Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
441/05.7TTCSC.L1-4
Relator: MANUELA FIALHO
Descritores: PACTO DE NÃO CONCORRÊNCIA
INDEMNIZAÇÃO
PRESCRIÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/27/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA A SENTENÇA
Sumário: O prazo prescricional constante do Artº 381º do CT de 2003 não é aplicável ao crédito emergente da violação de pacto de não concorrência pós contratual.

(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa.


Relatório:


AAA, LDA., A. nos autos acima identificados em que é R. BBB, tendo sido notificada da sentença que julgou procedente a exceção perentória de prescrição invocada pelo R. relativamente ao pedido de indemnização fundado na violação do dever de não concorrência [alínea b) do pedido], absolvendo-o do mesmo, não se podendo conformar com aquela, vem interpor RECURSO DE APELAÇÃO.

Pede a revogação da Sentença recorrida, ordenando-se a baixa dos Autos à 1ª Instância para a realização de julgamento do pedido de indemnização por violação do dever de não concorrência pós-contratual por parte do Recorrido.

Formula as seguintes conclusões:
A.–A Sentença objeto de impugnação julgou verificada uma exceção perentória de prescrição do direito da Recorrente no que respeita à violação do dever de não concorrência pós-contratual que o Recorrido se encontrava obrigado a observar.
B.–A Recorrente e a Recorrido celebraram um contrato de trabalho nos termos do qual o Recorrido assumiu uma obrigação de não concorrência com efeitos post contractum finitum.
C.–O Recorrido comunicou à Recorrente a rescisão do seu contrato de trabalho com efeitos a 31 de outubro de 2004, ainda que haja exercido funções laborais apenas até 15 de outubro de 2004 – o que veio consubstanciar o desrespeito pelo Recorrido do aviso prévio que havia dado e a que se encontrava obrigado perante a Recorrente – pelo que a data de cessação do contrato de trabalho é juridicamente 31 de outubro de 2004.
D.–O prazo de prescrição aplicável à violação de uma obrigação de não concorrência pós contratual não é – nem pode ser – o previsto no n.º 1 do art. 381.º do Código do Trabalho de 2003 [aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27/08].
E.–O prazo prescricional previsto no n.º 1 do art. 381.º do Código do Trabalho é inaplicável à obrigação pós-contratual de não-concorrência do trabalhador, uma vez que esta disposição legal apenas abrange créditos resultantes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação, não sendo este o caso relativamente a créditos indemnizatórios da Recorrente que resultam do incumprimento pelo Recorrido de estipulações cujos efeitos se produzem após a cessação da relação jurídica laboral e que, inclusive, podem perdurar para além de um ano após a cessação do contrato de trabalho.
F.–E esse princípio aplica-se também aos créditos do trabalhador (decorrentes da violação do pacto de não concorrência pelo empregador). A seguir-se a tese da Sentença em apreço, se o empregador deixasse de pagar compensação pelo pacto de não concorrência vencida depois de decorridos 12 meses da cessação do contrato de trabalho, o seu crédito estaria prescrito antes de se vencer, o que seria um absurdo jurídico.
G.–Estes créditos assumem uma natureza diversa das prestações típicas vencidas na pendência do contrato de trabalho, sendo contrário à sua natureza que os créditos relativos a estes pactos de não concorrência pós contratual prescrevam num prazo inferior ao prazo da sua oponibilidade ou vencimento.
H.–Não estando preenchidos os pressupostos de que depende a aplicabilidade do prazo prescricional previsto no artigo 381.º n.º1 do Código do Trabalho, terá de se considerar aplicável o artigo 309.º do Código Civil, que estatui um prazo prescricional geral de 20 anos.
I.–Sem embargo, a entender-se que existe uma lacuna que deverá ser integrada mediante o recurso à norma aplicável aos casos análogos, com as devidas ressalvas e, em consequência, se considerasse aplicável à prescrição da obrigação de não concorrência pós-contratual do Recorrido o disposto no artigo 381º do Código do Trabalho, por aplicação do disposto no artigo 306º n.ºs 1 e 2 do Código Civil, esta prescrição apenas poderia ocorrer um ano após o efetivo incumprimento das mesmas obrigações e do momento em que o empregador possa exercer o seu pedido indemnizatório.
J.–Qualquer uma das vias importará, no caso concreto, a improcedência da exceção perentória invocada pelo Recorrido, porquanto na data da citação do Recorrido o prazo prescricional não se encontrava excedido.
K.–Não obstante, ainda que se entendesse que o disposto no n.º 1 do artigo 381.º do Código do Trabalho era aplicável stricto sensu à prescrição da obrigação pós-contratual de não concorrência do Recorrido – o que não se concede – esta apenas ocorreria um ano após a cessação do contrato de trabalho (31.10.2005).
L.–A cessação do contrato de trabalho ocorre na data indicada na declaração de cessação como correspondendo ao termo do prazo de aviso prévio, pelo que a relação jurídica laboral entre a Recorrente e o Recorrido cessou apenas em 31.10.2004 e não em 15.10.2004, não se vislumbrando assim como será admissível a consideração judicial de que o prazo de prescrição se haveria completado.
M.–Não existiu qualquer manifestação de vontade da Recorrente no sentido de dar o seu acordo a uma cessação antecipada da relação jurídica laboral existente, nem tal facto está dado como assente na Sentença.
N.–Ainda que se admitisse uma tal manifestação de vontade da Recorrente, a situação de cessação do contrato de trabalho sempre consubstanciaria, consoante o disposto na alínea b) do art. 384.º do Código de Trabalho, um acordo revogatório do contrato de trabalho, o qual, nos termos do n.º1 do art. 394.º do mesmo diploma, obedece à forma escrita, cuja inobservância sempre conduziria à nulidade do acordo (cfr. art. 220.º do Código Civil).
O.–A Sentença recorrida violou assim os artigos 146º, 381º n.º 1, 384º b), 394º n.º 1 e 448º do Código do Trabalho de 2003 e os artigos 306º n.ºs 1 e 2 e 309º do Código Civil.

