Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3690/20.4T8SNT.L1-4
Relator: SÉRGIO ALMEIDA
Descritores: PERÍODO NORMAL DE TRABALHO
HORÁRIO FLEXÍVEL
ATIVIDADE PROFISSIONAL
VIDA FAMILIAR
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/10/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Sumário: I.– Para impugnar a decisão da matéria de facto o recorrente deve cumprir os ónus previstos no art.º 640, n.º 1 e 2 do Código de Processo Civil, sob pena de rejeição do recurso nesta parte, nomeadamente indicando as provas que entende levarem a decisão diversa, e, no caso de prova testemunhal, as passagens da gravação em que se encontram os pontos relevantes.

II.– O regime especial de horário flexível previsto no art.º 56, n.º 2, do Código do Trabalho, tem por escopo a adequação do tempo de trabalho às exigências familiares do trabalhador, nomeadamente, quando este tem um filho menor de 12 anos.

III.– Cabe ao empregador, no exercício do seu poder de direção, a concretização do horário de trabalho, devendo ter em atenção, designadamente, a necessidade de o trabalhador conciliar a atividade profissional com a sua vida familiar (art.º 212, n.º 1 e 2, al. b., e 56/3, corpo, do CT).

IV.– A indicação pelo trabalhador dos limites que balizarão a determinação, pelo empregador do concreto horário de trabalho há de ter em conta, por um lado, a premência das suas responsabilidades familiares, que podem justificar limites muito apertados na indicação feita pelo trabalhador quando esta é a única forma de conciliar a sua vida familiar com a profissional, e, por outro, as necessidades de gestão e o poder de determinação do empregador.

V.– O recurso da A. improcede, pois, pretendendo a cessação de toda a atividade aos fins de semana, por o marido trabalhar fora da cidade e o casal ter dois filhos menores de 12 anos, o que visa não é um horário flexível mas uma situação em que o empregador ficaria sem possibilidade de determinar o que quer que fosse em termos de horário da autora, não obstante outras trabalhadoras terem também filhos menores de 12 anos, e o estabelecimento - hotel - da empregadora ter bastante atividade aos fins de semana.


(Sumário elaborado pelo relator)

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa


RELATÓRIO:


Autora (A.) e recorrida:  BBB. –.
Ré (R.) e recorrente: AAA

A alegou que foi requerido pela Ré a alteração do seu horário de molde a poder gozar os dias de descanso aos sábados e domingos, pedido esse que indeferiu e apesar de considerar que o pedido formulado pela Ré não corresponde a um horário flexível, ainda assim solicitou o parecer da CIT que emitiu parecer negativo. Pediu que
- seja declarado que o horário de trabalho pedido pela Ré não é um horário flexível, tal como este se mostra concretizado no artigo 56.º do Código do Trabalho;
- seja declarado que o artigo 56.º do Código do Trabalho não confere à Ré o direito a que o seu horário seja fixado com folga fixa ao Sábado e Domingo.

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Não havendo acordo a Ré contestou, alegando que face ao parecer da CITE tem direito a gozar os dias de descanso aos fins de semana, o que não vem acontecendo mais se encontra numa situação de lay-off.

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Saneados os autos e efetuado o julgamento, o Tribunal a quo julgou a acção procedente e declarou que o horário de trabalho pedido pela Ré não é um horário flexível, tal como este se mostra concretizado no artigo 56.º do Código do Trabalho pelo que à mesma não assiste o direito a que o seu horário seja fixado com folga fixa ao sábado e domingo.

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Não se conformando veio a R. apelar, tendo apresentado motivação e formulado as seguintes conclusões:
A.–O Tribunal a quo afastou a aplicação dos artigos 56º e 57º do CT ao horário de trabalho da trabalhadora ora recorrente;
B.–Tendo para o efeito afastado a determinação do CITE que declarou que à trabalhadora deveria ser atribuído o horário flexível;
C.–Devendo para tanto a entidade empregadora facultar à Recorrente as folgas semanais ao fim de semana, uma vez que esta é mãe de dois menores e não tem com quem os deixar para trabalhar naqueles dias, uma vez que o infantário se encontra encerrado;
D.–O Tribunal a quo considerou que todos os quesitos expostos no articulado da PI resultaram provados quer por conta da prova documental junta aos autos, quer por conta da prova gravada feita em audiência de julgamento;
E.–A Recorrente não aceita este entendimento não considerando que tenha resultado provado os factos 11 a 18 da PI;
F.–Sendo eles: “11. O Hotel explorado pela Autora está aberto 7 dias por semana e exige recursos humanos disponíveis, em permanência, pelo que em todos os seus Departamentos, a Autora elabora escalas para o efeito. 12. Os períodos de maior afluência ao Hotel registam-se ao fim de semana e nesse período, taxas de ocupação muito elevadas. 13. É aos fins de semana que a Autora tem de manter um mais elevado número de recursos humanos disponíveis 14. A Autora assegura aos trabalhadores do departamento de Housekeeping, onde a Ré exerce funções, folgas mensais rotativas. 15. De forma a assegurar que todos os trabalhadores do departamento possam usufruir, por igual, de dias de fim de semana (sábados e domingos). 16. No departamento de Housekeeping, há trabalhadores que têm a seu cargo filhos com idades até 12 anos 17. A disponibilidade para trabalhar aos fins de semana e feriados era questão fundamental para a contratação dos trabalhadores da Autora. 18. A Ré só foi contratada porque manifestou expressamente essa sua disponibilidade.”.
G.–Factos estes essenciais para o desfecho tido naquele Tribunal a quo.
H.–Pelo que não se deverá considerar a matéria de facto que consta nos pontos 11 a 18 da sentença mal julgada, devendo estes ser eliminados;
I.–Quanto à matéria de Direito, resulta claro da leitura da sentença que o Tribunal a quo na sua douta sentença não aplicou os art.º 56º 1 e 2 e 57º n.º 2 e do Código do Trabalho;
J.–Não obstante a Autora não ter entregue documentação contabilística que justificasse e afastasse a aplicação do horário flexível à Ré, nomeadamente que fizesse crer estarmos perante a fundamentação exigida pelo n.º 2 do artigo 57º do CT;
K.–Dispõe o art.º 59/1/b da Constituição que “todos os trabalhadores… têm direito (b) a organização do trabalho em condições socialmente dignificantes, de forma a facultar a realização pessoal e a permitir a conciliação da atividade profissional com a vida familiar”, e o art.º 67/2/h estipula que “incumbe, designadamente, ao Estado para proteção da família (h) promover, através da concertação das várias políticas sectoriais, a conciliação da atividade profissional com a vida familiar”.
L.–A CITE concordou com a trabalhadora e deferiu o pedido desta, tendo considerado que a Recorrente reunia todos os requisitos para que lhe fosse aplicado o horário flexível e o empregador tinha todas as condições e o poder económico para providenciar que à trabalhadora ora recorrente fosse atribuído o horário flexível com folga aos fins-de-semana por questões familiares.
M.–No entanto o Tribunal a quo afastou a aplicação do horário flexível à trabalhadora ignorando as suas dificuldades económicas que a impossibilitam de contratar uma ama que lhes fique com os filhos menores e determinando que a entidade empregadora não tem como organizar o trabalho das suas colaboradoras de forma a colmatar a ausência da trabalhadora demonstrando que esta trabalhadora é indispensável e insubstituível!
Remata pedindo a revogação da decisão e a sua substituição por outra que determine a aplicação do horário flexível nos termos dos art.º 56º e 57º do CT à trabalhadora. Pede de permeio que se eliminem os factos provados nos n.º 11 a 18.

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A A. contra-alegou pugnando pela confirmação da sentença, concluindo:
A.–Entende a A. que o Tribunal a quo não proferiu decisão acertada quando declarou que «o horário de trabalho pedido pela Ré não é um horário flexível tal como este se mostra concretizado no artigo 56.º do Código do Trabalho pelo que à mesma não assiste o direito a que o seu horário seja fixado com folga fixa ao sábado e domingo».
B.–Invoca que «não se conforma com a decisão de considerar provados os factos constantes nos pontos 11 a 18 da sentença proferida por aquele tribunal», requerendo que Sentença seja «revogada, eliminando-se os factos provados dos pontos 11 a 18».
C, D.–Ora, querendo a A. pôr em crise a Decisão proferida pela 1ª Instância no que concerne à modificabilidade da matéria de facto, haveria de cumprir o ónus de impugnação previsto no art.º 640.º, n.º 1, do CPC, do qual decorre que a Apelante deveria ter especificado, sob pena de REJEIÇÃO do recurso: (i) os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; (ii) os concretos meios probatórios constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada; (iii) a decisão que, no seu entender, deveria ter sido proferida sobre as questões de facto impugnadas; (iv) devendo ainda indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda.
E, F.–A A. limita-se a requerer que a matéria de facto seja alterada uma vez que «não resultou provado quer da prova gravada em sede de audiência pelos testemunhos apresentados, quer da prova documental junto aos autos os factos ali provados pelo Tribunal a quo», concluindo que se «deverá considerar a matéria de facto que consta nos pontos 11 a 18 da sentença mal julgada, devendo estes ser eliminados»!
G.–Como afirma o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8 de março de 2005 «...não basta nem se pode admitir que o recorrente se limite a fazer uma impugnação genérica dos factos que impugna. Ele tem de concretizar um a um quais os pontos de factos que considera mal julgados, seja por terem sido dados como provados, seja por não terem sido considerados como tal.»
H.–Sendo ainda necessário que a A. tivesse indicado, em relação a cada um dos pontos que considera mal julgados, quais os MEIOS DE PROVA que, na sua opinião, levariam a uma decisão diferente e, quando esses meios de prova tenham sido gravados, quais os depoimentos em que fundamenta a sua impugnação, com indicação das passagens da gravação.
I.–A A. não cumpriu este ónus de impugnação da matéria de facto, limitando-se aquela a atacar a decisão de facto de um modo genérico.
J.–Acresce que não há qualquer indicação de quaisquer passagens da gravação produzida em sede de Audiência de Discussão e Julgamento.
K.–Note-se que, não obstante a A. fazer uma breve referência ao que pretende impugnar [alegando que os pontos 11 a 18 foram «mal julgados»], não é feita qualquer análise crítica da razão duma diferente Decisão, nem tão pouco qualquer referência à prova produzida que fundamente a sua pretensão, limitando-se a atacar a decisão de facto sem qualquer fundamentação ou suporte [testemunhal ou documental]!
L.–Neste sentido, e limitando-se a Recorrente a atacar a Sentença de modo genérico e global não conseguiu demonstrar a razão pela qual o Tribunal a quo deveria, no seu entender, ter decidido em sentido diverso.
M.–Resulta assim que, não tendo a A. cumprido o ónus de impugnação da Decisão sobre a matéria de facto, fica vedado aos V. Desembargadores, sob pena de violação da lei, conhecer do recurso ora em resposta.
N.–Deverão as alegações da A. ser rejeitadas, nos termos do art.º 640.º, n.º 1 e 2, do CPC.
O.–No que concerne à matéria de Direito alega a A. que resulta claro da sentença que o Tribunal a quo não aplicou os art.º 56.º 1 e 2 e 57.º n.º 2 e do CT.
P.–Ora, conforme elucida a Sentença, «(…) Tal como resulta dos pedidos formulados, o que é peticionado é a declaração de que, face ao disposto no art.º 56.º, o horário de trabalho pedido pela Ré não é um horário flexível e que não assiste à Ré o direito a que o seu horário seja fixado com folga fixa ao Sábado e Domingo. Logo, entende-se que na presente ação não tem a Autora que demonstrar, tal como exige o nº 2 do art.º 57.º que a sua recusa resulta de exigências imperiosas relacionadas com o seu funcionamento, ou da impossibilidade de substituir o trabalhador por o mesmo ser indispensável, estando em causa uma questão a montante do pedido de autorização de trabalho em regime de horário flexível, ou seja, se o pretendido pela Ré corresponde a um horário flexível.»
Q.–Nos termos do n.º 2 do art. 56.º do CT, «entende-se por horário flexível aquele em que o trabalhador pode escolher, dentro de certos limites, as horas de início e termo do período normal de trabalho diário.»
R.–Desta forma, verificados que se mostrem os requisitos previstos no n.º 1 do art.º 56.º, assiste ao trabalhador o direito de requerer junto da empregadora que lhe seja fixado um horário flexível, podendo escolher as horas de início e termo do período normal de trabalho diário.
S.–Sucede que não foi isto que foi requerido pela A. à empregadora [mas sim, que as suas folgas passassem a ser gozadas aos Sábados e Domingos].
T.–Assim sendo, a Apelante não pretende uma flexibilização do horário, mas sim uma verdadeira alteração na dinâmica e orgânica laboral, que se vem a traduzir numa alteração da organização do trabalho.
U.–De facto, em vez de um ajuste ou flexibilização dos horários, nomeadamente quanto a início ou termo do período normal de trabalho diário, o que a A. pretende é a alteração das suas folgas, ou seja, alterar o seu horário de trabalho.
V.–E esta pretensão não encontra cabimento no conceito de horário flexível, tal como este se encontra previsto no art.º 56.º do Código do Trabalho.
W.–Conforme concluiu a Mma. Juiz do Tribunal a quo:
«Face aos conceitos de “período normal de trabalho” e de “horário de trabalho” temos, então, que concluir que o referido art.º 56.º, ao definir o conceito de “horário flexível” (no n.º 2) não se reportou ao horário de trabalho, ou seja, não se referiu ao “regime” de distribuição das horas ao longo do dia, e de fixação quer dos intervalos de descanso quer do descanso semanal, mas referiu-se, isso sim, e apenas, ao período normal de trabalho diário, melhor dizendo, referiu-se à distribuição das horas de trabalho ao longo do dia, estatuindo que a flexibilidade se reporta ao seu início e ao seu termo.
Assim, o regime de horário de trabalho flexível a que tem direito o trabalhador com filho menor de 12 anos, no âmbito deste art.º 56.º concretiza-se apenas à escolha por esse trabalhador da hora de início e da hora termo do período normal de trabalho diário.»
X.–Face a tudo o quanto acima fica exposto decidiu e bem, a Mmª. Juiz que «o descanso semanal, por opção do legislador, está fora do âmbito do regime do horário flexível, o que nos leva a concluir que, tal como peticiona a A., o horário de trabalho pretendido pela Ré não se integra no regime legal previsto no art.º 56.º
Y.–Ainda que assim não fosse, e conforme a Sentença proferida, «o certo é que a Autora, apesar de não formular o correspondente pedido, demonstrou que se mostrava justificada a recusa em conceder à Ré o horário por esta pretendido (…)»
Z.–Face ao exposto deverá manter-se a Decisão que declarou que o horário pedido pela A. não é um horário flexível tal como se mostra concretizado no art.º 56.º do C.T., pelo que não lhe assiste o direito a que o seu horário seja fixado com folga fixa ao sábado e domingo.

Remata impetrando que:
i)-sejam as Alegações de Recurso da Apelante, no que concerne à impugnação da matéria de facto, rejeitadas nos termos do art.º 640.º n.º 1 e 2, do CPC;
ii)-se mantenha a decisão que declarou que «o horário pedido pela A. não é um horário flexível tal como se mostra concretizado no art. 56.º do C.T. pelo que à mesma não assiste o direito a que o seu horário seja fixado com folga fixa ao sábado e domingo».

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O Ministério Público deu parecer no sentido da confirmação da sentença.

As partes não responderam ao parecer.

Foram colhidos os vistos legais.
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FUNDAMENTAÇÃO

Cumpre apreciar neste recurso – considerando que o seu objecto é definido pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, e exceptuando aquelas cuja decisão fique prejudicada pela decisão dada a outras, art.º 684/3, 660/2 e 713, todos do Código de Processo Civil – se:
a)- é admissível o recurso da decisão da matéria de facto e, em caso negativo, se a decisão correspondente merece censura;
b)- se a R. tem direito a escolher os dias de descanso complementar e obrigatório, nomeadamente com folga fixa ao sábado e domingo, pelo facto de ter dois filhos menores de 12 anos.
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b)- da matéria de facto

A matéria de facto pode ser alterada pelo Tribunal da Relação nas situações contempladas no n.º 1 do art.º 662º do CPC: se os factos tidos por assentes ou a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.

No nosso ordenamento jurídico vigora o princípio da liberdade de julgamento ou da prova livre (art.º 607.º, n.º 5, do CPC), segundo o qual “O juiz (…) aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto (…)[1]. Ou seja, ao juiz cabe apreciar livremente as provas, sem constrangimentos nomeadamente quanto à natureza das provas, decidindo de harmonia com a convicção que tenha firmado acerca de cada facto controvertido.

O controlo da matéria de facto, nomeadamente com base na documentação (mormente na gravação), dos depoimentos prestados em audiência, está vinculado à observância dos princípios fundamentais do processo civil, entre os quais, além do próprio principio da livre apreciação das provas[2], o da imediação[3].

É na 1ª instância que, por natureza, se concretizam os aludidos princípios[4], estando, pois, em melhores condições de apreciar os depoimentos prestados em audiência, atento o imediatismo, impossível de obter na análise da matéria de facto na Relação, por ser quem conduz a audiência de julgamento e quem interage com a produção da prova e capta pormenores, reacções, hesitações, expressões e gestos, enfim os símbolos impossíveis de detectar em simples gravações[5].

O artigo 640 CPC estabelece os ónus que impendem sobre quem recorre da decisão de facto, sob pena de rejeição do recurso (art.º 640/1 e 2/a):
- especificar os concretos pontos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados (nº 1, alínea a);
- especificar quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que imponham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da recorrida (nº 1, alínea b);
- a decisão que, no seu entender, deve ser tomada sobre as questões de facto impugnadas (n.º 1, al. c).

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Os ónus contidos no art.º 640/1 e 2, do CPC, têm por fim tornar inteligível a impugnação e facilitar o entendimento da perspectiva do recorrente à contra-parte e ao Tribunal ad quem. Neste sentido escreve Abrantes Geraldes que “as referidas exigências devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor (…). Trata-se, afinal, de uma decorrência do princípio da auto-responsabilização das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação inconsequente de inconformismo” (cfr. Recursos em Processo Civil, Novo Regime, 2007, 142-143; Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, 129).

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Ora, é fácil de ver que a recorrente não cumpriu os ónus impostos pela lei para impugnar a decisão da matéria de facto, mormente não indicou de todo em todo os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que na sua óptica impõem decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida. Limitou-se simplesmente a dizer que não aceita a decisão, o que não basta para pôr minimamente em crise a decisão do Tribunal a quo.
Desta sorte, não se admite o recurso da decisão da matéria de facto.
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São, pois, estes os factos provados:

1.-A Autora tem por objeto a atividade de compra e venda de propriedades e revenda dos adquiridos para esse fim; exploração de estabelecimentos, hotéis-apartamentos com restaurante, bares, espaços de lazer, salas de ginástica, salas de jogos, com exclusão dos de fortuna e azar, salas de conferências, espaços destinados a comércio; arrendamento de bens imobiliários; administração de imóveis por conta de outrem, investimentos imobiliários, gestão e administração imobiliária; serviços de consultadoria hoteleira,
2.-A Ré é trabalhadora da Autora desde 05 de setembro de 2017, tem a categoria profissional de Empregada de Hotel, desempenhando as suas funções na unidade hoteleira da Autora designada por …, sita na Rua … em L_____.
3.-A Ré acordou com a Autora desempenhar funções 8 horas por dia e 40 horas semanais, distribuídas por 5 dias da semana, de acordo com a conveniência do Empregador – cláusula Quarta
4.-Em 11 de novembro de 2019 a Ré entregou à Autora o documento designado por “declaração” com o seguinte teor:
(…) venho por este meio declarar que não tenho disponibilidade para trabalhar ao fim de semana, pois tenho ao meu encargo dois filhos menores de idade, um de 3 anos e outro de 5 meses, que durante o fim de semana se encontram em casa e não tenho disponibilidade de pagar a uma ama para que fique com eles durante esses dois dias. O pai dos menores encontra-se a trabalhar fora da cidade, pelo que também não está presente nos referidos dias. Venho, assim, pedir para que as minhas folgas semanais passem para Sábado e Domingo de maneira que eu tenha possibilidade de continuar a trabalhar nesse estabelecimento.
5.-Por comunicação escrita entregue pela Autora à Ré em 26 de novembro de 2019, a Autora comunicou à Ré não:
"No seguimento da carta entregue por V. Exa. a 11 de Novembro de 2019 a solicitar as folgas semanais fixas ao fim de semana devido ao encargo de filhos menores, tal mudança não é possível de aceitar, indicando abaixo as razões que fundamentam tal decisão:
1.Tendo em conta a especificidade do setor hoteleiro e a necessidade de o hotel … estar aberto sete dias por semana, o horário no departamento de Housekeeping está desenhado para que existam sempre colaboradores a assegurar o serviço durante os 7 dias da semana, com 5 dias de trabalho e 2 folgas rotativas;
2. No departamento de Housekeeping, do qual a trabalhadora faz parte, as folgas são rotativas mensalmente, de forma a que todos os colaboradores possam usufruir de um dia de fim de semana (sábado ou domingo), se assim o desejarem;
3.Fazem parte do departamento de Housekeeping outros colaboradores na mesma situação, com filhos pequenos, que também têm de assegurar o acompanhamento dos filhos aos fins de semana por outras pessoas (ama, familiares entre outros) enquanto estão no seu horário laboral:
4. No processo de recrutamento e seleção para a posição de Empregado/a de Andares no hotel … não é admitido nenhum colaborador que não tenha disponibilidade para trabalhar ao fim de semana e feriados, sendo este um requisito obrigatório para poder integrar a função e o hotel;
5. A trabalhadora foi especificamente contratada para este tipo de horário de trabalho, o qual foi individualmente acordado com a mesma, pelo que a alteração do horário traria graves prejuízos não só para o funcionamento da empresa, como para os demais trabalhadores, também com filhos pequenos e que estão na mesma situação (isto porque se o Hotel alterasse o horário desta trabalhadora em concreto para que a mesma não trabalhasse ao fim de semana, iria ficar com menos recursos para trabalhar nesses dias, o que prejudicaria as restantes trabalhadoras).
Face ao exposto, não é possível aceder ao pedido da colaboradora AAA, mantendo-se o sistema de folgas rotativas como até ao momento.
6.–A Ré, em 29 de novembro de 2019, entregou à Autora carta onde alegou que aquando da concretização e assinatura do contrato de trabalho a situação familiar da Ré era diferente pois tinha apenas 1 filho e tinha quem pudesse ficar com ele nas suas horas de trabalho
7.–A Autora, em 05.12.2019, remeteu à CITE pedido de parecer ao abrigo do artigo 57.º, nº 5 do Código do Trabalho.
8.–A CITE, em reunião ocorrida em 18.12.2019 emitiu (…) parecer desfavorável à intenção de recusa (…) do pedido de trabalho em regime de horário flexível apresentado pela trabalhadora com responsabilidades familiares AAA, dado não terem ficado demonstradas em concreto exigências imperiosas de funcionamento da empresa, nem a impossibilidade de substituir o trabalhador se esse for dispensável, únicos fundamentos legalmente admissíveis de recusa (…) pelo que o mesmo deverá ser atribuído nos termos solicitados.
9.–Tal parecer sob o n.º 732/CITE/2019 foi aprovado por maioria dos membros presentes na reunião da CITE de 18.12.2019, com o voto contra dos representantes da CIP, CCP, CTP e CAP.
10.A 20 de dezembro de 2019 a Autora foi notificada do parecer da CITE.
11.–O Hotel explorado pela Autora está aberto 7 dias por semana e exige recursos humanos disponíveis, em permanência, pelo que em todos os seus Departamentos a Autora elabora escalas para o efeito.
12.–Os períodos de maior afluência ao Hotel registam-se ao fim de semana e nesse período, taxas de ocupação muito elevadas.
13.–É aos fins de semana que a Autora tem de manter um mais elevado número de recursos humanos disponíveis
14.–A Autora assegura aos trabalhadores do departamento de Housekeeping, onde a Ré exerce funções, folgas mensais rotativas.
15.–De forma a assegurar que todos os trabalhadores do departamento possam usufruir, por igual, de dias de fim de semana (sábados e domingos).
16.–No departamento de Housekeeping há trabalhadores que têm a seu cargo filhos com idades até 12 anos
17.–A disponibilidade para trabalhar aos fins de semana e feriados era questão fundamental para a contratação dos trabalhadores da Autora.
18.–A Ré só foi contratada porque manifestou expressamente essa sua disponibilidade.
19.–A Ré tem dois filhos com menos de 12 anos de idade.
20.–Frequentando ambos a creche que apenas acolhe crianças de segunda-feira a sexta-feira.
21.–A Ré não é nacional portuguesa, estando no país com visto de residência para trabalho.
22.–A Ré foi mãe em junho de 2019
23.–A aqui Ré apresentou-se para trabalhar após a licença de maternidade e férias.
24.–A Ré aufere a retribuição base mensal de € 750,00.

De Direito

A sentença recorrida, citando o art.º 57, e seguindo o acórdão desta Relação de Lisboa de 29.01.20, refere (citando-se algo abreviadamente):
"A Autora não pôs em causa que à Ré assista o direito a um horário flexível, pois nem sequer questionou que (...seja) mãe de filhos com idades inferiores a 12, (... não tenha) condições económicas para suportar um encargo com uma ama e que o pai dos menores não pudesse tomar conta dos mesmos aos fins de semana. O que a A. questiona é se o que a Ré solicitou, ou seja, que as suas folgas passem a ser gozadas aos Sábados e Domingos corresponde a um horário flexível.

(...) O período normal de trabalho (PNT) está definido no art.º 198.º como “o tempo de trabalho que o trabalhador se obriga a prestar, medido em número de horas por dia e por semana”, sendo que o PNT não pode exceder oito horas por dia e quarenta horas por semana (art.º 203.º, n.º 1). Segundo o disposto no art.º 200.º, entende-se por horário de trabalho “a determinação das horas de início e termo do período normal de trabalho diário e do intervalo de descanso, bem como do descanso semanal”, sendo que aos limites de duração do trabalho se reportam os art.º 203.º e segs., e que ao descanso semanal se reportam os art.º 232.º, e segs. (do CT). Face aos conceitos de “período normal de trabalho” e de “horário de trabalho” temos de concluir que o referido art.º 56.º, ao definir o conceito de “horário flexível” (no n.º 2), não se reportou ao horário de trabalho, ou seja, não se referiu ao “regime” de distribuição das horas ao longo do dia, e de fixação quer dos intervalos de descanso quer do descanso semanal, mas referiu-se, isso sim, e apenas, ao PNT diário, melhor dizendo, referiu-se à distribuição das horas de trabalho ao longo do dia, estatuindo que a flexibilidade se reporta ao seu início e ao seu termo. Assim, o regime de horário de trabalho flexível a que tem direito o trabalhador com filho menor de 12 anos, no âmbito deste art.56.º, concretiza-se apenas à escolha por esse trabalhador da hora de início e da hora termo do PNT diário.

Da conjugação das normas resulta (...) que cabe ao empregador estabelecer os limites dentro do qual o horário flexível pode ser exercido, e depois, dentro desses limites, é que o trabalhador poderá gerir o seu tempo da maneira que melhor lhe aprouver, por forma a cuidar do seu filho menor.

A este propósito, diz-nos Maria do Rosário Palma Ramalho (Direito do Trabalho Parte II – situações laborais individuais”, 3.ª edição) que “Se o trabalhador pretender exercer esse direito, é ainda ao empregador que cabe fixar o horário de trabalho (art.º 56.º n.º 3 corpo), mas deve fazê-lo dentro dos parâmetros fixados pela lei (art.º 56.º n.º 3, al. a), b) e c) e n.º 4)”. No sentido de que cabe à empregadora a definição dos dias concretos em que o trabalhador vai exercer o trabalho veja-se o acórdão da Relação de Lisboa de 18-05-2016 mencionado pela A.: “Se o trabalhador pretender exercer esse direito, é ainda ao empregador que cabe fixar o horário de trabalho (art.º 56.º n.º 3 corpo), mas deve fazê-lo dentro dos parâmetros fixados pela lei (art.º 56.º n.º 3, alíneas a), b) e c) e n.º 4)….

Não é o caso dos autos, uma vez que a R. pretende ser ela a estabelecer os limites dentro do qual pretende exercer o seu direito; muito menos lhe caberia determinar os dias em que pretende trabalhar – o horário flexível diz respeito aos limites diários.

Este entendimento vem sendo mantido na Relação de Lisboa em acórdãos mais recentes como se pode ler no acórdão de 29/1/2020 (...)"

A Ré formulou à A. um pedido para lhe fosse fixado um regime de horário de trabalho flexível nos termos do art.56.º, sem indicar qualquer hora de início e da hora termo do PNT diário, limitando-se a pedir a alteração dos dias de descanso semanal que lhe foram fixado que, no caso eram rotativos, passando a ser obrigatoriamente aos sábados e domingos. Contudo, como se referiu (...), o descanso semanal, por opção do legislador, está fora do âmbito do regime do horário flexível, o que nos leva a concluir que, tal como peticiona a Autora, o horário de trabalho pretendido pela Ré não se integra no regime legal previsto no art.º 56.º.

Mas, ainda que assim não se entendesse, e não se desconhecendo entendimento de que o direito previsto na mencionada norma engloba o conceito de horário de trabalho, aí se incluindo os dias de descanso semanal 7, o certo é que a Autora, apesar de não formular o correspondente pedido, demonstrou que se mostrava justificada a recusa em conceder à Ré o horário por esta pretendido, uma vez que logrou demonstrar que tendo por objeto a atividade de exploração de um Hotel em Lisboa que está aberto 7 dias por semana, com a inerente exigência de recursos humanos disponíveis, em permanência, e sendo os períodos de maior afluência de clientes ao fim de semana, é neste período que tem que ter a trabalhar o maior número colaboradores, nomeadamente na área de housekeeping onde a Ré exerce funções.

Daí que para a Autora assegure aos trabalhadores folgas mensais rotativas, de molde a assegurar que todos os trabalhadores do departamento podem usufruir, por igual, de dias de fim de semana (sábados e domingos).

Como no referido departamento de housekeeping existem outros trabalhadores nas mesmas condições da Ré, tendo a seu cargo e a viver consigo filhos com idades até 12 anos, a concessão do beneficio pretendido pela Ré traria necessariamente consequências na rotatividade das folgas dos restantes trabalhadores e diminuiria o recursos disponíveis aos fins de semana, ou seja, no período em que a Autora mais necessita de alocar trabalhadores aos serviços do hotel .

Esta necessidade é de tal relevância para os serviços da Autora que, tal como resultou provado, a disponibilidade para trabalhar aos fins de semana e feriados é uma questão fundamental para a contratação dos trabalhadores, tanto assim que a Ré só foi contratada porque manifestou expressamente essa sua disponibilidade.

Logo, face a este circunstancialismo sempre teríamos que considerar que a Autora na presente ação demonstrou que a recusa ao pedido da Ré se mostrava justificado".

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A abordagem da sentença não merece criticas e a sorte do recurso não levanta duvidas.

Desde logo, a própria recorrente afirma que para si a impugnação da matéria de facto contida nos n.º 11 a 18 da respetiva decisão é essencial. Como, porém, pelo supra referido, a decisão não pode ser objeto de reapreciação nesta sede, tal factualidade mantém-se, com todas as consequências.

Também não se duvida que a sentença adoptou aquele que cremos ser o melhor entendimento, tendo seguido nomeadamente o acórdão desta Relação de Lisboa de 29-01-2020, prolatado no processo n.º 3582/19.0T8LRS.L1-4, que decidiu que "I.– O regime especial de horário flexível previsto no art.º 56, n.º 2, do Código do Trabalho, tem por escopo a adequação do tempo de trabalho às exigências familiares do trabalhador, nomeadamente, quando este tem um filho menor de 12 anos. II.– Cabe ao empregador, no exercício do seu poder de direção, a concretização do horário de trabalho, devendo ter em atenção, designadamente, a necessidade de o trabalhador conciliar a atividade profissional com a sua vida familiar (art.º 212, n.º 1 e 2, al. b., e 56/3, corpo, do CT). III.– A indicação pelo trabalhador dos limites que balizarão a determinação, pelo empregador do concreto horário de trabalho há de ter em conta, por um lado, a premência das suas responsabilidades familiares, que podem justificar limites muito apertados na indicação feita pelo trabalhador quando esta é a única forma de conciliar a sua vida familiar com a profissional, e, por outro, as necessidades de gestão e o poder de determinação do empregador. IV.– Tendo sido requerido pela trabalhadora demandada, que tem um horário semanal de 35 horas, um horário flexível, entre as 08h00 e as 16h00 horas de 2.ª a 6.ª feira, sendo o sábado e domingo dias de folga, apenas motivado pela circunstância de o marido também trabalhar por turnos, tal significa que a mesma se colocou fora do âmbito da prestação da atividade aos fins-de-semana e que, sem motivo suficientemente premente, em situação de beneficiária exclusiva – ao contrário do que acontece com os colegas – de um horário fixo, impedindo na prática o empregador de qualquer determinação que vá além da mera gestão do intervalo de descanso (art.º 213 e 56, n.º 4, CT). Isto porque acabaria sempre por entrar e sair às horas que indicou, quaisquer que sejam os imperativos da atividade prosseguida pelo empregador. V.– Nestas circunstâncias, que ultrapassam a razão de ser do direito, é de concluir que a trabalhadora não indicou um horário flexível, não tendo o empregador qualquer escolha razoável, e que o empregador tem motivo justificativo para recusar o seu pedido".

Aí exarámos - pois o acórdão foi proferido por este mesmo coletivo - o seguinte, que aqui se aplica mutatis mutandis:
"A R. requereu a atribuição de um horário flexível (...). No entanto, fê-lo em margens muito apertadas (... e) o que resta ao A. para fixar não é mais do que quando terá lugar o intervalo de descanso da trabalhadora (...).
Refere o acórdão desta RL de 18.5.16, na fundamentação, que “A este propósito, diz-nos Maria do Rosário Palma Ramalho, “Direito do Trabalho Parte II – situações laborais individuais”, 3.ª edição, que "Se o trabalhador pretender exercer esse direito, é ainda ao empregador que cabe fixar o horário de trabalho (art.º 56.º n.º 3 corpo), mas deve fazê-lo dentro dos parâmetros fixados pela lei (art.º 56.º n.º 3, alíneas a), b) e c) e n.º 4)… (…)”. E, com efeito, o “horário flexível” que caberia ser fixado à A. como entidade patronal mas de qualquer forma sugerido pela R, questiona quer os próprios termos do contrato que predissemos, principalmente no que respeita aos dias de descanso como também, a sua rigidez, entendida como admissível nos termos do art.º 57º, retiraria eficácia nomeadamente ao poder de direção da A que nesta matéria tem logo como pressuposto o período normal de trabalho contratado (artº 198º e 212º do CT), e ao seu poder de organização e gestão da atividade económica exigida pela empresa (artº 212º do CT). Bem como certo será que a margem de manobra da A. para organizar o horário da R. não pode ficar apenas subordinada aos interesses particulares desta por muito relevantes e respeitosos que sejam, já que sempre se devem ponderar os interesses da própria organização económica onde a R. está inserida e que é também a razão de ser do seu bem-estar através da obtenção de meios de subsistência”.

Do cotejo das normas, nomeadamente contidas nos art.º 56, 57 e 212 do CT e da inserção sistemática dos primeiros, resulta que se pretende proteger a parentalidade, conforme lapidarmente referido no citado ac. da RP de 02/03/2017; que estão em causa prementes razões sociais, que por isso prevalecem sobre outros interesses legítimos, mormente de gestão, propriedade e iniciativa privada do empregador; e que tal opera através de um horário flexível ou da prestação de trabalho em tempo parcial. A própria razão de ser do direito  (...) resultante do art.º 56 do CT acarreta, cremos, flexibilidade na interpretação das normas, admitindo alguma assimetria de acordo com as situações. É assim que é razoável uma assimetria de fundamentos consoante as situações em causa: exigir a um progenitor, em família monoparental, que carece necessariamente de sair a determinada hora, que o faça mais tarde, mais não leva do que à inutilização do direito em causa e à impossibilitação da conjugação da vida familiar com a prestação da atividade; já o mesmo não se pode dizer de outros casos, em que se impõe que o empregador possa, de alguma maneira, determinar o horário, nos termos genéricos do art.º 212/1, do CT, não estando a sua margem de manobra tão comprimida pelas circunstâncias. Ou seja: numa certa vulgaridade, ou se se preferir, mediania de situações, há lugar a uma efetiva determinação do horário, a qual carece de uma margem mínima de manobra da empregadora, sob pena de esvaziamento dos seus poderes de direção. Isso impõe que, ao indicar as horas de início e termo, mencionadas no art.º 56/2, o trabalhador o faça deixando alguma margem ao empregador, o qual só assim pode efetivamente concretizar o horário; menos do que isso – que redunda numa mera gestão do intervalo de descanso – só é razoável quando prementes limitações do trabalhador assim o impõem (por ex., quando vive só com o filho e tem de comparecer até determinada hora no infantário, não havendo alternativa razoável) (convergindo, o recente acórdão desta RL de 23.10.19, no proc. Procº 13543/19.3T8LSB, relat. Manuela Fialho, subscrito aliás por dois dos juízes deste coletivo, decidiu que “consubstanciando o art.º 56º do CT um mecanismo de conciliação da atividade profissional com a vida familiar e visando permitir aos trabalhadores o cumprimento das suas responsabilidades familiares, a flexibilização de horário limita-se à definição das horas de início e termo do período normal de trabalho diário e não à das pausas em dias feridos, sábados e domingos”).

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No caso, a trabalhadora, que até manifestou disponibilidade aquando da con-tratação para prestar atividade aos fins de semana, pretende eximir-se de qualquer ativi-dade aos sábados e domingos, quaisquer que sejam os problemas que a empregadora possa ter com o funcionamento do estabelecimento aos fins de semana e com a existência de outras trabalhadoras também com filhos menores de 12 anos. Destarte, intentando excluir-se da prestação de atividade aos fins de semana, a R. nada deixa que o empregador possa determinar no âmbito do seu poder de direção.
Não está, pois, em causa um horário flexível, ao abrigo dos preceitos invocados (art.º 56/2 e 3, e 212/1 do Código do Trabalho). Não é um direito ao abrigo destes preceitos que pretende exercer - nem qualquer  outro.
Assim, é legítima a recusa da A., além de que existe motivo justificativo de recusa (art.º 57/7).
Em suma: a sentença recorrida não merece censura.
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DECISÃO

Pelo exposto, o Tribunal:
a)-não admite o recurso da decisão da matéria de facto;
b)-declara improcedente o recurso da R. de direito e confirma a decisão recorrida.
Custas do recurso pela R., sem prejuízo do apoio judiciário.



Lisboa, 10 de novembro de 2021


Sérgio Almeida
Francisca Mendes
Celina Nóbrega



[1]Cf. o que é corolário das regras do direito substantivo cível art.º 396 (“A força probatória dos depoimentos das testemunhas é apreciada livremente pelo tribunal”), 391 (“O resultado da inspecção é livremente apreciado pelo tribunal”) e 389 (“A força probatória das respostas dos peritos é fixada livremente pelo tribunal”).
[2]O que torna provado um facto é a íntima convicção do juiz, gerada em face do material probatório trazido ao processo (bem como da conduta processual das partes) e de acordo com a sua experiência de vida e conhecimento dos homens; não a pura e simples observância de certas formas processuais. O que decide é a verdade material e não a verdade formal” (Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, cl. Edit., 384).
[3]“O princípio traduz-se principalmente no contacto pessoal entre o juiz e as diversas fontes de prova (Manuel de Andrade, idem, 386).
[4]E ainda, acrescente-se, o da oralidade.
[5]E o problema não está no mero áudio mas na natureza estática da documentação. Ainda que se grave som e imagem é fácil ver que só o Tribunal que recolhe a prova pode pôr as testemunhas à prova para dissipar duvidas, aperceber-se in loco de cumplicidades
e tensões inconfessadas, etc.