Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
8384/01.7TDLSB.L1-9
Relator: MARGARIDA VIEIRA DE ALMEIDA
Descritores: ASSISTENTE EM PROCESSO PENAL
RECURSO
LEGITIMIDADE PARA RECORRER
PENA SUSPENSA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/11/2015
Votação: DECISÃO INDIVIDUAL
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: Verifica-se a falta de interesse em agir do assistente no que concerne à interposição de recurso do despacho que julga extinta a pena suspensa por cumprimento da condição.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Decisão sumária:

A Companhia de Seguros X, SA, na qualidade de demandante cível e de assistente, veio interpor recurso do despacho judicial de fls.5824 dos autos que “… ao abrigo do disposto no artº 57º, nº 1 do Código Penal, “… declarou extinta a pena em que o arguido foi condenado, e do despacho judicial de fls 5865 que em resposta a um pedido de aclaração do anterior despacho, o manteve.

Em seu entender, e resumidamente, o Mmo Juiz “a quo” não apoia intervir nesta fase processual porque o poder jurisdicional se tinha esgotado,  e que quem tinha de intervir era o Presidente do Tribunal de 1ª instância em que o processo tinha corrido, sem prejuízo do disposto no artº 138º do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas de Liberdade.

Entende ainda que devia ter sido ouvida como parte com direito a pronunciar-se sobre o cumprimento, ou não, da condição da suspensão da pena imposta ao arguido antes de a mesma ter sido julgada extinta pelo Tribunal “a quo”.

A COMPANHIA DE SEGUROS Y, SA, na qualidade de demandante cível, interpôs igualmente recurso, no qual pede a revogação da mesma decisão por entender, em síntese, que não só foi proferida por quem não tinha poder jurisdicional para o efeito, por o mesmo se encontrar esgotado, como por entender que a decisão foi proferida sem que a recorrente tivesse sido previamente ouvida, o que, a seu ver, constitui nulidade insanável prevista no artº 120º do CPP.

RESPONDE o MºPº que o presente recurso não deve ser apreciado porquanto o assistente não tem legitimidade para recorrer das decisões contra si proferidas, o que não é o caso.

Os assistentes recorrentes têm em seu poder título executivo.

No que à condenação penal concerne, não têm qualquer legitimidade para se pronunciar, devendo o recurso ser rejeitado por falta de legitimidade e de interesse em agir por parte do recorrente, ou se assim se não entender, deve o despacho recorrido ser mantido nos seu precisos termos.

RESPONDEU o arguido acompanhando a posição assumida pelo MºPº.

Pugna pela manutenção do decidido.

NESTA RELAÇÃO, pronunciou-se o MºPº em bem elaborado parecer (PGA Dr Varela Martins) no sentido de que o recurso deve ser rejeitado por falta de legitimidade dos recorrentes.

A este Parecer responde a X, SA., mantendo o que foi dito.

Apreciando, sumariamente, nos termos do disposto no artº 417º, nº 6 do CPP:

Como QUESTÃO PREVIA cumpre deixar escrito que os “comentários” sobre as magistraturas ínsitos no ponto 15 do título III da motivação de recurso da Companhia de Seguros X, SA, se terão por não escritos, e serão oportunamente riscados.

No que concerne ao objecto do recurso:

As recorrentes pretendem a revogação do despacho que julgou extinta a pena imposta ao arguido com base em dois argumentos, a saber,
a) o de que o Mmo Juiz do Tribunal “a quo” não tinha competência para a decisão proferida por se encontrar esgotado o poder jurisdicional;
b)  o de que o despacho foi proferido sem que tivesse havido prévia audição das recorrentes, tendo violado o princípio
do contraditório e enfermando, por esse motivo, de nulidade.

Vejamos:

A decisão penal proferida contra o arguido condenou-o na pena de 3 anos, suspensa por igual período de tempo, …”sob condição de proceder ao pagamento nos prazos e montantes fixados na sentença homologatória de transacção” – alínea b) do ponto 3 da decisão sob a epígrafe ”Dispositivo”.

Essa transacção e respectiva sentença homologatória constam de fls.5092 e seguintes dos autos.

Temos então, que as ora recorrentes, no que aos pedidos cíveis por si formulados concerne, dispõem, ambas, de um título executivo que ainda não accionaram, e que a qualquer momento podem usar para obterem o pagamento das quantias que se mostrarem em dívida.

O que sucedeu nos presentes autos foi que o julgador (neste caso, um Tribunal Colectivo, decidiu, ao abrigo do disposto no artº s 50º e ss. do Código Penal, subordinar a suspensão da execução da pena de prisão imposta ao arguido ao cumprimento de deveres, neste caso, do dever de proceder ao pagamento das quantias constantes do acordo de transacção.

Independentemente do que se pense da imposição desse tipo de obrigação que pode traduzir-se na imposição de condição impossível, com as legais consequências, o certo é que essa é matéria de condenação penal, logo, subtraída à disponibilidade do assistente.

É certo que pela redacção dada ao artº 69º do CPP pela Lei nº 26/2010, de 30 de Agosto, os assistentes  podem…”  c) interpor recurso das decisões que os afectem,  mesmo que o MºPº não o tenha feito”.

Dificilmente, todavia, se poderá considerar que a decisão de julgar extinta a pena ao arguido seja uma decisão que afecte o demandante cível, ou o assistente, sobretudo se se tiver em consideração que detém um título executivo.

O que existiu neste processo por força da imposição de uma condição cujo cumprimento se revelava desde o início impossível, (tem sido esse o nosso entendimento neste tipo de processos) foi uma confusão parcial (decorrente da entrega de quantias em cumprimento da condição) entre a execução da parte crime da decisão penal e a execução da parte cível da transacção efectuada, confusão essa absolutamente ilegítima.

A condenação em pena suspensa sujeita a imposição de deveres tem por finalidade assegurar a reintegração do agente na sociedade. (veja-se o preâmbulo do Código Penal sob a imposição residual de penas de prisão)

A condenação no pagamento das quantias constante do acordo homologado por sentença tem por finalidade ressarcir os lesados.

Por força da imposição da condição, durante o período do seu cumprimento, essas duas finalidades estiveram sobrepostas, confundidas, em sentido impróprio, que não jurídico, do termo.

Mas tão somente isso.

Se o legislador quisesse que a imposição de uma condição para suspensão de uma pena, em casos destes, se traduzisse em imposição de prisão por dívidas (constitucionalmente proibida) não tinha restringido os casos de possibilidade de recurso por banda do assistente às decisões que o afectem, por um lado, e teria, seguramente, dado outra redacção aos artigo 55º, 56º e 57º do C.Penal.

Não assiste razão aos recorrentes quando afirmam que têm interesse em agir.

Pouco importa se foi o acordo efectuado, devidamente homologado por sentença, que permitiu a imposição de pena suspensa ao recorrido.

O que importa é que esse acordo constitui título executivo, logo, o interesse dos recorrentes está acautelado, em matéria cível, na disponibilidade das partes.

Em matéria de condenação penal, a legitimidade cabe ao Estado, representado pelo MºPº, não sendo possível aos recorrentes usarem o incumprimento da condição, para mais, não se tendo provado que esse incumprimento fosse doloso, para cobrarem um crédito assegurado por título executivo.

Daqui decorre igualmente que os recorrentes, assistente um e apenas demandante cível outro não tinham que ser previamente, ouvidos sobre matéria de cumprimento da decisão penal.

O despacho recorrido não enferma de nulidade por falta de audição prévia dos recorrentes, ou de qualquer outra, já que deu cumprimento a todas as exigências previstas nos artº 55º, 56º e 57º do Código Penal antes de declarar extinta a pena imposta ao arguido.

Do mesmo modo, foi proferido pela entidade com competência para decidir, nos termos do disposto no artº 474º do CPP.

Com efeito, tratando-se de julgamento efectuado em processo comum com intervenção de Tribunal Colectivo, a execução corre nos próprios autos perante o Presidente do Tribunal de 1ª instância em que o processo tiver corrido, logo, o Presidente do Colectivo que procedeu ao julgamento.

Em síntese, ambas as recorrentes subscreveram transacção relativamente ao pedido cível que haviam formulado, transacção essa homologada por sentença, e que constitui título executivo.

Carecem ambas de interesse em agir relativamente à decisão que após cumprir as diligências impostas pelo artº 55º, 56º e 57º  do Código Penal, conclui que  não existiu dolo por parte do arguido quando apenas cumpriu parcialmente condição imposta para suspensão da execução da pena ( até porque essa condição era impossível), declarou a extinção da pena e determinou o arquivamento dos autos.

Assiste razão ao MºPº e ao recorrido quando defendem que o recurso deve ser rejeitado, nos termos do disposto no artº 401º, nº 2 do CPP.

Nos termos do disposto no artº 417º, nº 6 b), o relator profere decisão sumária sempre que o recurso deva ser rejeitado.

E nos termos do disposto no artº 420º, nº 1 b) do mesmo diploma, o recurso é rejeitado sempre que se verifique causa que devia ter determinado a sua não admissão, nos termos do disposto no artº 414º, nº 2 do CPP.

Claro que na dúvida, bem andou o Tribunal “a quo” em receber os recursos, permitindo a apreciação da posição defendida pelas recorrentes.

Decisão sumária:

Termos em que se decide rejeitar os recursos interpostos pelas recorrentes X, SA e Y, SA por falta de interesse em agir.

É devida taxa de justiça a cargo de cada uma das recorrentes que se fixa em 5 Ucs.

Registe e notifique, nos termos legais.

Lisboa, 11.05.2015

Margarida Vieira de Almeida