Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
230/17.6GDMFR.L1-5
Relator: VIEIRA LAMIM
Descritores: PENA ACESSÓRIA
PROIBIÇÃO DE CONDUÇÃO
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA ACESSÓRIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/18/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: – A suspensão da execução da pena acessória, de proibição de conduzir, no caso de condenação por crime, não é permitida.

– Trata-se de uma sanção de natureza penal, sujeita ao regime decorrente do Código Penal, não existindo neste qualquer norma que, expressa ou implicitamente, preveja a sua suspensão.

– Embora se trate de sanções de natureza distinta, são idênticos os fins que visam atingir, razão por que, face à unidade do sistema jurídico, seria absurdo admitir a suspensão da execução da proibição de conduzir, aplicada na sequência da prática de um crime, quando essa suspensão não é admissível por contraordenação muito grave, uma vez que o grau de censura ético-jurídico no crime está, necessariamente, num patamar muito mais elevado.

Decisão Texto Parcial:Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Lisboa:



Iº–1.-No Processo Comum (Tribunal Singular)
nº230/17.6GDMFR, da Comarca de Lisboa Oeste (Juízo Local Criminal de Mafra), o Ministério Público acusou PM, imputando-lhe a prática, em autoria material, de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, previsto e punido pelos artigos 291.º, n.º 1, alínea a) e 69.º, n.º 1, alínea a), ambos do Código Penal.

O Tribunal, após julgamento, por sentença de 8 de julho de 2021, decidiu:
“…
A)–Condeno o arguido PM  pela prática, em autoria material, de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, previsto e punido pelos artigos 291.º, n.º 1, alínea a) e 69.º, n.º 1, alínea a), ambos do Código Penal, numa pena de 350 (trezentos e cinquenta) dias de multa, à taxa diária de €6 (seis euros), o que perfaz um total de €2.100 (dois mil e cem euros) e na sanção acessória de proibição de conduzir veículos a motor pelo período de 1 (um) ano.
...”.