Não foram proferidas contra-alegações.

O MINISTÉRIO PÚBLICO entende que o recurso não merece provimento.
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Exaramos, para cabal compreensão, um breve resumo dos autos.
AAA, LDA., intentou a presente ação declarativa com processo comum contra BBB, pedindo a final a condenação do réu a: a) pagar à Autora a quantia de € 24.939,89, a título de indemnização por violação do dever de confidencialidade, acrescida de juros de mora à taxa legal contados desde a data da citação até integral e efetivo pagamento; b) pagar à Autora a quantia de € 15.636,10, a título de indemnização por violação do dever de não concorrência, acrescida de juros de mora à taxa legal contados desde a data da citação até integral e efetivo pagamento.

Realizou-se audiência de partes, não tendo sido possível obter a conciliação das mesmas.

Na contestação o réu, para além de ter invocado a incompetência material dos tribunais do trabalho para conhecer de ambos os pedidos, invocou a prescrição dos créditos reclamados pelo autor, relativamente a ambos os pedidos de indemnização.

Foi proferido despacho saneador-sentença que julgou procedente a exceção da incompetência material do tribunal para conhecer do pedido de indemnização fundado na violação do dever de não concorrência [alínea b) do pedido] e que julgou procedente a exceção da prescrição relativamente ao pedido de indemnização fundado na violação do dever de confidencialidade [alínea a) do pedido];
O TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA revogou a decisão da 1.ª instância, tendo julgado o tribunal materialmente competente para conhecer do pedido de indemnização fundado na violação do dever de não concorrência [alínea b) do pedido] e julgado improcedente a invocada exceção da prescrição relativamente ao pedido de indemnização fundado na violação do dever de confidencialidade [alínea a) do pedido];
O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA revogou o acórdão do Tribunal da Relação na parte em que julgou improcedente a exceção da prescrição relativamente ao pedido de indemnização fundado na violação do dever de confidencialidade [alínea a) do pedido], repristinando nessa medida a decisão da 1.ª instância que absolveu o réu do pedido, e confirmando, no mais o acórdão do TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA, e «devendo o processo prosseguir os seus termos para apreciação do pedido de indemnização por violação do dever de não concorrência deduzido na alínea b) da conclusão da petição inicial»
No prosseguimento dos autos, veio a ser proferida sentença que julgou procedente a exceção de prescrição invocada pelo réu BBB e, em consequência, absolveu-o [também] deste pedido contra si deduzido.
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As conclusões delimitam o objeto do recurso, o que decorre do que vem disposto nos Art.º 608º/2 e 635º/4 do CPC. Apenas se exceciona desta regra a apreciação das questões que sejam de conhecimento oficioso.
Nestes termos, considerando a natureza jurídica da matéria visada, é a seguinte a questão a decidir, extraída das conclusões:
–O prazo de prescrição aplicável à violação de uma obrigação de não concorrência pós contratual não é o previsto no nº 1 do Artº 381º do CT de 2003?
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OS FACTOS:

Com pertinência para a apreciação da suscitada exceção, releva a seguinte factualidade:
1.-Em 4 de Junho de 2001 autora e réu celebraram o acordo escrito denominado “contrato de trabalho” cuja cópia faz fls. 42 a 47 dos autos e cujo teor aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos.
2.-O réu foi contratado pela autora para exercer as funções inerentes à categoria de consultor.
3.-O réu enviou à autora a carta datada de 29 de Setembro de 2004, comunicando-lhe a “rescisão” do referido contrato “com efeitos a partir do próximo dia 31 de Outubro de 2004”.
4.-O réu exerceu as referidas funções ao serviço da autora até 15 de Outubro de 2004.
5.-A autora, para efeitos de cálculo das importâncias devidas ao ré, pela cessação do contrato de trabalho, procedeu ao desconto atinente na remuneração, da importância de € 833,87, correspondente à falta de aviso prévio relativo à rescisão do contrato, por 16 dias, tendo pago ao réu 14 dias de trabalho relativamente a Outubro de 2004.
6.-A autora intentou a presente ação em 21 de Outubro de 2005, com pedido de citação prévia, vindo o réu a ser citado em 26 de Outubro de 2005.
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O DIREITO:

Conforme acima elencado a questão que importa decidir no âmbito do presente recurso prende-se com a prescrição do crédito reclamado – indemnização por violação do dever de não concorrência pós contratual.
A sentença, fundando-se numa afirmação constante do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido nos autos e que levou à declaração de competência do tribunal para conhecimento das matérias aqui em discussão, vem a concluir pela invocada prescrição, afastando a tese defendida pela A. – ora Apelante – segundo a qual ao caso se aplica o prazo prescricional constante do CC.
Exarou-se, efetivamente, no aresto acima enunciado que “é indiscutível que a alegada violação de cláusula de não concorrência configura uma questão emergente de relação de trabalho subordinado, pelo que os tribunais do trabalho são competentes para dela conhecer, nos termos do disposto na alínea b) do artigo 85.º da LOFTJ”.

É assim que a sentença prossegue, consignando que “de acordo com o disposto no artigo 381.º, n.º 1 do Código do Trabalho [na redação aplicável ao caso em apreço, resultante da Lei n.º 99/2003, de 27/08], «Todos os créditos resultantes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação, pertencentes ao empregador ou ao trabalhador, extinguem-se por prescrição, decorrido um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho» [corresponde ao atual artigo 337.º, n.º 1, do Código do Trabalho, que dispõe que «O crédito de empregador ou de trabalhador emergente de contrato de trabalho, da sua violação ou cessação prescreve decorrido um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho»] ”, razão pela qual teve o crédito aqui em discussão como prescrito. Tanto mais que, como ali relatado, “o SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA igualmente consignou expressamente nos presentes autos, a fls. 349 e 350, que a extinção da relação laboral ocorreu em 15 de Outubro de 2004, devendo assim, in casu, a contagem do prazo de prescrição iniciar-se no dia seguinte (16 de Outubro de 2004).

Se esta afirmação não é passível de discussão no âmbito dos autos, já a conclusão extraída pela sentença a partir da expressão utilizada pelo Supremo Tribunal para concluir pela competência material do tribunal se nos afigura precipitada.
Na verdade, o crédito reclamado – indemnização por violação da obrigação de não concorrência – emerge da relação de trabalho que existiu entre ambas as partes, tendo sido clausulada expressamente no contrato de trabalho subscrito, do qual emerge, entre outras, que “durante os doze meses posteriores à cessação… o Segundo Outorgante obriga-se a … não prestar trabalho por conta própria ou alheia ou mediante qualquer forma de intermediação direta ou indireta em empresas que se dediquem a atividade igual ou similar à prosseguida pela Primeira Outorgante…”.

Daí que a A., ora Apelante, reporte o pedido de indemnização em causa a conduta que teve lugar após a cessação do contrato de trabalho.
Nem de outro modo poderia ser!
Alega-se na PI que após a cessação do contrato de trabalho – mais concretamente em 9/11/2004- o R. constituiu uma sociedade cuja atividade é similar e concorrente com a da A. (Artº 38º a 89º), daí se extraindo consequências ao nível do incumprimento da cláusula a que se vinculara.

O Artº 381º/1 do CT (versão decorrente da Lei 99/2003) – que a concluir-se ser diretamente aplicável ao caso, seria aquele a ter em consideração porquanto está em causa a prescrição de crédito resultante de contrato de trabalho cessado no mês de Outubro de 2004, portanto em data posterior à entrada em vigor do Código do Trabalho (dia 1 de Dezembro de 2003 – nº 1 do Artº 3º da Lei nº 99/2003 de 27/08), e considerando o disposto no nº 1 do Artº 8º da Lei nº 90/2003- consagra, efetivamente, um prazo de prescrição de um ano subsequente ao dia seguinte ao da cessação do contrato para os créditos laborais emergentes do contrato de trabalho, da sua violação ou cessação.

Contudo, esta disposição legal tem que interpretar-se de modo a que, em coerência, se possa concluir pela respetiva aplicabilidade a situações como a presente.
Ocorre que, emergindo, embora, o crédito da relação laboral, o mesmo apenas nasce após a respetiva extinção, perdurando (no caso concreto) pelo prazo de doze meses subsequentes a esta – prazo durante o qual a obrigação de não concorrência se manteve.
Não parece, assim, que possamos afirmar que um crédito que, no limite, possa nascer apenas no último dia do termo desses 12 meses se extinga por prescrição logo que nasce.
No caso, tendo-se considerado que o contrato cessou, de facto, em 15/10/2004, estaria o A. vinculado à observância do dever que assumira até 16/10/2005.
A A. situa a violação da obrigação no momento de constituição da sociedade – 9/11/2004.
Na eventualidade de nascer aqui o direito da Recrte. não é curial a afirmação de que o respetivo prazo prescricional se iniciou em 15/10/2004.
Será, efetivamente, para situações como a presente que Pedro Romano Martinez afirma que o regime excecional de prescrição, “diferente do regime comum, estabelecido no Código Civil” “só vale no estrito âmbito de aplicação previsto na norma. Por isso, nem todos os créditos do trabalhador ou do empregador estão sujeitos a este regime excecional de prescrição” (Direito do Trabalho, 2010, IDT e Almedina, 873).
E não o estarão (alguns d) aqueles que apenas são exigíveis após a cessação do contrato.
Neste sentido decidiu a RP ao afirmar que “Dado que os créditos decorrentes da violação do pacto de não concorrência, não têm como data limite de vencimento a data da cessação do contrato, não se vencem imediatamente por força da extinção do contrato e só se vencem após a cessação do contrato, não estando, por isso, em condições de ser plenamente exercidos nessa altura, não lhes pode ser diretamente aplicável o referido prazo de prescrição de um ano a que alude o citado art.º 381.º do Código do Trabalho” (Ac. de 19/10/2009, Procº 444/08.0TTMAI, in www.dgsi.pt).
Ora, tal como afirma a Apelante, os créditos emergentes da violação de um pacto de não concorrência pós relação laboral não decorrem da prestação de trabalho, nem são imediatamente exigíveis por força da cessação ou violação do contrato de trabalho.
Estes créditos não têm como data limite de vencimento a data da cessação do contrato de trabalho, apenas se vencendo após tal cessação quando – e se – ocorrer uma violação do pacto, não podendo, por isso, ser exercido o direito correspondente no momento da cessação do contrato de trabalho.
Daí que concluamos, tal como a Recrte., que os créditos advenientes do pacto de não concorrência ou da sua violação não se subsumem ao objeto tipo consagrado no Artº 381º do CT, sendo-lhes aplicável o prazo geral de prescrição constante do Artº 309º do CC[1].
Assim, tendo a ação dado entrada em 21/10/2005 e registando-se a citação do R. em 26/10/2005, tendo o facto gerador de responsabilidade ocorrido em 9/11/2004, não se verifica a invocada prescrição.
Termos em que procede a apelação.

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Em conformidade com o exposto, acorda-se em julgar a apelação procedente e, em consequência, revogar a sentença, ordenando a prossecução dos trâmites processuais tendo em vista a realização de audiência de discussão e julgamento para apreciação do pedido de indemnização por violação do dever de não concorrência pós contratual por parte do Recrdº.
Custas pelo Recrdº.
Notifique.
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Lisboa, 2017-09-27  



MANUELA BENTO FIALHO
SÉRGIO ALMEIDA
FRANCISCA MENDES



[1]Com o que nos afastamos da tese defendida no Ac. da RP acima mencionado de acordo com o qual o sistema conteria uma lacuna a integrar por analogia, e, assim, seria aplicável ao caso o prazo de um ano a partir da prática da infração e do momento em que o empregador possa exercer o seu pedido. Do nosso ponto de vista não existe similitude nas situações.