Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
20340/16.6T8LSB.L1-7
Relator: CONCEIÇÃO SAAVEDRA
Descritores: CONTRATO DE MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA
EXCLUSIVIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/09/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: (da exclusiva responsabilidade da relatora – art. 663, nº 7, do C.P.C.):

Comprovando-se que, no âmbito de contrato de mediação imobiliária com cláusula de exclusividade celebrado entre a A. (mediadora) e a Ré (cliente) com relação a um imóvel, esta veio a celebrar o negócio objeto do contrato (escritura pública de compra e venda) quatro dias depois da cessação do mesmo, com a mediação de uma outra empresa diversa da A., e que na vigência daquele contrato de mediação decorreram diligências tendentes à concretização da venda que veio efetivamente a ocorrer, é de concluir que a Ré incumpriu a estipulada cláusula de exclusividade;

Nesse caso, está a Ré obrigada a indemnizar a A., pagando-lhe, conforme expressamente contratado, a remuneração acordada.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.

I- Relatório:
A., veio propor contra B., ação declarativa comum pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia global de € 15.067,50 com juros acrescidos, por incumprimento do contrato de mediação, com exclusividade, na venda de um imóvel que fora acordado entre as partes.
A Ré contestou, por impugnação e exceção, arguindo ainda a má-fé da A., e esta respondeu.
Teve lugar audiência prévia, sendo proferido despacho saneador que conferiu a validade formal da instância, fixando-se à causa o valor de € 15.067,50. Identificou-se, ainda, o objeto do litígio e enunciaram-se os temas da prova.
Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença, em 27.10.2017, nos seguintes termos: “(...) julgo a presente acção improcedente por não provada e, em consequência, absolvo a R. do pedido.
Mais decido absolver a A. do pedido de condenação como litigante de má fé.
Custas pela A. – art. 527.º do CPC. (…).”
Inconformada, interpôs recurso a A., A., apresentando as respetivas alegações que culmina com as seguintes conclusões que se transcrevem no essencial:
   “
· Recorre-se do despacho de fls. que decidiu: “Pelos fundamentos expostos, julgo a presente ação improcedente por não provada e, em consequência, absolvo a R. do pedido.”, (cfr. despacho recorrido de fls.).
· Fundamentou o Tribunal a quo: 
“(…) Cremos que o mediador só tem direito à remuneração acordada se tiver cumprido a sua prestação contratual e, apesar disso, não vier a ser concluído o negócio visado com a mediação por causa imputável ao cliente. 
Ou seja, a remuneração da mediadora só é devida se a atividade que tiver desenvolvido contribuir para a conclusão do negócio visado, se puder ser estabelecida entre tal atividade e a conclusão do negócio uma relação causal.”, (cfr. despacho recorrido de fls.). 
· Lê-se ainda no Despacho recorrido: “Em conclusão a A. não tem direito à remuneração que reclama, pelo que a R. será absolvida do pedido.” 
· Face ao que consta em (§2.1.6), 12) e 13) e (§2.3, pp. 6) da douta decisão deveria ter-se concluído:
· Pela impossibilidade prática da Recorrida outorgar um contrato de mediação de imóvel a uma sexta-feira (como foi 29.05.2015) e fazer a escritura pública de compra e venda do mesmo imóvel, ora em causa nos autos, na segunda-feira seguinte (dia 01.06.2015)
· Pela prática de atos de mediação imobiliária, que foram prosseguidos, provados e não desmentidos por parte de funcionários da “Z, sociedade de mediação imobiliária, LDA”, pelo menos, desde 12.02.2015, em plena vigência do contrato de exclusividade que a R. mantinha com a A.
· Pela existência de um contrato verbal, ou não escrito entre a Recorrida e a Z, que só foi formalizado em 29.05.2015, porque o contrato existente entre a Recorrida e a Recorrente cessava em 28.05.2015, o que acolhimento na doutrina, pois, segundo a mais abalizada opinião doutrinal (representada por HIGINA ORVALHO CASTELO, in Contrato de mediação imobiliária cit., loc. cit, p. 17 e 19), sendo o “contrato de mediação imobiliária nulo”, “(…)Tem-se reconhecido unanimemente que a nulidade prevista no RJAMI - Lei 15/2013, de 8FEV - é atípica ou sui generis, ou seja, que não lhe corresponde o regime geral ditado pelo Código Civil para o negócio jurídico nulo”, ou seja, nesta sede, “a invocação da nulidade do contrato de mediação celebrado sem observância da forma escrita é recusada por se considerar abusiva, contrária à boa fé que deve orientar as relações contratuais em todas as suas fases”
· Ainda assim, a Z. quis garantir a formalização do contrato de exclusividade antes da outorga da escritura pública do contrato de compra e venda, a remuneração da prestação de serviços imobiliários pela ora Recorrida, sem o qual esta poderia, tal como o fez com a Recorrente, pretender eximir-se ao pagamento da remuneração pela mediação empreendida desde, pelo menos – repete-se – 12.02.2015
· A douta decisão do Tribunal a quo, dá também como provados factos que atendendo à prova produzida, valorou e erradamente 
· Segundo a testemunha (o comprador), a Recorrida disse-lhe sempre que tinha um contrato de mediação em vigor com a A, mas duas outras testemunhas da Recorrida vieram aos autos dizer que foi a Recorrida que procurou a Z. (ou os seus funcionários). 
· Apesar dos factos dados como provados a douta decisão não concluiu que bem antes da suspensão ou denúncia do contrato que unia a Recorrente à Recorrida (02.03.2015) esta, sponte sua, violou o contrato existente com a Recorrente (permitindo uma avaliação intermediada por outra imobiliária – a Z. - em12.02.2015)
· Apesar dos factos provados não foi considerado como devia tê-lo sido que a Recorrida com o seu comportamento, impediu a Recorrente de praticar mais atos de mediação dos que os que praticou, nestes se contabilizando os de elaboração pela Angariadora de uma avaliação de mercado, para o correto enquadramento do preço de venda, face aos valores praticado no mercado para a zona e imóveis com características idênticas, colocação na moradia, de um placard exterior de promoção da venda, com o nome da Angariadora da Recorrente e com os respetivos contactos telefónicos, divulgação pela Recorrente junto de toda a rede da Remax, onde todas as lojas Remax, não obstante juridicamente independentes, operam como parceiros comerciais entre si
· A Recorrente praticou aqueles atos de mediação e quer as testemunhas quer o próprio comprador confessaram ter conhecimento da sua divulgação pública.
· Obscuramente, em sede de “Direito”, §2.4, p. 10) o douto despacho dá como provado e não provado – simultaneamente – a existência de um contrato entre Recorrente e Recorrida
· O douto despacho confunde conceitos que a doutrina já decantou e iluminou a ponto de serem considerados válidos pela própria jurisprudência, como é o caso da já citada HIGINA ORVALHO CASTELO, in “Contrato de mediação imobiliária”, como é o caso dos artigos 19.º n.º 1, 19.º n.º 2 ambos da Lei 15/2013, de 8 de Fev,
· O douto despacho recorrido omite – ou esquece - as especificidades na remuneração no contrato em regime de exclusividade, como sejam as do contrato visado não se concretizar por causa imputável ao cliente, ou porque este incumpriu a cláusula de exclusividade. 
· A doutrina - HIGINA ORVALHO CASTELO, in “Contrato de mediação imobiliária”, pp. 12 e 13 - vem-nos dizer, em favor da tese da Recorrente e ao arrepio do que o douto despacho considera, que a celebração do contrato visado com interessado angariado por outra mediadora, pressupondo o incumprimento da cláusula de exclusividade pelo cliente, e não celebração do contrato com o interessado angariado pela mediadora exclusiva por causa imputável ao cliente podem coexistir num mesmo litígio. Assim sucedeu no Acórdão do TRP de 02/06/2011, proc. 141/09.9TBMAI.P1, CJ 2011, III, 196, no qual a mediadora exclusiva apresentou um interessado na compra e o cliente vendeu a um terceiro angariado por outra mediadora. 
· Pelo que, o douto despacho, com a matéria dada como provada deveria ter decidido pelo o incumprimento da cláusula de exclusividade por parte da Recorrida., porquanto existiu um contrato verbal, ou não escrito entre a Recorrida e a Z., que só foi formalizado em 29.05.2015, pelo que a R. deveria deve pagar à mediadora exclusiva, ora Recorrente, a remuneração acordada.”
Em contra-alegações, veio a Ré sustentar, no essencial, o acerto do julgado.
O recurso foi recebido como de apelação, a subir nos próprios autos e com efeito devolutivo.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
***
II- Fundamentação de Facto:
A decisão da 1ª instância fixou como provada a seguinte factualidade:

     Da petição inicial:
· A A. é uma sociedade que se dedica à mediação imobiliária.
