Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
265/10.0TMLSB-B.L1-6
Relator: ANA LUCINDA CABRAL
Descritores: RAPTO INTERNACIONAL DE MENORES
PROTECÇÃO DE CRIANÇAS E JOVENS
COMPETÊNCIA INTERNACIONAL
SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/15/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGAÇÃO DE DESPACHO E SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA DE RECURSO
Sumário: I - A competência jurisdicional internacional constitui, a par dos conflitos de leis (reguladas pelas normas de conflitos dos arts. 25 a 65 do C. Civil e cada vez mais em instrumentos internacionais) e a do reconhecimento de sentenças estrangeiras, um complexo de normas que visam prover à disciplina das situações da vida internacional
II -Relacionando as normas dos arts. 12°, 13° e 16° da Convenção sobre os Aspectos Civis do Rapto Internacional de Crianças, concluída em Haia em 26 de Outubro de 1980 e aprovada pelo Decreto nº 22183, de 11 de Maio, poder­-se-á afirmar que, logo que autoridade judicial ou administrativa do Estado requerido tome a decisão de não fazer regressar a criança ao seu local de origem, então essas autoridades assumem de imediato o poder de tomar decisões sobre o fundo do direito de custódia.
É que não regressando os menores ao local de origem, é evidente que haverá que colmatar a situação decorrente, fazendo intervir as autoridades do Estado requerido para definirem a nova condição do menor.
III- Portanto, embora os mecanismos da Convenção Relativa à Competência das Autoridades e à Lei Aplicável em Matéria de Protecção de Menores para promover o regresso imediato dos menores aos lugares de onde foram retirados ilicitamente sejam de natureza cautelar, configurando um procedimento expedito, sem que se possa discutir do fundo da questão, o certo é que podem influir, como se viu, na questão da determinação da competência internacional do tribunal.
Assim, a decisão proferir nesse processo cautelar pode modificar ou destruir o fundamento ou a razão de ser da presente questão.
IV- Preceitua o art. 279°, nº1 do C.P.C. que "o Tribunal pode ordenar a suspensão quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta ou quando ocorrer outro motivo justificado ".
É esta a solução que se impõe.
( Da responsabilidade da Relatora )
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Lisboa

Em 9 de Fevereiro de 2010 A intentou acção de alteração de regulamentação do poder paternal contra B referente à menor C (FLS. 56 A 67).
O requerido apresentou resposta onde, nomeadamente, veio suscitar a excepção da incompetência Internacional dos tribunais portugueses. E argumentou que a acção de revisão e confirmação da sentença estrangeira que pende neste tribunal sob o nº 56/10.8YRLSB constitui causa prejudicial desta acção de alteração do poder paternal (fls. 70 a 96)
Em 10 de Novembro de 2010 teve lugar a audição e conferência de pais, tendo sido proferido despacho a julgar improcedente a aludida excepção da incompetência internacional (fls. 193 a 204), nos seguintes termos:
I- Excepção dilatória de incompetência internacional e questão prévia:
1. Relatório:
1.1. A instaurou a presente acção de alteração de regulação do exercício do poder paternal contra B, pedindo a alteração do regime de regulação do exercício do poder paternal homologado pela sentença que decretou a dissolução do seu casamento e alterado pela sentença que homologou um acordo de alteração do regime dessa regulação, alegando alteração de circunstâncias relativamente à sua filha C , consigo residente em Portugal desde Fevereiro de 2009.
1.2. Notificado o requerido:
a) Arguiu a excepção de incompetência absoluta por incompetência internacional dos Tribunais Portugueses, designadamente o Tribunal de Família e Menores de Lisboa, para apreciar a presente acção de alteração da regulação do exercício do poder paternal, alegando como fundamento:
Que a menor sempre residiu nos Estados Unidos da América desde que nasceu naquele país, tendo a sua vida organizada e centrada no Condado de Miami, onde residia até se ter deslocado temporariamente para Portugal, onde ficou retida;
_ Que a menor C não tem residência em Portugal mas encontra-se em Portugal temporariamente por decisão unilateral da mãe, contrária ao regime de regulação do exercício do poder paternal; que a menor foi confiada ao requerido, residente em Miami, tendo a sua residência junto deste;­
_ Que, tendo os dois progenitores residências diferentes, o tribunal competente seria o da residência do progenitor com quem a menor residisse;­
Que na sentença de 04.02.2009, o Tribunal de Miami decidiu "O Tribunal manterá a, jurisdição sobre as partes e sobre a matéria de facto desta Acção de forma a fazer cumprir os termos desta Sentença Absoluta e do Acordo Conjugal e para fazer cumprir qualquer e todos os assuntos relacionados"; que na sentença de 12.03.2009, do mesmo Tribunal, consta que "O Tribunal reserva jurisdição para fazer cumprir os termos da Alteração do Acordo", razões pela qual o Tribunal de Família e Menores de Lisboa, ou qualquer outro Tribunal, não pode avocar a competência internacional para proceder à alteração da regulação das responsabilidades parentais do que se acha judicialmente definido pelo Tribunal de Miami, sob pena de estar a invadir a esfera de competência desse Tribunal;
- Que a 16.02.2010 deu entrada no tribunal de Miami um pedido para que se concretizasse o regresso da menor aos EUA, pedido que deverá ser apreciado.-­
b) Deduziu, como questão prévia, a falta de junção pela requerente da sentença que homologou o acordo de regulação do exercício do poder paternal, sobre a qual incide o pedido de alteração, requerendo a suspensão da instância até à revisão dessa sentença pelo Tribunal da Relação de Lisboa.
1.3. Foi exercido o contraditório pela requerente, defendendo a competência internacional dos Tribunais Portugueses.
1.4. Foi cumprido o contraditório quanto à regularização da instância de alteração da regulação do exercício do poder paternal.
2. Fundamentação:
2.1. Matéria de Facto Provada:
1) C nasceu a 29 de Janeiro de 2004, em Miami, Florida, filha de B e de A (vide certidão do assento de nascimento de fls.21).
2) Em Fevereiro de 2009 a menor C deslocou-se com a mãe dos Estados Unidos da América, onde residia, para Portugal, residindo com a mãe em Lisboa desde então (art.361° do Código Civil).
3) A presente acção de alteração da regulação do exercício do poder paternal foi requerida por A contra B em requerimento inicial entrado na Secretaria do Tribunal de Família e Menores de Lisboa a 9 de Fevereiro de 2010 (vide fls.2 ss).­
4) A 8 de Abril de 2010 foi proferida sentença no Tribunal da Relação de Lisboa, na qual foram confirmadas as sentenças proferidas a 4.8.2008, 4.2.2009 e 13.03.2009 pela Divisão de Família do Tribunal de Círculo do 11° Círculo Judicial no e para o Condado de Miami, Dade, Florida, que homologou o acordo dos cônjuges (que, nomeadamente, procedeu ao exercício do poder paternal dos filhos do casal D, E e C ) e decretou o divórcio entre B e A e que homologou a alteração desse acordo (vide fls.272 ss).
5) Nas sentenças de 04.02.2009 e 12.03.2009, respectivamente, a Divisão de Família do Tribunal de Círculo do 11° Círculo Judicial no e para o Condado de Miami, Dade, Florida,
decidiu: que" O Tribunal manterá a jurisdição sobre as partes e sobre a matéria de facto desta Acção de forma a fazer cumprir os lermos desta Sentença Absoluta e do Acordo Conjugal e para fazer cumprir qualquer e todos os assuntos relacionados."; que "O Tribunal reserva jurisdição para fazer cumprir os termos da Alteração do Acordo." (fls.334 e fls.363).
2.2. Apreciação Jurídica:­
2.2.1. Incompetência internacional:­
A infracção das regras de competência internacional determina incompetência absoluta, que constitui uma excepção dilatória nominada, de conhecimento oficioso, conducente à absolvição do requerido da instância, em caso de verificação (arts. 101% 102°, 288°/ 1-a), 493°/1 e 2, 494°- a) e 495° do Código de Processo Civil, ex vi do art.463°/1 do Código de Processo Civil).
Sem prejuízo do que se encontre estabelecido em regulamentos comunitários e em outros instrumentos internacionais, os tribunais portugueses são internacionalmente competentes, designadamente:
a) Quando a acção possa ser proposta em tribunal português segundo as regras de competência territorial estabelecidas na lei portuguesa (art.º 5°/1-b) do Código de Processo Civil);­
b) Quando tiver sido praticado em território português o facto que serve de causa de pedir na acção, ou algum dos factos que a integram (art.º 5°/1-c) do Código de Processo Civil, na redacção vigente anteriormente à revogação feita pelo art. 186° da Lei n°52/2008, de 28.08., tendo em conta a restrição de vigência prevista pelo art. 187° do mesmo diploma).­
De acordo com as regras que definem a competência territorial dos Tribunais para decretar as providências em acções tutelares cíveis, onde se integra a acção de alteração da
Conjugal e para fazer cumprir qualquer e todos os assuntos relacionados."; que "O Tribunal reserva jurisdição para fazer cumprir os termos da Alteração do Acordo." (fls.334 e fls.363).
2.2. Apreciação Jurídica:­
2.2.1. Incompetência internacional:­
A infracção das regras de competência internacional determina incompetência absoluta, que constitui uma excepção dilatória nominada, de conhecimento oficioso, conducente à absolvição do requerido da instância, em caso de verificação (arts. 101% 102°, 288°/ 1-a), 493°/1 e 2, 494°- a) e 495° do Código de Processo Civil, ex vi do art.463°/1 do Código de Processo Civil).
Sem prejuízo do que se encontre estabelecido em regulamentos comunitários e em outros instrumentos internacionais, os tribunais portugueses são internacionalmente competentes, designadamente:­
a) Quando a acção possa ser proposta em tribunal português segundo as regras de competência territorial estabelecidas na lei portuguesa (art.º 5°/1-b) do Código de Processo Civil);
b) Quando tiver sido praticado em território português o facto que serve de causa de pedir na acção, ou algum dos factos que a integram (art.º 5°/1-c) do Código de Processo Civil, na redacção vigente anteriormente à revogação feita pelo art. 186° da Lei n°52/2008, de 28.08., tendo em conta a restrição de vigência prevista pelo art. 187° do mesmo diploma).­
De acordo com as regras que definem a competência territorial dos Tribunais para decretar as providências em acções tutelares cíveis, onde se integra a acção de alteração da
Por outro lado, ainda que se julgasse que a residência da menor para este efeito deveria ser aferida conforme a definição de direito realizada no regime de regulação do exercício do poder paternal definido nos Estados Unidos da América, revisto e confirmado pelo Tribunal da Relação de Lisboa, o Tribunal de Família e Menores de Lisboa sempre seria competente internacional e territorialmente, uma vez que na altura da instauração da presente acção a requerente habitava e residia em Lisboa e constituiu um dos fundamentos do pedido de alteração do regime de regulação do exercício do poder paternal a transferência da residência da menor para Portugal, em Fevereiro de 2009, independente da apreciação de mérito que pudesse e possa ser feita deste facto na altura própria (arts.65°/1-c) do Código de Processo Civil e 155°/5-la parte do DL n°314/78, de 27.10.).­
Por outro lado a reserva de competência determinada pelo tribunal dos Estados Unidos da América para apreciar quaisquer incidentes ou alterações ao regime de regulação do exercício do poder paternal não afasta, nem prevalece sobre os factores de competência internacional definidos e vigentes no Estado Português.
2.2.2. Questão Prévia:
Na data da propositura da presente acção não se encontravam reunidos os pressupostos para proceder a qualquer alteração do regime de regulação do exercício do poder paternal, por não existir qualquer regime de regulação do exercício do poder paternal que nessa altura produzisse efeitos em Portugal.
Todavia, tendo em conta que, na pendência da presente acção, foram revistas as sentenças estrangeiras que homologaram o acordo dos pais de regulação do exercício do poder paternal que a requerente pretendeu alterar, e tendo em conta os efeitos do caso julgado dessa sentença, nos termos dos arts.1094° ss do Código de Processo Civil, verifica-se que existem condições para julgar regularizada a instância.
3. Decisão:
Pelo exposto:­
3.1. Julgo improcedente a excepção de incompetência internacional dos Tribunais Portugueses arguida pelo requerido.“­
O requerido interpôs recurso desta decisão, o qual foi admitido com subida em separado e efeito devolutivo, tendo o mesmo concluído:
A) Para decidir no sentido em que decidiu, a decisão sob recurso partiu de uma premissa fáctica, vertida no número dois da "Matéria de Facto Provada", que consubstancia um evidente erro de julgamento da matéria de facto, na medida em que, à luz da aí invocada regra do artigo 361° do Código Civil e tendo em conta o facto que as partes aceitaram dar por assente - tal como da própria acta se alcança - é manifestamente excessivo considerar-se "provado" que a menor tem a sua residência em Lisboa, designadamente nos termos e para os efeitos do disposto pelo artigo 1510, n1 1, da OTM.
B) Por conseguinte, com inteiro respeito pela regra do artigo 361° do Código Civil e partindo da declaração formulada pelas partes e que se acha documentada no quarto parágrafo do intróito da acta, a Mma. Juiz a quo apenas poderia dar por provado que em Fevereiro de 2009 a menor C deslocou-se com a mãe dos Estados Unidos da Aménca, onde residia, a Portugal, habitando com a mãe em Lisboa desde então.
C) E, daí partindo, impunha-se ao julgador trilhar todo um percurso lógico, necessariamente fundamentado - que a decisão sob recurso omite por completo - no sentido de se aquilatar se, habitando a menor com a Mãe em Lisboa [nas condições irregulares que a própria decisão reconhece...] estaria, ou não, preenchido o conceito jurídico de "residência" a que faz apelo o artigo 155°, n° 1, da OTM.
D) E, a esse respeito, a conclusão só poderia ser negativa, já que - e desde logo - para integrar o conceito de residência subjacente ao art° 155° da OTM, haveria que atender ao lugar onde a menor reside habitualmente, ou seja, ao local onde se encontra organizada a sua vida, em termos de maior estabilidade e permanência, não devendo o julgador dar qualquer relevo a actos unilaterais de um dos progenitores, que normalmente visam criar uma irreversibilidade de facto. Esta é, sem sombra de dúvida, a orientação uniforme da jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores.
E) Ora, estando provado nos autos que a menor C sempre residiu em Miami, nos Estados Unidos da América - desde que ali nasceu! - apenas se tendo deslocado transitoriamente a Lisboa em Fevereiro de 2009, onde só deveria permanecer até ao final do Verão de 2009, mas aí tendo ficado abusivamente "retida" pela sua Mãe [que, entretanto, instaurou a presente acção] impunha-se ao Tribunal não dar nenhum relevo a este acto unilateral de um dos progenitores e, integrando adequadamente o conceito de "residência" do artigo 155° da OTM, concluir que a menor C não tem residência em Portugal, mas antes nos Estados Unidos, juntamente com o seu Pai - a quem se encontra judicialmente confiada - e seus dois Irmãos.
F) Pelo que e coerentemente, deveria o Tribunal de Família e Menores de Lisboa ter-se declarado internacionalmente incompetente para apreciar o pedido de alteração da regulação do exercício do poder paternal que se acha em vigor e que foi homologado por sentença do Tribunal de Miami.
G) E resolvida que assim fosse a questão - como deveria ter sido - nenhum sentido faria chamar à colação a regra vertida no n° 5 (1a parte) do citado artigo 155° da OTM, como se fez na decisão sob recurso para reforçar a atribuição de competência ao Tribunal de Família e Menores de Lisboa.
H) Isto porque, como é evidente, os critérios vertidos nos números 1 a 5 do artigo 155° da OTM estão elencados pela ordem respectiva em que devem ser aplicados, não sendo uma ementa de onde o Juiz possa escolher, exaustivamente ou aleatoriamente, a norma que for mais adequada para, a qualquer custo, fundamentar a sua competência territorial. Resolvida a questão à luz da regra do n° 1 do citado artigo 155°, ficaria vedado ao Julgador "seguir em frente", buscando um outro critério - designadamente, o do n° 5 do mesmo preceito - que também lhe pudesse dar [outra] solução para o problema.
1) Até porque, a aceitar-se por boa essa metodologia - que o não é - sempre ficaria por explicar a que título se lançaria mão da regra do n° 5 (1ª parte) do artigo 155° da OTM, quando a regra do n° 3, que a precede, resolveria também ela a questão. Com efeito, tendo os dois progenitores residências diferentes - como têm - e sendo esta uma situação de "guarda conjunta" - como efectivamente é, nos termos da sentença de 04/02/2009, do Tribunal de Miami - o Tribunal competente sempre seria o da residência do progenitor com quem a menor residir, sendo certo que esse progenitor só poderia ser o Pai da menor, já que da sentença de 12/03/2009, do Tribunal de Miami, resulta expressamente que os filhos das partes [todos, sem excepção, o que inclui a menor C] ficarão a residir em Miami com o Pai.
Por outro lado,
J) A decisão sob recurso, ao reconhecer Competência Internacional ao Tribunal de Família e Menores de Lisboa para julgar a presente causa, violou não só as regras conjugadas dos artigos 65°, n° 1, alínea b), do CPC e 155°, n° 1, da OTM, mas também a autoridade de caso julgado com que, indiscutivelmente, se lhe impunham as sentenças de 04/02/2009 e de 12/03/2009, ambas do Tribunal de Miami.
K) As quais se encontram em pleno vigor na Ordem Jurídica Portuguesa,posto que integralmente revistas e confirmadas por douta sentença do Tribunal da Relação de Lisboa em 08/04/2010, transitada em julgado, pelo que se impõem a esta acção com a autoridade de caso julgado, em toda a sua plenitude e extensão, já que nenhuma reserva, restrição ou limitação foi imposta pela Relação de Lisboa aquando da sua confirmação.
L) O que tem como consequência que também a parte dessas decisões em que o Tribunal de Miami decidiu reservar para si a competência para apreciar quaisquer incidentes ou alterações ao regime de regulação do exercício do poder paternal, se impunha ao Tribunal de Família e Menores de Lisboa com autoridade de caso julgado, daí advindo que esta é uma questão [a da competência reservada do Tribunal de Miami] que se encontra já definitivamente decidida e que não pode voltar a ser discutida e apreciada.
M) Sob pena de, assim não sendo, nos depararmos na Ordem Jurídica Portuguesa com dois casos julgados contraditórios sobre a mesma matéria [a da competência reservada do Tribunal de Miami] o que sempre teria como consequência que se imporia o cumprimento da decisão transitada em primeiro lugar, ou seja, a de ambas as citadas sentenças do Tribunal de Miami.
N) Pelo que, também o respeito pela autoridade de caso julgado das supra referidas sentenças do Tribunal de Miami impunha à Mma. Juiz a quo que declarasse o Tribunal de Família e Menores de Lisboa internacionalmente incompetente para decidir o pedido de alteração do regime de regulação do exercício do poder paternal que se encontra em vigor e que foi fixado pelo Tribunal de Miami.
O) Assim sendo e salvo o devido respeito, ao julgar improcedente a deduzida excepção da incompetência internacional do Tribunal de Família e Menores de Lisboa, a Mma. Juiz a quo ofendeu a autoridade de caso julgado das supra referidas sentenças do Tribunal de Miami e invadiu a reserva de competência deste Tribunal, sem que nenhuma fundamentação plausível e aceitável tivesse sido indicada para o efeito.
P) Deste modo, ao decidir como decidiu, a, aliás douta, decisão sob recurso, violou, entre outras, as seguintes disposições legais: artigo 65°, n° 1, alínea b), do CPC, artigo 155°, n° 1 e n° 3, da OTM e artigos 6710, n° 1, e 675°, n° 1, ambos do CPC.
Nestes termos e nos mais de Direito aplicáveis, sempre do douto suprimento de Vossas Excelências, deverá ser dado inteiro provimento ao presente recurso e, por conseguinte, revogada a decisão recorrida e declarada a incompetência internacional do Tribunal de Família e Menores de Lisboa, tudo com as legais consequências.
A requerente apresentou contra-alegações
A. Vem o presente recurso interposto da decisão proferida pelo Tribunal de Primeira Instância, nos termos da qual julgou improcedente a excepção de incompetência internacional do Tribunal de Família e Menores de Lisboa, suscitada pelo Requerido.
B. Todavia, ao contrário do alegado pelo Recorrente, o Tribunal a quo fez um correcto apuramento da matéria de facto e uma correcta subsunção da mesma ao Direito aplicável, sendo a Douta Decisão irrepreensível, devendo o recurso ser considerado improcedente.
C. O Recorrente começa por alegar que se não deveria o Tribunal ter dado como provado que a Menor tem a sua residência em Lisboa, tendo havido houve um erro de julgamento da matéria de facto – Alínea 2) da Matéria de Facto Provada.
D. Contudo, e tal como admitido pelo próprio Recorrente, a Menor vive em Portugal, em Lisboa, desde o dia 23 de Fevereiro de 2009, ou seja, há quase dois anos, período no qual a C se foi integrando natural e plenamente e onde foi desenvolvendo, com carácter de estabilidade e permanência, as suas relações familiares, sociais e educacionais.
E. Tendo a sua vida organizada, em termos de maior estabilidade e permanência e tendo desenvolvido habitualmente a sua vida em Lisboa, é pois aí onde tem a sua residência habitual e já não em Miami, onde passou os primeiros anos da sua vida.
F. Com efeito, bem andou o Tribunal a quo ao considerar provado que a Menor tinha a sua residência habitual em Lisboa, tal como tem a jurisprudência entendido em casos idênticos, mas inclusivamente menos duradouros.
G. Ora, depois de analisada qual a residência habitual da Menor, conforme a jurisprudência e a doutrina a têm entendido (“local onde se encontra organizada a sua vida em termos de maior estabilidade e permanência, onde desenvolve habitualmente a sua vida, em suma, onde está radicado”), importa averiguar quais os tribunais competentes para a presente acção, designadamente atendendo, em primeiro lugar, às normas de fonte internacional.
H. Assim, tendo ficado demonstrado que a C se encontrava a C a residir habitualmente em Portugal à data da propositura da presente acção (Fevereiro de 2010), sempre resultaria por força do disposto no n.º 1 do artigo 8.º do Regulamento (CE) n.º 2201/2003, do Conselho, de 27.11.2003, que os Tribunais Portugueses são competentes para conhecer a presente acção.
I. Por outro lado, também pela aplicação das regras de fonte interna, designadamente pela aplicação da alínea b) do artigo 65.º do Código de Processo Civil e do artigo 155.º da OTM, se concluiria – como fez o Tribunal – da mesma forma.
J. Com efeito, nos termos do n.º 1 do artigo 155.º da OTM, é competente para conhecer de uma acção como a dos autos, “o tribunal da residência do menor no momento em que o processo foi instaurado”, pelo que, encontrando-se a Menor a residir em Lisboa à data da propositura da presente acção, impõe-se a conclusão de que o Tribunal de Família e de Menores de Lisboa é competente para conhecer da presente acção.
K. Por último, sustenta o Recorrente que, tendo sido as sentenças de 04.02.2009 e de 12.03.2009, do Tribunal de Miami, revistas e confirmadas pelo Tribunal da Relação de Lisboa, por sentença de 08.04.2010, transitada em julgado, sem qualquer reserva ou limitação, gozam da força e autoridade de caso julgado, pelo que ficou definitivamente decidida a questão da reserva de competência feita pelo Tribunal Americano, a qual não pode ser mais discutida.
L. Sucede, porém que, ao contrário do que o Recorrente alega, da reserva de jurisdição fixada pelo Tribunal de Miami não resulta sequer que uma acção como a dos presentes autos tenha de ser da sua jurisdição, porquanto é a mesma uma acção autónoma e independente daquela em que as responsabilidades parentais se estabeleceram.
M. Da mesma forma, nos termos do n.º 1 do artigo 182.º da OTM, resulta que a determinação da competência do tribunal que a deverá conhecer é também autónoma, não sendo, pois, automaticamente competentes os tribunais que regularam as responsabilidades parentais.
N. Por outro lado, atento o princípio da soberania da República e do Estado de Direito Portugueses, as normas de atribuição de competência de outros ordenamentos jurídicos, não só não se poderão aplicar sem mais no nosso ordenamento, como não podem, de forma alguma, derrogar as normas de direito interno ou de direito internacional aplicáveis em Portugal que determinam a competência internacional da Ordem Jurisdicional Portuguesa para o julgamento de determinados pleitos.
O. Assim, bem andou o Tribunal a quo ao considerar que “a reserva de competência determinada pelo tribunal dos Estados Unidos da América para apreciar quaisquer incidentes ou alterações ao regime de regulação do exercício do poder paternal não afasta, nem prevalece sobre os factores de competência internacional definidos e vigentes no Estado Português”, não sendo a Decisão ora em crise, nestes termos, sindicável.
Nestes termos e nos demais de Direito que V. Exas. Doutamente suprirão, deverá ser negado provimento ao presente recurso e, em consequência, manter-se a Douta Sentença Recorrida, nas questões aqui suscitadas, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA.
Também o Mº Pº. apresentou contra-alegações.
O processo foi recebido nesta Relação em 24/5/2011.
Por despacho aqui proferido, de 31/5/2011, foi solicitado à 1ª Instância informação sobre se estava pendente processo (apenso A) em que tivesse sido accionada a Convenção de Haia (Rapto Internacional) de 1980 e, em caso afirmativo, informação acerca do estado desse processo, cópia do requerimento inicial e ainda informação acerca do estado dos autos de alteração de regulamentação do poder paternal do poder paternal.
Por ofício do Tribunal de Família e Menores, recebido em 1476/2011 neste tribunal, foi informado o seguinte:
- por apenso aos autos de alteração de regulamentação do poder paternal, foi instaurado o processo tutelar comum que corre termos sob o nº 265/10.0TMLSB-A com base na Convenção internacional sobre Aspectos Civis do Rapto Internacional de Crianças;
- que ambos os autos de processo tutelar comum nº 266/10.0TMLSB-A e de alteração da regulação das responsabilidades parentais nº 265/10.0TMLSB aguardam a realização da perícia à menor ordenada em instrução.
Foi junta cópia da petição da acção especial visando o regresso da menor C a Portugal, pelo Mº Pº, ao abrigo da Convenção internacional de Haia sobre Aspectos Civis do Rapto Internacional de Crianças, bem como cópia de uma promoção do Mº Pº a requerer a suspensão dos autos de alteração de regulamentação do poder paternal até à decisão final no identificado apenso A – art. 16º da mencionada Convenção.
Em 29 de Junho de 2001 foi neste Tribunal proferido o seguinte despacho:
“O presente recurso de apelação em separado foi interposto da decisão que em autos de Alteração da Regulação das Responsabilidades Parentais julgou competentes os Tribunais Portugueses para tramitar a acção, sem prejuízo do accionamento da Convenção Internacional sobre o Rapto Internacional de Crianças, concluída em Haia em 25 de Outubro de 1980, e aprovada pelo decreto do governo n.° 33/83, de 11 de Maio.
Determinou-se o prosseguimento dos autos.
Recebidos os autos de recurso neste Tribunal foi solicitado informação à 1ª Instancia acerca da existência de processo em que tivesse sido accionada a referida Convenção.
Recebida a resposta verificamos que está pendente, por apenso, aos autos de alteração da Regulação das Responsabilidades Parentais processo tutelar comum n.° 265/10.OTMLSB-A, com base na Convenção Internacional sobre o Rapto Internacional de Crianças.
Ai, é pedido o regresso imediato da criança aos Estados Unidos da América, para junto do pai, invocando-se estar retida ilicitamente em Portugal, pela mãe.
Segundo invoca o pai foi proferida decisão no Tribunal do 11.° Circulo da Florida do Condado de Miami – Dade, Florida, que ordenou o retorno da criança ao Estado da Florida.
Pendente que está o processo instaurado com base na Convenção de Haia, não se sabe qual a decisão que vai ser proferida, sendo certo que nesse processo, está pedido o regresso da menor.
Não é possível proferir qualquer decisão sobre o fundo do direito de custodia, nomeadamente, sem que seja provado não estarem reunidas as condições previstas na Convenção para o regresso (artigo 16.° da Convenção).
O Ministério Publico pediu a suspensão da acção até a decisão final proferida no apenso em que foi accionada a Convenção Internacional sobre o Rapto Internacional de Crianças.
A decisão a proferir no referido processo é prévia a qualquer outra da competência dos tribunais portugueses.
E inoportuno e destituído de qualquer fundamento discutir neste momento (face a instauração do processo visando o retorno), se o Tribunal português é competente para apreciar a acção de Alteração das Responsabilidades Parentais.
Este tribunal de recurso não pode sindicar, ou não, a decisão proferida pela primeira instância, porquanto não pode apreciar a questão suscitada, sem discutir se a criança reside em território português.
Obviamente não residirá se se encontrar retida indevidamente. Como conhecer da competência?
Uma qualquer decisão a tomar, neste momento e nestes autos de recurso, poderia significar o não respeitar de um importante instrumento de direito internacional a que os tribunais Portugueses estão vinculados.
Torna-se inútil prosseguir com os autos de recurso nada havendo que conhecer face ao que o processo atesta.
As questões relativas a competência e as demais suscitadas serão apreciadas, em sede própria, que é o processo onde se aplicara a Convenção.
Pelo exposto e face do estipulado no artigo 700.°, n° 1, al) h) do Código de Processo Civil, julgo findo o recurso.
Sem custas.
Notifique.”
Veio o requerido reclamar para a conferência para que sobre a matéria seja proferido acórdão, nos seguintes termos em que conclui:
A. A decisão vertida no despacho objecto da presente reclamação enferma, à partida, de dois vícios que a afectam fatalmente, quais sejam (i) o facto de constituir autentica "decisão surpresa" — por ter sido proferida sem que as partes tivessem sido previamente ouvidas, como a Lei impunha que o fossem — e (ii) falta de fundamentação, na medida em que, pese embora tenha sido invocada a alínea h) do n° 1 do art° 700º do CPC — que se limita a conferir ao Relator uma determinada competência ou atribuição — ficou a faltar a indispensável invocação da norma legal que, supostamente, imporia ou permitiria que o Tribunal se abstivesse da sua função de julgar, não conhecendo, neste caso concreto, do objecto do recurso.
B. Dos vícios acima referidos decorre, desde logo, a nulidade da decisão objecto de reclamação, nulidade essa que aqui se deixa expressamente invocada para todos os legais efeitos.
C. Sem embargo do referido em A. e B., sempre se dirá, quanto a "questão de fundo", que o entendimento da Exma. Relatora assenta num fatal equivoco. Com efeito,
D. Impõe-se desde logo sublinhar que as causas de pedir a os pedidos subjacentes ao processo principal e a Acção Tutelar Comum (apenso "A") — embora patenteiem naturais afinidades — são absolutamente distintos a independentes.
E. Sendo certo que, na "acção onde se aplicará a Convenção" — ou seja, no Processo Tutelar Comum que constitui o apenso "A" — ao Tribunal apenas cabe decidir se a menor deve, ou não, regressar imediatamente ao Estado de Miami e, nesse processo, nunca o Tribunal se poderá [voltar a] pronunciar quanto à sua competência para decidir da alteração da regulação do poder paternal que se acha fixada pela sentença de 12/03/2009, do Tribunal de Miami, alteração essa que constitui o objecto do processo principal.
F. E isto porque, não só esse não é o "thema decidendum" daquela Acção Tutelar Comum, mas também porque, quanto a questão da competência (internacional) já o Tribunal de Família e Menores de Lisboa se pronunciou, afirmativamente, na decisão oral vertida na acta da conferencia realizada no dia 10/11/2010, decisão essa que e objecto do presente recurso a com cuja prolação a Mma. Juiz da Primeira Instancia esgotou o seu poder jurisdicional nessa matéria.
G. Dai que, seja qual for o desfecho da "acção onde se aplicara a Convenção"– ou seja, a Acção Tutelar Comum que constitui o apenso "A" – o objecto e a apreciação do presente recurso continuam a ser pressupostos essenciais para a boa decisão da acção principal.
H. E mesmo que se entendesse que, para decidir da competência internacional do Tribunal de Família a Menores de Lisboa para julgar o pedido de alteração da regulação do poder paternal fixada pelo Tribunal de Miami, importaria, primeiro, apurar qual a "residência legal" da menor a que tal pressuposto teria de fluir do desfecho da Acção Tutelar Comum (a "acção onde se aplicará a Convenção') impunha-se, então, concluir por uma relação de prejudicialidade daquela Acção Tutela Comum face ao processo principal.
I. O que, à luz do disposto pelo artigo 279º, no 1, do CPC, deveria conduzir a suspensão da presente instancia de recurso até ao transito em julgado da sentença a proferir naquela Acção Tutelar Comum e nunca a decisão de "julgar findo o presente recurso.
J. Donde, a ser assim, o despacho reclamado enfermara de evidente contradição entre os seus fundamentos e a decisão, de onde decorrera, então, a nulidade cominada pelo artigo 668º, n° 1, al. c) do CPC.
K. Mas, ainda que assim se entenda, o certo e que — sob pena de incorrer em omissão de pronuncia — este Tribunal da Relação não pode deixar de ponderar os demais fundamentos do recurso, mormente o da violação da autoridade de caso julgado, das duas sentenças do Tribunal de Miami, de 04/02/2009 e de 12/03/2009, já reconhecidas na ordem jurídica portuguesa, tudo conforme sumariado nas alíneas J) a O) das "conclusões" das alegações de recurso.
L. Fundamentos esses para cuja apreciação a absolutamente irrelevante determinar qual será a "residência legal" da menor C a cuja procedência — que se espera — impõe que se declare o Tribunal de Família a Menores de Lisboa internacionalmente incompetente para decidir o pedido de alteração do regime de regulação do poder paternal fixado pelo mesmo Tribunal de Miami.
M. Pelo que, também por este motivo, o presente recurso poderia [e deveria...] ter sido apreciado e decidido sem se cuidar da necessidade de aquilatar qual a "residência legal" da menor.
N. Deste modo, ao decidir Como decidiu, o despacho reclamado ofendeu, entre outras, as seguintes disposições legais:
• Artigos 31, n° 3 e 704º, ambos do CPC; Artigos 707º e seguintes do CPC;
• Artigo 700º, n° 1, alínea h), do CPC, a contrario;
• Artigo 660º, n° 2, do CPC;
. Artigo 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e artigo 20º
da Constituição da Republica Portuguesa; • Artigo 2790, no 1, do CPC;
• Artigo 668°, no 1, alíneas b), c) e d), do CPC;
Pede que seja dado inteiro provimento à presente reclamação e, por conseguinte, proferido Acórdão que, revogando a decisão reclamada, conheça do mérito do recurso.
Por despacho de 5/8/2011 foi ordenado o cumprimento do disposto no art. 704º, nº1 do CPC. Despacho notificado ao reclamante por ofício datado de 8/8/2011.
Nesta sequência este apresentou exposição em 5/9/2011.
Cumpre decidir.
A questão que se coloca no recurso consiste em saber se a competência internacional, radica nos tribunais portugueses ou nos tribunais dos Estados Unidos da América, para regular o poder paternal relativamente à menor que se deslocou para Portugal com a sua mãe, sendo que a sua guarda fora atribuída ao pai que reside nos EUA por tribunal deste Estado.
A escola anglo-saxónica inclui no ramo do Direito Internacional Privado (DIP) o estudo de três questões:
1. a da jurisdição competente (choice of jurisdiction)
2. a da lei competente (choice of law)
3. e a do reconhecimento das sentenças estrangeiras.( vide A.Ferrer Correia, Lições de Direito Privado I Vol., Almedina 2002, p. 62).
Com efeito, a competência jurisdicional internacional constitui, a par dos conflitos de leis (reguladas pelas normas de conflitos dos arts. 25 a 65 do C. Civil e cada vez mais em instrumentos internacionais) e a do reconhecimento de sentenças estrangeiras, um complexo de normas que visam prover à disciplina das situações da vida internacional
As principais orientações neste domínio são as seguintes:
- a que consiste na subordinação da competência jurisdicional internacional à solução dos conflitos de leis no espaço;
- a que proclama que a regulamentação da competência internacional pode processar-se em termos de autonomia relativamente aos conflitos de leis.
Esta segunda posição corresponde à posição tradicional do Direito português e preside ao regime da competência internacional directa consagrado nas Convenções de Bruxelas e de Lugano. (vide Dário Moura Vicente, Direito Internacional Privado, Ensaios, V I, Almedina, 2002, ps. 252 e 253).
Posto isto, temos que a questão em análise se situa no âmbito da definição da jurisdição competente.
O art. 61º estabelece: “Os tribunais portugueses têm competência internacional quando se verifique alguma das circunstâncias mencionadas no artigo 65.°.
As regras da competência internacional dos tribunais portugueses constam dos arts. 65º e 65º-A do Código de Processo Civil, vigorando a redacção do DL.38/2003, de 8.3.
O artigo 65º, nº1, estabelece que, sem prejuízo do que se ache estabelecido em tratados, convenções, regulamentos comunitários e leis especiais, a competência internacional dos tribunais portugueses depende da verificação de alguma das seguintes circunstâncias enunciadas nas als. a) a d).
Trata-se da afirmação do princípio do primado do direito internacional sobre o direito interno com assento em sede constitucional já plasmado no art. 8º, nº3, da Lei Fundamental.
Em matéria de protecção de menores, Portugal assinou e ratificou a Convenção Relativa à Competência das Autoridades e à Lei Aplicável em Matéria de Protecção de Menores, concluída em Haia, em 5 de Outubro de 1961, “Convenção de Haia” de 1961, conforme consta do Diário do Governo, 1.ª série, n.º 172, de 22 de Julho de 1968 – Decreto-Lei n.º 48 494 –, a qual passou a vigorar em 04.02.1969, a qual também foi assinada e ratificada pelos EUA.
O art. 1º desta Convenção estipula que: “As autoridades, quer judiciais, quer administrativas, do (Estado da residência habitual do menor, sob reserva das disposições dos artigos 3.º, 4.º e 5.º, alínea III, da presente Convenção), são competentes para decretar medidas visando a protecção da sua pessoas ou bens.”
E o artigo 13.° estatui: “A presente Convenção aplica-se a todos os menores que têm a sua residência habitual num dos estados contratantes”.
No caso releva que, após a instauração da acção de alteração de regulamentação do poder paternal, aqui em Portugal, pela mãe da menor foram accionados os mecanismos da Convenção sobre os Aspectos Civis do Rapto Internacional de Crianças, concluída em Haia em 26 de Outubro de 1980 e aprovada pelo Decreto nº 22/83, de 11 de Maio, com vista ao regresso da menor aos EUA onde reside o pai.
Estabelece o art. 3º da Convenção as condições em que a deslocação ou a retenção de uma criança é considerada ilícita, estipulando, para o que aqui interessa, que isso sucederá quando tenha sido efectivada em violação de um direito de custódia atribuído a uma pessoa. A violação deste direito importa, em princípio, o regresso imediato das crianças ao local donde foram retiradas, devendo os Estados Contratantes tomar as medidas convenientes para a assegurar, nos respectivos territórios, que esse retorno se concretize (art. 1º nº 1 e art. 2º da Convenção).
Prescreve, por seu turno, o art. 16º do mesmo diploma que “depois de terem sido informados da transferência ilícita ou da retenção de uma criança no contexto do art. 3º, as autoridades judiciais ou administrativas do Estado Contratante para onde a criança tenha sido levada ou onde esteja retida não poderão tomar decisões sobre o fundo da custódia sem que seja provada não estarem reunidas as condições previstas na presente Convenção para o regresso da criança …”
Impõe-se, pois, a incompetência das autoridades judiciais ou administrativas do Estado Contratante para onde a criança tenha sido levada ou onde esteja retida, para tomarem decisões sobre o fundo da custódia. Porém essas entidades já poderão tomar essas decisões, após resolução declarando não estarem reunidas as condições previstas na Convenção para o regresso da criança. É o que resulta desse art. 16º.
Estabelece o art. 12º da Convenção:
Quando uma criança tenha sido ilicitamente transferida ou retida nos termos do Artigo 3.º e tiver decorrido um período de menos de 1 ano entre a data da deslocação ou da retenção indevidas e a data do início do processo perante a autoridade judicial ou administrativa do Estado contratante onde a criança se encontrar, a autoridade respectiva deverá ordenar o regresso imediato da criança.
A autoridade judicial ou administrativa respectiva, mesmo após a expiração do período de 1 ano referido no parágrafo anterior, deve ordenar também o regresso da criança, salvo se for provado que a criança já se encontra integrada no seu novo ambiente.
Quando a autoridade judicial ou administrativa do Estado requerido tiver razões para crer que a criança tenha sido levada para um outro Estado, pode então suspender o processo ou rejeitar o pedido para o regresso da criança”.
E o art. 13.º:
Sem prejuízo das disposições contidas no Artigo anterior, a autoridade judicial ou administrativa do Estado requerido não é obrigada a ordenar o regresso da criança se a pessoa, instituição ou organismo que se opuser ao seu regresso provar:
a) Que a pessoa, instituição ou organismo que tinha a seu cuidado a pessoa da criança não exercia efectivamente o direito de custódia na época da transferência ou da retenção, ou que havia consentido ou concordado posteriormente com esta transferência ou retenção; ou
b) Que existe um risco grave de a criança, no seu regresso, ficar sujeita a perigos de ordem física ou psíquica, ou, de qualquer outro modo, a ficar numa situação intolerável.
A autoridade judicial ou administrativa pode também recusar-se a ordenar o regresso da criança se verificar que esta se opõe a ele e que a criança atingiu já uma idade e um grau de maturidade tais que levem a tomar em consideração as suas opiniões sobre o assunto.
Ao apreciar as circunstâncias referidas neste Artigo, as autoridades judiciais ou administrativas deverão ter em consideração as informações respeitantes à situação social da criança fornecidas pela autoridade central ou por qualquer outra autoridade competente do Estado da residência habitual da criança”.
Relacionando estas duas normas com a do referido art. 16º, poder-se-á afirmar que, logo que autoridade judicial ou administrativa do Estado requerido tome a decisão de não fazer regressar a criança ao seu local de origem, então essas autoridades assumem de imediato o poder de tomar decisões sobre o fundo do direito de custódia.
É que não regressando os menores ao local de origem, é evidente que haverá que colmatar a situação decorrente, fazendo intervir as autoridades do Estado requerido para definirem a nova condição do menor.
Portanto, embora os mecanismos da Convenção Relativa à Competência das Autoridades e à Lei Aplicável em Matéria de Protecção de Menores para promover o regresso imediato dos menores aos lugares de onde foram retirados ilicitamente sejam de natureza cautelar, configurando um procedimento expedito, sem que se possa discutir do fundo da questão, o certo é que podem influir, como se viu, na questão da determinação da competência internacional do tribunal.
Assim, a decisão proferir nesse processo cautelar pode modificar ou destruir o fundamento ou a razão de ser da presente questão.
Preceitua o art. 279°, nº1 do C.P.C. que "o Tribunal pode ordenar a suspensão quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta ou quando ocorrer outro motivo justificado ".
É esta a solução que se impõe.

Pelo exposto,
e visto o disposto no art.700º, nºs 3 e 4, do C. P. C., delibera-se revogar o despacho sindicado, e determina-se a suspensão da instância do recurso, ao abrigo do disposto no art. 279°, nº1 do C.P.C., até que seja proferida decisão no processo instaurado ao abrigo da mencionada Convenção sobre os Aspectos Civis do Rapto Internacional de Crianças, concluída em Haia em 26 de Outubro de 1980.
Sem custas.

Lisboa, 15 de Dezembro de 2011

Ana Lucinda Cabral
Maria de Deus Correia
Teresa Pardal