2.–Desta decisão recorre o arguido PM, motivando o recurso com as seguintes conclusões:
O presente recurso tem por fundamento a impugnação da matéria de facto dada como provada e a aplicação do direito à mesma e é interposto do douta Sentença Acórdão proferido pelo Juízo Local Criminal de Mafra, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, na parte que diz respeito a:
a)-Insuficiência, para a decisão, da matéria de facto provada (artigo 410º do CPP);
b)-Erro notório na apreciação da prova (artigo 410º 2, do CPP);
c)-Medida concreta da pena aplicada, tendo por traves mestras o Princípio da Igualdade, erro ou vício na interpretação e aplicação da lei, que estabelece as regras e princípios a que deve obedecer a fixação da pena e outros elementos passíveis de justificarem a suspensão da pena que lhe foi imposta.
I.- Motivos, todos susceptíveis de conhecimento pelo Tribunal da Relação de Lisboa, in casu.
Da Insuficiência, para a decisão, da matéria de facto provada (artigo 410º  do CPP)
Discutida a causa em audiência de julgamento, o douto Tribunal a quo considerou assentes quanto ao arguido PM  nos pontos B,C,J, K, L para sustentar a sua decisão e que, por uma questão de economia processual, aqui se dão por integralmente reproduzidos para os devidos e legais efeitos.
Pela análise da douta sentença, ora recorrida, constatamos, salvo o devido respeito, que é muito, que o douto Tribunal a quo errou na apreciação da prova produzida em audiência de julgamento.
Ainda que a sua apreciação obedeça ao consagrado princípio da livre apreciação da prova contido no artigo 127º, do C.P.P., não interpretou nem articulou correctamente toda a prova testemunhal com as demais provas constantes dos autos, nem com as regras da experiência comum.
É nosso entendimento que o douto Tribunal a quo não detectou e/ou desconsiderou CONTRADIÇÕES entre a prova carreada para os autos e o depoimento das várias testemunhas e acabou, ERRADAMENTE, por dar quase exclusiva relevância aos depoimentos das testemunhas de acusação, designadamente os Guardas e os Bombeiros, em detrimento das declarações do arguido e da testemunha SR, sendo certo que as declarações destes têm a validade que lhes atribui o Código Penal, mas ainda assim, não existem motivos para tal, como adiante explanaremos. Por outro lado, o douto Tribunal a quo, entendemos, concluiu factos por DEDUÇÃO, que jamais a Lei Penal admitiria como prova para sustentar qualquer condenação.
Em suma, o douto Tribunal condenou o ora Recorrente pelo crime de pela prática, como autor material, de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 291º nº 1 alínea a), e 69º nº 1 alínea a), ambos do Código Penal, numa pena de multa de 350 (trezentos e cinquenta) dias à taxa diária de 6€ (seis euros), o que perfaz um total de 2.100,00€ (dois mil e cem euros), e na sanção acessória de proibição de conduzir veículos a motor pelo período de 1 (um ano)., SEM A PRODUÇÃO DE PROVAS SUFICIENTES e DESRESPEITANDO o princípio basilar “IN DUBIO PRO REO”!
Na verdade, da prova produzida em sede de audiência, s.m.o em contrário, não resultou provado que o arguido pelo facto de o arguido ter ingerido bebidas alcoólicas e ter no seu organismo substâncias estupefacientes que teve o acidente de automóvel com dolo. Quando muito, admite-se, o arguido praticou um crime de condução perigosa veículo rodoviário, a título negligência consciente previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 291º nº 1 a) conjugado com o nº 3 do mesmo preceito legal, e 69º nº 1 alínea a), ambos do Código Penal, pelo que deveria ter operado, quanto ao mesmo a REQUALIFICAÇÃO JURÍDICA dos factos da acusação.
Os pontos concretos que, em nossa modesta opinião, foram erradamente julgados pelo Tribunal a quo são os pontos B, C, J, K, L da douta sentença ora recorrida, pois da prova produzida em sede de julgamento, conjugada com as demais provas recolhidas nos autos, não podiam os julgadores concluir que o Arguido agiu causando um perigo concreto ao ingerir bebidas alcoólicas e esse factor por si só, pois que, a douta sentença mostra-se manifestamente insuficiente quanto ao apuramento da matéria de facto indispensável para alcançar a decisão condenatória e, por erro notório na apreciação da prova produzida é ilegal, nos termos das alíneas a) e c), do nº. 2, do artigo 410º, do C.P.P.
Pode ler-se dos factos dados como provados no ponto E) que os factos ocorreram já à noite não existindo luz natural, sendo que a visualização era feita com recurso às luzes dos veículos automóveis e ainda a um poste de iluminação ali existente, sendo que a via tem uma largura total de 6,10m. Por seu turno, na motivação da matéria de facto, o tribunal a quo alicerça que o poste de iluminação assinalado no croqui que consta de fls 9, se apresentava iluminado. Contudo aqui chegados e salvo melhor entendimento, observando o croqui fls 9 em confronto com o depoimento da testemunha Guarda JS, atendendo à largura da estrada, verifica-se que o local por onde o veículo saíu da estrada não é o local onde se encontra o poste de iluminação.
Posto isto em que ficamos,
Acresce dizer que existem nos autos dois croquis do local do acidente in casu respectivamente fls 9 e fls 141.
Observando os dois croquis constata-se que os mesmos descrevem diferentemente o local do acidente. De facto no croqui fls 9 onde é dito que o mesmo não está elaborado à escala a distância entre o poste de iluminação e o ponto de saída da viatura é distinto do croqui feito manualmente “mas qui ça por quê”, confrontadas as testemunhas com o mesmo ninguém o elaborou, acrescentando as mesmas que não se recordam se o poste de iluminação estava aceso, ou se de facto existia algum poste de iluminação no local.
Desta feita considera a defesa que deverá passar figurar como não provado que, a via onde ocorreu o acidente in casu não estava iluminada por incerteza jurídica.
Por outro lado, é manifesto que existe incoerência/contradição insanável entre a Motivação da matéria de facto e da decisão de condenação, com os factos provados, não se vislumbrando como é que o Tribunal a quoconcluiu pela inexistência de uma dúvida insanável e não optasse por aplicar o princípio in dubio pro reo, quando é evidente que o arguido e conforme o mesmo assumiu prontamente era condutor de uma viatura e que sofreu um acidente, mas não mais do que isso, um acidente que infelizmente trouxe-lhe marcas para toda a sua vida.
A este propósito, o Arguido nas suas declarações em Audiência de Julgamento disse que, no dia do acidente in casu, não tinha consumido estupefacientes, afirmando que de facto tinha consumido no dia anterior. Questionado pela Meritíssima Juíza quanto ao documento de teste de substâncias estupefacientes feito ao arguido, o mesmo reafirma que, no dia do acidente não consumiu estupefacientes, porque tinha consciência que ia conduzir, admitindo que, poderia estar a substância no organismo por ter consumido em data anterior e poderem este tipo de substâncias estar presentes no organismo uma ou duas semanas. Por seu turno e corrobando as declarações do arguido, a testemunha SR  afirmou que, ambos ingeriram ao jantar dois copos de vinho ao jantar, mas que não tinha visto o arguido a consumir estupefacientes estando com o mesmo o dia todo.
Pelo que, considera o Arguido que, apesar de constar de suporte documental, nomeadamente os testes de consumo de ingestão de bebidas alcóolicas, facto este prontamente assumido pelo arguido e, o teste de presença de consumo de substâncias estupefacientes no seu organismo, não permite que seja seja sustentada de forma conclusiva, que a condução do arguido foi concretamente criadora de um perigo.
Acresce dizer que, considera o arguido que, não existe nenhum elemento fáctico, quer da prova documental mormente, a recolha dos vestígios do acidente, as marcas da trajectória da viatura acidentada, assim como as marcas de travagem da mesma, quer da prova testemunhal, nomeadamente as declarações da testemunha SR  que era a única pessoa que teve conhecimento direto dos factos, que se possa concluir per si que o mesmo não tivesse condições físicas para exercer tal actividade, o que levou a que o mesmo não atentasse à estrada e à condução que efectuava no momento do acidente, permitindo que o veículo por si conduzido se desviasse da sua trajectória para a esquerda, não efectuando a curva existente naquele local, acabando por sair da faixa de rodagem para o talude, caindo de uma altura de 4 metros e capotando, vindo o veículo a ficar imobilizando a cerca de 20 metros do local de onde saiu da faixa de rodagem, pelo que deveria ser dado como não provado.
Na mesma senda e pelos argumentos expostos não deveria ser dado como provado o ponto K., no qual o arguido exercia a condução depois de ter consumido o produto estupefaciente e álcool identificado em B. e, não obstante, representou e quis, como fez, conduzir o veículo automóvel identificado nos autos influenciado por tais substâncias bem sabendo que não reunia as condições físicas e mentais necessárias para realizar tal actividade, vindo a provocar o acidente supra descrito e que veio causar as lesões indicadas em SR, colocando em perigo a sua integridade física.
Em suma, entendemos que o douto Tribunal condenou o ora Recorrente pela prática, como autor material, de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 291º nº 1 alínea a), e 69º nº 1 alínea a), ambos do Código Penal, numa pena de 350 (trezentos e cinquenta) dias de (seis euros), o que perfaz um total de 2.100,00€ (dois mil e cem euros), e na sanção acessória de proibição de conduzir veículos a motor pelo período de 1 (um ano) sem a produção de provas suficientes e desrespeitando o princípio basilar “in Dubio Pro Reo”!
Entendemos assim que, não se pode atribuir culpa ao aqui arguido, exclusivamente pelo facto de ter ingerido bebidas alcoólicas, pois não descorando a gravidade de tal factualidade, esta não permite só por si, atribuir ao mesmo a culpa no sinistro. Acresce dizer e conforme testemunho de ES, Bombeiro de profissão que e cite-se “a curva onde temos algum trabalho” reportando-se ao local onde ocorreu o acidente.
Assim, os pontos concretos que, em nossa modesta opinião, foram erradamente julgados pelo Tribunal a quo são os pontos B, C, J, K , L da douta sentença ora recorrida, pois da prova produzida em sede de julgamento, conjugada com as demais provas recolhidas nos autos, não permite concluir que o Recorrente tivesse praticado o crime o qual vem condenado, pois que, o douto acordão mostra-se manifestamente insuficiente quanto ao apuramento da matéria de facto indispensável para alcançar a decisão condenatória, por erro notório na apreciação da prova produzida é ilegal, nos termos das alíneas a) e c), do nº. 2, do artigo 410º, do C.P.P.
Pelo exposto é entendimento da defesa que existe fundamentação de facto suficiente para absolver o aqui arguido pelo crime de condução perigosa de veículo rodoviário, pelo que deve ser revogada a sentença quanto a este crime devendo o arguido ser absolvido da prática do crime de condução perigosa de veículo rodoviário em que foi condenado, bem como, em consequência, a respectiva condenação em concurso aparente.
Quanto à medida da Pena, entende o arguido, salvo devido respeito e melhor opinião, que face à situação em apreço, que infra se vai explanar e que consta da Douta Sentença, devia o Tribunal a quo ter atribuído ao mesmo uma pena de multa menos gravosa.
O arguido não regista antecedentes criminais, pautando a sua vida pelo respeito com as regras de convivência em sociedade.
Actualmente encontra-se desempregado, estando à procura e emprego.
Finalmente cumpre dizer e caso o Tribunal não opte pela absolvição do arguido quanto ao crime de condução perigosa de veículos rodoviários, no que se não concede, que seja aplicada o montante da multa de € 6,00/dia num total de 350 dias quando estamos perante uma pessoa desempregada, sem antecedentes criminais, considerando ser manifestamente exagerada, sendo certo que se nos afigura adequado, perante tal factualidade, devia ter o Tribunal limitado o mesmo ao mínimo de 240 dias de multa.
Por outro lado foi aplicada ao arguido, uma pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor de qualquer categoria, pelo período de 1 (um) ano, o que, no nosso modesto entender, dada a factualidade dada como provada, e o facto de o arguido não ter antecedentes criminais, pelo principio da necessidade da tutela penal poderia o Tribunal, optar por uma suspensão de tal inibição, pelo prazo que julgasse conveniente, mediante a prestação de caução de boa conduta e, em derradeira, solução mediante trabalho a favor da comunidade.
Em suma, entendemos, salvo o devido respeito, que não se fez prova suficiente para o douto Tribunal a quo, concluir como concluiu, condenando o arguido como fez.
Com efeito, da apreciação da prova produzida, com a aplicação das regras de experiência comum, teriam de suscitar-se dúvidas quanto à autoria material do Recorrente da prática daquele crime, pelo que seria sempre de aplicar o PRINCÍPIO IN DUBIO PRO REO.
Nestes termos, e nos mais de direito, que V. Exas. mui doutamente suprirão, deve o presente recurso ter provimento e, em consequência:
a)-Ser revogado a douta Sentença recorrida, pelo qual foi aplicada ao Recorrente a pena de 350 dias de multa à taxa diária de 6€ pela prática de 1 (um) crime de condução perigosa de veículo rodoviário p. e p. pelo artigo 291.°, n.° 1, a) e 69º nº 1 a) do Código Penal por não provado;
Se V. Exas não entendenderem:
b)-Ordenar a sua substituição por outro que condene a Recorrente pela prática de 1 (um) crime de condução perigosa de veículo rodoviário previsto e punido pelos artigos 291 n0 1 a ) e n0 3 do Código Penal.
ou
c)-Caso assim não se entenda, a manter-se a condenação da Recorrente pela prática de 1 (um) crime de condução perigosa de veículo rodoviário, sendo a pena acessória ser reduzida ao seu limite mínimo de 3 (três) meses.

3.–O recurso foi admitido, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo, a que respondeu o Ministério Público, concluindo pelo seu não provimento.

4.–Neste Tribunal, a Exma. Srª. Procuradora-geral Adjunta, aderiu à resposta do Ministério Público em 1ª instância e concluiu pelo não provimento do recurso.

5.–Realizou-se a conferência.

6.–O objeto do recurso, tal como se mostra delimitado pelas respetivas conclusões, reconduz-se à apreciação das seguintes questões:
- vícios de insuficiência da matéria de facto para a decisão e erro notório na apreciação da prova;
- impugnação da matéria de facto;
- qualificação jurídica dos factos:
- medida da pena de multa, da pena acessória e suspensão da execução desta;

*     *     *

IIº–A decisão recorrida, no que diz respeito aos factos provados, não provados e respetiva fundamentação, é do seguinte teor:

1.– Factos Provados

Da prova produzida em audiência de discussão e julgamento e com relevância para a decisão da causa julgam-se provados os seguintes factos:
A)-No dia 02/04/2017, pelas 00H10, na EN 9, o arguido PM circulava no sentido Mafra-Torres Vedras conduzindo o veículo automóvel ligeiro de passageiros com a matrícula 30 ..., seguindo no lugar do passageiro, à frente, SR. .
B)-Por ter ingerido bebidas alcoólicas em momento prévio, o arguido exercia a condução, estando influenciado pelo álcool, vindo a apresentar uma taxa de álcool no sangue de 0,83g/l.
C)-Ao mesmo tempo, o arguido exercia a condução estando influenciado por produto estupefaciente, vindo a acusar a presença de canabinóides no sangue: 5,1ng/ml de D9 – Tetrahidrocanabinol (THC), 34ng/ml de 11-Nor-9-carboxi-D9-tetrahidrocanabional (THC-COOH) 2 2,6ng/ml de 11-Hidroxi-D9-tetrahidrocanabional (11-OH-THC).
D)-Ao aproximar-se do quilómetro 44,600, local onde a estrada descreve uma curva para a direita, com inclinação descendente, o arguido não cuidou da direcção que o veículo tomava e veio a desviar a trajectória do mesmo para a sua esquerda, atravessando para a faixa de rodagem contrária, acabando por cair para o talude aí existente e com 4 metros de altura, vindo o veículo a ficar parado cerca de 20 metros do local onde saiu da estrada, ficando SR encarcerada dentro do veículo automóvel.
E)-Os factos ocorreram já à noite, não existindo luz natural, sendo que a visualização era feita com recurso às luzes dos veículos automóveis e ainda de um poste de iluminação ali existente, sendo que a via tem uma largura total de 6,10m.
F)-Como consequência do facto de o arguido ter perdido o controlo do veículo automóvel, acabando o mesmo por cair no talude, capotando, deixando SR  presa no interior do veículo, tal fez com que aquela sofresse lesões.
G)-Assim, e como consequência directa do acidente em causa nos autos, veio SR  a sofrer: fractura-luxação a nível das 11.ª e 12.ª vértebras dorsais, com afundamento da vertente anterior da plataforma superior de D12 com recuo de todo o corpo vertebral para o interior do canal raquidiano – e inerente compressão medular – e da vertente anterior da plataforma superior D11, com discreto adundamento mas sem recuo do muro posterior, com défice neurológico ASIA-A, o que se traduziu em lesão completa sem preservação das funções motora e sensitiva no segmento S4 e S5.
H)-Como consequência das lesões em causa, veio SR  a sofrer paraplegia completa pelo nível da L1, com flacidez dos membros inferiores e cicatriz praticamente eucrómica com marcas de pontos de sutura, na linha média dorso-lombar vertical com 20cm.
I)-Tais lesões comportaram para SR  517 dias de doença, com afectação da capacidade de trabalho geral e profissional, e bem assim sequelas motoras e sensitivas e sexuais ao longo da sua vida com necessidade de apoio médico especializado e ambiente sem barreiras arquitectónicas, consubstanciando um quadro sequelar que lhe afecta de maneira grave a capacidade de trabalho e a possibilidade de utilizar o corpo e os sentidos e que lhe provocam doença, paraplegia, permanente.
J)-A ingestão de bebidas alcoólicas juntamente com a ingestão de produto estupefaciente, canabinoides, pelo arguido antes de iniciar a actividade da condução, levou a que o mesmo não tivesse condições físicas para exercer tal actividade, o que levou a que o mesmo não atentasse à estrada e à condução que efectuava no momento do acidente, permitindo que o veículo por si conduzido se desviasse da sua trajectória para a esquerda, não efectuando a curva existente naquele local, acabando por sair da faixa de rodagem para o talude, caindo de uma altura de 4 metros e capotando, vindo o veículo a ficar imobilizando a cerca de 20 metros do local de onde saiu da faixa de rodagem.
K)-O arguido exercia a condução depois de ter consumido o produto estupefaciente e álcool identificado em B) e, não obstante, representou e quis, como fez, conduzir o veículo automóvel identificado nos autos influenciado por tais substâncias bem sabendo que não reunia as condições físicas e mentais necessárias para realizar tal actividade, vindo a provocar o acidente supra descrito e que veio causar as lesões indicadas em SR, colocando em perigo a sua integridade física.
L)-O arguido agiu assim de forma livre, voluntária, deliberada e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.
M)-O arguido é técnico comercial de vendas, encontrando-se desempregado, auferindo, a título de subsídio de desemprego, a quantia de €700.
N)-O arguido é solteiro e não tem companheira nem filhos.
O)-O arguido reside com a respectiva progenitora, a qual aufere, a título de pensão de reforma, a quantia mensal de €320.
P)-O arguido e a mãe residem em habitação arrendada, ascendendo o montante da renda a €250.
Q)-O arguido frequentou o sistema de ensino até ao 12.º ano de escolaridade.
R)-O arguido não tem averbada qualquer condenação ao respectivo certificado do registo criminal.

2.– Factos não provados
Não resultaram provados outros factos, sendo certo que não foi considerada matéria
conclusiva, de direito ou sem qualquer relevância para a boa decisão da causa.
*
3.–Motivação da matéria de facto
(…)
*     *     *

IIIº–1.-O recorrente invoca os vícios das als.a, e c, do art.410, nº2, CPP.
Este preceito legal admite o alargamento dos fundamentos do recurso às hipóteses previstas nas suas três alíneas, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum.
Verifica-se o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (al.a), quando da factualidade vertida na decisão se colhe faltarem dados e elementos que, podendo e devendo ser indagados, são necessários para que se possa formular um juízo seguro de condenação (e da medida desta) ou de absolvição.
Tributário do princípio acusatório, tem este vício de ser aferido em função do objeto do processo, traçado naturalmente pela acusação ou pronúncia. Isto significa que só quando os factos recolhidos pela investigação do tribunal se ficam aquém do necessário para concluir pela procedência ou improcedência da acusação se concretizará tal vício.
No caso, o recorrente não concretiza qualquer facto relevante cuja averiguação tenha sido omitida pelo tribunal recorrido, alegando em relação a este vício que o tribunal errou na apreciação da prova, o que manifestamente não o integra.

O erro notório na apreciação da prova caracteriza-se como o erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores, ou seja, quando o homem de formação média facilmente dele se dá conta.
Ocorre quando a matéria de facto sofre de uma irrazoabilidade passível de ser patente a qualquer observador comum, por se opor à normalidade dos comportamentos e às regras da experiência comum[1].
Este vício, como é sabido, tem de resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, mas sem recurso a elementos estranhos a ela, ainda que constantes do processo[2].
O recorrente limita-se a discordar da apreciação da prova pelo tribunal recorrido, não concretizando o vício invocado que, como se referiu, tem de resultar do texto da decisão recorrida.
Analisado o texto da sentença recorrida, o mesmo apresenta-se lógico e conforme às regras da experiência comum, não se vislumbrando qualquer erro, muito menos notório, suscetível de integrar o vício invocado.

2.–De acordo com o art.428, nº1, do Código de Processo Penal “as relações conhecem de facto e de direito”.
No caso, o recorrente impugna os factos provados B,C, J, K, L.
Quanto a provas que impõem decisão diversa, limitou-se a discordar da valoração dada pelo tribunal recorrido às provas produzidas em audiência, alegando que o tribunal se limitou a dar relevância aos depoimentos das testemunhas de acusação, desvalorizando as suas declarações e o depoimento da testemunha SR. .
Em relação aos factos das alíneas B, e C, o arguido assumiu que tinha ingerido bebidas alcoólicas ao almoço e jantar desse dia, no que foi corroborado pela testemunha SR que disse ter passado o dia com o arguido, jantaram juntos, ambos tendo ingerido bebidas alcoólicas, esclarecendo que o local do acidente dista cerca de 20km do local onde haviam jantado.
O arguido negou ter consumido estupefacientes na data do acidente, mas confrontado com o resultado do toxicológico junto a fls. 12, acabou por reconhecer esse resultado como lógico.
Estes elementos de prova, aliados à prova pericial (exame toxicológido), confirmam a ingestão pelo arguido de álcool e o consumo de estupefacientes, assim como a TAS mencionada na al.B e a presença de canabinóides no sangue assente na al.C, sendo manifesto que não existem quaisquer elementos de prova que imponham decisão diversa em relação a estes factos.
A falta de condições físicas e mentais para o exercício da condução naquele momento, mencionadas nas alíneas J, e K, decorre das regras de experiência comum, atento o acidente ocorrido, confirmado pelos militares e bombeiros ouvidos e que chegaram ao local pouco depois, não apresentando o arguido e a testemunha que na altura o acompanhava (SR) quaisquer razões para essa ocorrência que não fatores ligados ao condutor (arguido).
Aliás, o próprio recorrente admitiu em audiência a sua responsabilidade no acidente, decorrente da sua qualidade de condutor, assumindo, ainda, ter consciência da possibilidade de o consumo das bebidas alcoólicas que ingeriu conduzir à TAS considerada assente.
O considerado provado na al.L, apresenta-se também lógico face às regras da experiência comum, já que o arguido assumiu que conduziu, nada alegando que permitisse admitir que não se tenha tratado de ato voluntário e livre.
Quanto ao considerado provado na al.E, a testemunha JS, militar da GNR, referiu que a via era iluminada, que existia no local um poste de iluminação que estava a funcionar. Outras testemunhas que compareceram no local, referiram não recordar se aquele poste de iluminação funcionava, contudo, cabendo à testemunha JS  a obrigação de elaborar o expediente relativo ao acidente é natural que ele estivesse mais atento aos pormenores, o que justifica que a sua versão seja aceite em relação a este facto.

3.–Condenado por crime de condução perigosa de veículo rodoviário, previsto e punido pelo art.291, nº1, al.a, do Código Penal o recorrente alega que não agiu dolosamente.
Contudo, perante a sua condução voluntária (L, dos factos provados), consciente de estar sob influência do consumo de estupefacientes e álcool e que não reunia as condições físicas e mentais necessárias para realizar tal actividade (K, dos actos provados), não se suscitam dúvidas sobre o dolo com que agiu, subsumindo-se a sua conduta à al.a, daquele art.291, nº1, tal como foi decidido pela sentença recorrida.

4.–Correspondendo ao crime praticado pelo arguido pena de prisão ou multa, o tribunal recorrido optou pela segunda (art.70, do CP), o que não é questionado.
A determinação da medida concreta da pena faz-se em função da culpa do agente e entrando em linha de conta com as exigências de prevenção de futuros crimes.
No caso, o grau do ilícito é elevado, atentas as consequências decorrentes da conduta ilícita (a condução perigosa do recorrente pôs em causa a segurança rodoviária, com consequências graves para a passageira que seguia no veículo, que sofreu paraplegia completa pelo nível da L1, com flacidez dos membros inferiores).
O grau de culpa é também elevado, agindo com dolo e desrespeito por regras elementares da condução automóvel.
As necessidades de prevenção geral são prementes, atentos os níveis de sinistralidade verificados nas nossas estradas, para o que contribui de forma acentuada a condução em violação das normas estradais desrespeitadas pelo recorrente.
As necessidades de prevenção especial são moderadas, atenta a primariedade do arguido.
Ponderando todos estes fatores, em particular os elevados graus da culpa e da ilicitude, assim como as prementes necessidades de prevenção geral, a pena tem de representar um sacrifício sério para o arguido, apresentando-se a pena de 350 dias de multa como adequada e proporcional, não podendo ser qualificada como exagerada, ao contrário do alegado pelo recorrente.

Quanto à pena acessória (proibição de conduzir veículos a motor pelo período de 1 ano), a sua graduação obedece aos mesmos critérios da graduação da pena principal, esperando-se dela que contribua, em medida significativa, para a emenda cívica do condutor leviano ou imprudente[3].

Com medida abstrata de 3 meses a 3 anos (art.69, nº1, al.a, do Código Penal), o tribunal recorrido graduou-a abaixo de 1/3 entre os limites abstratos o que, perante os elevados graus da culpa, da ilicitude e as prementes necessidades de prevenção geral, apresenta-se proporcional e revela muita moderação.

A suspensão da execução desta pena acessória, ao contrário do pretendido pelo recorrente, não é permitida.

Trata-se de uma sanção de natureza penal, sujeita ao regime decorrente do Código Penal, não existindo neste qualquer norma que, expressa ou implicitamente, preveja a sua suspensão, estando a suspensão da execução da pena prevista, apenas, para as penas de prisão (art.50).

Neste sentido, se tem pronunciado de forma unânime a jurisprudência dos nossos tribunais superiores[4], assim como a doutrina[5].

Se alguma dúvida existisse a este respeito, estaria definitivamente arredada, com as alterações introduzidas ao Código da Estrada pelo Dec. Lei nº44/05, de 23-2, ao limitar a suspensão da execução da pena acessória de inibição de conduzir aos casos de prática de contraordenações graves (art.141), com exclusão da possibilidade de suspensão nos casos de contraordenações muito graves.

Embora se trate de sanções de natureza distinta, são idênticos os fins que visam atingir, razão por que, face à unidade do sistema jurídico, seria absurdo admitir a suspensão da execução da proibição de conduzir, aplicada na sequência da prática de um crime, quando essa suspensão não é admissível por contraordenação muito grave, uma vez que o grau de censura ético-jurídico no crime está, necessariamente, num patamar muito mais elevado.

Em conclusão, o recurso não merece provimento.
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IVº–DECISÃO:

Pelo exposto, os juízes do Tribunal da Relação de Lisboa, após conferência, negando provimento ao recurso do arguido PM, acordam em confirmar a sentença recorrida.
Condena-se o recorrente em 3Ucs de taxa de justiça.



Lisboa, 18 de janeiro de 2022



(Relator: Vieira Lamim)
(Adjunto: Artur Vargues)



[1]Neste sentido, Ac. do S.T.J. de 06-04-00, no B.M.J. nº496, pág.169.
[2]Germano Marques da Silva, ob. cit., pág.367; Ac. do STJ de 4Dez.03, Pº nº3188/03, in verbojuridico.com/jurisprudência/stj;
[3]Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, pág.165.
[4]No sentido de inadmissibilidade da suspensão da pena acessória de inibição de conduzir, no caso de condenação por crime, Acs. da Rel. Porto de 28Jan.04 e 13Abr.05, respectivamente, na C.J. ano XXIX, tomo 1, pág.207 e na C.J. ano XXX, tomo2, pág.218, da Relação de Coimbra de 14Julho00, na C.J. ano XXV, tomo 3, pág.53 e da Rel. de Lisboa de 30Out.03 ano XXVIII, tomo 4, pág.143.
[5]Germano Marques da Silva, “Crimes Rodoviários”, pág.28.


Decisão Texto Integral: