Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
4179/16.1T8LSB-A.L1-6
Relator: ANABELA CALAFATE
Descritores: VENDA DE BENS ALHEIOS
ABUSO DE DIREITO
INEFICÁCIA
EMBARGOS DE TERCEIRO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/19/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I Visando o art. 334º do Código Civil proteger quem está de boa fé, não merece protecção ao abrigo do instituto do abuso do direito quem decide colocar à venda, sem autorização do proprietário, um veículo que sabe não lhe pertencer.

II A nulidade da venda de bens alheios reporta-se apenas às relações entre o vendedor e o comprador, pois em relação ao proprietário, a consequência é a ineficácia desse negócio.

III O art. 291º do Código Civil não se aplica às situações de simples ineficácia, como é o caso da venda de coisa alheia.

IV A posse de um bem obtida ao abrigo de um contrato de compra e venda de bem alheio não é oponível ao proprietário.

V Assim, não podem proceder os embargos de terceiro deduzidos com fundamento na ofensa dessa posse.

SUMÁRIO: (da responsabilidade da relatora)

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 6ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.


IRelatório:


Gonçalves Mendes & Filhos, Construção Civil Lda deduziu embargos de terceiro em 19/06/2016 por apenso ao procedimento cautelar de apreensão de veículo instaurado por Deutshe Bank - Sucursal em Portugal contra HR, requerendo que seja ordenado o cancelamento do pedido de apreensão do veículo XXX e a transferência da propriedade para a embargante.

