Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1274/11.7TXLSB-I.L1-5
Relator: RICARDO CARDOSO
Descritores: PRISÃO POR DIAS LIVRES
REGIME DE PERMANÊNCIA NA HABITAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/26/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO
Sumário: “I. A Lei n.º 94/2017, no seu artigo 12.º, n.º1, estabeleceu a possibilidade de reabertura da audiência de julgamento, a solicitação do condenado por sentença transitada em julgado, em prisão por dias livres ou em regime de semidetenção, para aplicação de pena não privativa da liberdade ou do novo regime de permanência na habitação.
II. Idêntico regime é aplicável à prisão em regime contínuo que resulte do incumprimento das obrigações de apresentação decorrentes da prisão por dias livres, nos termos dos n.ºs 2 e 3, do mesmo artigo.
III. A Lei n.º 94/2017 permite ao condenado, não a possibilidade de este se eximir ao cumprimento da pena que lhe foi imposta, mas tão só a de poder beneficiar de um regime de cumprimento mais favorável, caso lance mão do mecanismo previsto no artigo 12.º do mencionado diploma legal.
IV. A revogação dos artigos 125.º do CEPMPL e do 45.º, n.ºs 3 e 4, do Código Penal não impede a conversão do tempo de pena não cumprido, de prisão por dias livres em prisão contínua.
V. A pena não pode ser declarada extinta enquanto não for integralmente cumprida, seja de uma forma ou de outra, não podendo o tribunal de execução colocar-se na situação de ficar a aguardar, sem mais, o decurso do prazo de prescrição.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam em conferência os Juízes da 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.

1. No Processo nº 1274/11.7TXLSB do Tribunal de Execução de Penas dos Açores do Tribunal de Execução de Penas da Comarca dos Açores em que é arguido L. , por despacho, proferido a 21 de Janeiro de 2019, foi decidido o seguinte:
“O Ministério Público, tendo em vista a conversão da prisão por dias livres em regime contínuo, veio requerer que seja ouvido o condenado, face à informação prestada pelo E.P. no sentido de que faltariam cumprir períodos de prisão por dias livres.
Vejamos:
A publicação da Lei n.° 94/2017, de 24 de agosto eliminou do nosso sistema penal a prisão por dias livres e o regime de semidetenção tendo simultaneamente, ampliado o campo de aplicação do regime de permanência na habitação
A mesma lei foi antecedida de uma Exposição de Motivos relativa à Proposta de Lei n.° 90/X11I Exposição (cfr. Comunicado do Conselho de Ministros de 18 de maio de 2017) no qual se anunciava a revisão do Código Penal, com a extinção das penas de substituição detentivas — prisão por dias livres e regime de semidetenção, e referia que “Para evitar que, aquando da entrada em vigor do presente diploma, os condenados nestas penas continuem a cumpri-las após a sua extinção, prevê-se um regime transitório que confere ao condenado a faculdade de requerer ao tribunal a substituição do tempo que resta pelo regime de permanência na habitação ou por uma pena não privativa da liberdade (...)
E efectivamente o legislador estabeleceu um regime transitório na Lei n.° 94/2017, mormente no seu art.º 12, nº 1, estabelecendo que o condenado em prisão por dias livres ou em regime de semidetenção pode requerer ao tribunal a reabertura da audiência para que a prisão do tempo que faltar seja substituída por pena não privativa da liberdade ou para que a prisão passe a ser cumprida, pelo tempo que faltar, no regime de permanência na habitação.
No mesmo art.º 12°, mas no seu número 2, completou igualmente um regime transitório para situações em que o arguido cumpre pena de prisão em regime contínuo resultante do incumprimento das obrigações de apresentação decorrentes da prisão por dias livres ou em regime de semidetenção\ Também nesta situação, se pode aplicar o regime de permanência na habitação desde que o condenado o requeira.
Ora se o legislador expressamente estabeleceu um regime transitório para aplicação da nova lei caso o condenado pedisse a reabertura da audiência de modo a que a prisão do tempo que faltasse cumprir fosse substituída por pena não privativa da liberdade ou no regime de permanência na habitação, não previu um regime transitório para as situações em que o condenado não pedisse a reabertura da audiência.
Isto porque a Lei n.° 94/2017 revogou, entre outras, o art.º 125.°, do Código de Execução de Penas e Medidas Privativas da liberdade e o art.º 45°, n°s 3 e 4, do Código Penal.
Ora era precisamente o art.º 125° do Cód. de Execução de Penas que estatuía sobre a execução, faltas e termo de cumprimento da prisão por dias livres e em regime de semidetenção; O n.° 4 daquele art.º 125° permitia ao Tribunal de Execução das Penas, depois de ouvir o condenado e de proceder às diligências necessárias, não considerar a falta justificada, passando a prisão a ser cumprida em regime contínuo pelo tempo que faltasse, passando, para tal efeito, os mandados de captura.
Por seu turno, o art.º 45.°, n°s 3 e 4 do Código Penal estabelecia a duração mínima e máxima de cada período de prisão por dias livres e a equivalência entre cada período por dias livres e o período de prisão em regime contínuo.
Com a revogação dos citados art.º 125° do Cód. de Execução de Penas (máxime o n.° 4 deste artigo) e do art.º 45.°, n°s 3 e 4 do Código Penal criou-se uma lacuna, não podendo no quadro legal em vigor o aplicador do direito recorrer às normas que regulavam e permitiam a conversão da pena de prisão por dias livres em pena de prisão em regime contínuo em situações de incumprimento das obrigações de apresentação; o mesmo é dizer que a revogação dos arts. 125.°, do Código de Execução das Penas e das Medidas Privativas da Liberdade e do art.º 45.°, n°s 3 e 4, do Código Penal, não permite que este Tribunal converta o cumprimento do remanescente da pena em pena de prisão em regime contínuo, em virtude do incumprimento injustificado das obrigações de apresentação decorrentes da prisão por dias livres.
Atenta a natureza do Direito Penal, na sua vertente material e processual, essa lacuna não pode ser integrada, não se podendo fazer uma espécie de repristinação de normas que o legislador expressamente revogou, uma vez que colocaria em causa princípios basilares como o da legalidade, que tem consagração constitucional (cfr. art 29° da Constituição da República Portuguesa).
Note-se adicionalmente que a determinação do cumprimento do tempo de prisão que falta cumprir em regime contínuo não é automática; dependendo da apreciação do juiz sobre a natureza das faltas e a ponderação da respectiva culpa, assim se compreendendo que a lei - no hoje revogado 125° n.° 4 do Cód. de Execução de Penas - impusesse a audição do condenado previamente às conversão em regime de prisão contínua e a possibilidade de o tribunal proceder a diligência antes de proferir decisão - cfr. Ac Tribunal da Relação de Coimbra de 28-6-2017, proferido no processo n.° 60/15.0TXCBR-DC1.
Tendo sido eliminada a pena de prisão por dias livres e as normas que regulavam a conversão do seu incumprimento em regime contínuo, a omissão do legislador de um regime transitório completo que contemplasse aquela situação, faz com que o quadro legal vigente (após revogação das do referido art.º 125° Cód. de Execução de Penas e 45° n.° 3 e 4 do Cód. Penal) não faculte os instrumentos necessários à mesma conversão, em caso de incumprimento da extinta pena de Prisão por dias livres — neste sentido, cfr. o recente Acórdão da Relação de Lisboa de 13-12-2018, proferido pela 9ª Secção no âmbito do processo n.° 967/14.1TXLSB-A.L1.
No caso em apreciação, o Ministério Público promove que seja ouvido o condenado, mas o certo é que essa audição não tem previsão legal, face à sobredita eliminação do art.º 125° n.° 3 Cód. de Execução de Penas do nosso ordenamento jurídico, sem que tenha sido substituído por norma equivalente.”
2. Não se conformando com esta decisão o MºPº dela interpôs recurso apresentando motivação da qual extrai as seguintes conclusões:
“1. Foi indeferida a promoção de audição do condenado, para justificação das faltas de apresentação para cumprimento da prisão em dias livres, que deve anteceder a sua conversão em prisão contínua, com o fundamento na revogação do artigo 125.°, do Código da Execução de Penas e Medidas Privativas da Liberdade e dos números 3. e 4., do Código Penal.
2. A Lei número 94/2017, de 23 de Agosto, extinguiu a pena de prisão por dias livres, enquanto regime de cumprimento da pena de prisão, e conferiu uma maior amplitude ao regime da permanência na habitação.
3. A referida lei, veio contemplar um mecanismo suavizador deste efeito de aplicação da lei no tempo, mais benéfica, que permite a reabertura da audiência de julgamento solicitada pelo condenado em prisão por dias livres, por sentença transitada em julgado, para aplicação do novo regime de permanência na habitação, co consta do seu artigo 12.°, que estabelece um regime transitório.
4. Mas não descriminalizou a conduta imputada ao arguido e a medida abstracta da pena que lhe cabe mantêm-se, nem retirou força executiva à decisão, conforme artigo 467.° do Código de Processo Penal, pelo que será de manter a execução da pena aplicada até que possa ser declarada extinta pelo cumprimento integral.
5. O que se permite ao agente do crime não é a possibilidade de se eximir ao cumprimento da pena, mas tão só de beneficiar do cumprimento de pena privativa da liberdade em permanência na habitação ao invés de reclusão num estabelecimento prisional.
6. A lei revogatória do regime penal não impossibilita a continuação da sua aplicação aos casos passados, quer enquanto lei material quer quanto lei processual, como resulta dos princípios gerais da aplicação da lei penal.
7. Qualquer outra interpretação será atentatória do Estado de Direito, uma vez que incentiva o desrespeito das decisões judiciais e gera um intolerável sentimento de injustiça para os demais cidadãos, pelo que não pode ser tolerada pelo sistema penal nem pela Ordem Jurídica, devendo ser revogada.”
3. Admitido o recurso com subida imediata, nos próprios autos em separado e com efeito devolutivo o arguido não respondeu.
4. Neste Tribunal da Relação o Ex.mo Senhor Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se no sentido da procedência do recurso.
5. Foram colhidos os vistos e realizada a competente conferência.
6. Suscita-se a apreciação de uma única questão suscitada, a qual é a de saber se a revogação dos artigos 125.º da Lei n.º 115/2009, de 12/10, do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade (CEPMPL), e 45.º, n.ºs 3 e 4, do Código Penal, não permite que o Tribunal de Execução das Penas converta o cumprimento do remanescente da pena de prisão por dias livres em regime de cumprimento contínuo, em virtude de incumprimento injustificado das obrigações de apresentação decorrentes da prisão por dias livres.
7.1. Apreciação.
Funda o magistrado do MºPº recorrente a sua discordância relativa à decisão proferida nos autos, que indeferiu o pedido de audição do arguido condenado em 72 (setenta e dois) períodos de 48 (quarenta e oito) horas prisão por dias livres, dos quais lhe falta cumprir 66 (sessenta e seis) períodos, fundado no entendimento do tribunal recorrido, segundo o qual, tendo sido eliminada a prisão por dias livres e as normas que regulavam a conversão do seu incumprimento em regime contínuo, a omissão do legislador de um regime transitório completo que contemplasse aquela situação, faz com que o quadro legal vigente (após a revogação do art.º 125º do Código de Execução de Penas e art.º 45. nºs 3 e 4 do Código Penal) não faculte os meios necessários à mesma conversão, em caso de incumprimento da extinta pena de prisão por dias livres.
O despacho recorrido sustenta-se no entendimento do Acórdão do TR de Lisboa, 9ª Secção, proferido a 13 de Dezembro de 2018, no processo nº 967/141TXLSB-A.L1, que cita, tudo conforme a integral, supra, transcrição do despacho recorrido.
A mesma questão foi já apreciada por este Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdãos de 29 de Novembro de 2018 (processo n.º 596/15.2TXLSB-B.L1), de 11 de Dezembro de 2018 (processo nº 3130/10.7TXLSB-D.L1-3, (disponível em www.dgsi.pt), de 28 de Maio de 2019, proferido por Jorge Gonçalves, (processo 857/16.3TXLSB-A.L1, igualmente disponível em www.dgsi.pt), e de 15 de Outubro de 2019 (processo nº 565/17.8TXLSB-A.L1, proferido pelos mesmos juízes que subscrevem o presente acórdão), que aqui acompanhamos, no sentido que nos parece o adequado, pelo que seguiremos o entendimento então perfilhado.
“A Lei n.º 94/2017, de 23 de Agosto, eliminou do nosso sistema penal a pena de substituição de prisão por dias livres.
Simultaneamente, o mesmo diploma revogou o artigo 125.º e o capítulo II do título XVI do Livro I do CEPMP, o que se compreende por se tratar de disposições referentes à prisão por dias livres e em regime de semidetenção, que a Lei n.º 94/2017 eliminou.
Como bem se assinala no acórdão de 11/12/2018, a intenção do legislador (na Lei n.º 94/2017 de 23/8) ao prescrever uma maior amplitude do regime de permanência na habitação, extinguindo a pena de substituição de prisão por dias livres, não foi a de amnistiar, muito menos de descriminalizar as condutas sancionadas com tal pena, ou sequer de atingir o carácter exequendo da pena determinada por decisão jurisdicional com força de caso julgado.
A lei revogatória de um regime penal nem sequer impossibilita a continuação da sua aplicação aos casos pretéritos, tanto na sua índole penal substantiva, como na sua perspectiva regulamentadora, podendo essa aplicação decorrer do artigo 2.º, n.º4, do Código Penal, relativo à sucessão de leis penais no tempo, nos casos em que a lei vigente à data dos factos for considerada concretamente mais favorável do que a lei posterior.”
Relativamente à prisão por dias lives, foi esse o entendimento da Relação de Évora, no seu acórdão de 26/04/2018, proferido no processo 68/17.0GCSTB.E1, onde podemos ler o seguinte:
“Sendo inaplicável o RPH com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, tanto de acordo com a versão do art.º 44º do C. Penal em vigor à data dos factos (LA) como na versão do art.º 43º do C. Penal introduzida pela Lei 94/2017, actualmente em vigor (Lei Nova), e considerando ainda que a LN deixou de prever a execução da prisão por dias livres (bem como o regime de semidetenção), concluímos que é a LA a que em concreto é mais favorável ao arguido, nos termos e para efeitos do estabelecido no art.º 2º nº4 do C. Penal. Com efeito, em face da LN o arguido teria que cumprir a pena de 7 meses de prisão continuamente em meio prisional, o que é mais desfavorável ao arguido que as formas descontínuas de cumprimento da pena de prisão, pelo que do confronto entre o regime anterior e o actual resulta ser-lhe concretamente mais favorável a execução da pena de 7 meses de prisão por dias livres, nos precisos termos em que o decidiu o tribunal a quo, uma vez que, conforme vimos, o recurso do arguido improcede totalmente.”
A mencionada Lei n.º 94/2017, no seu artigo 12.º, n.º 1, estabeleceu a possibilidade de reabertura da audiência de julgamento, a solicitação do condenado, por sentença transitada em julgado, em prisão por dias livres ou em regime de semidetenção, para aplicação de pena não privativa da liberdade ou do novo regime de permanência na habitação.
Idêntico regime é aplicável à prisão em regime contínuo que resulte do incumprimento das obrigações de apresentação decorrentes da prisão por dias livres, nos termos dos n.ºs 2 e 3, do mesmo artigo.
Neste sentido, vide o Ac. do TR de Lisboa, da 5ª Secção, também de 28 de Maio de 2019, onde se afirma que nos termos do nº 2 do art.º 12º da norma transitória da Lei 94/2017:
“À prisão em regime contínuo que resulte do incumprimento das obrigações de apresentação decorrentes da prisão por dias livres ou em regime de semidetenção pode aplicar-se o regime de permanência na habitação introduzido pela presente lei.”
Pelo que este Regime de Permanência na Habitação se deve aplicar no Tribunal de Execução de Penas, independentemente do nº 1 do referido art.º 12º, ou de ser o arguido a requerê-lo, caso seja verificado que o recluso pode cumprir o remanescente da pena em regime de habitação, após homologação judicial o que deve ser avaliado oportunamente mas, de momento, ultrapassa tal hipótese o objecto do presente recurso ficando à consideração da primeira instância (TEP) essa avaliação e oportunidade.
Esta possibilidade, mesmo para além do trânsito em julgado da condenação, pressupõe que não se parte do princípio de que o crime em causa esteja descriminalizado ou de que exista um impedimento legal, por falta de regulamentação, para a execução da pena imposta na sua plenitude.
A seguir-se o entendimento perfilhado na decisão recorrida, temos que o condenado por sentença transitada que estivesse a cumprir a prisão por dias livres e diligenciasse pelo cumprimento dessa pena ou da pena residual, nos termos do artigo 12º da citada Lei n.º 94/2017, teria que cumprir a pena que lhe fosse imposta, enquanto o condenado que estivesse em incumprimento da prisão por dias livres e nada requeresse nos termos do mencionado artigo ficaria inteiramente liberto do cumprimento da pena residual.
O que a Lei n.º 94/2017 permite ao condenado não é a possibilidade deste se eximir ao cumprimento da pena que lhe foi imposta, mas tão só a de poder beneficiar de um regime de cumprimento mais favorável, caso lance mão do mecanismo previsto no artigo 12.º do mencionado diploma legal.
Socorrendo-nos, mais uma vez, do acórdão da 3ª Secção do TR de Lisboa, de 11 de Dezembro de 2018, a revogação dos artigos 125.º do CEPMPL e do 45.º, n.ºs 3 e 4, do Código Penal, “não impede - nem pode impedir do ponto de vista da congruência do próprio sistema, - a conversão do tempo de pena não cumprido de prisão por dias livres em prisão contínua, sendo esta uma mera operação matemática que se impõe pelo incumprimento não justificado que inviabiliza o prosseguimento da execução em molde de privação de liberdade menos rígido” e “a aplicação do preceituado no n.º 4 do Art.º 125.º do CEPMPL impõe-se mesmo no sentido de uma redução teleológica da aludida norma legal revogatória (tal como sucedeu em maior escala ainda no quadro sancionatório do consumo de estupefacientes, pela via interpretativa salientada no Acórdão de fixação de jurisprudência n.º 8/2008 de 25/6/2008”.
Se assim não for entendido, mal se compreende a razão de ser do supra regime transitório, que se refere, além do mais, à prisão em regime contínuo que resulte do incumprimento das obrigações de apresentação decorrentes da prisão por dias livres ou em regime de semidetenção.
A pena não pode ser declarada extinta enquanto não for integralmente cumprida, seja de uma forma ou de outra, não podendo o tribunal de execução colocar-se na situação de ficar a aguardar, sem mais, pelo decurso do prazo de prescrição.
Tem razão o recorrente, nos precisos termos das suas conclusões de recurso:
“A Lei número 94/2017, de 23 de Agosto, extinguiu a pena de prisão por dias livres, enquanto regime de cumprimento da pena de prisão, e conferiu uma maior amplitude ao regime da permanência na habitação.
A referida lei, veio contemplar um mecanismo suavizador deste efeito de aplicação da lei no tempo, mais benéfica, que permite a reabertura da audiência de julgamento solicitada pelo condenado em prisão por dias livres, por sentença transitada em julgado, para aplicação do novo regime de permanência na habitação, co consta do seu artigo 12°, que estabelece um regime transitório.
Mas não descriminalizou a conduta imputada ao arguido e a medida abstracta da pena que lhe cabe mantêm-se, nem retirou força executiva à decisão, conforme artigo 467° do Código de Processo Penal, pelo que será de manter a execução da pena aplicada até que possa ser declarada extinta pelo cumprimento integral.
O que se permite ao agente do crime não é a possibilidade de se eximir ao cumprimento da pena, mas tão só de beneficiar do cumprimento de pena privativa da liberdade em permanência na habitação ao invés de reclusão num estabelecimento prisional.
A lei revogatória do regime penal não impossibilita a continuação da sua aplicação aos casos passados, quer enquanto lei material, quer quanto lei processual, como resulta dos princípios gerais da aplicação da lei penal.”
Impõe-se, pois, conceder provimento ao recurso, devendo o Mm.º Juiz "a quo" proferir decisão no sentido de proceder à promovida audição do condenado e, após, decidir em conformidade com o supra exposto, quanto às faltas de apresentação do condenado para cumprimento da prisão por dias livres, impondo, sendo caso disso, o cumprimento da pena residual em regime contínuo, sem prejuízo de o condenado poder vir a recorrer ao mecanismo do artigo 12.º da Lei n.º 94/2017.
Em suma:
“I. A Lei n.º 94/2017, no seu artigo 12.º, n.º1, estabeleceu a possibilidade de reabertura da audiência de julgamento, a solicitação do condenado por sentença transitada em julgado, em prisão por dias livres ou em regime de semidetenção, para aplicação de pena não privativa da liberdade ou do novo regime de permanência na habitação.
II. Idêntico regime é aplicável à prisão em regime contínuo que resulte do incumprimento das obrigações de apresentação decorrentes da prisão por dias livres, nos termos dos n.ºs 2 e 3, do mesmo artigo.
III. A Lei n.º 94/2017 permite ao condenado, não a possibilidade de este se eximir ao cumprimento da pena que lhe foi imposta, mas tão só a de poder beneficiar de um regime de cumprimento mais favorável, caso lance mão do mecanismo previsto no artigo 12.º do mencionado diploma legal.
IV. A revogação dos artigos 125.º do CEPMPL e do 45.º, n.ºs 3 e 4, do Código Penal não impede a conversão do tempo de pena não cumprido, de prisão por dias livres em prisão contínua.
V. A pena não pode ser declarada extinta enquanto não for integralmente cumprida, seja de uma forma ou de outra, não podendo o tribunal de execução colocar-se na situação de ficar a aguardar, sem mais, o decurso do prazo de prescrição. Cfr. Ac. do TR de Lisboa, sendo Relator Jorge Gonçalves, de 28de Maio de 2019, citado supra.
8. Decisão:
Em conformidade com o exposto acordam os juízes neste tribunal em julgar procedente o recurso interposto pelo MºPº e revogar a decisão recorrida, a qual deverá ser substituída por outra, a proferir nos termos acima sobreditos.
Sem Custas
(Texto elaborado de acordo com a raiz latina da língua portuguesa, em suporte informático e integralmente revisto pelos signatários)

Lisboa, 26 de Novembro de 2
Ricardo Manuel Chrystello e Oliveira de Figueiredo Cardoso
Artur Daniel Tarú Vargues da Conceição