· No âmbito da sua actividade comercial, a A. e a R. celebraram um denominado contrato de mediação imobiliária, datado de 28.11.2014 e com o n.º 2014/513, e junto a fls. 21/22.
· De acordo com a cláusula 4.ª do contrato, a A. foi contratada em regime de exclusividade.
· No contrato, as partes não estabeleceram prazo de duração do mesmo.
· O contrato tem como objecto o prédio em propriedade total sem andares ou divisões suscetíveis de utilização independente, sito na Rua ...
· Com data de 01.06.2015, a R. e João L. celebraram a escritura pública constante de fls. 36 e ss, pela qual a primeira vendeu ao segundo que comprou o prédio id. em 5).
· Com data de 08.04.2016, a A. remeteu à R. a missiva de fls. 23, pela qual solicita o pagamento da quantia de €15.067,50, correspondentes a uma “comissão devida de 5%” acrescida de Iva à Taxa legal de 23%
· A A. emitiu em nome da R. a factura n. 00289, datada de 06.05.2016, com data de vencimento em 06.05.2016, no valor de € 15.067,50 e relativa a “prestação de serviços imobiliários.”.
· Em resposta, em carta datada de 24.04.2016 e junta a fls. 29, a R. comunicou à A. que suspendeu o contrato em 02.03.2015 e que não existiu qualquer trabalho desenvolvido pela Autora e angariadora responsável Olga V.
· A A. em resposta enviou à R. a carta junta a fls. 31/32.
· Após a carta da R. foi feita, pelo menos, uma visita ao prédio da R..
· A compra e venda referida em 6) teve a intermediação da Z., Sociedade de Medição Imobiliária, Limitada.
· O comprador do prédio da R. recorreu a financiamento bancário, pela Caixa Geral de Depósitos, tendo o processo tido início em 12.02.2015, com o pedido de avaliação ao prédio da R..
***
III- Fundamentos de Direito:
Como é sabido, são as conclusões que delimitam o âmbito do recurso. Por outro lado, não deve o tribunal de recurso conhecer de questões que não tenham sido suscitadas no tribunal recorrido e de que, por isso, este não cuidou nem tinha que cuidar, a não ser que sejam de conhecimento oficioso.
Compulsadas as conclusões do recurso, verificamos que são as seguintes as questões a decidir:
· Da impugnação da matéria de facto;
· Da aplicação do direito aos factos (da violação da cláusula de exclusividade pela Ré).

A) Da impugnação da matéria de facto:
Afirma a recorrente que o Tribunal a quo deu como provados factos “que atendendo à prova produzida, valorou e erradamente” e passa a transcrever, no texto  da alegação, excertos de depoimentos prestados em audiência, o que faz supor que pretende impugnar a matéria de facto.
Vejamos se poderá considerar-se validamente impugnada a matéria de facto.
De acordo com o princípio consagrado no art. 607, nº 5, do C.P.C. de 2013, o tribunal aprecia livremente as provas e fixa a matéria de facto em conformidade com a convicção que haja firmado acerca de cada facto controvertido, salvo se a lei exigir para a existência ou prova do facto jurídico qualquer formalidade especial, caso em que esta não pode ser dispensada. As provas são assim valoradas livremente, sem qualquer grau de hierarquização nem preocupação do julgador quanto à natureza de qualquer delas.
Os poderes do tribunal da Relação de alteração da decisão de 1ª instância sobre a matéria de facto foram, por seu turno, largamente ampliados e reforçados pelo C.P.C. de 2013, como decorre do seu atual art. 662, no confronto com o anterior art. 712 do C.P.C. 1961.
No entanto e ao mesmo tempo, a impugnação da decisão relativa à matéria de facto obedece a determinadas exigências que surgem agora mais precisas que no anterior C.P.C. de 1961 e cuja observância não pode deixar de ser apreciada à luz de um critério de rigor().
Assim, de acordo com o atual art. 640, nº 1, do C.P.C.: “Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.”
No que toca à especificação dos meios probatórios, incumbe ainda ao recorrente “sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes” (art. 640, nº 2, al. a)).
Finalmente, tais regras terão de compaginar-se com aquela outra já indicada de que as conclusões delimitam o âmbito do recurso (art. 635, nº 4).
A. Abrantes Geraldes resume as obrigações impostas ao recorrente que impugne a matéria de facto no domínio do C.P.C. de 2013 do seguinte modo: “a) Em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões; b) Quando a impugnação se fundar em meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados, o recorrente deve especificar aqueles que, em seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos; c) Relativamente a pontos da decisão da matéria de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre ao recorrente indicar com exactidão as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos; d) O recorrente deixará expressa a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência nova que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente, também sob pena de rejeição total ou parcial da impugnação da decisão da matéria de facto. (…)”.()
Assim, e em síntese, ao recorrente que impugne a matéria de facto caberá indicar os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados (aos quais deve aludir na motivação do recurso e sintetizar nas conclusões), especificar os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que, em seu entender, impunham decisão diversa quanto a cada um desses factos e propor, ainda, a decisão alternativa sobre cada um deles. A não observância de tais regras implicará a rejeição imediata do recurso.
Da simples leitura das conclusões resulta que a recorrente não dá cumprimento às indicadas exigências legais.
Com efeito, embora aparente discordar da matéria de facto fixada e tenha procedido, como dissemos, à transcrição parcial e apreciação de vários depoimentos prestados, a verdade é que depois não enuncia os concretos pontos da matéria julgada assente que impugna nem propõe, quanto a cada um desses pontos, a resposta alternativa, tal como não especifica os meios probatórios que justificariam, uma a uma, as alterações propostas. O mesmo se passa no que respeita aos factos não provados que também não individualiza.
Ou seja, a apelante não identifica, com a indispensável precisão e clareza, quais os concretos factos que, afinal, em seu entender, deveriam considerar-se provados ou que, tendo sido julgados provados, deveriam considerar-se não provados, nem enuncia o teor de outros, essenciais, que cumpriria aditar ou qual a redação alternativa proposta quanto a qualquer dos pontos assentes de que discorde. Além disso e correlativamente, não justifica, ponto por ponto, que meios de prova determinariam decisão distinta.
Em resumo, o recorrente não reclama resposta diversa ou alternativa a qualquer dos concretos pontos da matéria de facto elencados na sentença, nem requer a eliminação ou o aditamento de novos factos, em função da prova produzida e livremente apreciada.
Por sua vez, nenhuma dificuldade teria o recorrente em aludir aos pontos de facto que foram enumerados na sentença como provados e como não provados, especificando, com relação a cada um impugnado, qual a resposta alternativa pretendida, ou em assinalar cada um daqueles que, no seu entender, devia ser também julgado provado e com que fundamento.
A omissão verificada compromete, de forma irremediável, o recurso quanto à decisão da matéria de facto, pois, como dissemos, a inobservância dos requisitos previstos no art. 640 do C.P.C. impõe logo a rejeição do recurso nessa parte, sem lugar a aperfeiçoamento, prejudicando a apreciação por esta Relação sobre a modificabilidade da decisão de facto prevista no art. 662 do C.P.C..
Assim, rejeita-se o recurso sobre a decisão da matéria de facto, com o que se mantém inalterada a factualidade fixada em 1ª instância.

B) Da aplicação do direito aos factos:
Aqui chegados, cumpre fazer a subsunção jurídica dos factos definitivamente fixados
Na sentença, concluiu-se pela improcedência da causa e absolvição da Ré do pedido, discorrendo-se: “(…) como no caso acontece, se tiver sido acordada a mediação imobiliária para a concretização do negócio em regime de exclusividade entre o mediador e o proprietário do imóvel, o direito à remuneração do mediador que tiver sido acordada também existe, independentemente de tal concretização, desde que a não concretização do negócio se fique a dever a causa imputável ao proprietário cliente do mediador.
Por um lado, o direito à remuneração implica a execução da prestação contratual a que o mediador se obrigou, nomeadamente a prática dos actos adequados a conseguir que seja atingido o objectivo do contrato – a concretização e perfeição do negócio visado com a mediação – e que tal objectivo só não seja atingido por conduta impeditiva do cliente.
O que traduz e acentua a existência da relação causal entre as condutas do proprietário e do mediador e a concretização do negócio visado pela mediação.
Assim sendo o direito à remuneração, no caso de mediação em exclusividade, pressupõe que o mediador demonstre que praticou todos os actos necessários à concretização do negócio entre o seu cliente e o terceiro interessado e que, só por conduta imputável ao cliente, o negócio visado se não concretizou.
No caso dos autos, a A. alegou que o negócio não se realizou em virtude da recusa da R. em aceitar a proposta que lhe foi apresentada e em receber as visitas dos potenciais interessados.
Acontece que tal matéria não resultou provada.
Nestes autos, resultou provada apenas uma visita ao imóvel.
Face a tanto, não se pode afirmar existir uma relação causal entre a actividade desenvolvida pela A. e a concretização do negócio que viria a ser celebrado entre a R. e o terceiro.
Com isto cai pela base um dos pressupostos do direito à remuneração acordada: a prática de actos de mediação susceptíveis de conduzir à concretização do negócio visado entre a R. e um terceiro.
Cremos que o mediador só tem direito à remuneração acordada se tiver cumprido a sua prestação contratual e, apesar disso, não vier a ser concluído o negócio visado com a mediação por causa imputável ao cliente.
Ou seja, a remuneração da mediadora só é devida se a actividade que tiver desenvolvido contribuir para a conclusão do negócio visado, se puder ser estabelecida entre tal actividade e a conclusão do negócio uma relação causal.
Importaria demonstrar, o que no caso não sucede, que a concretização de tal negócio entre o cliente da mediadora e o terceiro resultou da actividade de mediação desenvolvida e que esta era adequada e suficiente a esse fim.
Ora no caso dos autos, a actividade desenvolvida pela A. não foi adequada nem suficiente à concretização do negócio de compra e venda efectivamente celebrado, pelo que se conclui que não assiste à mesma o direito à remuneração que tinha sido acordada.
Não defendemos a outra solução defendida pela A. e assente na violação da exclusividade, uma vez que a R. celebrou com um terceiro angariado por outra mediadora.
Esta solução não tem em consideração que a compra e venda do prédio da R. foi outorgada em data posterior à da cessação do contrato de mediação. Ou seja, a exclusividade já tinha cessado., pelo que não foi violada.
Em conclusão a A. não tem direito à remuneração que reclama, pelo que a R. será absolvida do pedido. (…).”
A recorrente discorda do entendimento seguido, considerando que foi violada a cláusula de exclusividade, dado que na vigência do contrato celebrado entre a A. e a Ré esta negociou através de uma outra imobiliária a venda respetiva, permitindo até uma avaliação do imóvel para o efeito, apesar desse outro contrato de mediação só ter sido formalizado mais tarde.
A recorrida, por sua vez, sustenta que a venda foi apenas concretizada após o termo do contrato de mediação celebrado entre as partes e que, durante a respetiva vigência, sempre a A. poderia ter promovido com sucesso o negócio pretendido, o que impossibilitaria qualquer outro que a Ré se propusesse realizar. Mais refere que quando cessou o contrato de mediação não estava em curso qualquer negociação promovida pela A..
Vejamos.
O contrato de mediação imobiliária encontra-se hoje regulado pela Lei nº 15/2013, de 8.2, ao caso aplicável, não deixando de ser, como se observou na sentença recorrida, uma modalidade especial do contrato de prestação de serviços previsto nos arts. 1154 a 1156 do C.C..
De acordo com o disposto no art. 2, nºs 1 e 2, da aludida Lei nº 15/2013, a atividade de mediação imobiliária consiste na procura, por parte do mediador em nome do cliente, de destinatários para a realização de negócios que visem a constituição ou aquisição de quaisquer direitos reais sobre bens imóveis, a permuta, o trespasse ou o arrendamento dos mesmos, bem como a cessão de posições em contratos que tenham por objeto bens imóveis, desenvolvendo para o efeito ações de promoção e recolha de informações sobre os negócios pretendidos e sobre as características dos respetivos imóveis. Mais estabelece o nº 5 daquele art. 2 que se define como destinatário do serviço o terceiro que celebre com o cliente da empresa qualquer negócio mediado por esta.
A lei vigente deixa, por isso, de aludir à obrigação da mediadora de efetuar determinadas diligências (como sucedia no revogado DL nº 211/2004, de 20.8), limitando-se a descrever a atividade como a procura de destinatários.
Todavia, sendo o contrato de mediação imobiliária reduzido a escrito, estabelecerá o mesmo a concreta obrigação jurídica assumida pela empresa mediadora (ver art. 16 da Lei nº 15/2013).
Em todo o caso, afigura-se que a lei trata de uma forma particular os contratos de mediação imobiliária com cláusula de exclusividade, o que decorre da própria forma de remuneração (cfr. art. 19 do Diploma).
Segundo Higina Orvalho Castelo: “(…) Apesar de a lei não fazer qualquer referência ou distinção a propósito da prestação da mediadora nos contratos de mediação imobiliária com cláusula de exclusividade, devemos entender que, quando a mediadora tem o benefício da exclusividade, ela está sempre obrigada à prestação, ou seja, está obrigada a desenvolver a atividade no sentido de obter interessado no contrato e/ou de levar as negociações a bom porto.
Não faria qualquer sentido que alguém que pretende interessado para um contrato celebrasse um contrato de mediação para esse fim, vinculando-se a não celebrar contrato com o mesmo objeto com qualquer outra mediadora, se a contraparte não se obrigasse a desempenhar o seu papel, ou seja, a diligenciar por obter interessado no contrato que o cliente pretende celebrar. Um contrato de mediação em que a mediadora a nada se obrigasse, mas em que o cliente ficasse impedido de recorrer a outras mediadoras, seria um contrato totalmente desequilibrado que ninguém, minimamente esclarecido, celebraria. (…)”().
Concordamos que nos contratos de mediação imobiliária com cláusula de exclusividade, e sem prejuízo da estipulação neles concretamente definida, a mediadora fica obrigada a desenvolver as ações necessárias à obtenção de interessado no negócio bem como, pelo menos, as tendentes à sua concretização.
No contrato de mediação simples a remuneração será, em princípio, devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação (art. 19, nº 1). É, desse modo, indispensável para que o mediador adquira o direito à remuneração que o negócio seja concluído por efeito da sua intervenção (o mediador deve conseguir interessado por si angariado que venha a concretizar o negócio) ou seja, que a atividade desenvolvida pelo mediador constitua causa adequada à conclusão do negócio, mesmo que não seja a única causa do resultado produzido.
Porém, o regime será diverso havendo cláusula de exclusividade, pois de acordo com o nº 2 do art. 19 da mesma Lei: “É igualmente devida à empresa a remuneração acordada nos casos em que o negócio visado no contrato de mediação tenha sido celebrado em regime de exclusividade e não se concretize por causa imputável ao cliente proprietário ou arrendatário trespassante do bem imóvel.”
De acordo com este normativo – e não obstante a sua deficiente formulação – se o contrato for celebrado em regime de exclusividade, a remuneração será devida se a mediadora cumpriu a prestação a que se obrigou mas o negócio visado não se concretizou por causa imputável ao cliente. Deste modo, e para se eximir ao pagamento, terá o cliente de provar que nenhuma culpa teve na não realização do negócio previsto.
A par desta situação, e com base nas regras gerais relativas ao incumprimento das obrigações, identifica Higina Orvalho Castelo a obrigatoriedade do pagamento da remuneração havendo incumprimento da cláusula de exclusividade, em virtude do cliente vir a celebrar o contrato visado com um interessado angariado por uma mediadora concorrente (ou na celebração do contrato visado com pessoa diretamente encontrada pelo cliente, no caso de exclusividade absoluta)(). “(…) Nos contratos bilaterais, se a prestação se tornar impossível por causa imputável ao credor, não fica este desobrigado da contraprestação (art. 795, n.º 2, do CC). É também esta a solução conferida para o caso análogo do contrato de agência exclusivo: o agente tem direito à comissão por atos concluídos durante a vigência do contrato (mesmo que não os tenha promovido nem tenham sido celebrados por clientes por si angariados), se gozar de um direito de exclusividade para uma zona geográfica ou para um círculo de clientes e se os mesmos atos tiverem sido concluídos com um cliente pertencente a essa zona ou círculo de clientes (cfr. art. 16, n.º 2, conjugado com o n.º 1, do Regime do Contrato de Agência – DL 178/86, de 3 de julho, alterado pelo DL 118/93, de 13 de abril).(…).”()
Assim, resume aquela autora: “(…) No contrato de mediação com cláusula de exclusividade, a impossibilidade de cessação unilateral e discricionária significa que o cliente tem de pagar a remuneração nos seguintes casos:
a) Tal como no contrato de mediação simples, se o cliente vier a celebrar o contrato visado graças à atividade desenvolvida pela empresa de mediação durante o prazo contratual (nomeadamente por o celebrar com interessado que a mediadora lhe apresentou durante o prazo do contrato), ainda que a celebração do contrato visado ocorra fora do período do contrato;
b) Se o cliente, incumprindo o contrato de mediação com cláusula de exclusividade, celebrar contrato de mediação com outra mediadora e vier a celebrar o contrato visado com terceiro apresentado por esta outra mediadora durante a vigência do contrato incumprido – retribuirá a mediadora exclusiva nos termos do disposto no art. 795, n.º 2, do CC;
c) Sendo o cliente da empresa de mediação o proprietário ou o arrendatário trespassante do imóvel objeto do contrato visado, se, durante o prazo de vigência do contrato de mediação, a empresa mediadora apresentar ao cliente pessoa interessada, disposta e pronta a celebrar o contrato visado, e o cliente não o celebrar por causa que lhe seja imputável – há direito à remuneração nos termos do art. 19, n.º 2.”()
Revertendo para o caso em análise, verificamos que a A. e a Ré celebraram, em 28.11.2014, um contrato de mediação imobiliária, em regime de exclusividade, respeitante ao imóvel identificado no ponto 5 supra, acordando que “A Mediadora obriga-se a diligenciar no sentido de conseguir interessado na compra (…), pelo preço de € 290.000,00 (…), desenvolvendo para o efeito, acções de promoção e recolha de informações sobre os negócios pretendidos e características dos respectivos imóveis” (cláusula 2ª).
Mais estabeleceram que o contrato se renovaria “automaticamente por iguais e sucessivos períodos de tempo, caso não seja denunciado por qualquer das partes contratantes através de carta registada com aviso de receção ou outro meio equivalente, com a antecedência mínima de 10 dias em relação ao seu termo” (cláusula 8ª).
Não tendo sido fixado o prazo de duração inicial, é de considerar o contrato celebrado por um período de 6 meses (art. 16, nº 3, da Lei nº 15/2013).
Uma vez que a Ré comunicou à A., em 2.3.2015, a sua intenção de suspender o contrato (pontos 9 e 10 supra), terá de interpretar-se que o denunciou validamente, opondo-se à sua renovação a partir de 28.5.2015, conforme se concluiu em 1ª instância.
Resultou provado, por outro lado, que o referido imóvel veio a ser vendido por escritura pública celebrada em 1.6.2015, com a intermediação da Z., Sociedade de Medição Imobiliária, Lda, e que o comprador respetivo recorreu a financiamento bancário, pela Caixa Geral de Depósitos, tendo o processo tido início em 12.2.2015, com o pedido de avaliação ao prédio da Ré (pontos 6, 12 e 13 supra).
Retomando os critérios da remuneração no contrato de mediação com cláusula de exclusividade, verificamos que não se mostra verificada a situação prevista no art. 19, nº 2, da Lei nº 15/2013. Com efeito, não ficou demonstrado que, na vigência do contrato de mediação, a A. tenha apresentado à Ré, sua cliente, terceiro interessado no negócio visado e que tal negócio apenas não se concretizou por culpa da referida Ré.
Nada, de resto, se provou quanto ao desempenho da A., apurando-se somente que foi feita pelo menos uma visita ao prédio em questão depois de 24.4.2015 (pontos 9 e 11 supra).
Do mesmo modo, não resultou minimamente demonstrado que o contrato de compra e venda que veio a celebrar-se em 1.6.2015 tenha ficado a dever-se, por qualquer forma, à atividade da A. durante a vigência do contrato, sendo que o mesmo teve até a intermediação formal de uma outra entidade. Ou seja, não se provou que a atividade desenvolvida pela A. constituiu causa adequada à conclusão do negócio e a matéria apurada afasta mesmo qualquer presunção de que aquela tenha facilitado a aproximação entre a Ré e o terceiro adquirente (presunção de existência do nexo causal)().
Em suma, não se provou e nada permite concluir que a celebração da compra e venda levada a cabo foi alcançada pela atividade de mediação desenvolvida pela A..
Resta-nos a questão do incumprimento da cláusula de exclusividade.
“(…) Durante a vigência da cláusula da exclusividade, o cliente não pode fazer cessar unilateralmente o contrato, sem justa causa. Se o pudesse, a cláusula seria de todo ineficaz.
Porém (salvo se se tiver convencionado a exclusividade absoluta), tal cláusula não impede a negociação objecto do contrato directamente pelo cliente com algum interessado que se lhe dirija sem ser por intermédio da mediadora ou o obriga a contratar apenas com interessados que lhe sejam indicados por esta. Apenas o impede, como dito, de contratar outra mediadora para a promoção do mesmo negócio visado durante aquele período do contrato, o que, a acontecer, implicaria violação da cláusula com as respectivas consequências. (…).”()
Ora, provou-se que a Ré veio a celebrar o contrato de compra e venda com um terceiro, através de uma outra mediadora, em 1.6.2015, isto é, quatro dias após a cessação do contrato de mediação sub judice, mais se apurando que, tendo o respetivo comprador recorrido a financiamento bancário, tal processo teve início em 12.2.2015, com o pedido de avaliação ao dito prédio da Ré (pontos 6, 12 e 13 supra).
Deste modo, comprovado fica que o negócio visado não foi outorgado na vigência do contrato de mediação ora em análise, mas também resulta inevitável que nesse período decorreram diligências tendentes a essa concretização, o que, de resto, a própria Ré admite (defendendo embora, na sua contestação, que na vigência do contrato com a A. nunca afastou a hipótese do imóvel ser vendido por intermediação desta, o que sempre haveria de prevalecer, e que só aceitou a proposta do terceiro depois de cessado o contrato de mediação).
Será tal circunstancialismo suficiente, como defende a apelante, para caracterizar uma situação de incumprimento da cláusula de exclusividade?
Julgamos que sim, pois a dita cláusula de exclusividade, passe a redundância, não pode deixar de ser entendida como o direito da mediadora a, na vigência do contrato, promover, em exclusivo, o negócio pretendido.
De resto, e não obstante a sua discutível formulação, ficou expressamente consagrado no referido contrato de mediação de fls. 21/22, sobre o regime da contratação em exclusividade, que: “Nos termos da legislação aplicável, quando o contrato é celebrado em regime de exclusividade só a Mediadora contratada tem o direito de promover o negócio objecto do contrato de mediação durante o respetivo período de vigência, ficando o Segundo Contratante obrigado a pagar a comissão acordada caso viole a obrigação de exclusividade.” (cláusula 4ª, nº 2).
Deste modo, tem de concluir-se que a venda do prédio objeto da mediação acordada entre A. e Ré realizada em 1.6.2015, com a mediação de empresa diversa da A. (e sem prejuízo de ter sido formalizado ou não esse outro contrato de mediação), constitui claro desrespeito da indicada cláusula de exclusividade, pois embora a escritura pública respetiva tenha apenas tido lugar depois de cessado o contrato de mediação sub judice (mais precisamente, quatro dias depois), a promoção do respetivo negócio ocorreu em plena vigência do contrato (com pedido de avaliação ao prédio para financiamento ao comprador em 12.2.2015 – ponto 13 supra), com evidente violação do que fora contratado entre a A. e a Ré.
A conduta da Ré mostra-se, aliás, contrária à boa-fé, essencial na execução dos contratos, enquanto veículo do princípio da materialidade subjacente, na medida em que o simples cumprimento do formalismo legal não pode desconsiderar a realização do modelo pretendido pelo Direito().
Nas expressivas palavras de Menezes Cordeiro: “A conformidade material exige que, no exercício de posições jurídicas, se realizem, com efetividade, os valores pretendidos pelo ordenamento: não, apenas, o ritualismo exterior. Será pois contrária à boa fé qualquer conduta que apenas na forma dê corpo ao que o Direito determine. (...) A boa fé exige que os exercícios jurídicos sejam avaliados em termos materiais, de acordo com as efetivas consequências que acarretem. (…).”()
Ou seja, a circunstância da Ré não ter celebrado, na vigência do contrato exclusivo, contrato formal com outro mediador ou celebrado a escritura de compra e venda, não assegura, em suma, nos termos acima descritos, a observância da exclusividade acordada à luz das regras da boa-fé.
Assim sendo, irrelevante se torna a falta de prova de que tal preparação comprometeu a atuação da A. no âmbito do contrato de mediação ou a não prova de que tenha inviabilizado qualquer negócio por aquela, entretanto, promovido.
Havendo incumprimento contratual da Ré nos termos referidos, incumbe-lhe indemnizar a A. (arts. 798 e 562 e ss., do C.C.), o que corresponderá, no caso, ao pagamento da comissão acordada, como foi também expressamente convencionado (cláusula 4ª).
Assim, e tendo o imóvel sido vendido, de acordo com a escritura pública de fls. 36 e ss., pelo preço de € 245.000,00, deve a Ré pagar à A., conforme peticionado, a quantia de € 12.250,00 (€ 245.000,00x5%) acrescida de IVA à taxa legal em vigor (cláusula 5ª), num total de € 15.067,50, e ainda juros de mora, à taxa comercial, desde 1.6.2015.
Procede, assim, o recurso.
***
IV- Decisão:
Termos em que e face ao exposto, acordam os Juízes desta Relação em, julgando procedente a apelação, revogar a sentença recorrida e condenar a Ré, B., a pagar à A. a quantia de € 15.067,50, com juros acrescidos desde 1.6.2015.
Custas pela Ré/apelada.
Notifique.
***

Lisboa, 9.10.2018

Maria da Conceição Saavedra

Cristina Coelho

Luís Filipe Pires de Sousa