Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2881/2006-9
Relator: RUI RANGEL
Descritores: MEDIDA CAUTELAR
BUSCA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/01/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO
Sumário: São legais as revistas e buscas feitas por órgão de polícia criminal ao veículo automóvel onde se suspeita que os arguidos transportem produtos estupefacientes, sem prévia autorização da autoridade judiciária uma vez que, no caso, estão verificados os pressupostos de validade referidos no artº 251º, nº 1, al. a), do C.P.P. (ocultação de objectos relacionados com o crime, susceptíveis de servirem de prova e que de outra forma poderiam perder-se).
Decisão Texto Integral: Acordam em Conferência na 9ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa

1. Relatório
1.1. No Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa, proc. nº 62/06.7PQLSB 1ª Secção, foi proferido despacho de não validação da busca efectuada aos arguidos, por considerar que esta diligência é ilegal e proibida, atenta a forma como a mesma se realizou, sendo de nenhum efeito a prova obtida pelo meio da mesma, de onde resulta a não validação da detenção dos arguidos, porque feita no pressuposto da apreensão daquela droga.
Em conformidade, nos termos do art. 125°, e 126° n. ° 3 ambos do C.P.P., julgou-se nula esta prova, não determinando a restituição da mesma atenta a sua natureza ilícita, determinando ao invés a sua oportuna destruição nos termos e para os efeitos do disposto no art. 109° do CP.
1.2. Inconformado com este despacho, interpôs recurso o MºPº, que motivou, concluindo nos seguintes termos:
O douto despacho sob censura violou por erro de interpretação e subsunção dos factos ao direito o disposto nos art°s 109, 125, 126 n° 3, 174 n4 al.b). 251 n°1 al.a) todos do CPP bem como o disposto no art° 21 n°1 do DL 1.5/93 de 22 de Janeiro.
De facto, nos presentes autos a busca efectuada à viatura em que os arguidos se faziam transportar e as revistas e apreensões efectuadas aos mesmos obedeceram aos requisitos previstos no art° 251 n°l al. a do CPP, sendo consequentemente válidas e legais os meios de prova assim obtidos.
Na verdade, o nervosismo evidenciado pelo arguido Lenine ao aperceber-se do agente da PSP devidamente uniformizado, que se lhe dirigiu, tendo aquele acto continuo entregue ao co-arguido um embrulho de papel, que este último guardou no porta luvas da viatura evidenciavam atenta a hora e local em que tais factos ocorreram e a frequente utilização de viaturas para transportar estupefacientes que se estava perante a prática de actos de tráfico de estupefacientes.
Com efeito, tais condutas eram de molde a fazer crer a agentes experimentados (como o são os que actuam em Lisboa) que os arguidos estavam a guardar no porta-luvas da viatura produtos estupefacientes.
Impondo-se consequentemente, por se verificarem os requisitos do art. 251º n°1 al. a do CPP, a realização imediata de uma busca à viatura automóvel em que os arguidos se faziam transportar e uma revista dos mesmos como medida cautelar.
De facto, só com essa medida cautelar e de polícia, era possível evitar a perda das provas.
A bondade de tal actuação resulta desde logo do facto de as suspeitas do agente terem sido corroboradas com a apreensão no porta-luvas de duas embalagens contendo respectivamente cerca de 25,40 e 26,91 gramas de heroína e de cocaína.
Busca essa que, em conformidade com o disposto nos art°s 249º e 251º n°1 al. a) do CPP, não carecia de autorização dos visados ao invés do que sustenta o tribunal recorrido.
Deve consequentemente ser revogado o douto despacho sob censura e substituído por outro que, deferindo ao promovido pelo M°P°, em sede de 1° interrogatório judicial, declare válidas as revistas, busca e apreensões efectuadas nos autos, indicie os arguidos pela prática, em co-autoria, de um crime de trafico de estupefacientes p. e p. pelo art° 21 n°1 do DL 15/93, de 22 de Janeiro e determine que os mesmos aguardem os ulteriores termos processuais em liberdade provisória mediante T1R e apresentações semanais no posto policial da área da respectiva residência art°s 198 e 204 al. c) do CPP-
1.3. Na 1ª Instância houve recurso da parte do MºPº, que concluíu pela sua procedência.
1.4. Nesta Relação o Exmº PGA teve Vistos dos autos, ao abrigo do disposto no art. 416º do CPP.
1.5. Foi cumprido o disposto no art. 417º, nº 2 do CPP
1.6. Foram colhidos os Vistos legais.

