Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
173/09.7TCFUN-A.L1-6
Relator: TERESA PARDAL
Descritores: CRÉDITOS LABORAIS
PRIVILÉGIO CREDITÓRIO IMOBILIÁRIO ESPECIAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/14/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: - Para que os créditos laborais gozem do privilégio creditório imobiliário especial previsto no artigo 333º nº1 b) do Código do Trabalho, é necessário provar-se a conexão entre o imóvel penhorado e a actividade da entidade patronal, cabendo às titulares dos créditos laborais o ónus da respectiva alegação e prova.
(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial: Acordam os Juízes, do Tribunal da Relação de Lisboa.


RELATÓRIO:


Por apenso à acção executiva em que é exequente C…, Lda e é executado A…, efectuada a penhora de 1/2 de um prédio urbano, foram reclamados os seguintes créditos:
a) Pelo Ministério Público, os créditos nos montantes de 122,40 euros, 61,20 euros e 61,20 euros, provenientes de IMI não pago, relativo ao prédio objecto de penhora.
b) Pela Caixa…, SA, o crédito no montante de 442 686,98 euros, proveniente de dois contratos, de mútuo com hipoteca registada sobre o prédio objecto de penhora e anterior a esta.
c) Pelo Ministério Público, ao abrigo do artigo 794º do CPC, os créditos nos montantes de 3 700,20 euros e de 2 362,31 euros, provenientes da falta de pagamento de salários, abonos, subsídios de alimentação, férias, subsídio de férias e de Natal e da cessação do contrato de trabalho, respectivamente, às trabalhadoras F… e V…, para cujo pagamento foi penhorado, noutros processos e depois da penhora destes autos, o prédio urbano objecto da penhora destes autos. 

Oportunamente foi proferida sentença que julgou verificados os créditos reclamados e graduou-os, para serem pagos pelo produto do bem penhorado, pela seguinte ordem:
1. O crédito reclamado pelo Ministério Público, referente a créditos laborais.
2. O crédito reclamado pelo Ministério Público, referente a IMI.
3. O crédito reclamado pela Caixa…, SA, até ao montante máximo de 447 687,39 euros, sendo os seus acessórios até ao limite temporal estabelecido no art. 693º, nº2 do Cód. Civil.
4. O crédito exequendo
                                                           
Inconformada, a credora reclamante Caixa… interpôs recurso e alegou, formulando conclusões, onde apresenta os seguintes argumentos:
- A sentença recorrida graduou os créditos laborais em 1º lugar e antes do crédito reclamado pela apelante, o que fez ao abrigo do artigo 333º nº1 b) do Código do Trabalho, que prevê um privilégio imobiliário especial sobre o imóvel do empregador no qual o trabalhador presta a sua actividade.
- As ex-trabalhadoras não exerciam a sua actividade profissional no imóvel penhorado e este está destinado à habitação do executado, conforme resulta da caderneta predial.
- Nos termos do artigo 342º do CC, cabia às titulares dos créditos laborais o ónus de provar que existia conexão entre o imóvel objecto de penhora e o local onde exerciam a sua actividade profissional, para que pudessem beneficiar do privilégio imobiliário especial, o que não fizeram.
- Deve ser revogada a sentença recorrida e substituída por outra que não reconheça aos créditos laborais reclamados o privilégio imobiliário especial e gradue o crédito hipotecário da apelante antes dos referidos créditos.
                                                           
Não há contra-alegações e o recurso foi admitido como apelação com subida imediata e com efeito devolutivo.
A questão a decidir é a de saber se os créditos laborais reclamados pelo Ministério Público gozam de privilégio imobiliário especial.
                                                           
FACTOS.
Os factos a considerar são os que constam no relatório deste acórdão.
                                                            
ENQUADRAMENTO JURÍDICO.
Nos termos do artigo 791º do CPC, reconhecidos os créditos na qualidade em que foram reclamados, haverá que graduá-los.
A sentença recorrida, entendendo que os créditos laborais reclamados pelo Ministério Público beneficiam de privilégio imobiliário especial previsto no artigo 333º do Código do Trabalho, graduou-os em 1º lugar, antes dos créditos por IMI e do crédito hipotecário da apelante. 

