ou circunstância, e se guarda, em si, qualquer motivo para favorecer ou desfavorecer um interessado na decisão. A aproximação subjectiva, por princípio, impõe que existam provas que permitam demonstrar ou indiciar relevantemente uma tal predisposição, e, por isso, a imparcialidade subjectiva presume-se até prova em contrário. Neste aspecto, a função dos impedimentos constitui um modo cautelar de garantia da imparcialidade subjectiva.
Mas a dimensão subjectiva não basta à afirmação da garantia. Releva, também, e cada vez mais com acrescido reforço, uma perspectiva objectiva, que é consequencial à intervenção no direito processual, com o suporte de um direito fundamental, de um conceito que não era, por tradição, muito chegado à cultura jurídica continental: a aparência, que é traduzida no adágio “justice must not only be done it must also be seen do be done”, que releva as exigências impostas por uma sensibilidade acrescida dos cidadãos às garantias de uma boa justiça.”
III - 3.3.) A lei não define nem caracteriza a seriedade e a gravidade dos motivos que podem fundamentar aquela desconfiança.
Em todo o caso, fazendo uso da abundante Jurisprudência recompilada no douto acórdão da Relação do Porto de 08/02/2012, no processo n.º 1402/07.7TASTS-G.P1, em que foi Relatora, a Mm.ª Desembargadora Maria Leonor Esteves, poderíamos dizer que:
 “O motivo sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a imparcialidade do julgador, há-de resultar de objectiva justificação, avaliando as circunstâncias invocadas pelo requerente, não pelo convencimento subjectivo deste, mas pela valoração objectiva das mesmas circunstâncias, a partir do senso e experiência comuns, conforme o juízo de cidadão de formação média da comunidade em que se insere o julgador; o que importa é, pois, determinar se um cidadão médio, representativo da comunidade pode, fundadamente, suspeitar que o juiz influenciado pelo facto invocado, deixe de ser imparcial e injustificadamente o prejudique” - (cfr. Ac. RE 5/12/00, C.J., ano XXV, T. 5, pág.ª 286).
“Motivo “sério”, na acepção que lhe é conferida maioritariamente, configura um estado de empenho, brio, dedicação relativamente a qualquer assunto ou situação da vida real e que transmite uma ideia de rigor e sentido de arrimo aos valores de probidade e honestidade com que aborda e assume uma tarefa que lhe conferida. Extrapolando deste conceito para o fundamento legal estabelecido no art. 43.º do CPP poder-se-á dizer que existe motivo sério para que uma parte requeira a recusa de intervenção de um juiz quando este deixe de estar ornado com aqueles atributos de imparcialidade, rigor, isenção, probidade intelectual e cívica e sentido de justiça que devem exornar e vestir o julgador no seu munus jurisdicional. (…) não basta um qualquer motivo que impressione subjectivamente o destinatário da decisão relativamente ao risco da existência de algum prejuízo ou preconceito que possa ser tomado contra si, mas, antes, que o motivo invocado tem de ser de tal modo relevante que, objectivamente, pelo lado não apenas do destinatário da decisão, mas também de um homem médio, possa ser entendido como susceptível de afectar, na aparência, a garantia da boa justiça, por poder ser visto externamente «encarado com desconfiança», na expressão do pedido) e ser adequado a afectar (gerar desconfiança) sobre a imparcialidade” - cfr. Ac. RC 25/3/07, proc. n.º 134/07.0YRCBR.
“Os actos geradores de desconfiança sobre a imparcialidade do Juiz hão-de ser de tal modo suspeitos que a generalidade da opinião pública sinta - fundadamente - que o juiz em causa (...) está tomado de preconceito relativamente à decisão final; enfim, de algum modo, antecipou o sentido do julgamento, já tomou partido. A gravidade e seriedade do motivo de que fala a lei - art. 43°, n°1 do CPP - hão-de ser aferidas em função dos interesses colectivos, mormente do bom funcionamento das instituições em geral e da justiça em particular, não bastando que uma avaliação pessoal de quem quer que seja, nomeadamente do arguido, o leve a não confiar na actuação concreta do magistrado” cfr. Ac. STJ 25/10/01, proc. n.º 2452/01 - 5.ª, http://www.cidadevirtual.pt/stj/jurisp/bol54crime.html.
Sobre essa mesma aferição, tenha-se em conta ainda o que se menciona no acórdão da Relação de Coimbra de 09/02/2011, no processo 19/11.6YRCBR, que para o efeito convoca a Doutrina do acórdão do STJ de 13/04/2005, no processo 05P1138):
“O motivo sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a imparcialidade do julgador, há-de resultar da valoração objectiva das concretas circunstâncias invocadas, a partir do senso e experiência do homem médio pressuposto pelo direito. «A gravidade e a seriedade do motivo hão-de revelar-se, assim, por modo prospectivo e externo, e de tal sorte que um interessado - ou, mais rigorosamente, um homem médio colocado na posição do destinatário da decisão - possa razoavelmente pensar que a massa crítica das posições relativas do magistrado e da conformação concreta da situação, vista pelo lado do processo (intervenções anteriores), ou pelo lado dos sujeitos (relação de proximidade, quer de estreita confiança com interessados na decisão), seja de molde a suscitar dúvidas ou apreensões quanto à existência de algum prejuízo ou preconceito do juiz sobre a matéria da causa ou sobre a posição do destinatário da decisão».
Seja como for, atendendo à estreita conexão entre os motivos da recusa solicitada e a prática dos actos processuais indicados por parte da Mm.ª Juíza, importa ter presente que a conclusão que haja de se extrair nesta matéria terá que revestir sempre alguma exigência.
Porquê?
Porque “só deve ser deferida escusa ou recusado o juiz natural quando se verifiquem circunstâncias muito rígidas e bem definidas, tidas por sérias, graves e irrefutavelmente denunciadoras de que ele deixou de oferecer garantias de imparcialidade e isenção” (acórdão do STJ de 10/07/08, no processo n.º 08P2299).
É o que decorre não só da dupla qualificação do motivo exigido por Lei, como também por do uso indevido do respectivo instituto, poder “resultar a lesão do princípio constitucional do juiz natural, ao afastar o juiz por qualquer motivo fútil, devendo levar-se em conta que o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem tem entendido que a imparcialidade se presume até prova em contrário.”
III - 3.4.) A versão agora tornada anterior do art. 40.º do Cód. Proc. Penal, como é sabido, apenas reconhecia impedimento por participação em processo, mormente em sede de medidas de coacção (as demais hipóteses aí contempladas não se verificam na presente situação), pela aplicação da proibição e imposição de condutas, obrigação de permanência na habitação e logicamente, prisão preventiva.
O que não é o caso.
Do nosso ponto de vista, tendo por base apenas a determinação da referida medida de apresentações, a recusa peticionada não se legitimará.
Não só porque tal medida não impõe a existência de “fortes indícios”, mas somente a “indiciação suficiente” dos factos mencionados no requerimento de aplicação, porque também, em bom rigor, estamos perante uma situação confinada à realização de uma busca e suas vicissitudes, decorrentes de uma prova predominantemente “documental” - auto de notícia, de busca, teste rápido, fotogramas e CRC.
Onde a situação se torna mais complexa, é quando a essa intervenção se soma a determinação de diversas intercepções telefónicas, cujo conteúdo a Senhora Juíza vai tomando conhecimento, seja para as validar, seja para consignar as que importa transcrever, seja para as prorrogar, seja ainda para determinar outras diligências de competência judicial complementar, como a realização de “trace-back” e localização celular de comunicações áudio, SMS, MMS, fax e roaming efectuadas pelo Arguido.
E não estamos a falar de actos isolados, mas reiterados.
Sendo que a acusação pública formulada, ainda que convoque também os depoimentos de dois dos apontados compradores, não deixará de fazer apelo na sua narração factual (pelo menos em parte), como depois, para a sua evidenciação probatória, a alguns dos “produtos” daquelas escutas telefónicas.
Ora porque a validação daquelas escutas impuseram a sua audição, acompanhamento e selecção das por si consideradas relevantes, mormente para a descoberta da verdade, para mais durante uma dilação temporal ainda significativa (de Maio a Novembro de 2019), a combinação de toda estas participações já compõe um cenário de uma intervenção significativa ao nível da investigação realizada, susceptível de objectivamente poder legitimar aos olhos de terceiros e bem assim aos do Arguido, a sua eventual menor independência.
Não que, obviamente, se autorize afirmar que a Mm.ª Juíza possa estar tomada de preconceito relativamente à decisão final, que de algum modo já antecipou o sentido do julgamento, ou que não será capaz de manter a sua isenção, sem prejuízo da actividade processual que exerceu.
Mas como acima se deixa aludido, essa “sombra”, mormente aos olhos do Arguido poderá ocorrer, maxime, na hipótese de uma sua condenação futura, e nesse cenário, há toda a conveniência para a realização da Justiça que tais dúvidas fiquem desde já dissipadas.
III - 3.5.) Seja como for, a entrada em vigor no passado dia 21 de Março da mencionada Lei n.º 94/2021, de 21/12, veio a estabelecer no seu art. 40.º, n.º 1, al. a), o impedimento do juiz em intervir em julgamento, quando tiver “praticado, ordenado ou autorizado acto previsto no n.º 1 do artigo 268.º ou no n.º 1 do artigo 269.º”.
Tal disposição é de aplicação imediata, pois não vemos que importe agravamento sensível da situação processual do arguido, ou quebra de harmonia e unidade dos diversos actos do processo (cfr. art. 5.º do Cód. Proc. Penal).
Ora no referido art. 268.º, n.º 1, cabe a realização de primeiro interrogatório do arguido detido (al. a), como também a aplicação de qualquer medida de coacção ou garantia patrimonial à excepção do TIR (al. b).
Da mesma forma que no art. 269.º, n.º1, se inclui a intercepção, gravação ou registo de comunicações nos termos dos art.ºs 187.º e 189.º (cfr. al. e).
Pelo que se impõe conceder na recusa peticionada.

IV – Decisão:
Nos termos e com os fundamentos indicados, acordam pois os Juízes desta 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa em conceder a recusa da Meritíssima Juíza Dr.ª CB para intervir nos presentes autos, designadamente, no seu julgamento.

Lisboa, 05-04-2022
Luís Gominho
Vieira Lamim

Elaborado em computador. Revisto pelo relator o 1.º signatário