2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1.Consta dos autos as seguintes ocorrências factuais, com interesse para a resolução desta questão.
No dia 27 de Janeiro de 2006, pelas 21h15, o agente da PSP subscritor do auto de detenção, que se encontravam devidamente uniformizado e inserido na equipa de intervenção rápida "D", da 3' Divisão da PSP, ao abordar na Rua Professor Vieira de Almeida, em Lisboa, a viatura matricula ..-..-.., marca Renault, para proceder à sua fiscalização, verificou que:
O ora arguido A. que conduzia a aludida viatura, na qual se fazia transportar B., ao aperceber-se da sua presença, agiu de forma nervosa e suspeita, tendo acto contínuo entregue a B. um embrulho em papel.
Embrulho esse que, este último, colocou no interior do porta-luvas da mencionada viatura.
Perante tal comportamento o agente da autoridade, que obviamente suspeitou de imediato ter presenciado actos de tráfico de estupefacientes, passou uma revista sumária aos suspeitos e à viatura tendo encontrado no interior do porta-luvas, no local onde os arguidos o haviam ocultado, dois sacos em plástico, envoltos numa folha de papel de jornal, contendo produtos em pó, suspeitos de serem estupefacientes com os pesos brutos de 25,40 e 26,91 gramas,
Perante tais suspeitas comunicadas de imediato aos arguidos vieram os mesmos a ser conduzidos à sede da 3ª Divisão da PSP.
Local onde, aqueles produtos, foram identificados através do teste rápido DIK 12 como sendo, respectivamente, heroína e cocaína, tendo sido, consequentemente, elaborados os pertinentes autos, detidos os arguidos e efectuadas as respectivas comunicações.
Detenção essa que, ainda nesse mesmo dia, não obstante o adiantado da hora foi comunicada, via fax, ao Tribunal. de Instrução Criminal (Secção Central do DIAP).
Vieram assim, no dia imediato, os arguidos a serem submetidos ao primeiro interrogatório judicial, no decurso do qual defenderam-se pela forma que tiveram por adequada.
Neste contexto o arguido A. afirmou que:
No dia e local referidos no auto de detenção conduzia a viatura ..-..-..propriedade de sua mãe.
Regressava a casa, tendo apanhado a Calçada de Carriche e, para evitar o trânsito da 2`" circular, "meteu" por telheiras, onde parou num semáforo vermelho, ao lado de uma carrinha da Polícia.
Nessa altura reparou que dois dos polícias, de entre os cerca de sete agentes, que se encontravam naquela carrinha, estavam a discutir.
Quando um deles olhou para si, sorriu.
Então, cerca de 8 segundos depois, os polícias mandaram-no parar e sair do carro, tendo-lhe perguntado a si e ao B. se tinham alguma coisa consigo que os pudesse comprometer, tendo respondido que não.
Os polícias efectuaram a revista aos dois e à viatura e não encontraram nada.
Como não tinha os seus documentos de identificação nem os do veículo, os Policias, disseram-lhe que teria de ir para a esquadra para o identificarem.
Entretanto, ligou à sua mãe para lhe trazer o resto dos documento em falta, e, já na esquadra, cerca de 10 minutos depois de lá ter chegado, entraram 3 policias, um dos quais com urna braçadeira vermelha no braço e um dos outros dois colocou um pacote embrulhado em jornal sobre uma mesa e perguntou-lhes se. aquilo. era deles e onde é que o tinham comprado.
Nunca antes tinha visto aquele pacote.
Os polícias, enquanto revistavam o carro e enquanto o conduziam à esquadra, não lhe disseram que tinham encontrado droga na viatura.
Só depois de ter sido confrontado com o embrulho supra referido é que lhe foi dito, pelo mesmo policia que lho apresentou, que a droga tinha sido encontrada na sua viatura.
A polícia não lhe pediu autorização para lhe revistar a viatura.
Por sua vez o co-arguido B. depôs pela forma constante de fls 33 e 34, aqui dada por reproduzida corroborando o depoimento do co-arguido.
Frisou, assim, terem sido ambos revistados bem como a viatura mas que, só na esquadra, é que, os polícias, lhes referiram terem encontrado droga.
Declarou ainda que o polícia que na esquadra lhe mostrou o pacote embrulhado em jornal não foi o mesmo que fez a revista ao carro.

3. O DIREITO

No caso subjudice este tribunal conhece de direito, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 363º e 428º, nºs 1 e 2, este “a contrario”, todos do CPP

3. Objecto do Recurso
3.1. A questão que constitui o objecto de recurso, prende-se unicamente com a nulidade ou não da busca que foi efectuada à viatura onde se encontravam os arguidos, ou seja, saber se esta diligência probatória obedeceu ou não aos requisitos previstos no art. 251º, nº 1 al. a) do CPP.
Cumpre apreciar e decidir.
3.2. Prescreve o disposto no art. 251º do CPP, que para além dos casos previstos no art. 174º, nº 4, os órgãos de polícia criminal podem proceder, sem prévia autorização da autoridade judiciária, “à revista de suspeitos em caso de fuga iminente ou de detenção e a buscas no lugar em que se encontrarem, salvo tratando-se de busca domiciliária, sempre que tiverem fundada razão para crer que neles se ocultam objectos relacionados com o crime, susceptíveis de servirem a prova e que de outra forma poderiam perder-se;"
Nas anotações ao art. 251º do CPP, Maia Gonçalves, refere (15ª edição), de forma acertada e à luz da melhor interpretação deste preceito legal que “os órgãos de polícia criminal podem, ir além dos poderes já conferidos por outras disposições, realizando revistas e buscas não domiciliárias mesmo sem prévia autorização judiciária, desde que a demora na obtenção dessa autorização faça perder a utilidade da diligência ou a ponha em grave risco de perder-se, ou proceder à revista de pessoas que tenham de participar ou pretendam assistir a qualquer acto processual, sempre que houver razoes para crer que ocultam armas ou outros objectos com os quais possam praticar actos violentos".
No caso vertente trata-se de uma clara medida cautelar, uma actividade típica de polícia, que não fere os direitos liberdades e garantias dos arguidos, visando a diligência em causa evitar perder um meio de prova que poderá desaparecer se não forem tomadas de imediato estas medidas cautelares, na medida em que para a polícia que realizou a dita diligência, ficou patente a fundada razão de os arguidos ocultarem no interior do veículo objectos relacionados com o crime, susceptíveis de servirem a prova que de outra forma poderiam perder-se, o que veio, efectivamente, a verificar-se, pois, foi aí encontrado dois sacos em plástico, envoltos numa folha de papel de jornal, contendo produtos em pó, suspeitos de serem estupefacientes com os pesos brutos de 25,40 e 26,91 gramas. Foram identificados através do teste rápido DIK 12 como sendo, respectivamente, heroína e cocaína, tendo sido, consequentemente, elaborados os pertinentes autos, detidos os arguidos e efectuadas as respectivas comunicações.
Com efeito para esta medida cautelar os órgãos de polícia criminal têm competência originária, o que decorre do art. 249º do CPP.
Assim é inquestionável que as revistas e as buscas autorizadas pelo art. 251º do CPP, são medidas cautelares urgentes, cuja utilidade se perderá se não forem realizadas imediatamente e que por isso o podem ser excepcionalmente sem autorização da autoridade judiciária.
Ora, in casu, encontravam-se preenchidos os pressupostos exigidos pelo - art° 251º n°1 al. a) do CPP- que justificavam que o agente da PSP tivesse, licitamente, procedido às revistas e busca em apreço.
Na verdade, na ausência de outros elementos, ainda assim, o nervosismo evidenciado pelo arguido A. (condutor da viatura ..-..-..) ao aperceber-se da presença do agente da PSP, devidamente uniformizado, que se lhe dirigiu, tendo acto continuo entregue ao co-arguido um embrulho em papel, que este último guardou, de imediato, no interior do porta luvas da viatura, evidenciavam, atenta a hora em que tais factos ocorreram e a frequente utilização de automóveis para transportar estupefacientes, que se estava perante a prática de actos de tráfico de estupefacientes.
Tais comportamentos eram de molde a suscitar as suspeitas de existência no veículo de substâncias psicotrópicas.
Não faz qualquer sentido “amarrar”, em termos interpretativos, a norma do art. 251º do CPP, como resulta do despacho recorrido, aos mesmos pressupostos exigidos por lei, para o caso das buscas domiciliárias.
Aqui sim faz sentido, pelos valores constitucionais que estão em causa, “amarrar” a busca domiciliária, à prévia autorização da autoridade judiciária, não podendo esta, em caso algum, realizar-se sem esta prévia autorização, sob pena de nulidade.
No caso concreto, medida cautelar urgente, busca e revista, no interior do veículo, como ocorreu, era só o que faltava, fulminar esta medida, com nulidade. Se assim fosse estariam abertas as portas para o insucesso de qualquer investigação criminal e para a legitimação de destruição de prova relacionados com a actividade criminal.
Somos sempre sensíveis e atentos a medidas que possam ferir os direitos liberdades e garantias constitucionalmente garantidos ou a medidas que caiam na alçada do abuso de autoridade.
Todavia, no caso em análise, nenhuma destas circunstâncias se verificam.
Assim a busca foi efectuada em conformidade com o disposto nos art°s 24º e 251º n°1 al. a) do CPP, pelo que não carecia de autorização dos visados ao invés do que sustenta o despacho recorrido.
Concluindo os órgãos de polícia criminal podem proceder, sem prévia autorização da autoridade judiciária, à revista de suspeitos e a buscas no lugar em que se encontrarem, salvo o domicilio, sempre que tiverem fundada razão para crer que neles se ocultam objectos relacionados com o crime, susceptíveis de servirem da prova e que de outra forma poderiam perder-se (art.251.1doCPP).
É legal e válida, por isso, as revistas e buscas feitas pelo agente da PSP ao veículo em causa por transportar suspeitos de tráfico ou detenção de droga, no caso os arguidos.
4. DECISÃO
Nestes termos acordam os juízes que compõem esta Secção Criminal, em julgar procedente o recurso, revogando o despacho sob censura que deverá ser substituído por outro que, após validar as revistas, buscas e apreensões efectuadas indicie os arguidos pela prática, em co-autoria, do crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo art° 21 n°1 do DL 15/93, de 22 de Janeiro e determine que aguardem os ulteriores termos processuais em liberdade provisória mediante TIR e apresentações semanais.
Sem tributação

Lisboa, 11 de Maio de 2006

Rui Rangel
João Carrola
Carlos Benido