É a seguinte a redacção do referido artigo 333º do Código do Trabalho (aprovado pela Lei 7/2009 de 12/2:
Nº1- Os créditos do trabalhador emergentes de contrato de trabalho, ou da sua violação ou cessação gozam dos seguintes privilégios creditórios: a) Privilégio mobiliário geral; b) Privilégio imobiliário especial sobre bem imóvel do empregador no qual o trabalhador presta a sua actividade.
Nº2- A graduação dos créditos faz-se pela ordem seguinte: a) O crédito com privilégio mobiliário geral é graduado antes do crédito referido no nº1 do artigo 747º do CC; b) O crédito com privilégio imobiliário especial é graduado antes do crédito referido no artigo 748º do CC e de crédito relativo a contribuição para a Segurança Social”.

O privilégio creditório “é a faculdade que a lei, em atenção à causa do crédito, concede a certos credores, independentemente de registo, de serem pagos com preferência a outros” (artigo 733º do CC) e pode ser mobiliário ou imobiliário, incidindo sobre bens móveis, ou sobre bens imóveis, podendo ainda ser geral ou especial, incidindo sobre a generalidade dos bens, ou só sobre determinados bens, sendo que os privilégios imobiliários estabelecidos no código civil são sempre especiais, incidindo sempre apenas sobre determinados imóveis (artigo 735º do CC).

Como decorre da alínea b) do nº2 do acima transcrito artigo 333º, o privilégio imobiliário especial aí previsto gradua-se antes dos créditos do Estado por contribuição predial, a que se refere o artigo 748º do CC.  
 
Por seu lado, a hipoteca, conferindo ao credor “o direito de ser pago pelo valor de certas coisas imóveis, ou equiparadas, pertencentes ao devedor ou a terceiro com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo”, gradua-se depois dos créditos com privilégio imobiliário especial, ou seja, depois dos créditos do Estado pela contribuição predial e depois dos créditos previstos no artigo 333º nº b) do CT (artigos 686º, 748º e 751º do CC).

Mas, como decorre também do artigo 333º nº1 b) do CT, os créditos laborais aí contemplados não gozam de privilégio especial sobre qualquer imóvel do devedor, sendo pressuposto deste privilégio a conexão entre a actividade dos trabalhadores e os prédios objecto de penhora, sendo essa a causa do crédito que, nos termos do artigo 733º do CC, levou a lei a atribuir aos credores laborais este privilégio e que consiste na afectação de determinados imóveis do devedor à actividade laboral da empresa.
Ora, no presente caso, não foi alegado nem provado que as titulares dos créditos laborais – a quem cabia o respectivo ónus da prova, nos termos do artigo 342º do CC – exerciam a sua actividade no prédio em causa, nem que este estava afecto à actividade da entidade patronal.

Sendo assim, é forçoso concluir que os créditos laborais reclamados pelo Ministério Público não gozam do privilégio imobiliário previsto no artigo 333º nº1 b) do CT, não podendo ser graduados antes do crédito hipotecário da apelante e dos créditos do Estado por falta de pagamento de IMI. 
      
Por outro lado, sendo os créditos laborais reclamados garantidos por penhora posterior à penhora dos presentes autos (foram reclamados ao abrigo do artigo 794º do CPC, como resultado de sustação de execução onde o bem foi penhorado posteriormente à penhora do presente processo), a penhora do crédito exequendo tem preferência nos termos do artigo 822º do CC.
Procedem, portanto, as alegações da apelante.
                                                         
DECISÃO.

Pelo exposto, acorda-se em julgar procedente a apelação e, consequentemente, se decide graduar os créditos reclamados e verificados pela seguinte ordem:
1º Créditos reclamados pelo Ministério Publico a título de IMI não pago.
2º Crédito hipotecário da credora Caixa ….
3º Crédito exequendo.
4º Crédito reclamado pelo Ministério Público a título de créditos laborais.                                                          
Sem custas.

                                                           
Lisboa,  2016-07-14
                                                              
                                                                  
Maria Teresa Pardal                                                                   
Carlos Marinho                                                                 
Maria Manuela Gomes                                                                       
Decisão Texto Integral: