Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1925/10.0TBTVD.L1-2
Relator: EZAGÜY MARTINS
Descritores: DENÚNCIA DE DEFEITOS
PRAZO DE CADUCIDADE
RECONHECIMENTO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/05/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: I – No caso de venda de imóvel, por profissional, a consumidor, a denúncia de defeitos deverá ter lugar até um ano depois de conhecidos aqueles, e a reparação dos mesmos deverá ser judicialmente exigida nos três anos subsequentes à denúncia dos aludidos defeitos.
II – A caducidade do direito de denúncia poderá ser impedida pelo reconhecimento dos defeitos por parte do vendedor do imóvel.
III – Tal reconhecimento tem que ser claro, não oferecendo quaisquer dúvidas sobre a atitude de quem reconhece. IV – Para ter efeitos impeditivos da caducidade, o reconhecimento deve ter lugar antes de o próprio direito em jogo ter caducado.

(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa


I - A, casado com B, intentaram ação declarativa, com processo comum, sob a forma ordinária, contra C e mulher, D, pedindo a condenação dos RR. a:
a) Reparar todos os defeitos de construção e de quebra de garantia de boa qualidade, reclamados pelos Autores no imóvel que identificam, bem como dos que venham a detetar-se no decurso do prazo de garantia ou, em alternativa, a pagar-lhes todas as despesas necessárias a essas reparações.
b) Indemnizar os Autores pelos danos patrimoniais já suportados ou que venham a suportar, até efetiva reparação dos defeitos do imóvel.
c) No pagamento de juros vencidos e vincendos.

Alegando, para tanto e em suma, que por escritura pública de 16.08.2006, os AA. compraram aos RR. o prédio urbano sito Réus, um contrato de compra e venda do prédio urbano – moradia – sito no lugar de Ameal, freguesia de Ramalhal, concelho de Torres Vedras, que melhor identificam.
Desde o início da ocupação do prédio pelos Autores, que se vêm verificando defeitos de construção vários, que referenciam, e que têm afetado, para além do mais, a salubridade do Prédio e diminuído a sua normal fruição por banda dos Autores.
Os quais têm procurado, insistentemente, junto dos Réus, solução para tais anomalias que os afectam, mas não lograram êxito.
Em Agosto de 2009, o Autor A, efetuou o destrate da hipoteca no Millennium BCP, sendo, por via dos defeitos acima aludidos, forçado a contrair uma nova hipoteca, esta no valor de trinta mil euros, para obras na moradia em apreço, por forma a minimizar e corrigir os defeitos.
Desde que os Autores adquiriram a habitação e a sua viatura, em 2006, nunca a conseguiram guardar, como desejável na garagem, devido à localização desta e configuração do acesso à mesma, sendo que desde essa data a dita viatura tem de permanecer ao sol e chuva com os danos daí decorrentes.
Mais ainda, acabam os Autores de ser notificados pelos SMAS de T. Vedras de que devem pagar quantia superior a 400 euros para trabalhos de saneamento pois que a fossa do quintal nunca foi pelos RR ligada à rede pública.

Contestaram os RR., arguindo a ilegitimidade do A., por… litigar desacompanhado de sua mulher; a caducidade do direito invocado por aquele, na circunstância de serem já decorridos, aquando da propositura da ação, os prazos previstos nos n.ºs 2 e 3 do art.º 1225º, do Código Civil, nem sequer constituindo alguns dos invocados defeitos…defeitos de construção “nos termos supostos pelo n.º 1 do artigo 1225º do Código Civil.”.
Deduzindo no mais impugnação.
E rematando, “sem prejuízo da defesa elaborada em sede de exceção”, com a improcedência da ação, por não provada, absolvendo-se os RR. de todos os pedidos.

Houve réplica do A., requerendo a intervenção principal provocada de sua mulher, B, e sustentando a improcedência das arguidas exceções.
Por despacho de folhas 80-81, foi admitida a chamada a intervir nos autos, e ordenada a sua citação.
Deduzindo aquela intervenção, subscrita pela própria, em que, depois de contrariar a versão dos RR., dá conta de aguardar a nomeação de competente patrono oficioso, para ulteriores intervenções.
Vindo a patrona entretanto nomeada…subscrever o requerimento assim anteriormente apresentado pela interveniente.
O processo seguiu seus termos, com saneamento e condensação, sofrendo a base instrutória reclamação de banda dos RR., totalmente desatendida.

Teve lugar a realização de perícia.
Vindo, realizada que foi a audiência final – em cuja primeira sessão foram aditados dois “quesitos” à base instrutória – a ser proferida sentença que, julgando procedente a exceção perentória de caducidade, absolveu os Réus, “mais julgando prejudicadas as demais questões suscitadas”.