Alegou, em síntese:
- após contactos telefónicos com HR e JL, este último legal representante da COVIATOP, Comércio de Automóveis Lda, tomou a embargante conhecimento de que foi ordenada a apreensão do veículo  XXX;
- sucede que a embargante é proprietária desse veículo porque o comprou à COVIATOP, Comércio de Automóveis Lda pelo preço de 34.000 € - pago através da entrega de um veículo da embargante e da quantia de 22.000 €-, tendo tomado posse dele em 19/09/2014, passando a usá-lo diariamente no exercício da sua actividade comercial;
- posse essa pública, pacífica e de boa fé e com a convicção de ser a legítima proprietária.
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Apenas contestou Deutshe Bank - Aktiengesellschaft - Sucursal em Portugal, que impugnou todos os factos alegados pela embargante e pugnou pela improcedência dos embargos e pela apreensão do veículo.
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Em 29/11/2016 foi proferido o seguinte despacho:
«A embargante veio a fls. 166 e seguintes responder à documentação apresentada pelo R/embargado tendo no entanto extravasado esta oportunidade legal ao longo de um extenso articulado onde conclui. Até, por um novo pedido.
Ora, nos termos legais, o Tribunal apenas aceita a resposta da A/embargante quanto à documentação apresentada na contestação e nada mais, sendo certo que o pedido nos Embargos de terceiro está legalmente previsto e respeita à propriedade e posse que aqui se pretende defender e nada mais, pelo que tudo o que resulta em excesso e completamente extemporâneo, da resposta da A/embargante, tem-se por não escrito.».
Seguidamente foi identificado o objecto do litígio e foram enunciados os termas da prova.
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Realizada a audiência final, foi proferida sentença que julgou improcedentes os embargos, determinou o levantamento da suspensão da apreensão da viatura e a sua apreensão como ordenado no procedimento cautelar.
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Inconformada, apelou a embargante, terminando a alegação com prolixas e repetitivas conclusões em que suscita as seguintes questões:
1. O embargado e requerido HR, regularmente notificado, não
deduziu contestação, assim devendo ser tido pelo tribunal a quo como confessados os factos alegados pela requerente na sua acção.
2. Ora na sentença o tribunal a quo não valorou a confissão dos factos pelo embargado/requerido HR para a decisão a proferir quanto à factualidade provada e não provada, designadamente quanto a este embargado.
3. Efectivamente o tribunal a quo tem que retirar a consequência da não contestação, pelo embargado HR, dos factos alegados na petição inicial, valorando-a como confissão de todos os factos alegados pela requerente.
4. Tal omissão na sentença determina, desde logo, a nulidade da sentença em crise e a substituição por outra que pondere e valore toda a factualidade alegada pela requerente na acção e provada, por confissão do embargado e requerido.
5. Assim, a embargante provou o direito que alega nos termos do disposto no art. 342º do Código Civil.
6. Além da confissão, os factos foram também corroborados na demonstração e prova documental – vd requerimentos de 19.05.2016 e de 30.05.2016 - e bem assim, alicerçados na prova testemunhal conforme os depoimentos das testemunhas IM, sócia da sociedade embargante e ora recorrente, L...G..., empresário de Ourém, que também conhecia o modo de operar e de vendas da “Coviatop”, legal representante da marca Mercedes em Leiria e o TOC AS
7. Por outro lado, no que concerne à prova documental produzida e careada para os autos pela embargante, para prova da propriedade mas também da posse, gozo, uso e fruição da viatura “JB”, pela embargante, desde Setembro de 2014, designadamente: “Proposta de Compra e venda” datada de 19.09.2014 em modelo impresso em nome de “COVIATOP – Comércio de Automóveis Ldª”, DECLARAÇÃO da “COVIATOP – Comércio de Automóveis Ldª”, datada de 18 de Setembro de 2014, Inspecção Técnica Periódica; Apólice de seguro automóvel “TTT” da Allianz Companhia de Seguros, Carta verde da Apólice de seguro automóvel “RRRR” da “Allianz - Companhia de Seguros”, “Declaração amigável de acidente automóvel” em Coimbra em 14 de Janeiro de 2015, Factura de serviços da MIDAS em nome da embargante, Factura de serviços em nome da embargante referente à colocação de “lâmpada Xenon”, Recibos da Allianz Companhia de Seguros, do pagamento da apólice de seguro automóvel, comprovativo do levantamento de numerário e pagamento do preço ao legal representante da “Coviatop – Comércio de Automóveis Ldª.
8. O tribunal a quo errou ao julgar como não provado que “a embargante tem, assim, a posse pública, pacífica e de boa fé do veículo matrícula XXX desde a indicada data de Setembro de 2014, sendo o mesmo indispensável ao giros comercial da embargante.”.
9. O tribunal a quo decidiu mais decidiu em contradição com a factualidade que deu como provada nos factos e), f), h), i), j), q), t), u), v), x), Z, aa) e bb).
10. Resulta, ademais, demonstrado na prova documental que foi por causa do veiculo “JB” estar na posse e gozo da embargante/recorrente, desde Agosto ou Setembro de 2014, e por a embargante o ter adquirido e pago o preço – vd factos provados l, m, n, o, p da sentença - que a embargante apresentou e deduziu, fiscalmente, as despesas de circulação, reparação, manutenção que suportou com o mesmo e apresentou na sua contabilidade
– vd factos provados h), i) j), t), u) v) x) z) aa) da sentença -; tal como, também com força probatória, apresentou queixa junto da PSP de Coimbra por danos causados no veiculo “JB” enquanto circulava com o mesmo, em Coimbra, sede social da embargante – vd facto provado bb) da sentença.
11. Como demonstra a prova documental produzida pela embargante,o “Stand” fez constar da “Declaração” de circulação,
emitida a 18 de Setembro de 2014, que: “Os documentos não acompanham a viatura em virtude de se encontrarem na Conservatória de Registo Automóvel, a fim de serem devidamente averbados para nome do actual proprietário.” – cfr doc 3 junto com a p.i o qual corrobora as declarações da testemunha IM e os factos alegados pela embargante elencados de a) a f) na sentença, na parte “III – os factos” dados como provados.
12. Devem ser dados como não provados os factos alegados nos pontos cc) a tt) dos factos provados, quer pelo seu desconhecimento e por serem alheios à Embargante, que não foi interveniente dos mesmos, não sendo do seu conhecimento pessoal (os art. 1º, 2º, 3º, 4º, 5º, 6º, 7º, 8.º, 9.º, 10,º, 11º, 12.º, 13.º, 14.º, 15º, 16.º da contestação), quer atenta a impugnação pela embargante da prova documental carreada pela embargada, aliás tal como foi admitido o contraditório por douto despacho saneador, mais devendo ser o facto rr) provado ser tido por não provado porquanto conclusivo, não tendo a embargada logrado provar os factos ss) e tt) da sentença em crise, já que sabia desde pelo menos Agosto/Setembro de 2014 que a Coviatop e o embargado HM tinham colocado a viatura à venda e que estes negociavam a cedência e venda da viatura JB a terceiros, estando a aguardar o pagamento das rendas ditas em dívida pelo embargado HM, nada tendo feito consequentemente para impedir e obstaculizar a venda do veiculo JB à ora Embargante.
13. Com erro notório na apreciação das provas o tribunal a quo fez tábua rasa das declarações da testemunha da embargada, JM, quanto ao conhecimento que a embargada tinha já em Setembro de 2014 sobre a colocação do veículo à venda pelo embargado Henrique Rosa.
14. Consequentemente deve ser alterado para não provado o que consta como provado nas alíneas ss) e tt).
15. A embargada permitiu a colocação à venda pelo embargado HRe, consequentemente, a venda do veiculo JB num STAND “a terceiros” pois o que pretendia verdadeiramente era apenas que “o cliente regularizasse a situação”, pelo que “deram o beneficio da dúvida”, inclusive aceitando e autorizando, pelo menos tacitamente.
16. Assim, é manifesto que a Embargada, actua nos autos com manifesta e despudorada litigância de má fé e abuso de direito, como infra melhor se
Evidenciará.
17. Acresce ainda que, do cotejo da documentação junta pela embargada aos autos, resulta manifestamente que o contrato de locação financeira imobiliária nº 850011419, outorgado em 28.01.2011 foi celebrado com a sociedade “ORBISRELEVO – Unipesoal ldª (doravante locatário)”, sendo legal representante SR, tendo sido a fornecedora do equipamento (Mercedes Benz E 220 CDI, matricula XXXXX) a firma “COVIATOP II – Assistência de Automóveis Ldª” – vd cláusulas 1 e 3 do contrato de locação financeira (doc 1 da contestação), a mesma empresa reputada credível e idónea pela embargada que vendeu o veiculo JB à embargante em Setembro de 2014.
18. Tendo, consequentemente, também a Embargada, boas relações de confiança com o aludido fornecedor e uma relação comercial habitual e permanente com a dita “COVIATOP II – Assistência de Automóveis Ldª ” de Leiria – vd doc 1 e 4 da contestação.
19. Efectivamente, como resulta da prova documental carreada pela Embargada, foi a mesma empresa “COVIATOP II – Assistência de Automóveis Ldª ” de Leiria que forneceu o equipamento para a outorga dos “contratos de locação financeira” da embargada que mediou e procedeu à venda do aludido veículo Mercedes Benz E220 matricula XXX à sociedade embargante.
20. Ora, como entendemos resulta cristalino do depoimento da testemunha JM, a embargada não desconhecia que o veiculo XXX tinha sido colocado à venda pelo embargado “NUM STAND” em 09.2014, como também não desconhecia, como lhe foi comunicado por escrito pelo menos “em 15 de Dezembro de 2015” que um “terceiro” o adquiriu, por assim ter sido informada, no âmbito das comunicações que mantinha com o embargado, que disso lhe dava conta pessoal e directamente.
21. Também como declarou a Embargante (em coerência aliás com o depoimento da testemunha da embargada JM em julgamento), só após “Outubro de 2014” a embargante teve conhecimento que afinal o requerido estava a diligenciar pelo pagamento do valor residual e das prestações em falta pelo locatário junto da embargada, que acto contínuo lhe entregaria os documentos para o registo da venda do veiculo, devendo a embargante “aguardar”, o que fez – vd factos provados q), r) e s) da sentença.
22. Neste sentido, resulta manifesto das comunicações alegadamente remetidas pela embargada – doc 6 a 17 da contestação – serem as mesmas posteriores a “19 de Setembro de 2014”, data em que a COVIATOP II Ldª procedeu à venda da dita viatura XXX à embargante – vd doc 2, 3 e 4 da p.i
23. Ora, resulta do doc 2 da contestação dito de contrato de “cessão da posição contratual do contrato de locação financeira nº 850011419” que a posição do locatário titulada por ORBISRELEVO – Unipessoal Ldª foi cedida a HR, cessionário, que assumiu para todos os efeitos no contrato nº “850011419” a posição contratual do locatário, tendo também o cessionário garantido o pagamento integral das obrigações assumidas com a ora embargante através da entrega de “livrança em branco subscrita pelo cessionário e avalizada pela cônjuge “ – vd cláusula 5ª do doc 2 da contestação – que a embargante desconhece se foi accionada, constituindo contudo a mesma titulo executivo contra os titulares do contrato.
24. Em 11.02.2014, em aditamento ao contrato de locação financeira nº 850011419, celebrado entre a embargada (locador),
o cessionário (locatário) e a avalista, SR, é feito constar nos considerandos prévios à celebração de tal aditamento que a avalista é “outorgante do contrato de locação financeira mobiliária com o nº 850011419”, o que, desde logo, constitui um erro manifesto – vd doc 2 e 3 juntos com a contestação – pois SR não assinou, nem teve qualquer intervenção no dito contrato de cessão da posição contratual, não sendo, consequentemente, outorgante no mesmo contrato de “cessão de posição contratual”.
25. Efectivamente, a dita “SR” limitou-se a avalizar uma livrança entregue “em branco subscrita cessionário” HR – vd clausula 5ª do doc 2 da contestação.
26. Destarte, no aditamento ao contrato de locação financeira de 11.02.2014 não é feita a menção à identificação pessoal ou à morada da dita “avalista” – vd doc 3 da contestação – pelo que vai o mesmo impugnado quanto ao seu teor, validade e valor probatório.
27. Por sua vez, no aditamento de 11.02.2014, no que concerne à livrança e à qualidade de “SR” é dito que se “mantém igualmente em pleno vigor e eficácia a livrança subscrita e avalizada, a qual continua a cobrir a totalidade das responsabilidades que para o cliente emergem do contrato e do presente aditamento” – vd cláusula 4ª do doc 3 -, nada nada mais se podendo extrair quanto à intervenção da aludida SR além de “avalista” de uma livrança no âmbito de um contrato de “cessão de posição contratual” que não outorgou, nem teve conhecimento.
28. Ora, em tal aditamento ao contrato de locação financeira acordaram a
embargada e o cessionário/locatário a prorrogação ou extensão do prazo do contrato “com início em 28 de Janeiro de 2011 (data de vencimento da 1ª renda) e o seu termo em 28 de Dezembro de 2017” – vd cláusula 1 a) – e “a alteração das condições particulares com a designação indexação” – vd cláusula 1 b) do doc 3 - mantendo o “cliente” HR na posição de cessionário/locatário.
29. Sucede que, à data de 28.10.2014, o valor em dívida pelo cessionário/locatário era de 300,90€ - vd doc 5 da contestação – sendo, assim, o extracto de conta do locatário junto como doc 5 da contestação é assim contraditório com o teor das “comunicações” juntas como doc 6 a 17 da contestação, não tendo os montantes alegadamente em dívida nas mesmas qualquer correspondência com o dito extracto.
30. Donde, é manifesta a má fé da embargada que após saber em “Setembro de 2014” que o embargado colocou o veiculo JB à venda “NUM STAND”, procede apenas ao envio das “comunicações” constantes dos doc 6 a 17 da contestação, sendo a primeira comunicação datada de “1 de outubro de 2014” destinadas apenas a informar e comunicar o valor “da mora” – nada fazendo, nem obstaculizando a comunicada “venda num STAND” na verdade apenas ficando a aguardar que o embargado ou o “STAND” regularizassem o valor em divida.
31. Assim, com tal conduta da embargada, permitiu que o veiculo JB fosse vendido a terceiro, como efectivamente foi, e a embargada disso teve conhecimento, pelo menos, em “15 de dezembro de 2015”!
32. A conduta da embargada após o conhecimento do veículo ter sido colocado à venda junto de um “Stand” em Setembro de 2014, de alegada “resolução do contrato de locação financeira” decorrido um ano desse conhecimento, configura abuso de direito.
33. Acresce que, bem sabe a embargada que o contrato de locação financeira junto como doc 1 da contestação e seu aditamento contém clausulas NULAS, designadamente a cláusula 17.3, 17.4 alínea c) e 17.5 – pelo que se impugna.
34. Efectivamente, como vem decidindo a jurisprudência, em caso de resolução com fundamento em incumprimento definitivo do locatário o locador não tem o direito de receber uma indemnização pelo incumprimento do locatário correspondente “a 20% do valor da soma das rendas vincendas e do valor residual” (cláusula 17.4 alínea c) do doc 1) ou a fazer suas, “em alternativa ao disposto no número anterior, (…) o cumprimento de todas as obrigações perante si assumidas pelo Locatário, ainda que não vencidas,” (cláusula 17.5 do doc 1),
35. Tudo sob pena de tal “pagamento” a mais de “20%” ou do “cumprimento de todas as obrigações perante si assumidas pelo locatário, ainda que não vencidas” corresponder a um valor superior ao preço acordado pela aquisição pelo Locatário do veículo.
36. Mais, tal contrato não se mostra assinado por qualquer legal representante do locador, desconhecendo a embargante quem o outorgou em nome e representação do locador.
37. A resolução do contrato pode fazer-se mediante declaração à outra parte, tratando-se, assim, de declaração receptícia (artigo 436.º,n.º1 do Código Civil), ou seja, que deve ser efectivamente recebida e conhecida pelo destinatário – vd. Acórdão da Relação de Lisboa de 9.05.2006 (in www.dgsi.pt, proc 1979/2006-7).
38. Pelo que, a clausula 17.3 do contrato ao referir que “o prazo de 10 dias referido no numero anterior é contado desde a data em que o aviso de recepção seja assinado ou, caso a carta seja devolvida, a partir do terceiro dia útil posterior ao registo” é nula e viola o Regime das Cláusulas Contratuais Gerais e a lei civil.
39. Assim, deve ser declarada a nulidade do contrato de locação financeira junto como doc 1 da contestação e doc 4 na parte em que contém clausulas NULAS, designadamente a cláusula 17.3, 17.4 alínea c) e 17.5 – as quais violam o disposto no regime jurídico das clausulas contratuais gerais previsto no DL n.º 323/2001, de 17/12 e bem assim o Código Civil.
40. Diversamente do decidido, a embargada não ignorava ou podia ignorar que a embargante era possuidora, de forma pública, pacifica e de boa fé do veiculo objecto dos autos, cujo preço de aquisição pagou e entregou ao fornecedor dos bens da embargada, a COVIATOP II, de Leiria – vd factos provados m) a q) da sentença.
41. Tal como a embargada também não ignorava nem podia ignorar que, tendo a embargante contrato de seguro activo para o aludido veículo matricula XXX há 2 anos, sucessivamente renovado desde 19.09.2014, em seu nome – factos provados h) i) j) da sentença -, a embargada, com clamorosa má fé (sabendo, pelo menos, por comunicação escrita do embargado HR de “15 de dezembro de 2015”, que o “vendeu a terceiro” e que já desde “Setembro de 2014” este o colocara à venda “NUM STAND” e que, como o embargado lhes comunicou, “o STAND iria proceder ao pagamento da viatura”), ordenou e procedeu ao cancelamento do registo de “extinção da locação” apenas em 11.02.2016 – vd doc 18 da contestação.
42. A embargante pagou o preço pela aquisição do veiculo que entregou ao fornecedor da embargada, a “COVIATOP II”, que procedeu à transmissão onerosa do bem à aqui embargante – vd factos provados h) a q) da sentença -, tendo, inclusive, entregue à Coviatop II, a título de permuta para pagamento parcial do preço da aquisição acordado, o seu veículo – facto provado c), d) e l) da sentença.
43. A embargante confiou na validade da aquisição do veículo JB, designadamente pela “grande” credibilidade comercial do stand “COVIATOP II” amplamente reputado pela “grande” credibilidade comercial.
44. Donde, atento tudo o supra vertido, foram erradamente tidos como provados os factos jj), ll), mm), nn), oo) e rr) devendo ser alterados e dados como não provados.
45. A sentença é contraditória, porquanto a factualidade dada como provada nos pontos f), g), h), i), j), t) (que por lapso refere embargada devendo ser corrigido para embargante), u), v), x), z), aa) e bb) da sentença ora recorrida) é contraditória com a factualidade tida como não provada, concretamente de que a embargante não tem a posse e não vem dispondo “desde há mais de 2 anos”, “dele se servindo para fazer face às suas deslocações diárias e permanentes, por lhe pertencer”.
46. Ora o legislador estabeleceu, no nº 2 do art.º 1252.º do C.Civil, uma presunção no sentido de que se presume a posse naquele que exerce o poder de facto, sem prejuízo do nº 2 do art.º 1257.º do mesmo diploma.
107. Assim, o Supremo Tribunal de Justiça vem decidindo, de forma pacífica, no sentido de que o detentor da coisa, ou seja o que tem o poder de facto, ou o “corpus”, está dispensado de provar que possui com intenção de agir como titular do direito real correspondente - em Acórdão de uniformização de jurisprudência de 14.05.96, publicado no DR II série, de 24.06.96.
47. Por outro lado, como vem decidindo a Jurisprudência Superior,“O contrato de compra e venda de veículo automóvel
não está sujeito a qualquer formalidade especial, produzindo-se a transferência da propriedade por mero efeito do contrato. Assim, tal contrato é válido mesmo quando celebrado verbalmente”.
48. É, portanto, entendimento da nossa Jurisprudência que “Sendo discutida, entre a locadora e um terceiro, a propriedade do bem locado – um veículo automóvel – é irrelevante, para a decisão dessa questão, o facto de haver ou não inscrição da locação financeira no serviço de registo competente; se for de concluir que a propriedade do veículo pertence a esse terceiro, a locação financeira é-lhe inoponível, não produzindo, quanto a ele, quaisquer efeitos, com registo ou sem registo.” – vd Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 16-09-2008 (in www.dgsi.pt, processo nº 08B1697)
49. Como se refere no aludido Acórdão, “O art. 291º do Cód. Civil visa assegurar a protecção de terceiro de boa fé – i.e., do terceiro adquirente que, no momento da aquisição desconhecia, sem culpa, o vício do negócio nulo – estabelecendo, para tanto, um desvio do princípio geral sobre nulidade ou anulabilidade quando em causa está a restituição de bens sujeitos a registo.”
50. Foi provado que a embargante só não logrou proceder ao registo da aquisição por causa e com culpa quer do embargado e requerido nos autos e do comerciante, quer da embargada e ora recorrida que permitiu a venda do veículo a terceiro por a ela não se opor – já que nada fez também para a isso obstar – apenas sendo sua pretensão que o embargado “regularizasse a situação” do valor em débito, fosse ele a pagar, fosse “o stand”, como declarou expressa e inequivocamente a testemunha da embargada, JM.
51. Donde, entendemos, não pode ser oposta a nulidade emergente da venda de coisa alheia à embargante/recorrente, face ao disposto no art. 291º/1 do Cód. Civil e, conjugadamente, ao instituto do abuso de direito.
52. Ao decidir como decidiu o tribunal a quo violou, além das normas supra citadas, o disposto no art. 334º do CC e o 342º do CC.
Termos em que, com o douto suprimento de Vª. Exª., deve o presente recurso ser julgado procedente e assim revogada a sentença em crise, proferindo douto Acórdão que, julgando e decidindo a nulidade do contrato de locação financeira na parte em que contem clausulas nulas e a factualidade pretendida alterar e, ainda, provado o abuso de direito da embargada e a litigância de má fé, julgue os embargos totalmente procedentes, condenando a embargada no pedido, tudo com as legais consequências.
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Contra-alegou Deutshe Bank Aktiengesellschaft - Sucursal em Portugal defendendo a confirmação do julgado e dizendo, a título de questão prévia:
«I. Por operação de fusão transfronteiriça por incorporação o Deutsche Bank Portugal, S.A. foi incorporado no DEUTSCHE BANK EUROPE GMBH, passando a operar em Portugal sob a firma DEUTSCHE BANK EUROPE GMBH - SUCURSAL EM PORTUGAL, conforme código de certidão permanente n.º 0744-3143-5358.
II. Por sua vez, o DEUTSCHE BANK EUROPE GMBH por meio de contrato de cisão e transferência cedeu ao DEUTSCHE
BANK AKTIENGESELLSCHAFT a totalidade dos seus activos e passivos, desenvolvendo a sua actividade em Portugal pela sucursal DEUTSCHE BANK AKTIENGESELLSCHAFT – SUCURSAL EM PORTUGAL, conforme certidão permanente n.º 7646-8714-3835.».
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A apelante respondeu dizendo, em resumo, que a posição até agora ocupada pelo Deutsche Bank Sucursal em Portugal carece de fundamento de facto e de direito, não podendo sequer ter-se a alegada questão prévia como uma habilitação.
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Colhidos os vistos, cumpre decidir.

II Questões a decidir
1. O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, pelo que as questões a decidir são estas:
- se a sentença recorrida é nula
- se deve ser alterada a decisão sobre a matéria de facto
- se deve ser reconhecido que a apelante é a legítima possuidora e proprietária do veículo

2. Como questão prévia: Se o Deutshe Bank Aktiengesellschaft - Sucursal em Portugal tem legitimidade para contra-alegar.

Vejamos.

A contestação a estes embargos de terceiro foi apresentada pela apelada Deutshe Bank Aktiengesellschaft - Sucursal em Portugal.

Além disso, estabelece o art. 269º do Código de Processo Civil:
«No caso de transformação ou fusão de pessoa colectiva ou sociedade, parte na causa, a instância não se suspende, apenas se efectuando, se for necessário, a substituição dos representantes.».
Portanto, a Deutshe Bank Aktiengesellschaft - Sucursal em Portugal é apelada e como tal, tem legitimidade para contra-alegar.
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IIIFundamentação
A) Na sentença recorrida vem dado como provado:
a)- A ora embargante identificou o aludido veículo como estando à venda junto da firma COVIATOP, com sede em IC2/EN1, Alto do Vieiro, 2400-822 Azóia, Leiria.
b)- Após visita ao veículo, em venda nas instalações da dita COVIATOP, empresa de Comércio de Automóveis Lda, foi o mesmo mostrado pelo vendedor Sr JM que informou o preço da venda como sendo 36.000,00 €.
A embargante permaneceu uns dias a analisar a viabilidade da aquisição, pois andava a analisar outras opções de aquisição junto da Sodicentro em Coimbra e Leiria.
c)- Foi contactada pelo gerente da COVIATOP, Comércio de Automóveis Lda, Sr JL, que se prontificou a viabilizar o negócio nas seguintes condições:
- aceitar a permuta do veículo da embargante matrícula 2...-...0-...S (Mercedes Benz) pelo montante de 12.000,00 €;
- reduzir o valor da quantia pecuniária a entregar para 22.00,00 € por forma a perfazer o valor total de aquisição de 34.000,00 €.
d)- Na data acordada de 19.09.2014, a ora embargante entregou ao legal representante da COVIATOP, Comércio de Automóveis Lda a quantia pecuniária de 2.000,00 € a título de sinal e entregou as chaves e a posse do seu veículo, matrícula 2...-...0-...S.
e)- Tendo o Sr. JL da dita COVIATOP Lda entregue as chaves do veículo de matrícula XXX conforme “proposta de compra e venda” outorgada conjuntamente com a declaração de circulação.
f)- Em tal declaração fazia a vendedora COVIATOP constar que os documentos não acompanhavam a viatura em virtude de se encontrarem na Conservatória do Registo Automóvel, a fim de serem devidamente averbados para o nome do actual proprietário.
g)- Com a entrega da viatura XXX à embargante foi ainda entregue o comprovativo da Inspecção Técnica Periódica com “CF 0812035” datado de 21-04-2014, que atestava estar o mesmo em perfeitas condições para circular, devendo a próxima inspecção realizar-se até “2016.04.21”.
h)- A embargante, na posse do veículo XXX desde 19.09.2014, prosseguiu a sua actividade comercial efectuando o uso diário da viatura.
i)- A embargante diligenciou pelo seguro da viatura junto da Allianz, Companhia de Seguros SA a fim de viabilizar o uso diário da mesma, transferindo o seguro do veículo VS para p veículo JB.
j)- O seguro foi sendo sucessivamente renovado.
l)- A embargante deixou de liquidar o imposto de circulação do veículo VS a partir do ano de 2014.
m)- Para concretizar a aquisição, a pedido do Sr. JL, em 25-09-2014 a embargante entregou ao mesmo, a título de “reforço do sinal” e pagamento do preço a quantia pecuniária de 5.000,00 € (em duas entregas, respectivamente, de 4.000,00 € e de 1.000,00 €), tendo o mesmo entregue à embargante recibo de quitação da dita quantia que assinou.
n)- No dia 03-10-2014, a pedido do mesmo JL na presença do gerente do BANIF (agência da Portagem), a embargante entregou a quantia de 10.000,00 €, em numerário, perfazendo nessa data o total da quantia entregue ao mesmo legal representante da COVIATOP Lda a quantia de 17.000,00 € conforme foi aposto no mesmo recibo de quitação, que o mesmo assinou.
o)- No dia 07-10-2014, a pedido do Sr JL, legal representante da COVIATOP Lda e para “proceder à liquidação do crédito financeiro ao banco existente sobre o veículo” a embargante entregou então a quantia de 5.000,00 €.
p)- Liquidando a embargante nessa data de 07-10-2014 a totalidade do pagamento do preço acordado, tudo conforme recibo de quitação que o mesmo assinou.
q)- O legal representante da COVIATOP Lda entregou então à embargante o livrete do veículo, comunicando que nos dias seguintes entregaria a declaração de venda e o documento comprovativo da liquidação do remanescente do financiamento em dívida ao banco Deutshe Bank, confiando a embargante que assim sucederia.
r)- Sucessivamente interpelado pela embargante para efectuar a entrega dos documentos do veículo, designadamente que titulassem a transferência da propriedade a libertação do encargo sobre o veículo, o Sr. JL passou a adiar, sucessivamente, a entrega dos mesmos, invocando a mora  do dito “titular do certificado” - o requerido nestes autos - na satisfação integral dos encargos.
s)- Não obstante as sucessivas interpelações telefónicas, a que se sucederam deslocações a Leiria, à sede da COVIATOP Lda, a embargante era sempre informada pelo Sr JL, que o requerido estava a regularizar a situação da liquidação dos encargos junto do Banco, subsistindo a impossibilidade deste em entregar os documentos à embargante, pelo que teria de aguardar.
t)- A embargante foi fazendo o uso diário do veículo.
u)- Pagando o respectivo seguro.
v)- Pagando as portagens inerentes à normal e regular circulação com o mesmo veículo.
x)- Fazendo a inspecção regular e periódica.
z)- Procedendo à reparação de anomalias, designadamente no conta-quilómetros.
aa)- Zelando pela sua regular manutenção e conservação, designadamente colocando pastilhas de travões, efectuando a mudança de óleos e filtros.
bb)- Participando junto da PSP de Coimbra por danos causados na mesma viatura efectuados por desconhecidos.
cc)- No exercício da sua actividade, a  ora embargada celebrou com a sociedade ORBISRELEVO - Unipessoal, Lda, um Contrato de Locação Financeira Mobiliária nº 850011419 composto de “Condições Gerais” e de “Condições Particulares”.
dd)- O referido contrato foi celebrado em 27-01-2011.
Através de contrato de Cessão da Posição Contratual do Contrato de Locação Financeira nº 850011419, assinado a 23710/2012., veio o Sr. HR tomar o lugar da sociedade ORBISRELEVO - Unipessoal Lda.
ee)- Posteriormente, veio a ser assinado um Aditamento ao contrato de locação financeira nº 850011419 assinado na data de 11-02-2014.
ff)- Nos termos da Cláusula 1ª das Condições Gerais e Cláusula 1ª das Condições Particulares do Contrato de Locação Financeira nº 850011419 a embargada veio a adquirir um veículo automóvel de marca Mercedes Benz, modelo E220 CDI, com a matrícula 6...-J...-...1.
gg)- A ora embargada facultou a utilização de tal bem ao Locatário, conforme resulta do “Auto de recepção de Equipamento”.
hh)- Nos termos das Cláusulas 7ª, 8ª e 9ª do Contrato de Locação Financeira Mobiliária nº 850011419, o Locatário estava obrigado ao pagamento de 84 rendas mensais uma primeira no valor de 22.357,72 € e as restantes no valor de 430,89 € cada uma, vencendo-se a primeira em 28-01-2011 e a última em 28-01-206, a que acresceria IVA em vigor à data do pagamento de cada uma das rendas acordadas.
ii)- Por alteração efectuada por aditamento ao contrato, assinado na data de 11-02-2014, o Locatário ficou obrigado ao pagamento de 84 rendas mensais, vencendo-se a primeira em 28-01-2011 e a última na data de 28-12-2017.
jj)- O Locatário não pagou 5 rendas, vencidas em 28-10-2014, 28-11-2014, 28-12-2014, 28-01-2015 e 28-02-2015.
ll)- Em consequência do não pagamento atempado das rendas, a ora embargada enviou ao Locatário, previamente ao envio da carta de resolução, cartas de interpelação, para que procedessem ao pagamento das quantias em mora no prazo de 15 dias úteis, nos termos previstos nas Cláusulas 17.2ª e 17.3ª das “Condições Gerais” do contrato.
mm)- Posteriormente, e em consequência da continuada falta de pagamento das rendas acordadas a embargada, usando da faculdade prevista na cláusula 17.4ª das “Condições Gerais”, veio a resolver o Contrato de Locação Financeira Mobiliária nº 850011419, por cartas registadas com avisos de recepção datados de 05/10/2015.
nn)- Resolvido o contrato por incumprimento do locatário, ficou o locatário obrigado a restituir o veículo, nos termos da cláusula 18ª das “Condições Gerais” do contrato.
oo)- O locatário não procedeu à restituição do veículo, apesar de a isso estar obrigado, pelo que a ora embargada intentou a competente providência cautelar, a qual corre os seus termos no J16 da Secção Cível da Instância Local da comarca de Lisboa, com o nº 4179/16.1T8LSB-A, tendo em vista a recuperação judicial deste pelas autoridades competentes.
pp)- A embargada procedeu ao cancelamento do registo de locação financeira em nome do locatário na data de 11-02-2016.
qq)- A 22 de Fevereiro de 2016 foi a embargada notificada da sentença a decretar a apreensão do veículo automóvel a marca Mercedes Benz. Modelo E220 CDI, com a matrícula XXX e respectivos documentos, devendo a referida viatura ser entregue ao legal representante do Requerente”.
rr)- O veículo automóvel descrito no artigo supra é propriedade exclusiva da embargada, conforme informação da Conservatória do Registo Automóvel, bem como pelo respectivo DUA que está em sua posse.
ss)- Na pendência do referido procedimento cautelar foi a ora embargada notificada que o veículo objecto da requerida ordem de apreensão foi indevidamente cedido e colocado à disposição a ora embargante.
tt)- A embargada só teve conhecimento da presente situação e 06-04-2016, uma vez que compulsados os autos e promovido o ofício ao seguro activo da viatura, verificou-se que o veículo Mercedes Benz, modelo E220 CDI, com a matrícula XXX tinha um seguro activo em nome da ora embargante, tendo assim solicitado a apreensão da viatura nessa morada na mesma data. Após informação que obteve junto da Conservatória do Registo Comercial datada de 19-05-2016 a embargante tomou conhecimento que foi judicialmente ordenada a apreensão do veículo automóvel marca Mercedes Benz, modelo E220 CDI, com a matrícula 6...-J...-...1.
*

B) E vem dado como não provado:
Da petição inicial
1- O veículo supra identificado é propriedade da ora embargante.
2- A embargante confiou integralmente e sem reservas nas declarações negociais e na legitimidade da venda do veículo pela indicada firma de comércio automóvel, até porque a dita firma era detentora e possuidora do veículo e o detinha para venda, além do Sr JL, da COVIATOP, ser um reputado comerciante e representante de veículos automóveis da marca Mercedes, considerada pessoa credível nesse meio negocial.
3- Consequentemente, adquirindo a embargante a propriedade do veículo, passando a agir como legítima dona e proprietária do mesmo.
4- A embargante tem, assim, a posse pública, pacífica e de boa fé do veículo matrícula XXX desde a indicada data de Setembro de 2014, sendo o mesmo indispensável e necessário ao giro comercial da embargante.
5- Donde, assiste à embargante direito incompatível com a diligência judicialmente ordenada, pois que não ode o veículo em questão ser apreendido, por o mesmo pertencer à embargante, que o pagou integralmente.
6- O que vale por dizer que a ora embargante, desde há mais de 2 anos, vem efectivamente dispondo do veículo, dele se servindo para fazer face às suas deslocações diárias e permanentes, por lhe pertencer.
7- Situação que se manteve até ao momento em que à ora embargante foi dado conhecimento do pedido de apreensão do citado veículo.
8- O acto judicialmente ordenado (a apreensão) ofende a posse da embargante, a qual se vê, deste modo, impossibilitada de fazer uso normal e regular do veículo em causa como vem fazendo desde Setembro de 2014.
9- Acresce o facto da ora embargante não ser, de todo, parte no processo movido contra o requerido HR.
10- Pelo que, é de reiterar ser a embargante terceira no que ao procedimento diz respeito, face ao qual estes embargos devem correr por apenso.
11- A embargante desconhece o negócio existente entre a COVIATOP e o requerido e bem assim desconhece o estado das negociações e as quantias pagas pelo requerido à requerente.
12- Assim, a embargante permanece até à presente data sem ter sido transferida a propriedade do veículo XXX que adquiriu, o que configura grave transtorno para o giro comercial da embargante, designadamente atento o preço integralmente pago e encontrar-se desapossada do veículo VS, na posse do requerido.
13- Entretanto, perante o reiterado adiamento na entrega dos documentos à embargante, esta decidiu interpelar directamente o outro “titular do certificado de propriedade”, o aqui requerido.
14- Assim, foi o mesmo interpelado, por carta registada, para proceder à entrega da documentação inerente à transferência da propriedade do veículo à embargante.
15- Acontece que o requerido contactou então o legal representante da embargante, informando-o que considerava a aquisição do veículo pela embargante concluída, até porque já tinha recebido o veículo VS da embargante, da permuta, com o qual o mesmo circulava e fazia o uso normal e regular, e tinha recebido quantia pecuniária da aludida venda do veículo por parte do Sr JL, quantia essa não concretamente especificada então à ora embargante.
16- Mais informou o requerido que o Sr JL lhe devia ainda alguma quantia em dinheiro do negócio entre estes, pelo que necessitava de um mútuo da quantia de 11.000,00 € para “liquidar os encargos financeiros” deste para com a aqui requerente, a financeira.
17- O legal representante da embargante ficou estupefacto com a quantia em dívida porquanto o Sr JL apenas o informara de que o valor em débito à financeira seria aproximadamente de 3.000,00 €, pelo que não aceitou entregar qualquer outra quantia pois, como informou, este havia pagou integralmente o preço acordado pela venda pela COVIATOP.
18- Assim, a embargante permanece até à presente data sem ter sido transferida a propriedade do veículo 6...-J...-...1, que adquiriu, o que configura um grave transtorno para o giro comercial da embargante, designadamente atento o preço integralmente pago e encontrar-se desapossada do veículo, na posse do requerido.
*

C) Da alegada nulidade da sentença.
Sustenta a apelante que a sentença é nula por não ter sido valorada a confissão dos factos pelo embargado/requerido HR decorrente de não ter contestado a petição inicial.
Porém, esse alegado vício da sentença não se enquadra em nenhuma das causas de nulidade enumeradas no art. 615º do Código de Processo Civil.
Assim, improcede a arguição de nulidade da sentença recorrida.
*

D) Da impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
D) 1.- Defende o apelante que o tribunal a quo deveria ter considerado confessados todos os factos alegados na petição inicial dada a ausência de contestação do embargado/requerido HR.
Mas não tem razão.
O nº 1 do art. 348º do CPC estabelece:
«Recebidos os embargos, as partes primitivas são notificadas para contestar, seguindo-se os termos do processo comum.».
Sobre os efeitos da revelia, o nº 1 do art. 567º determina:
«Se o réu não contestar, tendo sido ou devendo considerar-se citado regularmente na sua própria pessoa ou tendo juntado procuração a mandatário judicial no prazo da contestação, consideram-se confessados os factos articulados pelo autor.».
E o art. 568º prevê, ao que ora importa:
«Não se aplica o disposto no artigo anterior:
a)- Quando, havendo vários réus, algum deles contestar, relativamente aos factos que o contestante impugnar;
(…)».
Portanto, como o apelado Deutshe Bank Aktiengesellschaft - Sucursal em Portugal declarou, no art. 51º da contestação: «Em suma, impugna-se, por falsa, a matéria de facto constantes dos artigos 2º, 3º, 4º, 5º, 6º, 7º, 8º, 9º, 10º, 11º, 12º, 13º, 14º, 15º, 16º, 17º, 18º, 19º, 20º, 21º, 22º, 23º, 24º, 25º, 26º, 27º, 28º, 29º, 30º, 31º, 32º, 33º, 34º, 35º, 36º, 37º, 38º, 39º, 40º, 41º, 42º, 43º, 44º, 45º, 46º, 47º, 48º, 49º, 50º, 51, 52º, dos presentes Embargos de Terceiro», impugnando assim todos os factos articulados na petição inicial, não tem aplicação o disposto no nº 1 do art. 567º do CPC.
*

D) 2.- Apreciemos agora se a prova produzida impõe alteração da decisão sobre a matéria de facto.
*

D) 2.1.- Sobre o que vem dado como não provado:
Entende a apelante que errou a 1ª instância e em contradição com a factualidade julgada provada nas alíneas f), h), i), j) q), t) u), v), x), z), aa) e bb), ao julgar não provado que “a embargante tem, assim, a posse pública, pacífica e de boa fé do veículo matrícula XXX desde a indicada data de Setembro de 2014, sendo o mesmo indispensável e necessário ao giro comercial da requerente” e demais factos alegados na petição inicial.
O art. 607º nº 4 do CPC prescreve que na fundamentação da sentença o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados.
Ora, a matéria dada como não provada e reproduzida supra nos pontos 1, 3, 4, 5, 8, 9, 10, 12 e 18 é conclusiva e/ou de direito, excepto nos segmentos:
«convencida de ser a legítima proprietária», «a embargante permanece até à presente data sem ter sido transferida a propriedade do veículo».
Em consequência, decide-se considerar não escritos os pontos 1, 3, 4, 5, 8, 9, 10, 12 e 18, excepto no que respeita àqueles segmentos, os quais serão apreciados seguidamente.
*

Quanto aos pontos 13 e 14, a 1ª instância exarou: «Verifica-se que embora alegada a correspondência trocada entre a ora Embargante de Terceiro e o 2º requerido, a mesma não foi junta aos autos, não logrando a Embargante demonstrar tê-lo feito».
Ora, não indica a apelante, na alegação recursiva, qualquer documento que demonstre ser errada tal afirmação. Além disso, a testemunha IM - que disse que ela e as duas irmãs são as sócias da embargante, que o gerente é o pai, BM«sou sócia da firma mas não tenho papel nenhum» e não conhece o requerido HR - declarou que foram enviadas cartas ao requerido, tendo uma sido devolvida, mas nada transmitiu sobre o seu teor apesar de afirmar que as viu, além de não ter apresentado justificação para não estarem nos autos cópias delas e os talões de registo. Portanto, mostra-se correcta nesta parte a decisão da 1ª instância.
*

Relativamente ao ponto 2, é de considerar:
- a testemunha AS - que disse ser TOC e prestar serviços de contabilidade à embargante há mais de 10 anos - declarou que a que a  COVIATOP era bastante conhecida em Leiria, «Não acompanhei o negócio em si», o conhecimento sobre o negócio referente à viatura veio-lhe pelo que lhe foi dito pelo gerente da embargante e pelos documentos da contabilidade, «Passado um tempo ele comentou comigo que houve um problema com a viatura, um alegado incumprimento, ele não conseguia passar para o nome da firma» e inquirido se o gerente da embargante teve dúvidas «quando comprou», respondeu «Não, ele nunca comentou comigo»;
- a testemunha LS - que disse ser industrial de madeiras, que a embargante foi sua cliente e conhece o seu gerente BM há mais de 10 anos -, declarou «Esse Z...L... tem uma grande empresa de automóveis e oficina de automóveis autorizada da Mercedes», comprou 3 Mercedes ao «Z...L...», gerente da COVIATOP, e nunca teve problemas com documentos e garantias, e inquirido se alguma vez teve dúvida sobre a seriedade e correcção dessa sociedade respondeu «Não», «Nunca ouvi nada em desabono dele nem da empresa.» e que chegou a ouvir que quando sai um modelo novo o «Z...L...» conseguia tê-lo primeiro que a Mercedes de Leiria, a Sodicentro;
- a testemunha IM disse «Ficamos admirados, pronto. Só agora em 2016 é que soubemos», «Era um stand credenciado», «Era um negócio válido, normal, de compra de um carro como fazemos todos», confirmou que faltava o documento relativo ao registo da propriedade do veículo e por isso «O meu pai estava sempre a ligar e ele ia sempre protelando, que havia um encargo que estava ser resolvido»; declarou que a viatura «pertence ao Banco» pois «tem um crédito em cima», «O senhor JL disse que precisava do dinheiro para pagar o crédito em cima», «É assim, a viatura é do senhor HR mas está em nome do Banco porque tem um crédito em cima. É assim que funcionam os empréstimos», «Se um veículo está à venda num stand é para ser vendido. A pessoa está de boa fé», «Eu de cada vez que vou comprar um carro não vou à Conservatória.», «A COVIATOP é uma empresa com mais de 20 anos, tinha boa reputação no mercado, já me tinha vendido um carro.» e à pergunta se «Nunca tiveram dúvidas que pudesse ser vendido pela Mercedes?», respondeu que não.
Da análise dos depoimentos das testemunhas resulta que não presenciaram a negociação para a aquisição do veículo e apenas transmitiram a sua opinião sobre a credibilidade da COVIATOP no mercado.
Por isso, é de manter como não provada a matéria constante do ponto 2, sem prejuízo do que vem provado em a) e q).
*

Relativamente ao segmento «convencida de ser a legítima proprietária» - constante do ponto 3 - não foi produzida prova testemunhal no sentido de que o gerente da embargante estivesse convencido de que esta era a legítima proprietária do veículo, apesar de a testemunha IM«ter declarado «Ficamos admirados, pronto. Só agora em 2016 é que soubemos», «Era um negócio válido, normal, de compra de um carro, como fazemos todos», pois decorre do seu depoimento que antes da instauração do procedimento cautelar de apreensão do veículo o seu pai vinha sendo confrontado com o protelamento da entrega dos documentos necessários para registar a propriedade do veículo a favor da embargante e não é plausível que sendo experiente homem de negócios - empreiteiro, disse a sua filha - e habituado a tratar da aquisição de veículos, sempre tivesse estado convencido de que a sociedade era proprietária de um veículo que não conseguia registar em seu nome.
Portanto, improcede nesta parte a impugnação.
*

Relativamente aos pontos 6 e 7, devem ser eliminados, pois estão em contradição com as alíneas h) a j) e t).
*

Relativamente ao ponto 11, remetemos para o que acima expusemos sobre a razão de ciência das testemunhas AS, LG e IM, pelo que os seus depoimentos não são de molde a convencer o tribunal de que o gerente da embargante desconhecia que negócio havia sido celebrado entre a COVIATOP e o requerido HR e o que este tinha pago à ora apelada.
Assim, improcede nesta parte a impugnação.
*

Relativamente ao segmento «a embargante permanece até à presente data sem ter sido transferida a propriedade do veículo» constante dos pontos 12 e 18, é uma evidência, face aos documentos constantes dos autos, que nunca foi registado a favor da embargante o direito de propriedade sobre o veículo.
Assim, procede nesta parte a impugnação, aditando-se aos factos provados:
«uu)- Nunca foi registado a favor da embargante o direito de propriedade sobre o veículo Mercedes Benz, modelo E220 CDI com a matrícula XXX.».
*

Relativamente aos pontos 15, 16 e 17, nenhuma testemunha depôs nesse sentido, pelo que improcede a impugnação nesta parte.
*

D) 2.2.- Sobre o que vem dado como provado:
Entende a apelante que deve ser dado como não provado o que consta das alíneas cc) a tt), dizendo que desconhece e são-lhe alheios os factos, que impugnou a prova documental oferecida pela embargada, que a alínea rr) é conclusiva e decorre do depoimento de JM, testemunha da embargada, que esta sabia desde pelo menos Agosto/Setembro de 2014 que a COVIATOP e o embargado HR tinham colocado a viatura à venda e negociavam a sua cedência e venda a terceiros, estando a aguardar o pagamento das rendas ditas em dívida por aquele e nada fez para impedir a venda à apelante.
Vejamos.
Quanto à impugnação dos documentos, importa ter em consideração que o art. 607º nº 5 do CPC determina que «O juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto; a livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes.» e que o art. 366º do Código Civil prescreve: «A força probatória de documento escrito a que falte algum dos requisitos exigidos na lei é apreciada livremente pelo tribunal».
Ora, não alega a apelante a razão para o tribunal não poder atender à prova documental apresentada pela apelada, sendo certo que a fls. 121 consta cópia da certidão permanente dos registos em vigor na data de 30/06/2016 relativa ao veículo XXX onde se vê que a propriedade está registada a favor da apelada, e a fls. 122 consta cópia do certificado de matrícula indicando também como proprietária a apelada.
Repare-se, aliás, que os documentos de fls. 24 e 25 juntos com a petição inicial - com letra só legível, e mesmo assim dificilmente, com lupa, dado o seu tamanho reduzido - só confirmam os documentos de fls. 121 e 122.
Portanto, quanto à alínea rr) apenas se impõe expurgar o teor conclusivo, passando a ter a seguinte redacção:
«rr)- A propriedade do veículo automóvel referido em qq) está registada na Conservatória do Registo Automóvel a favor da embargada através da apresentação nº 05108 de 15/02/2012».
Por outro lado não indica a apelante qualquer meio de prova para abalar a convicção formada pela 1ª instância sobre os factos dados como provados nas alíneas cc) a mm) e oo), sendo certo que a testemunha JM depôs no sentido do que ali consta, dando como razão de ciência o facto de trabalhar para a embargada desde Junho de 2003 tendo a função de controlador de crédito.
Quanto às alíneas ss) e tt) é de salientar que a testemunha JM não disse que a embargada sabia que o veículo iria ser vendido à apelante, que, aliás, nem conhecia, mas sim que «Tínhamos indicação que ele estava a tentar vender o veículo, que iria entregar o veículo num stand. Mas ele foi logo informado que não poderia vender o veículo sem o nosso assentimento. Ele pediu várias vezes os valores de rescisão.». E inquirido sobre a razão do lapso temporal entre as comunicações de 01/10/2014 sobre a mora e a comunicação de resolução do contrato de locação financeira em 2015, respondeu: «Por dois motivos. Primeiro, porque estávamos a aguardar que o cliente regularizasse a situação. Segundo motivo: quando o processo vai para o contencioso, demora algum tempo.», «A informação que ele dava, chegou a dizer que já tinha colocado o carro num stand. Que estava vendido, nunca comunicou.», «Ele disse que havia um stand que queria proceder ao pagamento. Que tinha colocado a viatura num stand e que o stand queria fazer o pagamento.», «Em Dezembro de 2015 temos uma “designação” que entregou a um stand que a vendeu a um terceiro e ficou de liquidar os valores em dívida», «A primeira informação que temos de que o stand vendeu a viatura é de 15 de Dezembro de 2015».
Quanto às testemunhas AF e IM nada disseram em sentido contrário aos factos que vêm dados como provados nas alíneas cc) a tt).
Improcede, pois, também nesta parte a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, sem prejuízo da alteração da redacção da alínea rr) e de se dar agora como não escrita a alínea n) e o segmento «apesar de a isso estar obrigado» constante da alínea nn), dada a sua natureza conclusiva e de direito.
*

E) O Direito
1.- Invoca a apelante abuso do direito por parte da apelada nestes termos:
«58.- A conduta da embargada após o conhecimento do veículo ter sido colocado à venda junto de um “Stand” em Setembro de 2014, de alegada “resolução do contrato de locação financeira” decorrido um ano desse conhecimento, configura abuso de direito.
59.- Na verdade, bem sabia a embargada que foi apenas com fundamento na falta de “regularização da situação” da entrega do valor em dívida pelo “STAND” - a “COVIATOP II” - e/ou do embargado HR- que não pagou as três ou quatro prestações vencidas e em mora no valor de 1.878,87€ e não pagou o preço residual de 894,31€ devido para a emissão da declaração de venda/titulo de transmissão – que se limitou meramente a proceder ao envio das comunicações dos doc 6 a 19 que juntou – nada fazendo que obstaculizasse a venda do JB a terceiros!».

Estabelece o art. 334º do Código Civil:
«É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.».
Como decorre do art. 432º do mesmo Código é admitida a resolução do contrato fundada na lei ou em convenção.
A resolução está prevista no contrato de locação financeira em causa.
Mas na tese da apelante, o exercício do direito de resolução nos termos previstos no contrato é contrário à boa fé face ao número de rendas não pagas pelo locatário e porque a apelada nada fez para impedir a venda do veículo.
Porém, evidenciam os factos provados que a apelante interpelou o locatário para pagar as quantias em mora, conforme estipulado contratualmente e só perante o seu reiterado incumprimento comunicou a resolução.
Além disso, não tem suporte nos factos provados a alegação de que a embargada contribuiu para que o locatário vendesse o veículo à embargante, pelo que não lhe pode ser imputado abuso do direito na vertente venire contra factum proprium
Por outro lado, visando o art. 334º do Código Civil proteger quem está de boa fé, obviamente não merece protecção quem decide colocar à venda, sem autorização do proprietário, um veículo que sabe não lhe pertencer.
No que respeita aos terceiros, prevê o art. 435º do mesmo Código:
«1.- A resolução, ainda que expressamente convencionada, não prejudica os direitos adquiridos por terceiro.
2.- Porém, o registo da acção de resolução que respeite a bens imóveis, ou a móveis sujeitos a registo, torna o direito de resolução oponível a terceiro que não tenha registado o seu direito antes do registo da acção.».
Importa então averiguar se algum direito sobre o veículo foi adquirido pela embargante.
Prescreve o art. 892º do Código Civil:
«É nula a venda de bens alheios sempre que o vendedor careça de legitimidade para a realizar; mas o vendedor não pode opor a nulidade ao comprador de boa fé, como não pode opô-la ao vendedor de boa fé o comprador doloso.».
A nulidade da venda de bens alheios reporta-se apenas às relações entre o vendedor e o comprador, pois em relação ao proprietário, a consequência é a ineficácia desse negócio (neste sentido, v. Ac do STJ de 15/03/2012 - CJ XX, 1º, pág. 128).
Por isso, a embargante não adquiriu o direito de propriedade sobre o veículo.
Assim, não tem aplicação o disposto no art. 435º.
Nem, contrariamente ao que sustenta a apelante, o art. 291º - pois, como se explicou no citado aresto e no Ac do STJ de 29/03/2012 - CJ XX, 1º, pág. 180, este normativo não se aplica às situações de simples ineficácia, como é o caso de venda de coisa alheia - que dispõe:
«1.- A declaração de nulidade ou a anulação do negócio jurídico que respeite a bens imóveis, ou a móveis sujeitos a registo, não prejudica os direitos adquiridos sobre os mesmos os direitos adquiridos sobre os mesmos bens a título oneroso, por terceiro de boa fé, se o registo da aquisição for anterior ao registo da acção de nulidade ou anulação ou ao registo do acordo entre as partes acerca da invalidade do negócio.
2.- Os direitos de terceiro não são, todavia, reconhecidos, se a acção for proposta dentro dos três anos posteriores à conclusão do negócio.
3.- É considerado de boa fé o terceiro adquirente que no momento da aquisição desconhecia, sem culpa, o vício do negócio nulo ou anulável.».
Mais invoca a apelante a nulidade das cláusulas deste contrato de locação financeira onde se prevê que em caso de resolução com fundamento em incumprimento definitivo do locatário o locador tem o direito de receber uma indemnização pelo incumprimento do locatário correspondente “a 20% do valor da soma das rendas vincendas e do valor residual” (cláusula 17.4 alínea c) do doc 1) ou a fazer suas, “em alternativa ao disposto no numero anterior, (…) o cumprimento de todas as obrigações perante si assumidas pelo Locatário, ainda que não vencidas, devendo este vencimento antecipado ser comunicado por escrito ao locatário produzindo efeitos imediatos” (cláusula 17.5 do doc 1), sob pena de tal “pagamento” a mais de “20%” ou do “cumprimento de todas as obrigações perante si assumidas pelo locatário, ainda que não vencidas” corresponder a um valor superior ao preço acordado pela aquisição pelo Locatário do veículo.
Porém, a embargante não é parte nesse contrato e nenhuma quantia lhe foi exigida pela embargada nestes autos. Além disso, da eventual invalidade da declaração da resolução do contrato de locação financeira com base no reconhecimento da invalidade dessas cláusulas, nenhuma vantagem resultaria para a apelante pois não teria como consequência a aquisição do direito de propriedade pelo locatário e a convalidação do contrato de compra e venda nos termos do art. 895º do Código Civil.
Portanto, mostrando-se inócua, para estes autos, a discussão sobre a alegada validade ou invalidade dessas cláusulas, nela não entraremos, pois é princípio consagrado no art. 6º do Código de Processo Civil que o juiz deve recusar o que for impertinente ou dilatório.
Pela mesma razão é irrelevante a alegação de que as cartas para resolução do contrato não foram recebidas pelo locatário e pela avalista, sendo certo que aquele mostrou completo desinteresse pelo desfecho do presente litígio e só ele poderia diligenciar pela convalidação do contrato de compra e venda deste veículo, adquirindo à embargada a propriedade.
Mais alega a apelante que o legislador estabeleceu, no nº 2 do art.º 1252.º do Código Civil que se presume a posse naquele que exerce o poder de facto, sem prejuízo do nº 2 do art.º 1257.º do mesmo diploma e que o Supremo Tribunal de Justiça vem decidindo, de forma pacífica, no sentido de que o detentor da coisa, ou seja o que tem o poder de facto, ou o “corpus”, está dispensado de provar que possui com intenção de agir como titular do direito real correspondente, referindo o Acórdão de uniformização de jurisprudência de 14.05.96, publicado no DR II série, de 24.06.96.
Vejamos.
Na petição inicial a apelante pediu a transferência do direito de propriedade do veículo para a sua titularidade.
Sobre o fundamento dos embargos de terceiro, diz-nos o nº 1 do art. 342º do Código de Processo Civil:
«Se a penhora, ou qualquer ato judicialmente ordenado de apreensão ou entrega de bens, ofender a posse ou qualquer direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência, de que seja titular quem não é parte na causa, pode o lesado fazê-lo valer, deduzindo embargos de terceiro.».

E o nº 2 do art. 347º estatui:
«Quando os embargos apenas se fundem na invocação da posse, pode qualquer das partes primitivas, na contestação, pedir o reconhecimento, quer do seu direito de propriedade sobre os bens, quer de que tal direito pertence à pessoa contra quem a diligência foi promovida.».
Mas não invoca a apelante que adquiriu o direito de propriedade por usucapião. E obviamente não estão sequer reunidos os pressupostos exigidos no art. 1298º do Código Civil.
Restaria então reconhecer-lhe o direito de propriedade com base no contrato de compra e venda.
Porém, esse contrato é ineficaz relativamente à embargada.
Portanto, a proprietária do veículo continua a ser a embargada Deutshe Bank - Aktiengesellschaft - Sucursal em Portugal.

O art. 1311º do Código Civil prevê:
«1.- O proprietário pode exigir judicialmente de qualquer possuidor ou detentor da coisa o reconhecimento do seu direito de propriedade e a consequente restituição do que lhe pertence.
2.- Havendo reconhecimento do direito de propriedade, a restituição só pode ser recusada nos casos previstos na lei.».
Assim, apesar de estar provado que a apelante passou a usar o veículo no exercício da sua actividade, desde 19/09/2014, data em que o gerente da COVIATOP, Empresa de Comércio de Automóveis, Lda, lhe entregou as chaves, uma declaração para circulação e o comprovativo da Inspecção Periódica Obrigatória, a sua actuação como detentora ou até como possuidora não é oponível à embargada.

Improcedem, sem necessidade de mais considerações estes embargos de terceiro.
*

IV Decisão
Pelo exposto, julga-se improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pela apelante.



Lisboa, 19 de Abril de 2018



Anabela Calafate
António Manuel Fernandes dos Santos                   
Eduardo Petersen Silva