Inconformada, recorreu a A., formulando, nas suas alegações, as seguintes conclusões:
“A. Em 16/08/2006 os AA. adquiriram dos RR. o prédio urbano composto de cave, rés-do-chão, primeiro andar, sótão, anexo e logradouro, sito no lugar de Ameal, freguesia de Ramalhal, concelho de Torres Vedras, descrito na Conservatória do registo Predial de Torres Vedras, sob o n.º ..., da freguesia do Ramalhal e na mesma registada a favor dos Autores pela inscrição G- um e inscrito na matriz sob o artigo nº....
B. Este prédio foi construído e vendido pelos AA. no exercício da sua actividade comercial de construção e venda de imóveis.
C. Os AA. ocuparam o imóvel em Setembro de 2006.
D. Entre Setembro e Dezembro de 2006 apenas foram detectados defeitos ao nível dos azulejos da casa de banho que não estavam à esquadria, do chão da moradia, existindo algumas falhas que estavam pintadas, e da inclinação do lava-loiças.
E. A partir de Janeiro de 2007, verificou-se uma progressiva manifestação dos restantes defeitos em causa nos presentes autos,
F. sendo a partir dessa altura que o A. marido efectuou várias denúncias telefónicas à medida que os defeitos eram constatados.
G. Tal resulta das declarações do A., bem como da testemunha V.G.
H. No Verão de 2008, o R. marido deslocou-se ao imóvel, acompanhado da testemunha LTS, tendo reconhecido a existência dos defeitos e acordado a data da reparação.
I. Os RR. procederam à colocação de isolados (silicones) em 2008,
J. de modo a que no início de 2009 a testemunha  LTS efectuasse a reparação dos restantes defeitos.
K. Esta testemunha efectuou, por conta dos RR., reparações ao nível de paredes estuque, pintura e muros exteriores,
L. as quais ocorreram nos meses de Janeiro e Fevereiro de 2009.
M. Decidiu mal o Tribunal a quo ao dar como privado que os defeitos se verificaram logo no início da ocupação (Setembro de 2006).
N. Em primeiro lugar porque tal é contrário às declarações do A. e da testemunha V.G..
O. Em segundo, não é compatível com as regras da experiência comum que uma casa vendida em estado de “novo” seja entregue ao comprador apresentando fissuras e rachas nas paredes e muros, bem como defeitos na pintura.
P. Por outro lado, o Tribunal a quo não procedeu à correcta subsunção dos factos ao direito. Concretamente não identificou correctamente o regime jurídico aplicável, não atribuiu quaisquer efeitos à realização de obras de reparação, nem interpretou corretamente as regras sobre ónus da prova quanto à excepção de caducidade invocada.
Q. O Decreto-Lei n.º 67/2003, de 08 de Abril, “transpõe para a ordem jurídica nacional a Directiva n.º 1999/44/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de Maio, sobre certos aspectos da venda de bens de consumo e das garantias a ela relativas”.
R. Deste modo, o regime jurídico aplicável ao caso dos presentes autos é, s.m.o., o constante do DL n.º 67/2003, de 08 de Abril, e não o art. 1218.º e ss. do Código Civil, uma vez que os RR. actuaram no exercício da sua actividade comercial.
S. Nos termos do n.º 4 deste diploma “em caso de desconformidade do bem com o contrato o consumidor tem direito a que esta seja reposta sem encargos, por meio de reparação…”,
T. direito que pode ser exercido quando o defeito se manifeste nos cinco anos seguintes à entrega do bem – art. 5.º.
U. De acordo com os n.ºs 2 e 3 do art. 5.º-A do mesmo diploma, o comprador deve denunciar os defeitos no prazo de um ano a contar da data em que o tenha detectado e instaurar a correspondente acção no prazo de três anos a contar da denúncia, sob pena de caducidade.
V. Prazos esses que, conforme resulta da prova documental e das declarações do A. e da testemunha V.G., foram cumpridos.
W. Acresce que dispõe o n.º 2 do art. 331.º do C.C. que quando “se trate de prazo fixado por contrato ou disposição legal relativa a direito disponível, impede também a caducidade o reconhecimento do direito por parte daquele contra quem deve ser exercido”.
X. Face a este preceito, entende o Supremo Tribunal de Justiça que “o reconhecimento, pronto e espontâneo, por parte da Ré do direito do A. à reparação dos defeitos por si reclamados «torna certa a situação, dispensando dessa forma o recurso do dono da obra ao tribunal para obter de forma coerciva aquilo que tem já a certeza de vir a obter de forma voluntária»”.
Y. Como tal, o reconhecimento dos defeitos e a realização de reparações constitui facto impeditivo da caducidade.
Z. Igualmente não decidiu bem o Tribunal a quo ao considerar impender sobre os AA. o ónus de provar a verificação de factos impeditivos da caducidade.
AA. Não obstante se considerar que tais factos deveriam ser dados como provados,
BB. nos termos do n.º 2 do art. 342.º do C.C. a prova dos factos “extintivos do direito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita”.
CC. Como bem decidiu o Supremo Tribunal da Justiça “(d)e harmonia com as regras do ónus probatório (art.ºs 342.º e ss. do C.C.), será ao empreiteiro ou vendedor que, pretendendo fazer extinguir o direito do dono da obra à eliminação de alegados defeitos, cabe arguir e provar que o direito foi exercitado para além dos prazos supra indicados”.
DD. Assim, caberia aos RR. provar que os AA. não respeitaram os prazos de caducidade (causa extintiva da caducidade),
EE. prova essa que não aconteceu, não podendo a excepção proceder.”.
Remata com a procedência do recurso, devendo:
“a) ser julgada improcedente a excepção peremptória extintiva da caducidade;
b) ordenar-se a baixa dos autos de modo a que o MM.º Juiz a quo conheça as restantes questões suscitadas no processo.”.

Contra-alegaram os Recorridos, pugnando pela manutenção do julgado, e requerendo ainda, “à cautela”, a ampliação do âmbito do recurso, de molde a abarcar a questão da caducidade do direito de ação, aquando da instauração da mesma pelo A.; a insuficiência da matéria de facto para concluir que os defeitos provados devam ser imputados aos Réus; a restrição da denúncia a apenas parte dos defeitos provados; a impossibilidade legal de os AA. realizarem obras para corrigir defeitos e depois virem reclamar dos RR. o pagamento da despesa que fizeram com tal obra.

Tendo-se a A./recorrente oposto a tal ampliação…
Que veio a ser indeferida por despacho do Relator, nos termos que de folhas 440-441 se alcançam.

II- Corridos os determinados vistos, cumpre decidir.
Sendo, preliminarmente, de assinalar que as questões visadas pela indeferida ampliação do âmbito do recurso, ou estão abarcadas pelo que se considera serem as questões implicadas nas alegações da Recorrente, ou em qualquer caso resultam prejudicadas pela solução que àquelas se dará.

Isto posto:
Face às conclusões de recurso, que como é sabido, e no seu reporte à fundamentação da decisão recorrida, definem o objeto daquele – vd. art.ºs 635º, n.º 3, 639º, n.º 3, 608º, n.º 2 e 663º, n.º 2, do novo Código de Processo Civil – são questões propostas à resolução deste Tribunal:
- se é de alterar a decisão da 1ª instância quanto à matéria de facto, nos termos aparentemente propugnados pela Recorrente;
- se (não) ocorreu a caducidade do direito de denúncia dos AA. relativamente aos defeitos do imóvel vendido;
- se (não) se  verifica a caducidade do direito de ação, por parte dos AA.
***

Considerou-se assente, na 1ª instância, a factualidade seguinte:
“1 - Os Réus foram construtores e vendedores do imóvel.
2 - Os Autores em 16/08/2006, celebraram por escritura pública, com os Réus, um contrato de compra e venda do Prédio urbano, composto de cave, rés-do-chão, primeiro andar, sótão, anexo e logradouro, sito no lugar de Ameal, freguesia de Ramalhal, concelho de Torres Vedras, descrito na Conservatória do registo Predial de Torres Vedras, sob o n.º..., da freguesia do Ramalhal e na mesma registada a favor dos Autores pela inscrição G- um e inscrito na matriz sob o artigo nº....
3 - Desde o início da ocupação do prédio pelos Autores, que se vêm verificando, designadamente as seguintes circunstâncias:
a) fendilhações, bem visíveis, nas paredes exteriores, interiores e tectos de todo o prédio, nalguns casos com quebra de estuques;
b) Permanentes e abundantes infiltrações de água;
c) o telhado tem aberturas por onde entra a chuva, o vento e os pássaros;
d) uma caixa de estore está mal vedada deixando passar o vento;
e) os muros e paredes exteriores apresentam a pintura deteriorada e, mais grave ainda, apresentando fendas e rachas ameaçam ruir a todo o instante;
g) degrau com pedra quebrada;
i) vidro da lareira quebrou logo que foi ligada, não era à prova de fogo;
m) as juntas dos azulejos nos WC’s apresentam defeitos;
n) as tampas de 2 respiradouros das paredes caíram;
4 - Os Autores têm procurado, sem êxito, junto dos Réus, soluções para tais circunstâncias, com a explicação que tal prova só ocorreu a partir do Verão de 2008.
5 - Os Réus, na sequência das reclamações apresentadas pelos Autores, deslocaram-se ao prédio e aí verificaram existir parte das referidas circunstâncias.
6 - A garagem foi colocada nas traseiras do edifício, no final de uma rampa com uma inclinação de aproximadamente 25%.
7 - Obrigando a viatura dos Autores a efectuar uma curva em cotovelo para aceder à mesma.
8 - Por tal motivo desde o ano de 2006 que os Autores não conseguiram guardar a sua viatura na garagem.
9 - Só em 9 de Julho de 2008 é que o Autor enviou aos Réus a carta de fls. 49 com o conteúdo ali constante.
10 - Sendo que entre a data da ocupação da moradia ocorrida em Setembro de 2006 e o ano posterior a tal ocupação, nunca os Autores comunicaram aos Réus a existência de quaisquer defeitos, designadamente os constantes no quesito 1º, com excepção da quebra do vidro da lareira.”.

Tendo-se expressamente considerado não provado:
“1 - Desde o início da ocupação do prédio pelos Autores, que se vêm verificando, designadamente, as seguintes circunstâncias:
a) Os mosaicos da cozinha e hall de entrada foram aplicados com recurso a materiais de segunda escolha e com falhas tapadas com tinta, hoje estando visíveis porque entretanto saiu;
b) Porta do roupeiro tríplice defeituosa, deslocou-se dos rodízios e partiu o forro exterior;
c) As torneiras de toda a casa não debitam a pressão de água suficiente, apesar da rede de água o permitir;
d) Do mau isolamento se constata que a residência tem excesso de humidade sendo que o aparelho desumidificador recolhe 4 a 5 litros/dia de água só no salão;
2 – Os Autores sempre alertaram os Réus para tal circunstância.”.
***
Vejamos.
II – 1 – Da impugnação da decisão da 1ª instância quanto à matéria de facto.
1. Pretende a Recorrente ter ocorrido erro de julgamento, na 1ª instância, “Ao decidir que os defeitos em causa são todos verificáveis desde o início da ocupação do imóvel (Setembro de 2006), sendo esse o momento em que os AA. deles tomaram conhecimento”.
Pois “nem todos os defeitos existem desde a ocupação; Sendo que os problemas ao nível de rachas e fendilhações nas paredes e muros da moradia bem como humidade se foram progressivamente manifestando a partir de janeiro de 2007”.
Para além disso – ainda e sempre tanto quanto se logra alcançar dos especiosos termos da impugnação deduzida pela Recorrente – provado estaria ainda que “previamente à carta através da qual denunciou por escrito os defeitos”, o A. “efectuou diversos contactos telefónicos a partir de Janeiro de 2007”, “denunciando (…) os defeitos que progressivamente se foram manifestando”.
Finalmente, não se terá o Tribunal pronunciado quanto a outras duas questões de facto – de que propugna o provado – quais sejam, saber “Se os RR. efetuaram reparações no imóvel” e “Se a construção e venda do imóvel ocorreu no exercício da atividade económica/profissional dos RR.”.
Convocando a propósito do primeiro conjunto de alegados erros de julgamento, “as regras da experiência comum”, o depoimento da testemunha V.G e as declarações do A.
E, quanto ao sentido do suprimento da acusada “omissão”, o teor dos art.ºs 42º e seguintes da contestação, e o depoimento da testemunha LMTS – no tocante às reparações efetuadas – e o teor dos art.ºs 27º e 31º da contestação e os depoimentos das testemunhas LMTS e SMOL, e as declarações dos RR. C e D, relativamente à inscrição da construção e venda do imóvel em causa no exercício da atividade profissional dos RR.

2. Desde logo, em parte alguma da sua petição inicial os AA. alegaram, literalmente, que a construção e venda do imóvel se inseria na atividade comercial/profissional dos RR.
Do mesmo modo que o não fizeram os RR., que, aliás em manifesto lapso, alegaram, na sua contestação, que o imóvel em causa “Integra uma urbanização de cinco moradias unifamiliares construídas pelo autor e todas já vendidas”.
Não sendo pois caso de levar ao acervo dos factos assentes uma asserção que, na sua literalidade não foi produzida por qualquer das partes, e que assume, de resto, tal como a formula a Recorrente, natureza eminentemente conclusiva.
Nem, logo, se verificando qualquer omissão, na circunstância da não inclusão de tal afirmação no elenco dos factos provados.
Isto, sem prejuízo de, incontornavelmente, resultar do alegado nos art.ºs 17º e 27º da contestação que a construção e venda do imóvel aos AA. se inscreveu no exercício de atividade profissional a que se dedicavam os RR.
O que, a relevar em sede de julgamento de direito, será ponderado.

3. No tocante à matéria dos defeitos e momento em que os AA. tomaram deles conhecimento, ponto é que a Recorrente vem agora, em sede de alegações, urdir desinibidamente toda uma narrativa, que contradiz os termos em que a causa de pedir se mostra estruturada na petição inicial.
Assim sendo que naquele articulado alegaram os AA., expressis et apertis verbis:
“Os Autores em 16.08.2006, celebraram por escritura pública, com os Réus, um contrato de compra e venda do Prédio urbano, composto de Cave, Rés-do-chão, primeiro andar, sótão, anexo e logradouro, sito no lugar de Ameal, freguesia de Ramalhal, concelho de Torres Vedras.
(…)
Desde o início da ocupação do prédio pelos Autores, que se vêm verificando, designadamente, os seguintes defeitos de construção:
a) Fendilhações, bem visíveis, nas paredes exteriores, interiores e tectos de todo o prédio, nalguns casos com quebra de estuques.
b) Permanentes e abundantes infiltrações de água.
c) O telhado tem aberturas por onde entra a chuva, o vento e os pássaros.
d) Todas as caixas de estores estão mal vedadas, deixam passar o vento.
e) Os muros e paredes exteriores apresentam a pintura deteriorada e mais grave ainda apresentando fendas e rachas ameaçando ruir a todo o instante.
f) Os mosaicos da cozinha e Hall de entrada foram aplicados com recurso a materiais de segunda escolha e com falhas tapadas com tinta, hoje estando visíveis porque a tinta entretanto saiu.
g) Degrau com pedra mármore quebrada.
h) Porta do Roupeiro tríplice defeituosa, deslocou-se dos rodízios e partiu o forro exterior.
i) Vidro da Lareira quebrou logo que foi ligada, não era à prova de fogo, sendo os ora queixosos forçados a adquirir de seu bolso um novo pois que nem havia garantia do objecto.
k) As torneiras de toda a casa não debitam a pressão de água suficiente, apesar da rede de água o permitir.
l) Do mau isolamento se constacta que a residência tem excesso de humidade sendo que o aparelho desumidificador recolhe 4 a 5 litros/dia de agua só no salão
m) Os remates dos azuleijos nos wc estão todos mal alinhados e com junções desalinhadas disfarçadas com massa.
n) E, por ultimo, refira-se que até as tampas dos respiradores de paredes exteriores caíram e se tornaram acesso e ninho da passarada.”.
(…)
“Por forma a minimizar e corrigir os defeitos, mormente a resolução do acesso da viatura à garagem, já que esta se localiza na traseira em final de uma íngreme rampa de 80% inclinação, e para caricato, obrigando a viatura se possível a dobrar-se em cotovelo para aceder à dita.
Isto é, desde que os Autores adquiriram a habitação e a viatura em 2006, nunca a conseguiram guardar, como desejável na garagem, sendo que desde essa data esta é forçada a permanecer ao sol e chuva com os danos daí decorrentes.
Acresce salientar, que os Autores logo alertaram os RR. para esse facto, considerando pois tratarem-se de defeitos da obra não aceites pelos AA.”.
Convergentemente constando da missiva enviada pelo mandatário dos AA. aos RR., reproduzida a folhas 49 e 50 – e cuja autoria é assumida no art.º 3º da réplica – que:
“Por escritura pública, foi celebrado em 16.08.2006 com V. Exas e os meus constituintes, um contrato de compra e venda de uma casa (…)
Desde o início da ocupação do imóvel supra referido que os meus constituintes constatam que o mesmo apresenta diversos defeitos, designadamente; infiltrações de água através das já bem visíveis fendilhações nas paredes de todo o imóvel, paredes interiores e tectos rachados, todas as paredes do imóvel e muros exteriores apresentam pintura deteriorada, o telhado tem aberturas por onde circula o vento e os pássaros, todas as caixas dos estores mal vedadas, etc. etc.”.
Não se verificando pois qualquer ressalva quanto a defeitos que apenas em período subsequente ao do início da utilização do prédio pelos AA., se houvessem manifestado.
E sendo que os defeitos apurados – sem impugnação nessa parte de banda da Recorrente – representando um “minus” relativamente ao conjunto do que alegado vinha, se contêm, como não podia deixar de ser, nesse conjunto assim logo assumidamente percecionado pelos AA. desde o início da ocupação do imóvel.
Ora no direito português, os recursos ordinários visam a reapreciação da decisão proferida dentro dos mesmos condicionalismos em que se encontrava o tribunal recorrido no momento do seu proferimento. [1]
 São meios para obter o reexame de questões já submetidas à apreciação dos tribunais inferiores, e não para criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do tribunal de que se recorre. [2]
Deles se dizendo, por isso, que são recursos de revisão ou reponderação.
Não sendo, assim, admissível, a invocação de factos novos – e ademais contrariando o alegado pela própria parte, na fase dos articulados – nas alegações de recurso, sem prejuízo das hipóteses, de que nenhuma aqui se configura, contempladas no art.º 5º, n.º 2, do Código de Processo Civil. [3]
Logo por isso sendo inconsiderável, essa novel versão de que “nem todos os defeitos existem desde a ocupação; Sendo que os problemas ao nível de rachas e fendilhações nas paredes e muros da moradia bem como humidade se foram progressivamente manifestando a partir de janeiro de 2007.”.
Que possa ter havido agravamento do que, “desde o início da ocupação do imóvel” constatado foi, é ponto transcendendo já o momento a partir do qual era já exercitável por parte dos AA. o direito de denúncia dos defeitos.

3.1. De resto, o que assim apenas marginalmente se assinala, importaria demonstrar que são sempre serem inexistentes rachas e fendilhações nas paredes e muros, aquando do momento da venda de uma moradia nova…como também que por via de regra, e mesmo em caso de defeito de construção, aquelas se passem a manifestar…quatro meses depois venda…
E, desde logo, as declarações prestadas em depoimento de parte do A., não tendo conduzido à produção de prova por confissão, são livremente apreciadas pelo tribunal, cfr. art.º 466º, n.º 3, do Código de Processo Civil.
Sendo que, como bem referem Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro,[4] “A experiência sugere que a fiabilidade das declarações em benefício próprio é reduzida. Por esta razão, compreende-se que se recuse ao depoimento não confessório força para, desacompanhado de qualquer outra prova, permitir a demonstração do facto favorável ao depoente.”.
Sem embargo de que “Já integrado num acervo probatório mais vasto, poderá mesmo ser decisivo na prova desse facto, pois proporciona um material probatório necessário à prova do facto.”.
Acervo esse que, e que no tocante ao momento a quo da manifestação dos defeitos, se não mostra reunido no sentido pretendido pela Recorrente.
Em qualquer caso, porém, e como igualmente anotam aqueles Autores, “As declarações de parte são um meio de prova dos factos já validamente adquiridos pelo processo, em especial dos alegados (art.º 5º, n.º 1), e não uma via processual para a parte alegar factos.”.[5]

4. No que respeita aos “diversos contatos telefónicos” efetuados pelo A., “a partir de Janeiro de 2007”, “denunciando (…) os defeitos que progressivamente se foram manifestando” – facto igualmente não alegado na petição inicial, mas que se concede como concretização das genericamente invocadas insistências dos AA. junto dos RR., cfr. art.ºs 6º, 7º e 8º da petição inicial – para além de quanto se vem de referir relativamente ao valor probatório das declarações de parte, não confessórias, certo é não oferecer o convocado depoimento da testemunha  VMCG – amigo do A., e por via disso conhecendo a A. desde 2001 – suporte bastante no sentido pretendido por aquele.
Não se recordando tal testemunha de “pormenores” da única conversa telefónica a que terá assistido entre o Dr. LV e “o Sr. que lhe vendeu a casa”, apenas admitindo que a conversa “foi nesse sentido”, sugerido pelo mandatário dos AA. – de ter o A. pedido “que lhe fossem reparadas as questões…” – situando tal conversa “Talvez em 2010 ou coisa que o valha…mas não posso precisar”…
Sendo que a missiva reproduzida a folhas 315, alegadamente enviada ao R., pelo A., em 21-12-2007 – e que a Recorrente nem invoca – foi expressamente impugnada pelos RR., a folhas 318, rejeitando quer a efetividade da remessa de tal carta, quer a sua receção.

5. Finalmente e no tocante à efetuação de reparações.
Alegaram os AA. na sua petição inicial:
“7º Pese embora os Réus, na sequência das reclamações apresentadas pelos Autores, se terem deslocado ao Prédio e verificado "in loco" parte dos defeitos de construção ora elencados.
8º Apenas e por insistência dos Autores, os Réus, enviaram um pintor para disfarçar as mazelas, pois que até a tinta usada eram restos de outras obras e que, nem sequer chegando para tudo, levou a que estes ao invés de uma correcta pintura, andassem sim durante uma semana fazendo remendos em toda a habitação (…)”.
E – na réplica – “os Réus (…) bem sabem, que se deslocaram ao imóvel para reparar defeitos, no ano imediatamente anterior ao da propositura da ação. Tendo enviado um pintor para reparar alguns defeitos nas pinturas.”.
Referindo os RR., na sua contestação, e apenas, quanto a tal matéria:
“14º - É verdade o que o autor alega nos artigos 1º, 2º e 3º da petição inicial e, relativamente ao que alega no artigo 7º, é apenas verdade que o réu, recebida a carta mencionada no antecedente artigo 10º, se deslocou a casa do autor, ainda na primeira quinzena de Julho de 2008, para verificar a situação.”
39º - Quando visitou a casa do autor nas circunstâncias e tempo referidos no artigo 14º o réu constatou a inexistência de defeitos de construção.
40º - Apercebeu-se de alguma humidade no tecto da cozinha e alguns estragos que lhe pareceram derivados de um uso imprudente.
41º - E o réu enviou, então, um técnico que verificou a situação e lhe transmitiu que:
a) a humidade no tecto da cozinha fora provocada por ter sido retirado o isolamento em silicone do rebordo da banheira duma casa de banho que está no piso superior, por cima da cozinha;
b) a porta do roupeiro tinha uma amolgadela seguramente provocada por instrumento contundente e o rodízio não podia rodar na respectiva calha por esta estar cheia de lixo.
42º - O réu, apenas por cortesia – pois que entendeu que não estava obrigado a fazer tal – mandou de imediato pessoal seu para isolar de novo a banheira, pintar as zonas afectadas pela humidade e arranjar a porta do roupeiro.
45º - E, para que não ficassem a notar-se diferenças na pintura, mandou igualmente o réu pintar todo o interior da habitação – excepto o escritório e a sala porque o autor não quis que fossem pintados – e também os muros.”.
Ora, a pretenderem os AA. aproveitar-se do que assim consideram ser a confissão pelos RR., na sua contestação, de factos favoráveis aos AA. – a saber, a realização de reparações pelos RR., que, na sua perspetiva, evidenciariam reconhecimento do direito dos AA., impeditivo da caducidade do mesmo – então teriam que ter aceitado como verdadeiros os outros factos e circunstâncias que assim acompanharam a narração pelos RR. das reparações efetuadas, e que claramente tendem a infirmar a eficácia do facto confessado, nesse plano do reconhecimento do direito arrogado pelos AA.
É o que decorre do princípio da indivisibilidade da confissão, consagrado no art.º 360º do Código Civil.
Isto, sem prejuízo da ressalvada possibilidade da prova da inexatidão dos tais factos infirmantes da eficácia da confissão e cuja narração acompanhou aquela, vd. parte final do citado art.º 360º.
De qualquer modo, importará verificar se o convocado depoimento da testemunha dos RR., LMTS, suporta ou não o pretendido provado de que aqueles efetuaram reparações no imóvel, como se pergunta no igualmente referenciado “quesito 8 e ss. da base instrutória” (vd. art.º 22º do corpo das alegações da Recorrente).
Resultando de forma incontornável, do dito depoimento, que, na sequência de reclamações dos AA., o Sr. PV contactou aquela testemunha, tendo ido ambos à casa dos AA. – no Verão de 2008 – ali havendo a testemunha – pintor da construção civil – constatado  que “havia lá algumas coisas, umas fissurinhas por aqui e por acolá”, e “uma infiltração no teto da cozinha e uma manchas amarelas”, consequência da falta de silicone “no sítio das bases do duche”.
Referindo a testemunha que, posteriormente, em Janeiro e Fevereiro de 2009, procedeu à reparação de “algumas fissuras”, e em seguida “acabámos por pintar a casa toda, portanto as coisas onde tinha as fissuras e onde não tinha”, à exceção de uma sala, por vontade do A.
Tendo também procedido a reparação e pintura dos muros “havia lá umas coisas, umas tintas e umas rachas, também tinha rachado o muro.”.
Tal depoimento, contudo, afrontando o que os próprios AA. logo alegaram na sua petição inicial, no sentido de o referido pintor apenas ter ido “disfarçar as mazelas”, tendo andado “sim durante uma semana fazendo remendos em toda a habitação”, é também contrariado pelos próprios factos provados, aliás com fundamento expresso no “relatório pericial junto aos autos”.
Quando se tivesse procedido a uma efetiva e cabal reparação de fendilhações, pintura e rachas, não seriam detetáveis, poucos anos depois, “fendilhações, bem visíveis, nas paredes exteriores, interiores e tectos de todo o prédio, nalguns casos com quebra de estuques;”, e nem “os muros e paredes exteriores”, apresentariam “a pintura deteriorada”, “apresentando fendas e rachas”, ameaçando “ruir a todo o instante;”.

 Sendo pois de dar como provado, e apenas, em matéria de “reparações” – e uma vez mais presente não poder o Tribunal ir além do que as próprias partes alegaram, exceto nas hipóteses contempladas no art.º 5º, n.º 2, do Código de Processo Civil – que na sequência de reclamação dos AA. os RR. enviaram um pintor que procedeu a pinturas sem qualidade no interior da casa e, mais tarde, nos muros exteriores.
E isto, assim, considerando não haver a Recorrente arguido qualquer nulidade por omissão de pronúncia, da sentença recorrida, relativamente ao alegado pelas partes, mas concedendo, por outro lado, que a ausência de referência, na decisão da 1ª instância, a esta matéria das reparações, que carreada fora para os art.ºs 8º e seguintes da base instrutória, como a outras questões incluídas na mesma peça condensatória, correspondeu ao julgamento como não provado daquela.
Aditando-se pois ao elenco dos factos provados um n.º 5-A, com o seguinte teor:
“Após o que os RR. enviaram um pintor, que procedeu, em Janeiro e Fevereiro de 2009, a pinturas sem qualidade, no interior da casa e, mais tarde, nos muros exteriores.”.

Com procedência, dest’arte, apenas nesta parte e medida, das conclusões da Recorrente atinentes à impugnação da decisão da 1ª instância quanto à matéria de facto.

II – 2 – Da caducidade do direito de denúncia dos AA. relativamente aos defeitos do imóvel vendido.

1. Não ficam dúvidas quanto a serem as circunstâncias referidas em 3, 6, 7, e 8 da matéria de facto assente, recondutíveis à noção funcional que João Calvão da Silva refere como privilegiada no art.º 913º do Código Civil, do “vício que desvaloriza a coisa ou impede a realização do fim a que se destina; falta das qualidades asseguradas pelo vendedor ou necessárias para a realização do fim a que a coisa se destina”, nessa medida dizendo-se “defeituosa a coisa imprópria para o uso concreto a que é destinada contratualmente – função negocial concreta programada pelas partes – ou para a função normal das coisas da mesma categoria ou tipo se do contrato não resultar o fim a que se destina.”.[6]
Referindo Pedro Romano Martinez[7] a “noção ampla de coisa defeituosa”, consagrada no art.º 913º, do Código Civil, “que abrange os sentidos objectivo e subjectivo de defeito”.
Sendo assim a coisa defeituosa “se tiver um vício ou se for desconforme atendendo ao que foi acordado. O vício corresponde a imperfeições relativamente à qualidade normal de coisas daquele tipo, enquanto a desconformidade representa uma discordância com respeito ao fim acordado.
Os vícios e as desconformidades constituem o defeito da coisa (…)
Há um padrão normal relativamente à função de cada coisa, e é com base nesse padrão que se aprecia da existência do vício. Por exemplo, pressupõe-se que a máquina funcione ou que na casa não haja infiltrações de água. O critério funda-se num padrão de normalidade, que corresponde ao tipo ideal (…)
Associado com o padrão de normalidade encontra-se a redução ou extinção do valor ou da utilidade da coisa vendida.”.  
Com efeito, recorda-se, “Desde o início da ocupação do prédio pelos Autores, que se vêm verificando (…) as seguintes circunstâncias: fendilhações, bem visíveis, nas paredes exteriores, interiores e tetos de todo o prédio, nalguns casos com quebra de estuques; Permanentes e abundantes infiltrações de água; o telhado tem aberturas por onde entra a chuva, o vento e os pássaros; uma caixa de estore está mal vedada deixando passar o vento; os muros e paredes exteriores apresentam a pintura deteriorada (e, mais grave ainda) apresentando fendas e rachas ameaçam ruir a todo o instante; degrau com pedra quebrada; o vidro da lareira quebrou logo que foi ligada, não era à prova de fogo; as juntas dos azulejos nos WC’s apresentam defeitos; as tampas de 2 respiradouros das paredes caíram; a garagem foi colocada nas traseiras do edifício, no final de uma rampa com uma inclinação de aproximadamente 25%, obrigando a viatura dos Autores a efetuar uma curva em cotovelo para aceder à mesma; por tal motivo desde o ano de 2006 que os Autores não conseguiram guardar a sua viatura na garagem.”.
Tratando-se, na compra e venda de coisas defeituosas, de um cumprimento defeituoso, encontram aplicação as regras da responsabilidade contratual – art.ºs 798 e seguintes do Código Civil – tendo-se assim que incumbindo ao comprador a prova do defeito – vd. art.º 342º, n.º 1, do Código Civil – se presume a culpa do vendedor, se a coisa entregue padecer de defeito, cfr. art.º 799º, n.º 1, do Código Civil.

2. Por outro lado, rege nesta matéria de venda de imóvel com defeitos, construído pelo próprio vendedor, o art.º 1225º, do Código Civil, disposição nos termos da qual:
“1. Sem prejuízo do disposto nos artigos 1219.° e seguintes, se a empreitada tiver por objeto a construção, modificação ou reparação de edifícios ou outros imóveis destinados por sua natureza a longa duração e, no decurso de cinco anos a contar da entrega, ou no decurso do prazo de garantia convencionado, a obra, por vício do solo ou da construção, modificação ou reparação, ou por erros na execução dos trabalhos, ruir total ou parcialmente, ou apresentar defeitos, o empreiteiro é responsável pelo prejuízo causado ao dono da obra ou a terceiro adquirente.
2. A denúncia, em qualquer dos casos, deve ser feita dentro do prazo de um ano e a indemnização deve ser pedida no ano seguinte à denúncia.
3. Os prazos previstos no número anterior são igualmente aplicáveis ao direito à eliminação dos defeitos, previstos no artigo 1221º.
4. O disposto nos números anteriores é aplicável ao vendedor de imóvel que o tenha construído, modificado ou reparado.”.
Tendo-se deste modo que o prazo de denúncia do defeito é de um ano depois de conhecido aquele e dentro de cinco anos após a entrega da coisa, devendo a ação respetiva ser intentada no ano seguinte ao da denúncia…sob pena de caducidade.
Aliás em plena consonância com o que se dispõe, quanto aos prazos de garantia e denúncia de defeitos, na compra e venda de imóveis em geral, no art.º 916º, n.ºs 2 e 3, do Código Civil.
Importando no entanto ter presente que de acordo com o disposto no art.º 4º do Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de Abril – que procede à transposição para o direito interno da Diretiva n.º 1999/44/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de Maio, “através da aprovação de um novo regime jurídico para a conformidade dos bens (…) com o respectivo contrato de compra e venda, celebrado entre profissional e consumidor”, cfr. preâmbulo do sobredito Decreto-Lei, e art.º 1º, n.º 1 do mesmo e 2º, n.º 1, da Lei n.º 24/96, de 31 de Julho (Lei de defesa do consumidor) –:
 “1 - Em caso de falta de conformidade do bem com o contrato, o consumidor tem direito a que esta seja reposta sem encargos, por meio de reparação ou de substituição, à redução adequada do preço ou à resolução do contrato.”.
Podendo o comprador “exercer os direitos previstos no artigo anterior quando a falta de conformidade se manifestar dentro de um prazo de dois ou cinco anos a contar da entrega do bem, consoante se trate, respectivamente, de coisa móvel ou imóvel.”, cfr. art.º 5º, n.º 1.

E, de acordo com o disposto no art.º 5º-A do mesmo Decreto-Lei – aditado pelo Decreto-Lei n.º Decreto-Lei n.º 84/2008, de 21 de Maio:
“1 — Os direitos atribuídos ao consumidor nos termos do artigo 4.º caducam no termo de qualquer dos prazos referidos no artigo anterior e na ausência de denúncia da desconformidade pelo consumidor, sem prejuízo do disposto nos números seguintes.
2 — Para exercer os seus direitos, o consumidor deve denunciar ao vendedor a falta de conformidade num prazo de dois meses, caso se trate de bem móvel, ou de um ano, se se tratar de bem imóvel, a contar da data em que a tenha detectado.
3 — Caso o consumidor tenha efectuado a denúncia da desconformidade, tratando -se de bem móvel, os direitos atribuídos ao consumidor nos termos do artigo 4.º caducam decorridos dois anos a contar da data da denúncia e, tratando -se de bem imóvel, no prazo de três anos a contar desta mesma data.
Sendo assim que quer no âmbito do Código Civil, quer no domínio do Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de Abril, a denúncia de defeitos do imóvel vendido terá sempre de ser feita no prazo de um ano a contar da data em que o consumidor deles se tenha apercebido e dentro dos cinco anos subsequentes à entrega do imóvel.
Mas já a ação para exercício dos direitos do adquirente está sujeita aos diferentes prazos de um ano após a denúncia, no caso de compra e venda de imóvel, nos quadros do art.º 1225º, do Código Civil, e de três anos, quando se trate de compra e venda celebrada entre profissional e consumidor, como é, incontornavelmente, o caso.
Estando a norma do art.º 5º-A, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de Abril, em clara relação de especialidade com a norma do art.º 1225º, n.ºs 2 e 3, do Código Civil.
Isto, para lá da relação de especialidade em que aquela última se encontre, ela própria, relativamente a outras normas do mesmo Código Civil, vd. v.g., o art.º 917º daquele compêndio normativo.
Ora, isto visto, temos que – e presente aqui o já expendido supra, em sede de julgamento da deduzida impugnação da decisão da 1ª instância quanto à matéria de facto – exceção feita à quebra do vidro da lareira, a denúncia dos demais defeitos apurados foi feita pelos AA. mais de um ano após daqueles terem tido conhecimento, cfr. n.ºs 3, corpo, e 10, da matéria de facto assente.
Posto o que – e ressalvado o caso de tal vidro – teria caducado o direito dos AA. à reparação de tais defeitos.

3. Porém, sendo certo que “O prazo de caducidade não se suspende nem interrompe senão nos casos em que a lei o determine” – cfr. art.º 328º, do Código Civil –  e que “Só impede a caducidade a prática, dentro do prazo legal ou convencional, do ato a que a lei ou convenção atribua efeito impeditivo.” – vd. n.º 1 do art.º 331º, do Código Civil – “Quando porém se trate de prazo fixado por contrato ou disposição legal relativa a direito disponível, impede também a caducidade o reconhecimento do direito por parte daquele contra quem deva ser exercido.”, cfr. n.º 2 do mesmo art.º.
No entanto, conforme julgou o Supremo Tribunal de Justiça, em Acórdão de 19-01-2012,[8] “Como o reconhecimento de um direito, como causa impeditiva da caducidade, tem como efeito tornar certa uma determinada situação, fazendo as vezes de uma sentença, temos que o mesmo tem que ser claro, não oferecendo quaisquer dúvidas sobre a atitude de quem reconhece.”.
Sustentando mesmo P. Lima e A. Varela,[9] que “O simples reconhecimento do direito, antes do termo da caducidade, por aquele contra quem deve ser exercido, não tem relevância se, através desse reconhecimento, se não produzir o mesmo resultado que se alcançaria com a prática tempestiva do acto a que a lei ou uma convenção atribuam efeito impeditivo. Só nos casos em que o reconhecimento assuma o mesmo valor do acto normalmente impeditivo é que deixará de verificar-se a caducidade.”.
Pois “Conforme sublinha Vaz Serra (na R. L. J., ano 107.º, pág. 24), «a caducidade é estabelecida com o fim de, dentro de certo prazo, se tornar certa, se consolidar, se esclarecer determinada situação jurídica; por isso, o reconhecimento impeditivo da caducidade tem de ter o mesmo efeito de tornar certa a situação».
Já Pedro Romano Martinez,[10] concedendo que “O procedimento do responsável tem de ser claro, no sentido de aceitar que o cumprimento se apresenta como defeituoso.”, rejeita o entendimento daqueles Autores, que reputa de restritivo, considerando que a exigir-se que o reconhecimento revista o mesmo valor do acto que deveria ser praticado em seu lugar, tal levaria “a aceitar como válidas situações de manifesto abuso de direito”.
Como quer que seja, ponto é que quando tiveram lugar os factos pretendidamente impeditivos da caducidade – por revelarem reconhecimento dos defeitos, vd. n.ºs 5 e 5-A da matéria de facto assente – já o prazo de caducidade do direito de denúncia era decorrido há quase um ano.
E, como refere Menezes Cordeiro,[11] “A caducidade, uma vez em funcionamento, é inelutável. A caducidade só é detida pela prática, dentro do prazo legal ou convencional, do acto a que a lei ou uma convenção atribuam o efeito impeditivo".
“Tratando-se de caducidade convencional ou de caducidade relativa a direito disponível, o artigo 331.°/2 admite que ela seja detida pelo reconhecimento do direito por parte daquele contra quem deva ser exercido. Não vale como tal uma "simples admissão genérica (...) mas um reconhecimento concreto, preciso, sem ambiguidades ou de natureza, vaga ou genérica". Além disso, para ter efeitos impeditivos da caducidade, o reconhecimento deve ter lugar antes de o próprio direito em jogo ter caducado".
No mesmo sentido se pronunciando Pedro Romano Martinez:[12] “Refira-se, porém, que o impedimento de caducidade só é eficaz quando se verifica antes do termo do prazo (art. 331°, n° 1).”.
E assim também se havendo decidido, em Acórdão desta Relação de 12-12-2006,[13]com citação de Jacinto Rodrigues Bastos, que[14] “Este reconhecimento não pode ter lugar depois de decorrido o prazo de caducidade. Decorrido o prazo sem que se tenha operado uma causa impeditiva, a caducidade verificar-se-á automaticamente”.
Deste modo – e sendo ónus dos AA. a prova da exceção (do reconhecimento) à exceção da caducidade – temos que ocorreu a caducidade do direito de denúncia dos defeitos do imóvel adquirido pelos AA. aos RR., com a ressalva única relativa ao vidro da lareira.

II – 3 – Pelo que à reparação de tal defeito respeita, não lograram os RR. – como lhes competia – atuar o ónus da prova da caducidade do direito de ação correspondente.
Pois que da circunstância de anteriormente ao fim de Setembro de 2007 os AA. terem denunciado esse defeito perante os RR. – cfr. n.º 10, in fine, dos factos assentes – não decorre forçosamente que o hajam feito mais de três anos antes da propositura da presente ação, em 09-07-2010. Respeitando de resto essa propositura o prazo de garantia de 5 anos
Assistindo assim aos AA. o direito à eliminação do correspondente defeito, em via de substituição do vidro partido, na lareira, por um resistente ao calor.

A condenação em alternativa no pagamento das despesas necessárias a tal reparação não procede, por falta de base legal, sem prejuízo de, em casos de “incumprimento definitivo da obrigação de eliminação dos defeitos”, por parte do vendedor, poder o comprador “optar entre o direito à redução do preço ou à resolução do contrato, nos termos do art.º 1222º, do CC, ou a efectuar a reparação ou reconstrução da obra pelos seus meios, ou com recurso a terceiro, sendo o empreiteiro (vendedor) responsável pelo custo desses trabalhos. Na verdade, o incumprimento definitivo de uma obrigação confere ao credor o direito a ser indemnizado pelos prejuízos causados por esse incumprimento (art.º 798º do C.C.), o que, neste caso, corresponde ao custo das obras de eliminação dos defeitos ou de reconstrução, entretanto efectuadas ou a realizar pelo dono da obra (comprador) ou por terceiro contratado por este”. [15]
Opção que não surge formulada na conclusão da petição inicial, nem, aliás, no remate das alegações de recurso.

Não havendo também lugar à condenação em indemnização por danos patrimoniais não demonstrados… ou pelos que os AA. “venham a ser suportar, até efetiva reparação do defeito.”. Mas cfr. art.ºs 556º e 557º, do Código de Processo Civil.
***
 Procedendo apenas nesta estrita conformidade as conclusões da Recorrente.

III – Nestes termos, acordam em julgar a apelação parcialmente procedente, e revogam correspondentemente a sentença recorrida,-------------
julgando a ação parcialmente procedente e -----------------------------------------------
condenando os RR. a proceder à substituição do vidro partido da lareira por um vidro resistente ao calor,----------------------------------------------------------------
absolvendo-os do mais pedido.

Custas pela A./recorrente e pelos RR/recorridos, na proporção de 99,6% para a primeira, e 0,4% para os segundos, nesta instância, e por AA. e RR., na mesma proporção, na 1ª instância, sem prejuízo do concedido apoio judiciário.
***
Em observância do disposto no n.º 7 do art.º 663º, do Código de Processo Civil, passa a elaborar-se sumário, da responsabilidade do relator, como segue:
I – No caso de venda de imóvel, por profissional, a consumidor, a denúncia de defeitos deverá ter lugar até um ano depois de conhecidos aqueles, e a reparação dos mesmos deverá ser judicialmente exigida nos três anos subsequentes à denúncia dos aludidos defeitos. II – A caducidade do direito de denúncia poderá ser impedida pelo reconhecimento dos defeitos por parte do vendedor do imóvel. III – Tal reconhecimento tem que ser claro, não oferecendo quaisquer dúvidas sobre a atitude de quem reconhece. IVPara ter efeitos impeditivos da caducidade, o reconhecimento deve ter lugar antes de o próprio direito em jogo ter caducado.


Lisboa, 2015-03-05

(Ezagüy Martins)
(Maria José Mouro)
(Maria Teresa Albuquerque)

[1] Teixeira de Sousa, in Estudos Sobre o Novo Processo Civil, LEX, 1997, pág. 395.
[2] Vd. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 03-02-1999, proc. n.º 98A1277, relator: Aragão Seia, e de  11-04-2000, proc. n.º 99P312, relator: José Mesquita, in www.dgsi.pt/jstj.nsf; e desta Relação, de 08-02-2000, proc. n.º 0076737, relator: Ponce Leão, e de 12-12-2002, proc. n.º 0054782, relator: Lúcia De Sousa, in www.dgsi.pt/jtrl.nsf .
[3] Assim, Teixeira de Sousa, op. cit. págs. 395 e 454; Armindo Ribeiro Mendes, in “Os Recursos no Código de Processo Civil Revisto”, LEX, 1998, pág. 52; e João de Castro Mendes, in “Direito Processual Civil (Recursos), Ed. da AAFDL, 1972, págs. 23-24.
[4] In “Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil”, 2013, Vol. I, Almedina, pág. 364.
[5] Idem, pág. 365.
[6] In “Compra e venda de coisas defeituosas”, Almedina, 2002, pág. 41.
[7] In “Direito das Obrigações (Parte Especial) Contratos . Compra e Venda, Locação, Empreitada”, 2ª Ed., Almedina, págs. 130-132.
[8] Proc. n.º 1754/06.6TBCBR.C1.S, Relator: OLIVEIRA VASCONCELOS, in www.dgsi.pt/jstj.nsf.
[9] In “Código Civil Anotado”, Vol. 1º, 3ª Ed., Coimbra Editora, Ld.ª, 1982, págs. 293-294.
[10] In “Cumprimento defeituoso. Em especial na compra e venda e na empreitada”, Coleção teses, Almedina, 2001, págs 380-381.
[11] In “Tratado de Direito Civil Português”, I, Parte Geral, Tomo IV, 2005, págs. 224-225.
[12] In op. cit., pág. 381.
[13] Proc. 6315/2006-7, Relator: ARNALDO SILVA, in www.dgsi.pt/jstj.nsf.
[14] In “Notas ao Código Civil, Vol. II, Lisboa, 1998, pág. 100.
[15] Assim, João Cura Mariano,  in “Responsabilidade Contratual do Empreiteiro Pelos Defeitos da Obra”, 3ª Ed., Almedina, 2008, pág. 154-155.